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A recessão inflacionária, o gradualismo e a

desindustrialização do Brasil

Os índices de inflação de janeiro de 2016 ilustraram a triste realidade da economia


brasileira: a inflação de preços é extremamente resiliente e ainda não mostra sinais de
arrefecimento. Isso preocupa não apenas o Banco Central como também muitos
economistas, perplexos com uma inflação persistente a despeito da profunda recessão pela
qual o país atravessa.

Isso nos leva a uma questão fundamental: há um entendimento equivocado, embora


generalizado, dos efeitos do crescimento econômico e do seu oposto, a recessão.

A teoria econômica predominante e, por consequência, o senso comum, atribuem ao


crescimento econômico a inflação de preços. Quando a economia está aquecida, os preços
sobem, afirmam eles. A demanda está muito elevada, por isso os preços tendem a subir.

Logo, uma recessão seria o remédio indicado para debelar um quadro econômico
inflacionário. A recessão, defendem estes economistas, derruba a demanda e, como
resultado, os preços caem.

Mas a verdade é exatamente o oposto disso.

O crescimento econômico é inerentemente deflacionário. Se a economia cresce, ela produz


mais, aumentando a oferta de bens e serviços disponíveis para o consumo em uma
comunidade. A economia se torna mais produtiva. Com uma maior quantidade de bens e
serviços no mercado, e o estoque de moeda relativamente estável, os preços tendem a cair.
A moeda ganha poder de compra. Daí a natureza deflacionária do crescimento econômico.

A recessão, por sua vez, significa que a produção está em plena contração; é quando a
atividade econômica se retrai. A economia produz menos, diminuindo a oferta de bens e
serviços disponíveis para o consumo em uma comunidade.

Logo, em que pese o estoque de moeda relativamente estável, em uma economia com uma
menor quantidade de bens e serviços sendo ofertada no mercado, os preços tendem a subir.
A moeda perde poder de compra. A recessão é um fenômeno cujos efeitos são
necessariamente inflacionários.

Por que então o entendimento distinto do senso comum? Por que a propensão a equivaler
crescimento econômico com inflação e recessão com deflação?

Simplesmente porque confundem demanda nominal — aqui entendida como um aumento


da oferta monetária na economia — com demanda real, a qual é oriunda de um efetivo
aumento da produção na economia.

A inflação monetária, o aumento da oferta de dinheiro na economia — sendo este o correto


significado de inflação —, tende a elevar os preços de forma generalizada. Injetar moeda na
economia certamente aumentará a "demanda nominal", encarecendo os produtos ofertados
— ou, dito de outra forma, diluindo o poder de compra de cada unidade monetária.

O que a inflação monetária não pode garantir, contudo, é um aumento efetivo e sustentável
da produção, da atividade econômica.

A demanda real é aquela originada justamente pela maior oferta de bens e serviços na
economia, conforme sugere a Lei de Say: "a oferta gera sua própria demanda". Ainda hoje a
Lei de Say é rejeitada por muitos economistas. Mas isso decorre de uma errônea
compreensão da teoria monetária.

Eu só posso demandar bens no mercado ofertando nele as mercadorias por mim produzidas.
Eu intercambio a minha produção pela produção de outros fabricantes. A moeda, nesse
processo, funciona apenas como o meio de troca, como o bem "intermediário" que eu aceito
receber em troca dos meus produtos, para poder adquirir logo mais adiante as mercadorias
que eu realmente desejo. Quanto mais eu produzo, maior será meu poder de compra no
mercado. Maior será minha demanda real no mercado.

Se a oferta monetária dobrar em uma economia, a produção agregada — aqui entendida


como a soma de todas as produções de indivíduos e empresas em dita economia — não será
duplicada. Os preços dos bens e serviços ofertados nessa economia, porém, tenderão a subir
sobremaneira; aumentou-se apenas a demanda nominal. Os pormenores de todo o processo
de expansão monetária e seus efeitos na economia não são o tema central do artigo, para
isso recomendo ler aqui e aqui.

O ponto central deste artigo é entender que o aumento da demanda real, uma maior
produção na economia, tem efeitos deflacionários e não inflacionários, ao contrário do que
costumam afirmar muitos economistas. E queda da demanda real, uma menor produção na
economia, exerce inevitavelmente pressões inflacionárias. Tudo o mais constante, uma
recessão provocará um aumento dos preços.

Em resumo, basta aplicar a velha lei de oferta e demanda. Quanto mais bens e serviços são
ofertados no país (crescimento econômico), menores tendem a ser os seus preços. Quanto
menos bens e serviços são ofertados (recessão), maiores tendem a ser seus preços. Produção
em alta, preços em queda. Produção em baixa, preços em alta. Economia em crescimento,
os preços caem. Economia em contração, os preços sobem. Simples assim.

A recessão inflacionária brasileira e a nossa desindustrialização

A natureza inflacionária da recessão ajuda a explicar a intrincada situação da economia


brasileira, pois ela é mais um dos fatores exercendo enorme pressão altista nos preços.
Segundo a Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física (PIM-PF) do IBGE, a produção
industrial brasileira fechou 2015 com uma contração de 8,3%, sentenciando o ano como o
pior de toda a série histórica iniciada em 2003. No confronto com igual mês do ano anterior,
o total da indústria apontou redução de 11,9% em dezembro de 2015, a vigésima segunda
taxa negativa consecutiva nesse tipo de comparação. Mais um recorde quebrado.

Verdade seja dita, quando analisamos o acumulado dos últimos doze meses, outubro de
2009 seria o pior mês da história, período em que a produção despencou 10,3%. Entretanto,
aquele era o ano após o estouro da crise de 2008. A queda de então foi mais acentuada,
porém, mais abrupta e a reversão não tardou a chegar. Foram 13 meses de produção
industrial decrescente.

Agora, embora a retração não seja (ainda) tão profunda quanto a de 2009, desde março de
2014 o índice de produção industrial vem apresentando queda após queda, registrando
incríveis 19 meses consecutivos de contração da indústria.

Outro detalhe importante, em 2009, a contração ocorreu essencialmente nas indústrias de


capital intensivo, como mineração e metalurgia, bens de capital, nas cadeias produtivas
intermediárias e mais distantes do consumo final. Por sinal, fenômeno idêntico verificou-se
nas indústrias de grande parte dos países pós-crise de 2008.

Hoje, contudo, a retração da indústria é substancialmente generalizada, o que agrava


severamente o quadro inflacionário recessivo do país. A fabricação de produtos alimentícios
chegou a cair 4,2% em julho de 2015, o pior mês da série.

Outra marca histórica apresentou a produção de bebidas, com queda de 5,4% em dezembro
de 2015. A indústria farmacêutica segue a mesma tendência, tendo encolhido 12,2% em
2015, também o pior mês da série histórica. Todas as atividades industriais contempladas
pela PIM-PF em 2015 contraíram, com a exceção do aumento de 3,9% das indústrias
extrativas.

A ironia das estatísticas de produção jaz em duas das cadeias produtivas mais protegidas e
subsidiadas da indústria nacional: a de veículos automotores e a de informática e
eletroeletrônicos, as quais encolheram nada menos que 26% e 30%, respectivamente. Isso
configura não apenas as maiores contrações da indústria nacional em 2015, como também o
pior mês das séries históricas de cada um desses setores. Uma marca ímpar e, sem dúvida
alguma, um sucesso estrondoso de política industrial nacional.

Os mais preocupados em eximir a responsabilidade do governo poderiam argumentar que o


mundo todo passa por um ciclo de retração da indústria, pois se trata de uma crise mundial,
diriam eles. Nada mais falso.

Das dez principais economias do globo, nenhuma apresenta contração similar à nossa.
Alguns países registram crescimento, outros, pequenas retrações. Nenhum, porém,
consegue igualar a infeliz façanha da indústria brasileira, qual seja, o nível de produção
industrial está 8,6% abaixo do de 2003. À exceção da indústria de vestuário e de couros,
todas as cadeias produtivas do Brasil estão em um patamar abaixo do de 2003. Mais uma
conquista no campo das políticas públicas e outro troféu para a prateleira dos insucessos do
governo petista.

Se isso não é desindustrialização, não sei o que seria.

O curioso desse quadro calamitoso é o silêncio ensurdecedor dos economistas defensores


do câmbio desvalorizado como remédio à indústria nacional. Estamos prestes a testemunhar
o maior encolhimento da produção da economia brasileira dos últimos 20
anos justamente no momento em que o dólar atinge o seu maior patamar na era do real.

Em virtude disso tudo, nada mais natural que os índices de preços registrem aumentos
persistentes diante da decrescente atividade industrial. E considerando que o ajuste na
estrutura produtiva ainda está em curso — mais fábricas fecharão as portas e/ou reduzirão o
nível de produção neste ano —, a recessão da economia seguirá exercendo pressões
inflacionárias.

IPCA, INPC e os agregados monetários

Desde a brusca apreciação do dólar a partir de 2003 até 2011, o IPCA e o INPC não
registravam crescimento de dois dígitos. De acordo com a última leitura dos índices, em
janeiro, os preços subiram 10,71% e 11,31%, respectivamente.

E tudo isso apesar da contenção do crédito bancário — em termos reais, o crédito tem
decrescido nos últimos meses — e da inédita estabilidade dos agregados monetários. Há 25
meses, o M1 cresce a taxas anualizadas de um dígito, sendo que, em cada um dos últimos
sete meses, o agregado registrou crescimento negativo. Ambos os fenômenos jamais haviam
ocorrido na era do real. O M2 compartilha de tendência semelhante, cresce a taxas
anualizadas de um dígito desde fevereiro de 2015, um recorde de onze meses consecutivos.

O atual estado de coisas é de fato extraordinário: a quantidade de moeda na economia está


diminuindo — ou praticamente estável, dependendo do agregado — e, apesar disso, os
preços da economia seguem crescendo fortemente. A "demanda nominal" despenca, mas a
alta dos preços perdura. Por quê?

Grande parte da atual desgraça é explicada pela depreciação do câmbio. Também contribui,
e muito, a profunda recessão da economia — evidenciada pela retração histórica da
indústria. Adicione a esses fatores as expectativas de inflação e a desconfiança e o quadro
fica cada vez mais difícil de remediar.

Isso tudo nos leva a duas lições fundamentais. Primeiro, o aumento da oferta monetária nem
sempre se traduzirá em aumentos de preços ao consumidor. Da mesma forma, uma
diminuição da quantidade de moeda não garantirá uma redução em tais preços. Tudo o que
podemos predicar é que um aumento do estoque de dinheiro em uma economia tende a
elevar diversos preços, não apenas os dos bens de consumo final, mas de toda a gama de
bens, serviços e ativos disponível no mercado.

De 2004 a 2010, os agregados registraram aumentos consideráveis — em diversos meses


acima de 20% ao ano —, mas o IPCA jamais esteve em dois dígitos. As ações de empresas
e os imóveis, porém, bateram recordes de valorização nesse período.

A segunda lição é que o gradualismo simplesmente não funciona. Os incrementos módicos


e sucessivos da SELIC, feitos durante a presidência de Tombini, não apenas não contiveram
a escalada da inflação de preços, como também ajudaram a enterrar a economia,
encarecendo — ou fazendo desaparecer — o crédito bancário e debilitando a indústria
nacional.

O gradualismo do nosso Banco Central é um conspícuo fracasso: não conteve a inflação,


semeou desconfiança e ajudou a gerar o que muitos já prognosticam como a pior recessão
da história da economia brasileira. Que tal proeza não tenha suscitado uma carta de
resignação imediata de toda a diretoria do Banco Central é mais um sinal da falta de
vergonha que assola o país.

Conclusão

Debelar a inflação de preços recorrendo principalmente à manipulação da taxa de juros,


como quer o Banco Central e o governo brasileiro, não irá funcionar. Especialmente neste
momento de total descrédito, de recessão profunda e de câmbio depreciado e volúvel ao
menor sinal de hesitação do governo, manipulações da taxa SELIC serão, na melhor das
hipóteses, inócuas; ou contraproducentes, se intensificarem a queda da atividade econômica
e minarem a confiança na moeda brasileira, desvalorizando ainda mais o câmbio.

Ainda não chegamos ao fundo do poço. A atividade econômica está em plena retração e
sem tendência de reversão. É certo que, em algum momento, a queda na produção da
economia cessará, mas reverter o quadro e aumentar a produtividade não será fácil. Isso
requer a retomada dos investimentos, o que necessariamente exige confiança, o ingrediente
mais escasso no Brasil do governo Dilma.

A queda da produção da economia é mais um fator causante da elevada inflação de preços


que aflige a sociedade brasileira. O elemento crucial, contudo, é a brusca e persistente
depreciação do câmbio, que tem sua origem nas próprias políticas do governo e na falta de
confiança nele e no Banco Central.

Se o Banco Central tem como meta explícita enfraquecer o real em pelo menos 4,5% ao
ano, medido pelo IPCA, não deveríamos esperar nada além da contínua desvalorização do
câmbio. O dólar em alta é o sintoma mais patente da doença que acomete o real brasileiro,
cuja causa pertence inteiramente ao governo.

O Banco Central deveria impreterivelmente ter como objetivo o fortalecimento da nossa


moeda. O problema é que a presidente, a sua equipe econômica e o presidente do Banco
Central não têm a menor credibilidade para — muito menos o desejo ou objetivo de —
implantar essa política.

Por isso tudo, o quadro inflacionário atual é tão resiliente. A melhor política é esperar
acabar o mandato da presidente — ou impedir a sua continuidade — e rezar/orar por um
Fed frouxo, capaz de enfraquecer o dólar globalmente — o que há grandes chances de
ocorrer, por sinal, mas isso é assunto para outro artigo.

Enquanto isso não acontece, estamos condenados a padecer da recessão inflacionária


brasileira.

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