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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO


CURSO DE MESTRADO EM DIREITO

EDIGLEUSON COSTA RODRIGUES

A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE


DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Mossoró
2013
EDIGLEUSON COSTA RODRIGUES

A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS


FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Direito da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Doutor Leonardo Martins.

MOSSORÓ
2013
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Rodrigues, Edigleuson Costa.


A função social do contrato como concretização de direitos
fundamentais nas relações privadas/ Edigleuson Costa Rodrigues. - Natal,
RN, 2013.
123 f.

Orientador: Profº. Dr. Leonardo Martins.


Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-
graduação em Direito.

1. Direitos fundamentais – Dissertação. 2. Direito privado - Dissertação.


3. Contrato – Função social - Dissertação. I. Martins, Leonardo. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 342.7


EDIGLEUSON COSTA RODRIGUES

A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS


FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Direito da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Direito.

Aprovado em: ___/___/____.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Doutor. Nome do Examinador


UFRN

Prof. Doutor. Nome do Examinador


Vinculação

Prof. Doutor. Nome do Examinador


Vinculação
Ao Deus todo poderoso.
Porque dele, e por ele, e para ele são todas as
coisas; glória, pois a ele eternamente. Amém.
(Rm. 11.36).
AGRADECIMENTOS

A Deus, em primeiro lugar.

Ao Prof. Dr. Leonardo Martins, pela honra de tê-lo como meu orientador, pelo respaldo
intelectual, orientação, paciência e compreensão.

Aos professores examinadores, Jose Orlando Ribeiro Rosário, Gleydson Kleber Lopes de
Oliveira e Paulo Afonso Linhares, pela honra de suas participações nas bancas, pelas críticas,
elogios e sugestões que muito engrandeceram o presente trabalho.

À UFRN e à UERN, por seus professores e técnicos que viabilizaram essa conquista.

Ao magistrado e colega professor, José Herval Sampaio Júnior, pelo apoio e livros
emprestados de seu gabinete.

Aos meus pais, pela inspiração.

À minha esposa, Mércia, pela paciência e pelas doses de estímulo em todas as horas.
RESUMO

A presente dissertação trata da função social do contrato, à luz dos princípios constitucionais,
notadamente aqueles relativos aos direitos fundamentais. A função social do contrato
(cláusula geral) vem descrita no Código Civil de forma propositalmente genérica, sem
critérios precisos que a definam. Por conta da fluidez desse princípio, justifica-se o seu estudo
mais aprimorado, buscando aferir as suas várias acepções e procurando afastar a insegurança
jurídica que uma imprecisão conceitual ilimitada pode ocasionar. A função social do contrato
decorre de uma transformação vivenciada no direito privado, a partir dos influxos recebidos
do Direito Constitucional, fruto de um processo evolutivo por qual passou a estrutura estatal,
deixando as bases clássicas do Estado liberal e passando a adotar uma visão orientada pelos
valores humanos existenciais que dão a tônica do Estado Social. Surgiu, então, a preocupação
com a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, onde se estuda, a
partir da inaplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas (doutrina americana
do State action), passando-se à análise da Teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos
fundamentais (de criação e aceitação majoritária alemã), chegando à Teoria da eficácia
horizontal direita dos direitos fundamentais, predominante na doutrina e jurisprudência
brasileira. Investigam-se ainda os fundamentos da função social do contrato, apontando-se
que, além dos dispositivos constantes na legislação infraconstitucional, que dão base para o
princípio em tela, verifica-se também alicerces na Constituição Federal, em dispositivos como
o do art. 1º, III, sendo a dignidade da pessoa humana o norte principal da relação entre os
contratantes. Também o art. 3º, I da CF/88 fundamenta a visão social das avenças,
instrumentalizando-a para a implementação da solidariedade social, como um dos objetivos
fundamentais da República. Ainda o art. 170 da Constituição é visto como um locus de
fundamentação da função social do contrato, na manutenção da ordem econômica. Estuda-se,
ainda, os aspectos interno e externo da função social do contrato, sendo a primeira vertente
aquela que considera a exigência de respeito à lealdade contratual, por meio da boa-fé
objetiva, como decorrência de que a dignidade de um contratante não pode ser ofendida pelo
outro através do contrato. Já a faceta externa da função social do contrato, na linha do
mandamento constitucional da solidariedade, indica a necessidade dos contratantes
respeitarem os direitos da sociedade, a saber, os difusos, coletivos e de terceiros
individualizados. Neste aspecto externo, toca-se ainda na noção de tutela externa do crédito,
abordando o dever de respeito da sociedade para com o contrato. Mostra-se algumas noções
da função social do contrato no direito comparado. Em seguida, investiga-se o conteúdo do
princípio em estudo, através de suas inter-relações com outros preceitos do direito privado e
constitucional, a saber, igualdade, boa-fé objetiva, autonomia privada e a dignidade da pessoa
humana. Estuda-se a aplicação da função social contratual nas redes contratuais, bem como a
orientação de conservação dos contratos, notadamente naqueles denominados contratos
cativos de longa duração, considerando-se a teoria do adimplemento substancial, finalizando
com uma análise da função social do contrato no Código de Defesa do Consumidor.

Palavras chaves: Direitos fundamentais. Direito privado. Função social do contrato.


ABSTRACT

This dissertation deals with the social function of the contract, based on constitutional
principles, especially those relating to fundamental rights. The social function of the contract
(general clause) is described in the Civil Code so intentionally generic, no precise criteria to
define it. Because of the fluidity of this principle, it is justified its closer study, seeking to
assess its various meanings and looking away from the legal uncertainty that an unlimited
conceptual vagueness can cause. The social function of the contract arises from a
transformation experienced in private law from the inflows received from the Constitutional
Law, the result of an evolutionary process by which it became the state structure, leaving the
foundations of the classical liberal state and moving toward a vision guided by existential
human values that give the keynote of the Welfare State. Arose, then the concern about the
effectiveness of fundamental rights in relations between individuals, which is studied from the
inapplicability of fundamental rights in private relations (U.S. doctrine of State action),
passing to the analysis of the Theory of indirect horizontal effect of fundamental rights (of
German creation and majority acceptance), reaching the right horizontal efficacy Theory of
fundamental rights, prevailing Brazilian doctrine and jurisprudence. It has also been
investigated the foundations of the social contract, pointing out that, apart from the provisions
of the constitutional legislation, that base the principle on screen, there have also been noticed
foundations in the Federal Constitution, in devices like the art. 1, III, the dignity of the human
person is the north of the relationship between contractors. Also art. 3rd, I CF/88 bases the
vision of social covenants, equipping it for the implementation of social solidarity, as one of
the fundamental objectives of the Republic. Still on art. 170 of the Constitution it is seen as a
locus of reasoning in the social function of the contract, the maintenance of the economic
order. It is also studied the internal and external aspects of the social function of the contract,
being the first part the one that considers the requirement of respect for contractual loyalty,
through the objective good faith, as a result of the dignity of the hirer may not be offended by
the other through the contract. On the other hand, the external facet of the social function of
the contract, in line with the constitutional mandate of solidarity, indicates the need for
contractors to respect the rights of society, namely the diffuse, collective and individual third
party. In this external appearance, it is also pointed the notion of external credit protection,
addressing the duty of society to respect the contract. There has been shown some notions of
the social contract in comparative law. Then, there has been investigated the content of
principle study, through their interrelationships with other provisions of private and
constitutional law, namely equality, objective good faith, private autonomy and dignity of the
human person. We study the application of the social contract in contractual networks as well
as the guidance of conservation of contracts, especially those denominated long-term captive
contracts, considering the theory of substantive due performance, concluding with an analysis
of the social contract in code of Consumer Protection.

Keywords: Fundamental rights. Private law. The social function of the contract.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................10

2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: noções introdutórias e contextuais...................12

2.1 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: contexto histórico, situação no Anteprojeto do

Código Civil de 2002 e fundamentos........................................................................................12

2.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO DIREITO COMPARADO.............................19

3 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ENTRE PARTICULARES.............24

3.1 DA NÃO INEFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: a doutrina

do state action...........................................................................................................................27

3.2 A EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA OU MEDIATA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS...................................................................................................................28

3.3 A EFICÁCIA HORIZONTAL DIREITA OU IMEDIATA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS...................................................................................................................31

4 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS............................................................33

4.1 FUNÇÃO SOCIAL INTERNA E EXTERNA DO

CONTRATO.............................................................................................................................33

4.2 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS

FUNDAMENTAIS DA IGUALDADE, BOA-FÉ, AUTONOMIA PRIVADA E

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA...................................................................................39

4.3 A FUNÇÃO SOCIAL NOS CONTRATOS COLIGADOS OU REDES

CONTRATUAIS......................................................................................................................79
4.4 O PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS COMO DECORRÊNCIA DA

FUNÇÃO SOCIAL: teoria do adimplemento substancial e contratos cativos de longa

duração......................................................................................................................................86

4.5 IMPLICAÇÕES DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR.................................................................................................................95

5 CONCLUSÃO....................................................................................................................110

REFERÊNCIAS....................................................................................................................116
10

1 INTRODUÇÃO

A presente dissertação trata da função social do contrato, à luz dos princípios

constitucionais, notadamente aqueles relativos aos direitos fundamentais. A função social do

contrato (cláusula geral) vem descrita no Código Civil de forma propositalmente genérica,

sem critérios precisos que a definam. Por conta da fluidez desse princípio, justifica-se o seu

estudo mais aprimorado, buscando aferir as suas várias acepções e procurando afastar a

insegurança jurídica que uma imprecisão conceitual ilimitada pode ocasionar.

Iniciamos nossa investigação (no Capítulo 2) através de uma análise evolutiva do

direito privado, mais precisamente no aspecto contratual, abordando as mudanças de

paradigma, com relação à consideração da autonomia privada em função dos direitos

fundamentais e sua interação com o direito privado, através da crescente utilização, em nível

constitucional e infraconstitucional, das chamadas cláusulas gerais ou conceitos

indeterminados.

Em seguida, falamos sobre a função social do contrato na Exposição de Motivos que

acompanhou o anteprojeto de Código Civil de 2002 e também abordamos sobre a os

fundamentos da função social do contrato.

No Capítulo 3, estuda-se a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre

particulares, onde se aborda a inaplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas

(doutrina americana do State action), bem como a Teoria da eficácia horizontal indireta dos

direitos fundamentais (de criação e aceitação majoritária alemã) e também à Teoria da

eficácia horizontal direita dos direitos fundamentais, predominante doutrina e jurisprudência

brasileira.

No Capítulo 4, está o cerne do nosso trabalho. Ali discorremos sobre a função social

do contrato como concretização de direitos fundamentais nas relações privadas. Para tanto,
11

inicialmente abordamos a função social do contrato em seus aspectos interno e externo. Então,

traçamos um paralelo da função social do contrato com alguns princípios fundamentais, a

saber: igualdade, boa-fé, autonomia privada e dignidade da pessoa humana. Em seguida, é

feita uma abordagem sobre a aplicação da função social e as redes contratuais. No mesmo

capítulo, ainda estuda-se a orientação principiológica de conservação dos contratos,

notadamente naqueles denominados contratos cativos de longa duração, considerando-se a

teoria do adimplemento substancial e finalizando com uma análise da função social do

contrato no Código de Defesa do Consumidor.

A pesquisa foi eminentemente bibliográfica, optando-se, quanto à abordagem, pelo

método dedutivo, sistema que se baseia em teorias gerais e leis gerais para a análise de

fenômenos particulares.

Já quanto ao procedimento, utilizaremos alguns métodos, dentre eles, o histórico,

consistente na descrição de registros existentes na doutrina, legislação e jurisprudência

correlata, com a finalidade de esboçamos uma análise crítica. Utilizaremos também do

método comparativo entre esses dados levantados, a fim de levantar comparações possíveis,

encontrar semelhanças e entender diferenças relacionadas ao tema que se pretende estudar.

Faremos uso também do método casuístico, com destaques para casos reais similares

verificados na doutrina, legislação e jurisprudência do direito comparado.

Por fim, quanto aos métodos de investigação, será utilizado o método bibliográfico,

procurando-se esclarecer o problema através das referências teóricas (doutrinárias,

jurisprudências e legislativas), e de revisão de literatura em obras como livros, periódicos,

artigos, repertórios de jurisprudências, tanto impressos como disponíveis na rede mundial de

computadores.
12

2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: noções introdutórias e contextuais.

2.1 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO: contexto histórico, situação no Anteprojeto do


Código Civil de 2002 e fundamentos

O Código Civil, em seu artigo 421, estabelece que: “a liberdade de contratar será

exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Essa norma provoca várias

discussões, dentre elas, o que seria efetivamente essa função social do contrato e quais seriam

então esses limites.

Sobre esses questionamentos procuraremos desenvolver o presente trabalho na busca

de um texto interessante e que contribua para a melhor compreensão do assunto.

Segundo a Judith Martins-Costa, a localização do art. 421, no início do livro relativo

ao direito contratual, revela que a função social do contrato tem a natureza de um princípio

orientador de toda a sistemática contratual do direito civil.

Mas convém enfatizar que a função social do contrato vem descrita no Código Civil

apenas de forma genérica, sem critérios precisos que o definam. Em certa medida, essa

imprecisão é favorável sendo, inclusive, uma característica da natureza de uma cláusula geral,

a qual contém norma de conteúdo aberto, a fim de possibilitar sua integração com outros

princípios, notadamente os de sede constitucional, possibilitando uma leitura do direito

privado à luz dos direitos fundamentais.

Até por conta dessa característica fluida do princípio da função social do contrato,

justifica-se o estudo mais aprimorado de tal instituto jurídico, buscando aferir as várias

acepções que a função social do contrato pode tomar e procurando afastar a insegurança

jurídica que uma imprecisão conceitual ilimitada pode ocasionar.

Então, se mostra interessante perquirir sobre os contornos dessa função social, porta de

entrada de direitos fundamentais na interpretação do direito privado.


13

A função social do contrato, conforme procuraremos investigar está estreitamente

ligada com a liberdade e com a igualdade constitucionalmente protegidas em nível de direito

fundamental. Dentro dessa temática surgem muitas implicações e vertentes explicativas que a

doutrina tem investigado, relacionando a função social do contrato com vários temas, como a

relatividade dos efeitos do contrato1, a frustração pelo fim do contrato2, além de outros temas

como principalmente a liberdade contratual.

Para melhor situar o tema, convém traçar um breve escorço histórico sobre a evolução

do direito contratual.

No Século XIX, vigorava o conceito clássico de contrato, baseado no Código Civil

francês 1804, (Código de Napoleão), advindo de um momento pós Revolução Francesa.

O conceito clássico continha fortes traços individualistas, marcado por uma igualdade

apenas formal (igualdade perante a lei) sem preocupação com igualdade substancial,

econômica ou social. Esse conceito clássico de contrato influenciou no Brasil o Código Civil

de 1916.

O modelo clássico contratual contentava-se com a máxima dos interesses opostos dos

contratantes isolados, sem analisar a interação entre esses interesses.

O voluntarismo (a vontade como poder jurígeno) era visto como garantia de justiça. A

justiça contratual era igualdade formal (perante a lei) e liberdade para contratar.

A intangibilidade do contrato era uma marca muito forte, porque o contrato somente

poderia ser alterado por outro contrato, não cabendo alteração unilateral, ainda que por via

judicial, salvo em caso fortuito, excepcionalmente.

Com base no Pacta sunt servanda (assertiva de que os contratos devem ser mantidos)

apenas o prejudicado pela inadimplência contratual poderia se valer do Estado para exigir o

1
MAZZEI, Rodrigo. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais e suas mitigações. In: HIRONAKA,
Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coords). Direito contratual: temas atuais. São Paulo:
Método, 2007, p. 189-222.
2
RUZZI, Marcos Hoppenstedt. Resolução pela frustração do fim do contrato. Ibid., p. 493-515.
14

cumprimento do que foi acordado. Não era comum uma intervenção do Estado para revisar o

contrato.

Pelo princípio da relatividade do contrato, esse era visto como uma transação de

natureza patrimonial entre dois sujeitos, ligados apenas entre si, sem qualquer relação com o

meio social no qual estavam envolvidos.

Cabia ao Estado apenas exigir o cumprimento dos contratos já esse era considerado

justo porque realizado por pessoas livres e iguais. Tal distanciamento do Estado em relação ao

contrato tinha relação, na época pós Revolução Francesa, com o rompimento em relação ao

Estado Absolutista, intervencionista e contrário aos interesses burgueses.

Até a metade do Século XX, o estudo do contrato foi apenas estrutural, sem

questionamento a respeito de qualquer outra função do contrato que não fosse a realização das

vontades das partes contratantes. Não se analisava o contrato no contexto valorativo e social.

Já no conceito contemporâneo de contrato, podemos vislumbrar principalmente dois

enfoques a) em âmbito mundial, o contrato contemporâneo surge a partir do Estado do Bem-

Estar Social , Welfare State; b) em aspecto nacional, o conceito contemporâneo de contrato se

baseia na ordem constitucional-civil-econômica orientada pelos objetivos fundamentais

contidos no art. 3º da Constituição Federal.

Enquanto as relações contratuais no tempo do conceito clássico de contrato eram

vistas como sempre entre dois contratantes paritários, no conceito contemporâneo de contrato

os destinatários do contrato são variados, até a própria coletividade passa a ser destinatária

dos contratos, os sujeitos são múltiplos e pessoas não expressamente previstas no contrato

também estão incluídas como seus destinatários. Um dado marcante é o contrato de massa,

onde as cláusulas são previamente definidas e o outro contratante somente possui a faculdade

de aderir ou não, sem questionamento das cláusulas.


15

No contrato contemporâneo, passou-se a não mais se contentar apenas com a

segurança jurídica do contrato, mas com o valor justiça contratual ou equidade do contrato,

passando a não mais ser suficiente a noção de igualdade formal (perante a lei), buscando-se

uma igualdade fática substancial, que forneça aos contratantes a real paridade para decidir as

cláusulas do contrato.

Antes, era aceitável, com base na liberdade contratual, que o resultado do contrato

fosse vantajoso para uma parte e danoso para o outro contratante. Na visão contemporânea,

isso é inadmissível, tendo em vista que o contrato, hoje, baseia-se na ideia de confiança,

solidariedade, ao invés do antagonismo que permitia tudo em nome do individualismo

burguês das partes presente no conceito clássico contratual.

Na senda atual, passou-se a exigi-se a boa-fé dos contratantes, bem como o dever de

cooperação, em lealdade, pois o contrato não pode servir para o alcance de fins escusos,

alheios aos contratados em um ambiente de confiança mútua.

A igualdade e a liberdade no direito privado contemporâneo exigem uma nova leitura,

à luz da ordem constitucional, buscando a compatibilização da autonomia privada com a

dignidade da pessoa humana e com a solidariedade, dentre outros princípios constitucionais

fundamentais.

A denominada igualdade formal (perante a lei) se mostrou cada vez mais insuficiente

nos contratos, sobretudo, após a Revolução Industrial e o surgimento dos contratos de massa,

de forma que se mostrou cada vez mais desigual a relação entre patrão e empregado, bem

como entre consumidores e fornecedores.

O clássico laissez-faire, laissez-passer, com o afastamento do Estado nas questões

contratuais, foi substituído por um intervencionismo estatal, com vista a reequilibrar os

contratos injustos, seja por meio da lei, seja pela intervenção judicial.
16

No ordenamento brasileiro, inicialmente passou a ser possível a revisão contratual,

com base na chamada Teoria da Imprevisão, admitindo-se a revisão contratual, desde que

surgissem fatos supervenientes que tornassem as condições contratuais diversas das

originalmente acertadas.

Um passo mais à frente foi a possibilidade de revisão contratual, independente da

Teoria da Imprevisão, ou seja, a jurisprudência brasileira passou a acolher a possibilidade de

revisão contratual, mesmo nos casos onde não houvesse surgimento de fato novo imprevisível

de desequilíbrio do contrato. Nesta ótica o desequilíbrio era visto como originário, assim

embora constasse das cláusulas contratuais, a avença não poderia prosperar inalterada, pois

continha o que se denominou de onerosidade excessiva para uma das partes.

Roxana Borges3 salienta que a Teoria da onerosidade excessiva foi abraçada

primeiramente no âmbito consumerista, ante a vulnerabilidade do consumidor. Contudo,

acrescenta que também nos contratos formalmente paritários (de direito civil em geral) a

jurisprudência tem estendido os efeitos da Teoria da Onerosidade Excessiva, muito embora o

Código Civil, no art. 4784, tratando da resolução por onerosidade excessiva, exija os

requisitos da Teoria da Imprevisão. A jurisprudência, nesse caso, tem entendido que, mesmo

nos contratos de direito civil (não consumeristas) a revisão pode ser feita com base apenas na

teoria da onerosidade excessiva, mesmo sem requisitos da teoria da Imprevisão, tendo em

vista os valores principiológicos de todo o Código Civil e da Constituição Federal.

3
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Reconstrução do conceito de contrato: do clássico ao atual. In:
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coords). Direito contratual: temas
atuais. São Paulo: Método, 2007, p. 19-40.

4
Art. 478 do Código Civil: Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes
se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a
decretar retroagirão à data da citação.
17

Para auxiliar essa análise principiológica do contrato, o nosso ordenamento,

influenciado por valores constitucionais, incorporou princípios como a função social do

contrato e a boa-fé.

Agora, falando da situação da função social do contrato, no Anteprojeto do Código

Civil de 2002, observa-se que a função social é decorrente de premissa mais abrangente,

denominada princípio da socialidade, a qual, na Exposição de Motivos do Código Civil5,

Miguel Reale, apresenta como fundamento da função social do contrato e da propriedade.

Mais precisamente em relação ao contrato, o coordenador do Anteprojeto do Código

Civil, assevera que a função social do contrato consiste no “princípio condicionador de todo

o processo hermenêutico”, instrumentalizando-se, através de valores primordiais como a boa-

fé e probidade, sendo, assim a função social do contrato um “preceito fundamental, essencial

à adequação das normas particulares à concreção ética da experiência jurídica”.

Noutro passo, passemos neste momento para a análise dos fundamentos da função

social do contrato.

Partindo da premissa de que todo ordenamento jurídico tem a Constituição Federal

como fundamento de validade, poder-se-ia apontar que a função social do contrato tem

fundamento específico na Constituição, por exemplo, no artigo 1º, inc. III, ou seja, na

dignidade da pessoa humana, uma vez que a função social do contrato busca justamente

humanizar o contrato, de forma que a liberdade contratual não venha a anular a dignidade do

ser humano por meio de contratos iníquos.

Nesse sentido, Flávio Tartuce6 assevera que “inicialmente, a função social do contrato

está ligada à proteção dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, amparada no

art. 1º, III da CF/1988.

5
BRASIL. CÓDIGO CIVIL: exposição de motivos e texto sancionado. Brasília: Senado Federal, Secretaria
Especial de Editoração e Publicações, 2005, p. 40.
6
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de
2002. Método, 2007, p. 250.
18

Ainda o artigo 3º, inc. I da Constituição também serve de base para a função social do

contrato, pois o contrato deve estar inserido dentro de uma sociedade livre, justa e solidaria.

Por analogia, poderia se falar na extensão do princípio esculpido no art. 5º, XXIII e

art. 170, III da Constituição, já que a função social (ainda que no texto constitucional seja

expressamente relativa à propriedade) se desdobraria também ao contrato, uma vez que o

princípio está descrito na Carta Constitucional como princípio da Ordem Econômica.

Nesse sentido, Miguel Reale7, entende que a função social do contrato decorre da

função social da propriedade, porque constantemente o contrato serve à propriedade e vice-

versa.

Flávio Tartuce8, argumenta que a função social do contrato também pode ser

fundamentada nos arts. 170, caput, da Constituição, tendo em vista que a justiça social é um

dos objetivos da República, podendo ainda, segundo o autor, a função social do contrato ser

fundamentada na solidariedade social prevista no art. 3º, III da Constituição, dentre os

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Para Junqueira de Azevedo, o fundamento da função social do contrato seria a

manutenção da ordem econômica (art. 170 da CF/1988)9

Reafirmamos que a dignidade da pessoa humana se afigura como o grande

fundamento da função social do contrato, principalmente porque somos partidários do

entendimento de que a função social tem eficácia interna e externa, ou seja, tanto entre as

partes como em relação a terceiros, de forma que o contrato nunca sirva para atingir a

dignidade do ser humano, seja o contratante, seja o terceiro, que pode ser alcançado pelos

efeitos do contrato.

7
REALE, Miguel. Função social do contrato. Disponível em:
<http://www.miguelreale.com.br/artigosqfunsoccont.htm>. Acesso em: 20 abr. 2013.
8
TARTUCE, loc. cit.
9
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 32.
19

Uma ressalva, porém, é importante ser feita: a função social como decorrência de

mandamentos e princípios constitucionais não pode ser vista como uma constitucionalização

ilimitada do direto do direito privado. Deve-se ter em mente que direito constitucional e

direito civil, apesar de guardarem uma relação de decorrência ou de validade, cuidam de

matérias que apresentam suas características e naturezas próprias. Por isso, deve ser

respeitado um espaço mínimo para a autonomia do direito privado no que lhe é peculiar, ou

nos espaços não ocupados pelas normas de caráter constitucional propriamente dito.

Além do mais, é preciso ter cuidado com o pensamento de constitucionalização

desmedida do direito civil, pois isso levaria a uma confusão entre os objetos e o parâmetro de

controle de constitucionalidade, levando a uma confusão jurídico-dogmática que teria como

consequência o enfraquecimento, tanto do direito civil como do direito constitucional.10

2.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO DIREITO COMPARADO

A função social do contrato está prevista também no direito comparado. Em algumas

legislações, esse instituto vem previsto de forma expressa, em outras, verifica-se a

principiologia da função social do contrato, através de outras cláusulas gerais como a boa-fé,

bons costumes, função social da propriedade, dentre outros.

Entre os países nos quais se pode vislumbrar a função social do contrato, através da

função social da propriedade, podemos citar “precursoramente a Constituição Mexicana de

1917, art. 27, e Weimar (Alemanha, 1919), art. 153, seguidas, depois, pela Constituição

italiana de 1947, art. 42.”11

10
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 113.
11 MEZZOMO, Marcelo Colombelli; COELHO, José Fernando Lutz. A função social da propriedade nos
contratos agrários. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/4125>. Acesso em: 16 maio 2013.
20

Já com relação à abstração da função social do contrato, através proteção ambiental,

pode-se constatar a Constituição da Espanha (1978), em seus arts. 148 e 149, bem como a

Constituição Alemã de 1949 (art. 74, n. 24); Na Itália, a lei n. 394/86 (art. 5º, 3). Bem como

na França, a Lei nº 76-673/76 e a Lei de Controle de Poluição, da Inglaterra de 197412.

Na Alemanha, há exemplos de atuação da jurisprudência, inclinando-se na direção da

função social do contrato, embora sem conhecer expressamente a nível nacional a positivação

legislativa expressa de tal instituto. Leonardo Martins13ilustra, quando se refere a uma decisão

(BVerfGE89) do Tribunal Constitucional Federal alemão, o qual, baseado no postulado de

que “a propriedade obriga”(art. 153 da Constituição alemã de 1919), o TCF reconheceu o

direito de propriedade ao locatário (“direito de domínio da coisa locada pelo locatário”).

Deve-se salientar que todos os outros conceitos gerais (boa-fé, probidade, usos, e bons

costumes) contidos no Código Civil brasileiro, os quais, entendemos que servem, em sua

maioria, como “preceitos de ordem pública, estabelecidos para assegurar a função social do

contrato” (art. 2.035, parágrafo único), já gozam de uma longa tradição no direito alemão,

podendo ser encontrados no Código Civil alemão (BGB), que serviu de lastro para a

elaboração do Código Civil de 1916, conforme assegura Martins.14

Ainda sobre o direito alemão, Mancebo15, ressaltando a importância das constituições

dos estados membros alemães, informa que a Constituição do Estado Livre da Baviera possui

disposição textual expressa sobre a função social do contrato. Trata-se do artigo 151 da

constituição da Baviera, que dispõe:

(1) El conjunto de La actividad económica se ordena al bien común, especialmente a


garantizar una existencia humanamente digna para todos y uma gradual elavación
Del nivel de vida de todas las capas sociales. (2) Dentro de estos fines, La libertad
de contrato rige según las leyes. La libertad de desarrollo de la decisión personal y la
libertad de actuación autónoma del individuo en la economía quedan reconcidas por

12
MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 7. ed., 1998, p. 46.
13
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 113.
14
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p.114.
15
MACEBO, Rafael Chagas. A função social do contrato. São Paulo: Quartier latin, 2005, p. 155.
21

principio. La libertad económica del individuo tiene sus límites en la consideración


al prójimo y a las exigencias éticas del bien común. Los actos jurídicos dañosos para
la comunidad e inmorales, especialmente todos los contratos económicos abusivos,
son ilegales e nulos.

Ainda o artigo 157 dessa mesma Constituição estadual diz que:

(1) La formacion de capital no es um fin em si misma, sino médio para El desarrollo


de la economía. (2) el dinero y el crédito sirven para la creación de valor y la
satisfacción de las necesidades de toda la población.”

Já com relação ao direito italiano, Gisele Salgado16 o caracteriza como o único

ordenamento estrangeiro que traz norma expressa sobre a noção de função social do contrato.

a autora refere-se ao Código Civil italiano, que em seu artigo 1.322, proclama claramente o

valor da função social do contrato. Tal dispositivo legal, na tradução disponibilizada pela

referida autora, estabelece o seguinte:

As partes podem livremente determinar o conteúdo do contrato nos limites impostos


na lei e nas normas corporativas. As partes podem ainda formar contratos que não
fazem parte dos tipos disciplinados na lei, contanto que sejam direcionados à
realizar os interesses de tutela segundo o ordenamento jurídico.

Ainda sobre o ordenamento italiano, Rafael Mancebo17 destaca primeiramente a

referência à função social propriedade, exercida nos artigos 42 e 43 da Constituição Italiana,

em semelhança com a proteção constitucional da função social da propriedade no artigo 170

da Constituição brasileira, com a sua consequente ligação à função social do contrato.

Especificamente sobre o contrato, o mesmo autor aponta o artigo 41 da Constituição

italiana. Tal norma constitucional italiana é emblemática na garantia da função social do

contrato. Segundo esse dispositivo, a liberdade de iniciativa privada é protegida, desde que

“não seja contrária à utilidade pública” ou exercida “de uma forma que possa prejudicar a

segurança, a liberdade e a dignidade humana”.

16 SALGADO, Gisele Mascarelli. Função social do contrato: e a teoria do direito de Miguel Reale. Conteúdo
Jurídico, Brasilia-DF: 16 abr. 2012. Disponivel em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.36481&seo=1>. Acesso em: 16 mai 2013.
17
MACEBO, Rafael Chagas. A função social do contrato. São Paulo: Quartier latin, 2005, p.150.
22

O mesmo art. 41, segundo período, da Constituição italiana ainda condiciona a a

liberdade de iniciativa privada aos “fins sociais, para a qual são coordenadas e endereçadas

pela lei a atividade econômica pública e privada18

Podemos ainda dizer que o Código Civil italiano ainda fomenta a função social do

contrato em outros artigos como aqueles que tratam da boa-fé na conduta negocial (arts.

1.479, 1.706, 1.776), bem como na interpretação judicial (art. 1.366), além da boa-fé objetiva

(arts. 1.175 e 1.337).19

Quanto ao Direito francês, pode-se dizer que a expressão “função social do contrato” é

de origem doutrinária francesa, segundo a teoria de León Duguit20, o qual entendia que a

“solidariedade era uma causa social que originava o direito”. Contudo, Miguel Reale entende

o contrário. Segundo o renomado filósofo do direito, “a solidariedade é uma finalidade a ser

alcançada pelo ordenamento jurídico.21”

Partindo para investigação mais especifica da função social do contrato no direito

francês, convém destacar o art. 1.108 do Código de Napoleão, o qual restringe a validade das

convenções a certas condições, dentre elas, à “... causa lícita na obrigação”. Tal sentido de

função social abstraído desse artigo é ratificado pelo art. 1.131 do mesmo Código, a qual

assevera que “a obrigação sem causa, ou com uma falsa causa, ou com uma causa ilícita,

não pode ter qualquer efeito”. O artigo 1.133 complementa o raciocínio da ligação entre a

causa do negócio e a função social do contrato, quando vincula a licitude causa do contrato

aos bons costumes e à ordem pública.

Código Civil Francês ainda prevê algumas cláusulas gerais o que se aproxima dos

deveres anexos disciplinados em nosso Código Civil, quando, no artigo 1.135 estabelece que

“as convenções obrigam não somente ao que está nelas expresso, mas ainda a todas as

18
Ibid., p. 150-151.
19
Ibid., p. 151.
20
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 83.
21
MACEBO, Rafael Chagas. A função social do contrato. São Paulo: Quartier latin, 2005, p. 140.
23

consequências que a equidade, o uso ou a lei derem à obrigação de acordo com a sua

natureza”.
24

3 EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ENTRE PARTICULARES

Para Professor Leonardo Martins, “O art. 421 do Código Civil brasileiro promulgado

em 2002 trouxe certamente o conceito mais aberto do qual se tem notícia...”.22 O doutrinador

e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ainda enfatiza que o citado

dispositivo “... oferece não somente uma „porta‟, mas sim um „largo portão de entrada‟ do

direito constitucional no direito privado”.23

Essa denominada “porta de entrada” diz respeito à Teoria da eficácia horizontal

mediata (ou indireta) dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Segundo Martins24, essa dogmática é bem explicada por uma alegoria de feixes de luz,

que conduzem os diretos fundamentais para além de seus limites constitucionais e entram no

direito privado por meio de frestas que seriam cláusulas gerais existentes no direito privado.

Assim, a existência dessas cláusulas gerais no direito privado autorizaria o intérprete

da legislação infraconstitucional a interpretar e aplicar o direito privado à luz dos valores

constitucionais dos direitos fundamentais.

Dessa forma, a função social do contrato funcionaria como uma dessas brechas por

onde entrariam a luz dos direitos fundamentais no direito privado.

Dentro desse contexto, abrem-se duas principais teorias sobre a aplicação dos direitos

fundamentais nas relações privadas: uma defendendo uma aplicação imediata dos direitos

fundamentais nas relações privadas e outra a favor da aplicação indireta ou mediata

Tema interessante para o estudo da função social do contrato é a questão da eficácia

dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, ou também chamada de eficácia

horizontal dos direitos fundamentais.

22
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 111.
23
Ibid., p. 111.
24
Ibid., p. 101.
25

Muito já se tem pesquisado sobre o tema, mas convém ao presente trabalho um

apanhado da situação (ainda que não aprofundado), visto que tal assunto relaciona-se

estreitamente com a função social do contrato, ora estudada no presente trabalho.

Primeiramente, é importante esclarecer o porquê da expressão eficácia “horizontal”

dos direitos fundamentais. Nesse sentido, deve-se entender que os direitos fundamentais

possuem primeiramente uma eficácia vertical, ou seja, o dever do Estado (que está acima)

respeitar e promover os direitos dos indivíduos (que estão abaixo). Daí a noção de

verticalidade dos direitos fundamentais.

Dimoulis e Martins25 esclarecem:

Isto constitui o efeito vertical dos direitos fundamentais que se manifesta nas
relações caracterizadas pela desigualdade entre o “inferior” (indivíduo) e o
“superior” (Estado), que detém, privativamente, o poder de legislar e um enorme
potencial de violência organizada.

Já eficácia horizontal dos direitos fundamentais seria a possibilidade de os direitos

fundamentais serem invocados, não contra o Estado (na verticalidade), mas sim a utilização

dos direitos fundamentais por um particular em face de outro, ou seja, no plano horizontal.

É importante frisar que inicialmente os direitos fundamentais eram aceitos apenas em

sua eficácia vertical, ou seja, como garantias dos indivíduos contra o arbítrio estatal.

O entendimento de aplicação dos direitos fundamentais em sua eficácia horizontal, ou

seja, da prerrogativa de pretensão de direitos fundamentais por um particular em face de outro

particular, tem como lide case a clássica decisão “Lüth”26, proferida pelo Tribunal

Constitucional Federal alemão em 1958.

No caso, o Erich Lüth, há época (em 1950), presidente do Clube de Imprensa de

Hamburgo, e convocou distribuidores, donos de cinemas e o povo em geral para um boicote

25
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 103.
26
Essa decisão pode ser encontrada em suas partes principais, traduzida e comentada em MARTINS, Leonardo.
(Org.). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Montevidéu:
Fundação Konrad Adenauer, 2005, p. 379-395.
26

contra o cineasta Veit Harlan e contra o filme “Unsterbliche Geliebte” (a amante imortal) que

este ele estava para estrear. Lüth justificava o boicote contra Harlan em razão desse ter sido,

durante o período nazista, realizador de produção cinematográfica de conteúdo antissemita,

notadamente o filme “Jud Suβ”, de 1941, o qual incentivava o ódio e a violência contra

judeus.

A produtora e a distribuidora do filme que estava sendo dirigido por Harlan ajuizaram

uma ação contra Luth, baseando-se no § 826 do Código Civil Alemão (BGB), segundo o qual

quem, contrariando os bons costumes, causar dano a outrem, dever ser condenado a uma

obrigação de não fazer (na espécie, não convocar ao boicote) e, em caso de descumprimento,

pagar uma pena pecuniária.

A ação contra Lüth foi julgada procedente pelo juízo cível e o réu foi condenado a não

incitar ao boicote, pois a justiça ordinária alemã entendeu, com base no §826 do BGB, que a

incitação ao boicote seria uma conduta atentatória à moral e os bons costumes.

Entretanto, o Tribunal Constitucional Federal alemão revogou a decisão proferida no

juízo cível, entendendo que aquela decisão não considerou o comportamento de Lüth como

exercício do direito fundamental à livre expressão do pensamento, conforme Art. 5 I 1 da Lei

Fundamental alemã, prerrogativa constitucional essa que, conforme o presente entendimento

paradigma do TCF, também alcança o caso em que o direito fundamental a livre expressão do

pensamento entra em conflito com interesses privados.

Dessa forma, tivemos na célebre decisão “Lüth”, proferida pelo Tribunal

Constitucional Federal alemão, o caso considerado como divisor de águas quanto à eficácia

horizontal dos direitos fundamentais.

Cabe ainda ressaltar que a eficácia horizontal dos direitos fundamentais não é uma

unanimidade nos ordenamentos jurídicos. Há países que não admitem, em regra, tal eficácia,

como se tem o exemplo emblemático dos Estados Unidos, com a doutrina State action.
27

Mesmo entre os que admitem a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, há também a

divergência a respeito de como se dá essa eficácia, tendo como principais correntes a teoria da

eficácia direita ou imediata dos direitos fundamentais e a teoria da eficácia indireta ou

mediata de direitos fundamentais.

3.1 DA NÃO EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A

DOUTRINA DO STATE ACTION.

Como apresenta Sarmento27A eficácia dos direitos fundamentais não é aceita, em

geral, no direito norte americano, com algumas exceções. Lá, a cultura individualista

americana entende que os direitos fundamentais devem regular as relações do particular com

o Estado e não os conflitos dos indivíduos entre si. É a chamada State action. Um dos

principais fundamentos dessa doutrina americana está na interpretação literal da própria

Constituição americana, a qual direciona em face dos poderes públicos as normas de direitos

fundamentais.

Outro fundamento da doutrina do state action é a autonomia privada, a qual se revela

muito cara para os valores da cultura americana, de traço marcantemente individualista. Outro

argumento para a não eficácia horizontal dos direitos fundamentais nos Estados Unidos é o

federalismo, pois lá somente os Estados (e não a União) podem legislar sobre direito privado.

Dessa forma, os defensores da State action concluem que a Constituição Americana não

poderia versar sobre matéria cível, já que é elabora pela União, sem competência neste ramo

do direito.

27
SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais: o debate teórico e a
jurisprudência do STF. Disponível em: <http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/a-
vinculacao-dos-particulares-aos-direitos-fundamentais-na-jurisprudencia-do-STF-e-no-direito-comparado.pdf>.
Acesso em: 8 abr. 2013.
28

Uma exceção ao State action no ordenamento norte americano é a décima quarta

emenda, que aboliu a escravidão, já que esta norma de direito fundamental também é dirigida

aos particulares.

Em resumo, a crítica que se faz a State action é contra a ideia de que os direitos

fundamentais sejam direitos públicos subjetivos exercitáveis apenas contra o Estado.28

Afora os exemplos do state action, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais é,

em geral, aceita pelos demais países de tradição democrática.

Porém, o que é motivo de divergência na doutrina e na Jurisprudência é a forma como

se dá a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para uns, essa eficácia horizontal é

direta (imediata). Já para outros, esse efeito dos direitos fundamentais entre os particulares

seria indireto (ou mediato).

3.2 A EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA OU MEDIATA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

O que seria eficácia horizontal direta e eficácia horizontal indireta dos direitos

fundamentais? Por eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais, entende-se a aplicação

das regras de direito fundamental protegendo um particular contra o outro, independente da

existência de norma infraconstitucional de concretização do direito fundamental aplicado no

caso.

Já eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais seria a aplicação de direitos

fundamentais na resolução de conflitos entre particulares, mas utilizando a legislação

infraconstitucional como mecanismo de concretização de direitos fundamentais nas relações

entre particulares, através conceitos abertos existentes na própria legislação

28
SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. São Paulo:
Atlas, 2011, p. 93.
29

infraconstitucional (como a função social do contrato, a boa-fé etc), os quais seriam

instrumentos de aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.

Segundo Martins, a eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais encontra

respaldo no vínculo do Judiciário aos direitos fundamentais, vinculo esse que impõe ao

Judiciário o dever de (utilizando-se de cláusulas gerais encontradas no direito privado)

interpretar e, por vezes, afastar normas infraconstitucionais que, embora em tese sejam

constitucionais, podem ter sua aplicação tida como inconstitucional, quando essa aplicação

não levar em conta direitos fundamentais de um particular contra outro particular, surgindo

nesses casos um dever de “proteção ativa” pelo Estado-juiz, contra a agressão a alguns

direitos fundamentais, partidas de particulares, em casos nos quais a autonomia privada carece

de um aspecto positivo, no sentido da necessidade de uma tutela estatal jurisdicional.29

Mas qual seria o problema de aplicar direitamente os direitos fundamentais nas

relações entre particulares, independente de legislação infraconstitucional que dê suporte para

tal concretização? O problema é que uma coisa é aplicar os direitos fundamentais em face do

Estado, que não é sujeito titular direitos fundamentais. Outra coisa é invocar direitos

fundamentais em face do cidadão, que, diferentemente do Estado, também é titular de diretos

fundamentais. Colocar o cidadão no lugar do Estado pode comprometer sua liberdade, sua

autodeterminação constitucionalmente garantida, impedindo-o de exercer sua liberdade,

através de escolhas existenciais.

Nesse sentido, os adeptos da Teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos

fundamentais entendem que para possibilitar maior segurança jurídica e maior liberdade ao

cidadão, a aplicação dos direitos fundamentais em face do particular deve ser intermediada

pela legislação infraconstitucional, até como forma de respeitar a democracia, por meio da

29
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p.117-118.
30

garantia da competência do legislador infraconstitucional para edição das normas reguladoras

das relações privadas.

A teoria da Eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais, conforme

Sarmento30 surgiu na Alemanha, em 1956, com Günter Dürig e é adotada majoritariamente na

doutrina e jurisprudência alemã.

Segundo Düring, os direitos fundamentais são uma ordem objetiva de valores que se

irradiam por todo ordenamento jurídico, mas, para incidirem sobre as relações privadas,

precisam de mecanismos de intermediação31 ou, para Martins, “portas de comunicação entre

direito privado e direito constitucional”. 32

No Brasil, esse entendimento é minoritário. Entre os que defendem a aplicação no

direito brasileiro da eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais podemos citar

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, para quem:

A teoria do efeito indireto ou mediato dos direitos fundamentais indica que os


direitos fundamentais produzem efeitos para as relações jurídicas de direito privado
mediante normas e cláusulas gerais que oferecem verdadeiras “portas de entrada”
33
(Einbruchsstellen) para o direito constitucional no direito privado.

Poderíamos, então, dizer que, à luz da teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos

fundamentais, a função social do contrato seria uma dessas “portas de entrada” dos direitos

fundamentais no direito civil contratual, servindo de mecanismo para interpretação dos

contratos à luz de princípios constitucionais ligados aos direitos fundamentais, como a

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), a solidariedade (art. 3º, I da CF), bem como a

igualdade e a liberdade (art. 5º, caput da CF).

30
SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais: o debate teórico e a
jurisprudência do STF. Disponível em: <http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/a-
vinculacao-dos-particulares-aos-direitos-fundamentais-na-jurisprudencia-do-STF-e-no-direito-comparado.pdf>.
Acesso em: 8 abr. 2013.
31
CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado. Coimbra: Almedina, 2006 p. 29.
32
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 111.
33
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 108.
31

3.3 A EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA OU IMEDIATA DOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Já quanto à teoria da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais, segundo,

Sarmento34 tal doutrina se amolda mais às características brasileiras, uma vez que a nossa

Constituição é dotada de vários direitos fundamentais estabelecidos diretamente em face do

particular, como os direitos fundamentais sociais do art. 7º.

O autor ainda argumenta que a realidade brasileira, repleta de desigualdades sociais

entre os particulares justifica a necessidade de aplicação direta dos direitos fundamentais entre

os particulares, mesmo nos casos em que não houver legislação infraconstitucional regulando

o caso, ou quando a lei existente se mostrar inconstitucional.

Em nosso sentir, aplicação direta de direitos fundamentais nas relações entre

particulares deve ser revestida de cautelas, pois tal situação geralmente envolve a mitigação

do direito fundamental de uma parte em favor do direito fundamental de outra. Nesse sentido,

por exemplo, a exigência de isonomia entre particulares deve ser vista com reservas, pois os

indivíduos têm constitucionalmente garantida a autodeterminação da personalidade. Nessa

linha, não seria razoável exigir que a pessoa não pudesse fazer certas escolhas (e aí, certas

discriminações), por exemplo, na contratação de um empregado doméstico, segundo critérios

que se alinhem mais com a personalidade daquele que contrata, v.g, escolher um empregado

doméstico que professe sua mesma religião, em detrimento de outro de religião diversa, ou

que possua a sua mesma orientação sexual, ao invés de outro que possua outra opção sexual,

pois isso faz parte das escolhas existenciais do indivíduo, as quais também são protegidas pela

34
SARMENTO, Daniel. A Vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais: o debate teórico e a
jurisprudência do STF. Disponível em: <http://www.danielsarmento.com.br/wp-content/uploads/2012/09/a-
vinculacao-dos-particulares-aos-direitos-fundamentais-na-jurisprudencia-do-STF-e-no-direito-comparado.pdf>.
Acesso em: 8 abr. 2013.
32

Constituição, como decorrência do direito à liberdade, na forma dos arts. 3º, I e 5º, caput da

CF, como parte dos requisitos para o livre desenvolvimento da pessoa humana.
33

4 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO COMO CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS

FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

4.1 A FUNÇÃO SOCIAL EM SEUS ASPECTOS INTERNO E EXTERNO AO

CONTRATO

Não há consenso na doutrina quanto à eficácia da função social do contrato. Há quem

entenda que a função social do contrato somente tem eficácia interna entre as partes 35. Por

outro lado, há aqueles que apenas aceitam a eficácia externa (ou para além dos contratantes)

da função social do contrato.36 Grande parte da doutrina considera que a função social do

contrato apresenta uma faceta interna e outra externa.

Filio-me a essa corrente, a qual entende que a função social do contrato apresenta uma

dupla eficácia: tanto interna como externa.37

Cabe registrar que há na doutrina quem não reconheça qualquer eficácia (seja interna,

seja externa) à função social do contrato, entendo que a função social limita-se à causa

contratual38.

A função social interna do contrato não é consenso na doutrina, visto que essa aceita

de forma mais pacífica a função social externa do contrato. Contra a consideração da função

social do contato em seu âmbito interno, podemos citar Humberto Theodoro Neto, para quem

35
Nesse sentido: SANTOS, Antônio Jeová dos. Função social do contrato. Lesão, imprevisão no CC/2002 e
no CDC, 2ª ed., São Paulo: Método, 2004, passim; NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e os seus
princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, passim.
36
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato. Novos paradigmas 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; SILVA,
Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo código civil e sua conexão com a solidariedade
social. In: SARLET, Ingo (Org.) O novo Código Civil e a Constituição.
37
Nesse sentido: TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao
Código Civil de 2002, São Paulo: Método, 2007, p. 248; NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em
busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006; GODOY, Cláudio Luiz
Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004.
38
RENTERIA, Pablo. Considerações acerca do atual debate sobre a princípio da função social do contrato. In:
MORAES, Maria Celina Bodin (Coord). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar.
2006.
34

o termo “função” pode se referir ao âmbito interno e externo do contrato, mas a expressão

“social” somente pode ter aplicação fora das partes contratantes, referindo-se à coletividade39.

Nessa mesma linha, Luis Renato Ferreira da Silva40 considera que o binômio

cooperação/solidariedade, quando analisado sob o prisma interno do contrato, diz respeito à

boa-fé; já quando enfocado sob a vertente externa, em relação ao alcance na esfera de

terceiros, refere-se ao princípio da função social do contrato.

Humberto Theodoro Junior41 também comunga da linha segundo a qual a função

social do contrato manifesta-se apenas na relação dos contratantes para com terceiros.

Segundo ele, a função social do contrato aborda sobre os reflexos da liberdade contratual

sobre a sociedade, enquanto a boa-fé fica restrita ao relacionamento travado entre os próprios

sujeitos do negócio jurídico.

A função social do contrato no aspecto interno deve ser entendida primeiramente

como o princípio segundo o qual o contrato deve servir à finalidade lícita para a qual foi

celebrado. Daí decorre que as partes devem se esforçar para não se desviarem da finalidade

contratual, usando de lealdade recíproca, a fim de que a avença não seja um instrumento de

dano de um contratante sobre o outro.

Borges42 exemplifica que se alguém compra um eletrodoméstico a prazo, pagando

juros de 100% ao ano, esse contrato estaria desnaturado da compra e venda, tornando-se um

mútuo explicitamente abusivo. Daí perderia sua função social interna, ou seja, sua finalidade

originária que era a circulação de mercadoria.

39
THEODORO NETO, Humberto. Efeitos externos do contrato: direitos e obrigações na relação entre
contratantes e terceiros. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 154.
40
SILVA, Luis Renato Ferreira da. A função social do contrato no novo Código Civil. In: SARLET, Ingo
Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 133.
41
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 29.
42
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Reconstrução do conceito de contrato: do clássico ao atual. In:
HIRONAKA, Giselda; TARTUCE, Flávio (Coord). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007,
p. 33.
35

Sobre esse aspecto interno da função social do contrato, Godoy assevera que a função

social ocorre “primeiro entre as partes, de maneira a assegurar contratos mais iguais, com o

que se garanta uma igual dignidade social aos indivíduos”.43

No mesmo sentido, o Enunciado 360, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do

Conselho de Justiça Federal: “O princípio da função social dos contratos também pode ter

eficácia interna entre as partes”. 44

O sentido mais marcante da função social do contrato no âmbito interno é a tutela da

dignidade dos contratantes, a fim de se evitar que um dos celebrantes tenha sua dignidade

atingida pelo outro através do contrato.

Flávio Tartuce aponta vários artigos do Código Civil, os quais entende como exemplos

da eficácia interna da função social do contrato.45, a saber: a) art. 108 do CC: a

desnecessidade de escritura pública para alienação de imóveis no valor de até 30 salários

mínimos, como sendo uma forma de proteger o comprador carente de recursos, que não pode

custear as despesas da escritura pública; b) art. 157 do CC, quando estipula a possibilidade de

anulabilidade do contrato, quando ocorrer a lesão, que seria um vício da vontade com

repercussões no contrato, nas hipóteses em que houver por um dos contratantes “premente

necessidade” ou “ignorância” capaz de inviabilizar a igualdade e a liberdade para contratar; c)

art. 170 do CC, o qual se relacionando com o princípio da conservação dos negócios jurídicos

e a da operabilidade, possibilita a conversão do contrato nulo; d) art. 187 do CC, que

estabelece a possibilidade de proteção da finalidade social do contrato, através da

responsabilidade civil por abuso de direito dentro do contrato; e) arts. 317 e 478 do CC,

possibilitando a revisão ou resolução do contrato, nos casos de imprevisão e de onerosidade

43
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 131.
44
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de (Coord). Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados.
Disponível em <http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-v-jornada-
de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf/view>. Acesso em: 04 jun. 2013.
45
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de
2002. São Paulo: Método, 2007, p. 251/252.
36

excessiva; f) art. 406 do CC, limitando a taxa de juros legais de mora; g) art. 413 do CC,

possibilitando a redução da cláusula penal pelo juiz, quando essa se mostrar desproporcional,

medida relacionada com o princípio constitucional da igualdade e que busca evitar o desvio

de finalidade do contrato, que não pode se torna objeto para o enriquecimento sem causa; h)

art. 423 do CC e art. 47 do CDC , que, para os contratos de adesão e contratos de consumo,

prevê a interpretação mais favorável ao aderente e ao consumidor; i) art. 424 do CC, que

estabelece para os contratos de adesão a nulidade de cláusula de renúncia antecipada de

direito decorrente da natureza do negócio.

Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que todos esses artigos buscam promover a

função social do contrato, que, na linha do Código Civil, seria um verdadeiro princípio geral

do direito contratual, construído pelos demais princípios como os previstos nos artigos citados

acima, além da boa-fé.

O art. 2.035, Parágrafo único, do Código Civil (o qual estabelece que “Nenhuma

convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos

por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”) reforça a

ideia de que vários princípios do Código Civil, descritos nos mais diversos artigos desse

Código, servem para efetivar a função social do contrato, funcionando como “preceitos de

ordem pública... para assegurar a função social... dos contratos”.

No aspecto externo, a função social do contrato vai além das partes envolvidas. Sob

esse ângulo, se analisa se o contrato é útil à coletividade ou se, pelo menos não causa prejuízo

à terceiros.

Sobre a função social externa do contrato, Nelson Rosenvald46 ressalta a necessidade

de superação do mito da relatividade contratual (contrato relativo apenas às partes). O autor

46
ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. In: HIRONAKA, Giselda; TARTUCE, Flávio (Coords.).
Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007, p. 94.
37

sustenta que a função social do contrato serve para substituir a visão individualista do vínculo

contratual pela concepção de tutela externa do crédito.

Essa é a noção mais aparente da função social do contrato. Jorge Cesar Ferreira da

Silva entende a função social do contrato nesse aspecto, como “princípio de normatividade

exógena”, quando fala da necessidade de atenção para com terceiros não integrantes da

relação contratual original, segundo o ordenamento da solidariedade47.

Procura-se nessa visão compatibilizar dentro de uma moldura constitucional a livre

iniciativa (art. 1º, IV da Constituição), com a função social da propriedade (arts. 5º, XXIII e

170, III da CF), também atentando para a preocupação constitucional do abuso do poder

econômico (art. 173, § 4º da CF), além do princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I

da CF).

Flávio Tartuce48 indica alguns dispositivos do Código Civil, os quais promovem a

função social do contrato em seu âmbito externo: a) arts. 436 a 438 do CC, que tratam da

estipulação em favor de terceiros, como uma das hipóteses de exceção à relatividade dos

contratos; b) arts. 439 a 440 do CC, que tratam da promessa de fato de terceiro, também como

exceção à relatividade dos efeitos dos contratos; c) art. 608 do CC, tratando da chamada tutela

externa do crédito e prevendo uma sanção legal para o terceiro que estimula o

descumprimento contratual pelo devedor, quando o terceiro aliciar o devedor para que esse

celebre com aquele outro contrato, inviabilizando o cumprimento da avença com o credor do

pacto original. Neste aspecto, vide comentários que fizemos a respeito de um caso

jurisprudencial envolvendo a questão, no tópico 4.2.

47
SILVA, Jorge Cesar Ferreira da. Princípios de direito das obrigações no novo Código Civil. In: SARLET,
Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.
107.
48
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de
2002. São Paulo: Método, 2007, p. 252.
38

Destaque-se também, sobre a função social no âmbito externo, o entendimento da

Professora Judith Martins-Costa49, no qual restou consignado que a fusão de empresas deve

ser impedida, quando tal arranjo empresarial resultar na formação de cartel.

Segundo a orientação acima, a autora defende que a função social do contrato deve

fomentar o princípio constitucional da livre concorrência, impondo um dever positivo às

empresas em processo de fusão ou incorporação, de forma que essas se abstenham de dominar

o mercado e inviabilizar a concorrência. Para tanto, a professora defende a utilização de

interpretação sistemática, conciliando a regra do art. 421 do Código Civil, com os dispositivos

constitucionais sobre a livre concorrência e as regras relativas aos arranjos empresariais, bem

como as normas administrativas referentes ao mercado de valores imobiliários. Nesse sentido,

também deve ser observado o mandamento constitucional insculpido no art. 173, § 1º, I da

Constituição, referente à função social da empresa.

Saliente-se ainda outra importante decorrência da função social do contrato, no

aspecto externo, a qual consiste no entendimento exposto na Súmula 30850 do Superior

Tribunal de Justiça, segundo a qual “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente

financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem

eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Sobre essa questão, vide os comentários que

tercemos no tópico 4.2 desse trabalho, quando tratamos da exigência da boa-fé em todas as

fases do contrato.

Ainda na linha do efeito externo da função social do contrato, também no tópico 4.2,

abordamos a questão do dever das distribuidoras de combustíveis respeitarem os contratos

(com cláusula de exclusividade) celebrados entre outra distribuidora e os postos de

combustíveis).

49
MARTIN-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Direito GV 1,
São Paulo, ano 1, n. 1, mai. 2005. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/JudithMC.pdf >.
Acesso em: 15 ago. 2013.
50
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 308. Segunda Seção. J. 30.03.2005. DJU. 25/04/2005 p. 384.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp>. Acesso em : 15 ago. 2013.
39

Do que foi exposto, resta evidente que o contrato não mais pode ser entendido como

ilhado pelo princípio da relatividade contratual. Ao revés, surte efeitos para além das partes e,

por isso mesmo, deve obediência ao princípio da solidariedade, o qual se apresenta como

fundamento constitucional do aspecto externo da função social do contrato.

4.2 A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS

FUNDAMENTAIS DA IGUALDADE, BOA-FÉ, AUTONOMIA PRIVADA E

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A função social do contrato é formada por vários outros preceitos que servem para

dar-lhe conteúdo. Tal assertiva é corroborada pelo art. 2.035, Parágrafo único do Código

Civil, o qual informa que “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem

pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da

propriedade e dos contratos”.

Da leitura do citado dispositivo, observa-se que outros preceitos do Código Civil

servem para assegurar a função social dos contratos. E não somente os preceitos do Código

Civil garantem a função social do contrato, mas também outros princípios contidos no Código

de Defesa do Consumidor e na Constituição Federal. Tal comunicação se dá pela denominada

tese do diálogo das fontes, de autoria de Erik Jayme, apresentada no Brasil por Cláudia Lima

Marques.51

E quais seriam então esses preceitos que dão conteúdo à função social do contrato?

Passaremos a analisar alguns princípios (igualdade, boa-fé, autonomia privada e dignidade da


51
BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código
de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 26-58.
40

pessoa humana), que acreditamos terem essa característica, estudando a relação de tais

mandamentos com a função social do contrato.

Primeiramente, quanto ao princípio da igualdade, a função social do contrato, nos

moldes entabulados no art. 421 do Código Civil, Segundo Martins52, serve de porta de entrada

dos direitos matrizes „liberdade e igualdade”, proclamados no art. 5º, caput da CF.

Principalmente após o advento da Revolução Francesa, com seu ideário iluminista, a

noção de igualdade ganhou grande relevo no cenário mundial. Não obstante, a idéia de

igualdade sofreu evolução, passando da simples noção de igualdade perante a lei (igualdade

formal) à aceitação de que se deve tratar desigualmente as pessoas que naturalmente se

encontram em situação de inferioridade, a fim de se proporcionar a esses indivíduos uma

igualdade fática: igualdade substancial.

Segundo Novaes, tal princípio deixou de significar apenas a denominada igualdade

perante a lei (própria dos primeiros tempos do constitucionalismo) e passou a corresponder à

igualdade em sua acepção fática (igualdade substancial), qual seja a igualdade alcançada

através de políticas que produzem discriminações para alcançar diminuir desigualdades já

existentes, fomentando “privilégios”, ou (melhor dizendo) prerrogativas, aos naturalmente

menos favorecidos53.

Ainda segundo Novaes, “a igualdade perante a lei” era “suficiente” para o Estado

liberal, porém restou incompleta, ante as necessidades advindas do Estado Social:

...tratando da mesma forma aquilo que, à partida, era substancialmente diferente, a


lei geral e abstrata legitimava, mantinha e aprofundava as situações de injustiça e
desigualdades, deixando os mais fracos à inteira mercê da mão invisível, dos
desígnios da (pouca) sorte e dos abusos dos poderosos54.

52
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012, p. 111.
53
NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da república portuguesa. Coimbra:
Coimbra Editora, 2004, p. 101.
54
Ibid. p. 103.
41

Segundo o mesmo autor anteriormente citado, a Constituição Portuguesa associa a

“Igualdade material” ao Princípio da dignidade da pessoa humana, em seu artigo 13, nº 1:

“todos os cidadãos têm igual dignidade que devem ser tratados como iguais”.

Assim, chega-se a conclusão de que, enquanto no, Estado liberal, a igualdade formal

significava tratar a todos indistintamente, no Estado social, a igualdade passa a ser entendida

na “exigência de tratamento igual daquilo que é igual e tratamento desigual daquilo que é

desigual”.55

Tal sistema de “balanceamento” para reduzir desigualdades e produzir igualdade

substancial. Já vem sendo sentido em algumas normas específicas como aquelas que conferem

prerrogativas aos trabalhadores perante os empregadores; aos consumidores em face dos

fornecedores; aos locatários em oposição ao locador.

Nesse desiderato, a busca pela referida igualdade substancial, tem sido

instrumentalizada principalmente pelas chamadas políticas públicas de discriminações

positivas, onde se procura, por meio de iniciativa legislativa, a institucionalização de normas

que estabelecem prerrogativas a certas categorias de pessoas, em razão de sua situação de

vulnerabilidade perante a sociedade: anciãos, crianças e adolescentes, portadores de

necessidades especiais, mulheres, negros, pessoas acometidas de certas doenças etc.

Tais normas concedem, dependendo da espécie de desigualdade, cotas para acesso à

educação e mercado, isenção de tributos para aquisição de certos bens, descontos ou isenção

de pagamento em transportes coletivos, atendimento público prioritário, tudo isso, em razão

da particular situação de inferioridade material dos destinatários dessas normas afirmativas,

fundamentando-se também no entendimento de que essas pessoas necessitam desse

tratamento diferenciado para que efetivamente tenha garantida a sua dignidade, através de

uma superioridade jurídica que amenize a inferioridade fática.

55
Ibid. p. 104.
42

Tal igualdade substancial pode ser enxergada sob a ótica do Estado para com os

particulares e, por outro lado, também sob o prisma das relações dos particulares entre si.

Sob o prisma da relação do Estado para com os particulares, a materialização da

igualdade substancial parece bastante razoável, visto que a satisfação do interesse público é

um dos objetivos do Estado, através da redução das desigualdades entre os indivíduos, por

exemplo, cumprindo o mandamento constitucional insculpido no artigo 3º, inciso III da

CF/88, onde consta, entre os objetivos da Republica Federativa do Brasil, a “erradicação da

pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais”.

Ainda sob a ótica do Estado para com os particulares, podemos citar como exemplo as

normas que determinam a reserva de vagas no serviço público para pessoas portadoras de

deficiências, conforme estabelecido na Constituição Federal, art. 37, VIII, regulamentada pela

Lei 7.853/89 e esta pelos Decretos 3.298/99 e 5.296/04.

Dessa forma, de muita importância é a norma do artigo 37, § 1º do Decreto

Regulamentar 3.298/99, o qual, regulamentando o art. 2º, III, alínea “d” da Lei 7.853/99 e o

art. 37, VIII da Constituição Federal, estabeleceu a reserva de vagas para deficientes, no

percentual mínimo de cinco por cento do total de vagas ofertadas para cargos e empregos

públicos, reforçando, assim, a função social, através da igualdade material, no preenchimento

de postos de trabalho no serviço público.

Quanto à reserva de vagas para deficientes na iniciativa privada, também foi garantido

através do art. 93 da Lei 8.213/91 essa prerrogativa para as pessoas portadoras de deficiência,

variando a quantidade de vagas do percentual mínimo de 2%, para empresas de até 200

empregados, até o percentual de 5%, para empresas de 1001 empregados em diante.

A exigência legal de resevas de vagas para deficientes na iniciativa privada, também

aponta na direção dos ditames constitucionais de igualdade substancial, uma vez que caminha

na linha do mandamento insculpido no artigo 170, caput e inciso VII da Constituição Federal,
43

manifestando-se como uma razoável compatibilização entre a iniciativa privada e a justiça

social, juntamente com a redução das desigualdades sociais.

Entretanto, a interpretação literal dos citados dispositivos legais ainda não proporciona

uma igualdade material, haja vista que deixa fora de sua abrangência de proteção pessoas que

materialmente encontram-se na mesma situação de deficiência protegida pelas citadas normas.

É o caso daqueles que sofrem de visão monocular e também dos que são acometidos

de perda auditiva unilateral. Pessoas com essas moléstias são consideradas, pela literatura

médica especializada, como padecentes de dificuldades similares as dos indivíduos que

apresentam as incapacidades listadas nas normas de proteção ao deficiente.

Dessa forma a jurisprudência, com a finalidade de proporcionar igualdade material,

tem interpretado de forma extensiva as regras que definem a deficiência visual e auditiva para

alcançar aqueles portadores de visão monocular e surdez unilateral.

Nesse sentido, com relação à visão monocular, o Superior Tribunal de Justiça editou a

Súmula 377, estendendo a possibilidade de reserva de vagas no serviço público também aos

portadores de Visão monocular.56

No que tange aos portadores de surdez unilateral, o mesmo Superior Tribunal de

Justiça, vem decidindo reiteradas vezes pela extensão do conceito de deficiente auditivo,

alcançando também aqueles portadores de surdez em um dos ouvidos.

Nesses sentido, transcreve-se um julgado onde tal entendimento foi confirmado.

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL.DECRETO Nº 3.298/99. REDAÇÃO DO DECRETO Nº 5.296/04.
DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL. RESERVA DE VAGA AOS
PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS CONCEDIDA.
POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, em concursos
públicos, é prescrita pelo art. 37, VIII, da CF/88, regulamentado pela Lei nº 7.853/89
e, esta, pelos Decretos 3.298/99e 5.296/04.

56
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso
público, às vagas reservadas aos deficientes. Enunciado de Súmula 377. Relator: Ministro Arnaldo Esteves de
Lima. Julgado em 22/04/2009, RSSTJ vol. 34 p. 81.
44

2. Os exames periciais demonstraram que o recorrente possui total ausência de


resposta auditiva no ouvido esquerdo, com audição normal no outro.
3. Com efeito, a surdez unilateral não obsta o reconhecimento do caráter de portador
de necessidades especiais, uma vez que o art. 4º, II, do Decreto 3.298/99, que define
as hipóteses de deficiência auditiva, deve ser interpretado em consonância com o art.
3º do mesmo diploma legal, de modo a não excluir os portadores de surdez unilateral
da disputa às vagas destinadas aos portadores de deficiência física. Precedentes.
4. Recurso não provido.57

Passando à analise da exigência de igualdade material, nas relações dos particulares

entre si, por vezes, a concretização desse direito fundamental entra em tensão com outro

direito fundamental: a autonomia privada.

Nesse sentido, surge a preocupação de não se ferir a dignidade de outras pessoas,

quando se estiver buscando proporcionar a igualdade material de um indivíduo: é a questão do

limite da igualdade material.

Dessa forma, chega-se a conclusão de que, além da norma legal que promova

discriminação positiva, deve existir ainda o trabalho do julgador que, analisando caso-a-caso,

averiguará o limite da necessidade e proporcionalidade da aplicação da discriminação

positiva, quando, em casos difíceis, a simples aplicação direta da lei de políticas afirmativas

puder se mostrar insuficiente.

Maria Celina Bodin de Moraes chama atenção para um novo conceito, que seria ainda

mais avançado que a própria igualdade substancial. Ela entende ser mais consentâneo com a

realidade atual a idéia de “reconhecimento”, tomando o lugar da noção de “identidade”. A

autora assevera que, enquanto a “identidade” se refere ao sentido de “mesmo” (igualdade); no

“reconhecimento” aparece a dialética do “mesmo” com o “outro”.58

A mesma autora ressalta ainda que a atual conjuntura social reclama um direito cada

vez mais atento à diversidade da sociedade e preparado para o enfrentamento da problemática

57
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Desprovimento de Recurso. AgRg no AREsp 22688/PE. Relator:
Ministro Arnaldo Esteves Lima. Brasília, DF, Diário da Justiça da União, Brasília, DF, Seção 3, 02 de maio de
2012.
58
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 124.
45

advinda da necessidade de equalização dos eventuais conflitos decorrentes dessa convivência

plúrima, sempre tendo como base de resolução dos embates a idéia de reconhecimento das

diferenças entre os indivíduos ou grupos. Nesse sentido é o que se transcreve.

De fato, a presença, em um mesmo território, de uma pluralidade de culturas, como


ocorre tanto na Europa como nos Estados Unidos – situação a que também estamos
acostumados – tem se constituído, nos nossos dias, como um grande desafio à
regulamentação ética e jurídica, na medida em que evidencia diferenças, seja no
plano das concepções de vida (concepções culturais, filosóficas, religiosas), que
põem em xeque a suficiência do princípio da igualdade, tanto formal como
substancial.59

Na linha defendida por Alexy60, existe o que ele denominou de paradoxo da

igualdade, segundo o qual toda igualdade jurídica implica uma desigualdade fática e toda

igualdade fática tem como pressuposto desigualdade jurídica.

A implantação da igualdade substancial, sob a ótica da relação dos particulares entre si

encontra maiores dificuldades, haja vista a proteção também ofertada pela Constituição à

autonomia privada, igualmente com base na dignidade da pessoa humana e na permissão de

autodeterminação das pessoas.

Nessa linha, Crorie assevera que:

As discriminações são imanentes à sistemas sociais e econômicos livres, sendo a


liberdade de “tratar desigualmente” na escolha do parceiro negocial, enquanto
manifestação da autonomia privada, um princípio básico do direito privado. 61

Surge então a problemática da validade do direito fundamental à igualdade substancial

nas relações dos particulares entre si.

Crorie ainda acrescenta argumentos em relação ao tema, dizendo que “o objetivo do

princípio geral da igualdade não pode ser estabelecer uma igualdade material sem

exceções”.62

59
Ibid., p. 125.
60
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales; 2001.
61
MAC CRORIE, Benedita Ferreira da Silva. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.
Coimbra: Almedina, 2005, p. 44.
62
Ibid. p. 44.
46

Para que se evite excessos na concretização da igualdade substancial, é interessante o

ensinamento de Mello63, segundo o qual a lei não pode legitimar regalias desarrazoadas nem

retaliações imotivadas, mas, sim deve ser um mecanismo de regulação social, tratando de

forma equidistante os membros da sociedade, através de quatro critérios, a seguir delineados:

a) a diferenciação não deve transformar-se em instrumento de desnivelamento ou alcance de

benefício desarrazoado para uma só pessoa; b) as pessoas desniveladas pela lei devem ser

sejam realmente diferentes entre si; c) deve existir de forma abstrata uma relação lógica entre

os fatores de distinção e a situação jurídica criada pela implantação desses fatores; d) o nexo

lógico supracitado deve ser, em concreto, pertinente, segundo os valores constitucionais

relativos ao interesse público como um todo.

Não se pode esquecer que o ser humano tem o direito de fazer suas escolhas pessoais,

as quais se caracterizam como escolhas existenciais fundamentais, integrantes do

desenvolvimento pleno de sua personalidade, não se justificando o sacrifício dessas

prerrogativas, por meio da imposição irrestrita de isonomia entre particulares, pois o cidadão

(diferentemente do Estado) também é sujeito ativo titular de direitos fundamentais e não

apenas o sujeito passivo desses direitos.

Steinmetz sugere o princípio da proporcionalidade (no sentido da relação entre os

meios empregados e a finalidade perseguida) como critério para aferição de quando deva

prevalecer entre os particulares a igualdade ou a diferenciação.64

O mesmo autor aponta que o STF (vide ADI 1.326-SC, relator Min. Carlos Veloso)

entende no mesmo sentido, segundo o qual a proporcionalidade deve ser usada como critério

63
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ed., 14tir., São Paulo:
Malheiros, 2006. p.21.
64
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros
Editores, 2004, p. 238.
47

para se aferir a (in)constitucionalidade das diferenciações ou tratamentos desiguais

existentes.65

Martins indica a utilização da proporcionalidade como critério para a aplicação de

tratamentos desiguais em casos difíceis, segundo uma metodologia dividida em quatro fases.

Primeiro analisa-se se o tratamento desigual é licito. Em segundo lugar, examina-se a licitude

do meio escolhido de intervenção na igualdade; Em terceiro lugar, analisa-se a relação de

adequação entre o meio de desigualdade e o propósito perseguido; em quarto lugar, perquiri-

se sobre a existência de alternativas igualmente adequadas, mas que acarretem menos ônus

aos direitos de quem sofreu a desvantagem em razão da implementação da igualdade

material.66

Assim, verifica-se que a aplicação da igualdade material deve ser aferida à luz do

princípio da proporcionalidade. Sobre esse princípio, são oportunas as seguintes

considerações.

O Princípio da proporcionalidade tem origem mais marcante no direito Alemão.

Segundo Guerra Filho67, coube a Ruppreht V. Krauss, em 1955, a primeira monografia

exclusiva sobre este assunto.

Posteriormente, a origem da proporcionalidade no direito se evidencia mais

precisamente no direito alemão, a partir da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal

Alemão, que passou a entendê-la como decorrente da substância dos direitos fundamentais,

apesar de não expressa no texto constitucional.

65
Ibid. p. 239.
66
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012. p. 59.
67
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso
Bastos Editor. 2001. p.72.
48

Grabitz, citado por Dimoulis e Martins68, aduziu, em 1973, a que a proporcionalidade

seria decorrência do princípio do Estado de direito, sendo esse entendimento também

comungado por Gilmar Mendes69

Entretanto, Dimoulis e Martins entendem que o princípio do Estado de Direito é

insuficiente para fundamentar a proporcionalidade, enquanto critério de controle de

constitucionalidade, pois aquele princípio não revela nada sobre os limites interventivos de

leis concretizadoras das reservas legais.

Os citados autores entendem que a proporcionalidade não se constitui um princípio,

segundo o sentido de princípio traçado por Robert Alexy. Entendem aqueles doutrinadores

que, segundo a dicotomia de regras e princípios traçada por Alexy, a proporcionalidade se

aproximaria mais de uma regra do que de um princípio.

Nosso ponto de partida é que a proporcionalidade não constitui princípio, no sentido


dado a esse último termo por teóricos do direito como Robert Alexy. Para quem
adota a bipartição entre regras e princípios, a proporcionalidade apresenta muito
mais natureza de regra do que de princípio.

Bonavides70, invocando Pierre Muller, indica que, provisoriamente, a

proporcionalidade pode ser dividida em duas noções: uma acepção lata e outra estrita. Com

sentido lato, a proporcionalidade seria a regra fundamental a que a que devem obedecer tanto

os governantes como os governados.

Já em sentido estrito, Bonavides, citando Pierre Muller, afirma que o princípio da

proporcionalidade traduziria a “relação adequada entre um ou vários fins determinados e os

meios com que são levados a cabo”.

68
GRABITZ, Eberhard. 1973, p. 568-581 apud DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos
Direitos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.170.
69
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo:
Saraiva, 1990. p. 43
70
MÜLLER, Pierre. Le príncipe de la proportionnalité. Zeitschrift für schweizerisches Recht, Basel, v.97, fasc.
3, p. 1978, p. 531 apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros,
2011. p. 393.
49

Guerra Filho71 assinala que a finalidade do princípio da proporcionalidade é a

preservação de direitos fundamentais.

Bonavides72 assevera que, a doutrina europeia vem consolidando a proporcionalidade

como: “regra fundamental de apoio e proteção de direitos fundamentais e de caracterização

de um novo Estado de Direito, fazendo assim, da proporcionalidade um princípio essencial

da constituição”.

A professora Valeschka e Silva Braga73 afirma que a doutrina e jurisprudência alemã

se reversa em subdividir o princípio da proporcionalidade de três maneiras diferentes: 1) a

mais aceita que entende haver três elementos no princípio da proporcionalidade, a saber,

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; 2) a corrente defendida por

Böckenförde e Schlink, que retira a proporcionalidade em sentido estrito; 3) por fim, a que

acrescenta mais uma dimensão: a legitimidade dos fins.

O professor Bonavides74 esboçando a primeira linha classificatória acima, explica que

o primeiro elemento da proporcionalidade - a adequação - (conforme Zimmerli) é a

verificação “se determinada medida representa „o meio certo para levar a cabo um fim

baseado no interesse público‟”.

O renomado professor da Universidade Federal do Ceará explica que o segundo

subprincípio da proporcionalidade é a necessidade, que se traduz na máxima de que “a

medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que

almeja, ou uma medida para ser admissível deve ser necessária”.75

Por fim, o terceiro critério ou subdivisão do princípio da proporcionalidade é a

proporcionalidade em sentido estrito, a qual se verifica, segundo Pierre Muller, citado por

71
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso
Bastos Editor. 2001. p. 63.
72
BONAVIDES, op. cit. p. 396.
73
BRAGA, Valeschka e Silva. Princípio da proporcionalidade & da razoabilidade. Curitiba: Juruá. 2009. p.
109.
74
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 396/398.
75
Ibid., p. 397.
50

Bonavides, quando “a escolha recai sobre o meio ou os meios que, no caso específico,

levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo.76

Dimoulis e Martins informam que Peter Lerche, diferentemente, define que a

proporcionalidade e necessidade seriam elementos do princípio da proibição do excesso ou do

exagero.77

Guerra Filho aponta que o conteúdo do princípio da proporcionalidade se reparte em

três princípios parciais (Teilgrundsätze):

“Princípio da proporcionalidade em sentido estrito” ou “máxima do sopesamento”


(Abwägungsgebot), “princípio da adequação” e “princípio da exigibilidade” ou
“máxima do meio mais suave” (Gebot des mildestein Mittels).78

Com relação ao subcritério da proporcionalidade da proporcionalidade em sentido

estrito, Dimoulis e Martins não entendem aceitável esse terceiro elemento e se filiam a

corrente defendida por Böckenförde e Schlink, que retira a proporcionalidade em sentido

estrito da lista dos elementos definidores do Princípio da Proporcionalidade.

Nesse sentido, os premiados autores concluem que, do ponto de vista material, os

direitos fundamentais são heterogêneos, o que impede um sopesamento. Sustentam ainda que,

do ponto de vista formal, não há como haver hierarquia entre os direitos fundamentais, já que

os direitos fundamentais possuem a mesma força jurídica. Dessa forma arrematam, dizendo

que o aplicador do direito ao caso concreto judicial deve se satisfazer e finalizar o exame de

constitucionalidade da norma, quando verificar que essa atende aos critérios da adequação e

da necessidade.

Eis o fechamento do pensamento de Dimoulis e Martins a esse respeito:

76
Ibid., p. 398.
77
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p.171.
78
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso
Bastos Editor. 2001, p. 70.
51

Em conclusão, a proporcionalidade em sentido estrito (ou teste de exigibilidade)


deve ser rejeitada como elemento do exame da proporcionalidade, já que, a despeito
da opinião dominante tanto no Brasil quanto na Alemanha e em outros países, tem
dado azo à usurpação da competência de decisão política própria dos órgãos do
Poder Legislativo por órgãos do Poder Jurisdicional. 79

Noutro passo, convém salientar que há divergência na doutrina a respeito de haver ou

não diferença entre razoabilidade e proporcionalidade, enquanto princípios. Entre os que

defendem serem princípios distintos, embora que semelhantes, destacasse aqui o trabalho da

Professora Valeschka e Silva Braga, que reúne seis critérios diferenciadores entre esses

princípios, a saber, origem, fundamento, conteúdo, elementos, nível de objetividade e,

finalmente, pelas funções80.

Quanto à origem, destaca a origem tedesca da proporcionalidade, desenvolvida pelo

Tribunal Constitucional Alemão, enquanto a razoabilidade advém do substantive due

processo of Law, aperfeiçoada na jurisprudência norte-americana.

Com relação ao fundamento, aponta que a razoabilidade resulta do devido processo

legal substantivo, ao passo que a proporcionalidade é conseqüência do Estado de Direito.

No que tange ao conteúdo, afirma que, enquanto a proporcionalidade se concentra na

compatibilidade entre os meios e os fins, a razoabilidade se empenha mais precisamente na

congruência dos causas fáticas com a finalidade da medida.

No que tange aos elementos, salienta que a proporcionalidade se subdivide em

necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, segundo a maioria dos

doutrinadores, principalmente alemães. Enquanto a razoabilidade tem como elemento de

79
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 215.
80
BRAGA, Valeschka e Silva. Princípio da proporcionalidade & da razoabilidade. Curitiba: Juruá. 2009. p.
109. p. 182/185.
52

destaque a racionalidade, que se aproxima da união entre adequação e necessidade, mas em

dimensões diferentes, mais relacionadas ao caso concreto.

Sob o critério do nível de objetividade, assevera que a razoabilidade contém menos

objetividade, uma vez que se relaciona com circunstancias de tempo e lugar, a depender do

caso concreto, enquanto a proporcionalidade contém elementos pré-definidos e mais estáveis,

não relacionados com sociedade ou o momento histórico.

Por fim, no que se refere às funções, salienta que a proporcionalidade tem utilidade de

forma mais genérica na integração do ordenamento e solução de conflitos, enquanto a

razoabilidade se mostra com mais serventia especificamente na limitação do arbítrio estatal e

na invalidação dos atos considerados não razoáveis.

Agora falando sobre o princípio da proporcionalidade no ordenamento jurídico

brasileiro, importante trazer a baila, conforme Bonavides81, que a Constituição Federal de

1988 traz proporcionalidade, enquanto “norma geral de direito” e também apresenta a

proporcionalidade, enquanto “regras de aplicação particularizada”.

Quanto à proporcionalidade como princípio geral de direito, o eminente professor

declara que a proporcionalidade existe de forma não expressa, mas sim esparsa no texto

constitucional, sendo uma noção que se abstrai da verificação da passagem da igualdade-

identidade para a igualdade-proporcionalidade, na atual fase do Estado de Direito.

Já quanto às regras específicas da Constituição que possuem o conteúdo da

proporcionalidade, ainda que sem necessariamente explicitá-la expressamente, Bonavides

aponta diversas passagens constitucionais onde a proporcionalidade é invocada ainda que

implicitamente, a saber, no direito eleitoral constitucional (art. 45, § 1º), quando fala da

representação proporcional na composição da Câmara dos Deputados; no art. 5º, incisos, V, X

e XXV, a respeito dos direitos e deveres individuais e coletivos; no art. 7º, IV, V XXI, quanto

81
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 434/436.
53

a direitos sociais; no art. 36, § 3º, no que se refere à intervenção da União nos demais entes

federados; no art. 37, inciso IX, quanto à regras gerais da administração pública, dentre outros

várias passagens da Constituição em que se verifica a proporcionalidade em um sentido

tópico.

Entretanto, o ilustre constitucionalista chama a atenção para que se reconheça o

princípio da proporcionalidade não apenas onde ele está contido em proposições

constitucionais, mas, sobretudo, entende ser necessário fixar que a proporcionalidade,

enquanto princípio constitucional geral idôneo para inibir a arbitrariedade estatal, está

implícito em toda a Constituição, sendo assim, considerado já positivado no texto

constitucional.

Acrescenta ainda Bonavides que o princípio da proporcionalidade como “norma

global” decorre ainda do espírito do artigo 5º, § 2º, que se refere aos direitos fundamentais

não escritos na Constituição, sendo então algo que emana da “natureza do regime”, do Estado

de Direito e da unidade da Constituição.

As críticas ao princípio da proporcionalidade se dirigem ao seu uso de forma ilimitada,

muitas vezes conduzindo à desnaturação da separação das funções estatais, hipertrofiando o

poder judiciário e enfraquecendo principalmente o poder legislativo em sua função

democrática dotada de discricionariedade.

Nesse sentido, Guerra Filho82 alerta para o que se chama na doutrina alemã de

“Oberdehnung” ou “super-expansão” ou exagero no emprego da proporcionalidade,

acarretando uma perda de normatividade da lei.

O referido autor recomenda, então que a proporcionalidade somente seja empregada

no momento oportuno e necessário, com a maior racionalidade e objetividade possível, bem

82
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso
Bastos Editor. 2001, p.85.
54

como por meio de decisão judicial sujeita a um amplo debate, segundo o devido processo

legal substancial.

Bonavides83 falando da crítica ao princípio da proporcionalidade, ainda que esse

doutrinador seja um ferrenho defensor desse princípio, chama a atenção para o que os alemães

denominam de vício de “expansão” (Ausdehnung), afirmando que se trata de um abuso que

transforma o princípio em uma “fórmula vazia” (Leerformel), que afrouxa a lei, retirando-lhe

a normatividade.

O Constitucionalista acima ainda aduz que o princípio em tela provoca em alguns

doutrinadores o receio de que se avultem as faculdades do juiz em detrimento do legislador,

modificando o equilíbrio democrático dos poderes.

Na linha de uma utilização mais comedida do princípio da proporcionalidade,

Dimoulis e Martins84 entendem que, no caso de não haver critério constitucional para solução

de um conflito normativo, a solução deve partir unicamente do legislador, dentro da

permissão constitucional de concretizar as normas constitucionais abstratas, entendendo que

não haveria espaço para a ponderação judicial, mas apenas analisar se o legislador descumpriu

uma norma constitucional, sem poder haver a substituição do legislador pelo juiz:

Em não havendo critério constitucional para resolver um conflito normativo, o


legislador é o único habilitado para concretizar as normas constitucionais, usando o
poder discricionário que lhe conferiu a Constituição em virtude do caráter abstrato
de suas normas. Objeto da revisão jurisdicional constitucional não é a ponderação,
mas a verificação de eventual desrespeito de norma constitucional pelo legislador. A
proporcionalidade como exame de adequação e necessidade serve para aferir esse
desrespeito específico e não para substituir a decisão política do legislador pela
decisão política do órgão jurisdicional constitucional. 85

83
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 430/433.
84
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 218/219.
85
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2011, p. 218/219.
55

Em suma, as críticas são dignas de reflexão, porém não podem ser vista como algo

capaz de ofuscar a importância e utilização desse princípio, notadamente quanto à limitação

de direitos fundamentais.

Concluindo, e voltando ao paralelo entre a proporcionalidade e a igualdade material,

apura-se que, conforme aduziu Larenz, em alguns casos, a igualdade deve ceder lugar à

proporcionalidade, como fator de relativização da igualdade.86

Diante de tudo isso, entendemos que a noção de igualdade substancial, apoiada da

dignidade da pessoa humana e materializada através de políticas de discriminações positivas,

é o instrumento mais atual de efetivação do Princípio da igualdade em sua integridade.

Entretanto, tal solução deve sempre ser averiguada no caso concreto, mediante a

atividade do julgador, que poderá analisar se a promoção de uma política afirmativa em

determinado caso deve ser realizada analogicamente, além dos casos expressamente previstos

em lei, ou se será necessário utilizar uma interpretação restritiva dessas políticas em

determinados casos, a fim de se evitar, por outro lado, o cometimento de injustiças, através da

ofensa à dignidade de um outro indivíduo ou grupo social que, em um caso concreto, tenha

valores (igualmente constitucionais e integrantes da dignidade “dessa outra” pessoa humana)

ofendidos através da implementação de uma igualdade substancial que se mostre

desproporcional.

Agora, analisemos outro princípio que também serve como um preceito de ordem

pública para assegurar a promoção da função social do contrato: o princípio da boa-fé.

A boa-fé veio prevista expressamente no Código Civil, nos arts. 422, 113 e 187. Nessa

esteira, passou-se a reconhecer que as partes deveriam substituir o antagonismo clássico pela

86
LARENZ, Karl. Derecho justo: fundamentos de ética jurídica. Madrid: Civitas, 1985. p. 139.
56

busca de satisfação das legítimas expectativas, umas para com as outras no contrato, segundo

o que se entenda razoável, no contexto da sociedade de uma determinada época.

A boa-fé inicialmente era considerada apenas em relação à intenção do indivíduo. No

âmbito do contrato, dizer que um contratante agia de boa-fé equivalia apenas a dizer que ele

desconhecia qualquer vício existente no contrato. A isso corresponde o que se denomina de

boa-fé subjetiva.

Essa noção inicial de boa-fé, referindo-se a intenção da pessoa no negócio jurídico,

significa o desconhecimento pela pessoa sobre a existência de vício em relação a si próprio, a

outra pessoa ou a determinado bem. Flávio Tartuce87 aponta que a exigência da boa-fé, sob o

prisma subjetivo, pode ser observada, por exemplo, em institutos do direito possessório, como

no art. 1.201 do Código Civil, segundo o qual o possuidor de boa-fé é aquele que “ignora o

vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa” ou que detém a posse como fundamento

em justo título.

Porém, outra noção mais recente da boa-fé é aquela que se preocupa, não apenas com

a intenção, mas sim meramente com a conduta do agente. No Código Civil Alemão (BGB), o

parágrafo 43 enuncia a boa-fé objetiva, estabelecendo que o devedor deverá cumprir a

prestação conforme os requisitos da fidelidade e boa-fé, levando em consideração os usos e

costumes.88 Perceba-se o caráter objetivo da exigência, pois aborda sobre a conduta,

determinando como o devedor deverá cumprir a prestação.

No Código Civil italiano de 1942, também se encontram dispositivos que cuidam da

boa-fé objetiva, a saber, o art. 1.175, o qual estipula que tanto o credor quanto o devedor

devem agir segundo a regra de correção. Aqui também se denota a exigência da boa-fé

87
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de
2002. São Paulo: Método, 2007. p. 197.
88
ENCINAS, Emílio Eiranova. Código Civil alemán comentado- BGB. p. 119.
57

objetiva, pois não se refere à intenção, mas à atitude das partes no cumprimento da obrigação:

o agir, independente da intenção. É difícil aferir se o causador de um dano tinha a intenção de

prejudicar. Entretanto, provar o efetivo dano (conduta danosa) é mais plausível.

A boa-fé foi prevista no art. 4º, III do Código de Defesa do Consumidor89. No referido

dispositivo percebe-se a possibilidade de consideração da boa-fé pelo aspecto objetivo, pois a

norma fala de boa-fé, não apenas nas intenções das partes, mas sim nas relações, nas condutas

desenvolvidas por ambos agentes do fenômeno consumerista.

No Código Civil, o art. 422 traz o dispositivo mais emblemático sobre a boa-fé, em

sua acepção objetiva. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na

conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Tal

artigo mais uma vez, dispensa a análise da intenção das partes contratuais e volta a atenção

diretamente para a conduta dos contratantes, em todas as fases da relação contratual.

Com relação ao fundamento constitucional do princípio da boa-fé, Teresa Negreiros90

aponta que tal princípio decorre do Princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art.

1º, III da Constituição e vários outros incisos do artigo 5º da CF/1988.

Podemos dizer que a exigência de boa-fé alcança as várias fases do contrato, a saber,

as fases pré-contratual, contratual e pós-contratual.

Quanto ao dever de observância da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, um exemplo

marcante na jurisprudência é o referente ao caso envolvendo a indústria CICA e um grupo de

pequenos agricultores do Rio Grande do Sul. Na hipótese, a referida indústria, durante algum

tempo, mesmo sem contrato prévio, distribuía sementes aos agricultores, que depois vendiam

a safra de tomates para a CICA. Tal situação se repetiu durante vários períodos de colheita,
89
Art. 4º da Lei 8.078/90: A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo, atendidos os seguintes princípios: (...) III - harmonização dos interesses dos participantes das relações
de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição
Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
90
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 117.
58

até que em determinado momento a empresa não comprou os tomates dos produtores, muito

embora tivesse distribuído as sementes aos mesmos. Tal situação gerou efetivo prejuízo aos

plantadores, que só plantaram em razão da justa expectativa de que a produção seria adquirida

pela indústria produtora de extrato de tomates, de forma que em face da frustração da

expectativa, os agricultores não tiveram demanda para tamanha produção e amargaram o

prejuízo.

O caso foi levado ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou a CICA

a pagar indenização aos produtores91.

No exemplo citado, a indústria feriu a boa-fé objetiva, pois agiu em desconformidade

com a conduta que dela legitimamente se esperava, qual seja, que a empresa comprasse os

tomates produzidos com as sementes que costumeiramente vinha fornecendo.

Outro aspecto relevante da boa-fé objetiva na fase pré-contratual diz respeito à

responsabilidade na concessão de crédito. Tal assunto parece a princípio contraditório, pois a

noção mais intuitiva de responsabilidade se exige do tomador do empréstimo, o qual deverá

assumir o compromisso de não contratar um financiamento o qual não possa adimplir.

Entretanto, essa questão deve também ser analisada sob outra ótica. Deve-se levar em

consideração a maciça campanha publicitária, realizada pelos meios de comunicação, bem

como pela abordagem e contratação de empréstimos em calçadas, sem um mínimo de cautelas

quanto à real capacidade do devedor arcar com sua obrigação. Ademais, não há informação

suficiente (nem do Estado nem da iniciativa privada) sobre uma política de educação

financeira, com vistas a evitar o superendividamento.

Em verdade, é necessário que a iniciativa privada não se aproveite da inexperiência ou

necessidade (ou até da ambição) das pessoas para lhes seduzirem a contrair empréstimos sem

que esses particulares preencham um padrão mínimo de condições econômicas para tanto,

91
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, EI 591083357, Relator: Juiz Adalberto Lisbório Barros, 1991.
59

sendo levados a comprometer um grande percentual de sua renda e a pagar juros exorbitantes

que lhes privarão de um patrimônio mínimo para a sua vida digna.

Nesse sentido, não se pode esquecer que a liberdade contratual deve ser entendida

como meio para o desenvolvimento da personalidade, a qual, na visão de Felipe Raminelli

Leonardi92, é formada por “limites positivos (v.g. arts. 1º., III e 170, caput” da CF)” bem

como “negativos (v.g. arts. 5º., II e 170, incisos da CF)”.

Nesse contexto, o Estado, como agente regulador da liberdade contratual, a fim de que

essa seja utilizada para desenvolvimento da personalidade, deve portar-se de forma ativa, não

apenas através da atuação do Estado-Juiz, com revisão judicial de cláusulas abusivas, mas

também por meio de políticas de combate à oferta irresponsável de crédito. O Legislativo

produzindo normas que visem a coibir o oferecimento leviano de crédito. O Executivo, por

sua vez, estruturando-se para a fiscalização e aplicação das sanções administrativas

estipuladas em lei.

É ainda importante que o Poder Executivo promova campanhas maciças de educação

financeira, alertando que o crédito irresponsável constitui-se em algo perigoso, tais quais as

bebidas alcoólicas e o cigarro, merecendo, portanto, campanhas educativas na mídia, de forma

análoga a que é feita contra as drogas legalizadas e ilegais93.

Outra medida interessante também seria uma política legislativa que instituísse a

obrigatoriedade do ensino de educação financeira nas escolas, tendo em vista que a idade

escolar é mais propícia para formação da conduta do indivíduo e ainda levando-se em

consideração a gama de publicidade consumista voltada para o público infanto-juvenil.

Já na fase contratual, um exemplo emblemático da aplicação do princípio da boa-fé

objetiva, para promoção da função social do contrato foi um caso envolvendo o cantor Zeca

92
LEONARDI, Felipe Raminelli. As operações econômicas em mercado e a realidade da liberdade contratual.
In: HIRONAKA, Giselda; TARTUCE, Flávio (Coords). Direito contratual: temas atuais. p. 306.
93
Nesse sentido, também ROCHA, Amélia Soares da; FREITAS, Fernanda Paula Costa de. O
superendividamento, o consumidor e a análise econômica do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2564,
9 jul. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/16949>. Acesso em: 27 maio 2013.
60

Pagodinho e duas cervejarias94. Na hipótese, o artista celebrou contrato publicitário

primeiramente com a cervejaria Primo Schincariol S/A. Na propaganda, o cantor utilizava o

bordão “experimenta”. Posteriormente, embora ainda na vigência desse contrato com a

cervejaria (a qual comercializava a cerveja Nova Schin), o sambista celebrou outro contrato,

com uma cervejaria concorrente da primeira contratante, desta feita para promoção da Cerveja

Brahma, onde entoou o seguinte verso: “fui provar outro sabor, eu sei. Mas não largo meu

amor, voltei.”

Nesse caso, temos uma hipótese de ofensa à boa-fé objetiva, além da quebra de

contrato, podendo essa última ser punida por meio de cláusula penal, caso haja. A questão

mais marcante nesse fato é que, segundo as regras de boa-fé objetiva, jamais a cervejaria

contrataria um garoto-propaganda que, ainda na vigência do contato, faria uma contra-

propaganda do produto antes apoiado.

O contrato tem uma função social interna, segundo a qual os contratantes devem

comporta-se com lealdade recíproca. É o que se subentende dos chamados deveres anexos,

que, mesmo não estando expressos no contrato, fazem parte de um conjunto de princípios

implícitos, decorrentes da sociabilidade naturalmente esperada das partes contratuais, dentro

da proposta constitucional de uma sociedade justa e solidária, nos termos do art. 3º, I da

Constituição Federal.

Em decorrência desse fato, o cantor foi condenado ao pagamento de indenização por

danos morais e materiais causados à cervejaria com quem primeiro pactuou contrato de

publicidade.

Mas essa situação desperta também outro questionamento: a cervejaria que foi

prejudicada pela quebra de contrato não deveria ser indenizada também pela concorrente que

celebrou esse contrato posterior com o artista?

94
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no direito civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 80.
61

Nesse ponto, ressalte-se que a função social do contrato impõe que as partes através do

contrato não prejudiquem direitos da sociedade, mas também, de forma reflexiva, exige que a

sociedade respeite o contrato entre as partes.

Saliente-se, que os terceiros não estão vinculados aos termos da avença, em razão do

princípio da relatividade dos efeitos contratuais, princípio esse que (mesmo tendo sofrido

mitigações) ainda serve de base da teoria contratual. Entretanto, as pessoas externas ao

contrato têm o dever de não danificarem o contrato.

Nesse sentido, encontramos o que a doutrina denomina de tutela externa do crédito, a

qual, no dizer de Fernando Noronha, é a proteção do direito do credor a conduta de terceiros

que possa impedir o devedor de cumprir a obrigação assumida.95

Junqueira Azevedo, nessa mesma linha, reforça que “os terceiros não podem se

comportar como se o contrato não existisse”.96

Dessa forma, é acertado o entendimento de que é cabível a responsabilidade civil do

terceiro pelo descumprimento contratual do devedor, quando o terceiro, conhecendo contrato

anterior do devedor, celebra com esse avença posterior que inviabiliza a primeira com o

credor originário.

Resta saber como se dará a aplicação dessa responsabilidade civil. A empresa

prejudicada poderá ajuizar uma ação de indenização diretamente contra a empresa

concorrente que inviabilizou seu contrato inicial? Cremos que sim.

A responsabilidade do terceiro ofensor do contrato deve ser apurada na modalidade

subjetiva, na medida dos prejuízos causados ao credor ofendido.

Nelson Rosenvald entende que a responsabilidade deve ser solidária entre o devedor e

o terceiro que inviabilizou o contrato.97 Entretanto, não concordamos com tal posicionamento,

95
NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 462.
96
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado.
Revista dos tribunais, v. 750, p.116. abr. 1998.
62

visto que a solidariedade não se presume, pois só pode decorrer da lei ou do contrato, termos

do art. 265 do Código Civil.

Não há possibilidade da solidariedade do terceiro provir direitamente do contrato,

visto que o terceiro não faz parte do pacto original. Também não pode a solidariedade entre o

devedor e aquele terceiro que se beneficiou do inadimplemento contratual decorrer da lei,

pois, não vislumbramos dispositivo legal que albergue essa hipótese.

Assim, o prejudicado poderá ser indenizado (tanto pelo devedor quanto pelo terceiro

que participou desse descumprimento) em razão dos danos materiais e morais sofridos em

decorrência do inadimplemento contratual. Contudo, não há solidariedade entre os

responsáveis.

O Código Civil, no art. 608, prevê a possibilidade de punição (com uma pena

pecuniária) para o terceiro que alicia o devedor a descumprir um contrato, inclusive, estipula

o valor da multa a ser paga pelo aliciador, tendo como parâmetro o montante econômico do

contrato inicial descumprido.

Tal art. 608 do Código Civil protege a função social do contrato no aspecto externo,

no que tange à obrigação dos terceiros, indicando que a função social externa do contrato é

uma via de mão dupla, impondo tanto o dever de o contrato respeitar a sociedade (v.g. tutela

do meio ambiente) quanto a obrigatoriedade da sociedade respeitar o contrato.

Com relação às partes contratuais, há possibilidade de se determinar previamente o

dano, por meio de estipulação de uma cláusula penal, podendo ou não haver indenização

suplementar, conforme fique ou não estipulado em contrato essa possibilidade, conforme art.

416, parágrafo único do Código Civil. Tal norma ordinária configura-se como uma

compatibilização entre o direito à indenização por danos e a autonomia privada, ambos

constitucionalmente garantidos.

97
ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. In: HIRONAKA, Giselda; TARTUCE, Flávio (Coords.).
Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2008. p. 107.
63

Então, na hipótese de descumprimento contratual em razão do aliciamento por

terceiro, o devedor poderá ou não responder além dos limites da cláusula penal, conforme o

que estiver disposto em contrato sobre a possibilidade de indenização complementar. Se nada

for estipulado nesse sentido, presume-se que a cláusula penal abrange todos os prejuízos, ou

seja, inclusive aqueles que ultrapassarem o valor da referida cláusula penal.

Já o terceiro que aliciou o devedor, estimulando-o a descumpri o contrato, responde

pelos prejuízos efetivamente comprovados, o que pode ser mais ou pode ser menos que o

valor da multa contratual, conforme o caso.98

A indenização deve ter como limite o dano efetivamente sofrido, a fim de evitar que o

dano ilícito reste impune. Assim, o artigo 608 do Código Civil serve como parâmetro mínimo

de indenização, que poderá ser completada para se chegar ao montante do prejuízo

efetivamente causado.

Note-se que em relação ao terceiro não há qualquer negócio jurídico anterior limitando

o valor da indenização, diferentemente do que acontece entre as partes, por meio da cláusula

penal.

Como o credor não pode ser indenizado duas vezes pelo mesmo prejuízo, a

indenização haverá de ser partilhada entre o devedor e o terceiro, devendo haver a distribuição

do montante da indenização entre as partes pelo juiz, contudo, não havendo a possibilidade do

credor cobrar a totalidade da indenização apenas de um deles, em razão da falta de previsão

legal de responsabilidade solidária para situações dessa espécie.

Portanto a boa-fé objetiva também se exige dos terceiros para com o contrato, durante

a sua vigência.

Outro exemplo da exigência da boa-fé objetiva por terceiros em relação ao contrato

vem trazido por Junqueira de Azevedo99. Trata-se dos contratos de distribuição de

98
Neste sentido: ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. In: HIRONAKA, Giselda; TARTUCE,
Flávio (Coords.). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2008. p.108.
64

combustíveis, segundo os quais os postos adquirirem os produtos das distribuidoras para

revenda, com exclusividade, sendo essa exclusividade ostentada através da “bandeira”, da

distribuidora, que consiste nas cores e logomarca da fornecedora, que são caracterizadas na

ambientação do posto de combustíveis.

Não obstante isso, outras distribuidoras (estranhas a esse contrato de exclusividade)

oferecem combustíveis para os referidos postos de combustíveis. Saliente-se que esses

terceiros não exigem a extinção do contrato anterior, vendendo combustível para quem ainda

está atrelado a uma distribuidora exclusiva.

Junqueira de Azevedo proferiu parecer, asseverando que, nessas hipóteses, o terceiro

ofende o contrato, pois, apesar de estranho à relação contratual, o terceiro porta-se de forma

afrontosa para com à avença original, induzindo o posto de combustível à quebra da obrigação

de exclusividade. Para o citado doutrinador, as distribuidoras estranhas ao contrato podem ser

responsabilizadas por contribuírem para a violação do pacto.

Já com relação à exigência jurisprudencial de boa-fé objetiva em todas as fases do

contrato, um exemplo interessante é a Súmula 308 do STJ100, segundo a qual “A hipoteca

firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da

promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

Nesses casos, o construtor adquire financiamento junto a uma instituição financeira

para construir o imóvel, ficando esse bem como garantia hipotecária. Depois, o mesmo

construtor celebra contrato de promessa de compra e venda com os futuros moradores do

prédio e recebe os valores das prestações mensais desses pretensos adquirentes, sem, contudo,

pagar as mensalidades do financiamento junto ao banco.

99
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado,
direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento, função social do contrato e responsabilidade
aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. In: Revista dos Tribunais , nº 750. São
Paulo: Revista dos Tribunais, abr. 1998, p. 113-120.
100
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 308. Segunda Seção. J. 30.03.2005. DJU. 25/04/2005 p. 384.
Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em : 15 ago. 2013.
65

Nessa hipótese, a referida Súmula diz justamente que o inadimplemento do construtor

perante o a instituição financeira não pode gerar efeitos contra os compradores do imóvel, ou

seja, o banco não poderá utilizar o direito de sequela decorrente da garantia hipotecária sobre

o imóvel contra os promitentes compradores do mesmo imóvel, pelo qual vêm pagando de

boa-fé, apesar de haver cláusula contratual prevendo a possibilidade de perda do imóvel pelos

pretensos adquirentes, em caso de inadimplência da construtora perante o banco financiador

do empreendimento.

Em posição contrária a esse entendimento, o professor Arruda Alvim, em minucioso

parecer101, entende que o direito real de garantia (hipoteca previamente constituída) deve

prevalecer no conflito com o direito pessoal (contrato de promessa de compra e venda). O

citado doutrinador ressalta o caráter absoluto dos direitos reais, através de sua eficácia erga

omnes, deduzindo pela oponibilidade da hipoteca perante os adquirentes do imóvel. O mesmo

autor defende ainda que o financiador (credor hipotecário), nessas hipóteses não estaria

sujeito ao CDC e que, em razão do direito de sequela, decorrente da hipoteca, a negociação do

imóvel é irrelevante para a instituição financeira.

Entretanto, entendo que a orientação jurisprudencial instituída na Súmula 308 deve

prevalecer, em razão da hipossuficiência do adquirente e do caráter social do direito à

moradia, envolvido na questão.

Nesse casos, também deve ser levado em consideração, além hipossuficiência do

consumidor adquirente, a natureza de risco da atividade bancária e ainda o dever que tem o

banco de acompanhar o andamento do contrato com o construtor, através da fiscalização do

cumprimento de um cronograma físico-financeiro estabelecido entre as partes, a fim de evitar

futuros prejuízos para o banco e para os consumidores que não deram causa à inadimplência

da construtora.

101
ALVIM, Arruda. Direito Privado. Vol. 1. In: Coleção Estudos e Pareceres II. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 169-226.
66

Portanto, o exemplo citado serve para mostrar a tendência jurisprudencial de conferir

uma interpretação cada vez mais social do atual Código Civil, afastando a contratualidade

sem função social.

Noutro passo, com relação à boa-fé objetiva na fase pós-contratual, podemos citar o

recall, pelo qual as empresas, geralmente fabricante de veículos, convocam os adquirentes

para realização de manutenções, com a finalidade de evitar danos futuros.

Outra aplicação da boa-fé objetiva na fase pós-contratual diz respeito ao dever do

fornecedor manter a disponibilidade de peças de reposição no mercado durante um tempo

razoável de vida útil dos produtos.

Ainda nessa seara da exigência da boa-fé objetiva na fase pós-contratual podemos citar

a obrigatoriedade de o fornecedor manter uma conduta ética de resguardo quanto ao uso dos

dados pessoais fornecidos pelos consumidores, por ocasião da realização de negócios entre as

partes e armazenados em bancos de dados.

Há entre fornecedores, uma prática escusa de venda de informações constantes em

bancos de dados sobre consumidores, o que se verifica como uma ofensa ao direito

fundamental à privacidade e ainda, na melhor das hipóteses, causa incômodo ao consumidor

com o recebimento de inúmeras ligações telefônicas indesejadas, oferecendo produtos e

serviços de forma inoportuna.

Essa prática também é reprovável com relação à associações ou sindicatos que

comercializam os dados sobre os seus associados, independente da existência de relação de

consumo, justamente pelo fato da exigência de boa-fé também existir nas relações ditas

paritárias.

Nesses casos relativos ao resguardo dos dados constantes em cadastros de

consumidores e associados, dentre outros, a boa-fé exigida na fase pós-contratual cumpre a

função social do contrato, na proteção do direito fundamental à privacidade.


67

Há na doutrina brasileira a atribuição de três funções à boa-fé objetiva102, a saber, a)

função interpretativa dos contratos; b) função restritiva do exercício abusivo de direitos

contratuais; c) função criadora de deveres anexos à obrigação principal.

Pela função interpretativa dos contratos, a boa-fé objetiva indica que a interpretação

dos contratos busque sempre o sentido mais próximo da honestidade e lealdade, entre as

partes, buscando evitar que o contrato sirva de instrumento de legitimação de negócio

malicioso e com objetivo de prejudicar uma parte para beneficiar a outra.

Tal função da boa-fé objetiva é extraída do artigo 113 do Código Civil, o qual

estabelece que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do

lugar de sua celebração”.

Quanto à função restritiva do exercício abusivo de direitos contratuais, é aquela que

tem por finalidade evitar o abuso de direito na relação contratual, diferenciando entre o

exercício regular e o irregular do direito previsto em uma avença. Essa função da boa-fé vem

prevista no artigo 187 do Código Civil, o qual prevê:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.

Finalmente, no que tange à terceira função da boa-fé objetiva, verifica-se a função

criadora de deveres anexos à prestação principal. Tal função visa evitar comportamentos

incompatíveis com o contrato, embora que inexista regra contratual expressa, vedando uma

determina conduta considerada incompatível. Isso decorre da cláusula aberta da boa-fé

objetiva, a qual permite a concretização em cada caso, conforme as características do negócio

celebrado. Há certos comportamentos que em todos os casos são naturamente esperados dos

contratantes, por exemplo, lealdade, honestidade, cooperação e informação, dentre outros, são

102
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva no Código de Defesa do Consumidor e no
novo Código Civil. In: FARIAS, Cristiano Chaves de (Coord.). Leituras Complementares de Direito Civil.
Salvador: Jus PODIVM, 2007, p.215.
68

tidos como deveres anexos que acompanham a boa-fé objetiva na busca pela consolidação da

função social do contrato.

Portanto, não resta dúvida de que há uma forte relação entre a boa-fé objetiva e a

função social do contrato, pois a conduta proba e leal do contratante é essencial para que o

contrato atinja sua finalidade, desenvolva sua função, atendendo a dignidade das partes e dos

terceiros eventualmente atingidos pelo contrato.

Noutro passo, agora falemos da relação entre a função social do contrato e a

autonomia privada. A nota mais marcante da função social do contato é, sem dúvida, sua

ligação com os direitos fundamentais à liberdade e a igualdade.

A liberdade em relação ao contrato é por vezes mal compreendida apenas como um

aspecto negativo da autonomia da vontade, ou seja, o dever do Estado abster-se em obstar a

liberdade contratual das partes.

Um outro aspecto (o positivo) da autonomia da vontade deve ser ressaltado. Por essa

ótica, o Estado deve não apenas observar (não obstar) a autonomia da vontade, mas também

proteger essa mesma autonomia, através da intervenção estatal necessária para possibilitar a

paridade de armas (igualdade), no exercício de liberdade de contratar, de forma que a

liberdade de contratar não prejudique o próprio titular dessa liberdade, através da celebração

de negócios que venha a conduzir o contratante a uma condição de miserabilidade, por meio

da alienação paulatina de seu patrimônio mínimo, de seu crédito e das condições

indispensáveis para o exercício de sua própria dignidade.

Nessa esteira Martins103 ilustrando com o direito comparado alemão, observa, a

respeito dos dois aspectos da autonomia privada, o seguinte:

Segundo a dogmática alemã dos direitos fundamentais, este seria um mandamento


derivado art. 1,I,2, Grundgesetz, que determina não somente a “observância”

103
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012. p. 106 (nota de rodapé).
69

(mandamento de não intervenção), como também a “proteção” (mandamento de


intervenção) da dignidade da pessoa humana.

Tais reflexões se amoldam na função social do contrato, como instrumento para

garantia da liberdade e igualdade nas relações contratuais.

O nosso Código Civil, concretizando os direitos fundamentais à liberdade e a

igualdade na interpretação de cláusulas contratuais, preconiza em seu artigo 157104 o instituto

da lesão, o qual se vislumbra como um instrumento para conferir a função social interna do

contrato, com fundamento constitucional na liberdade e na igualdade.

O instituto da lesão possibilita a anulabilidade do negócio jurídico, quando houver

desproporcionalidade entre as prestações pactuadas, afigurando-se como uma moldagem

constitucional da autonomia privada em favor da dignidade do contratante ofendido pela

avença.

Da leitura do artigo citado, podemos diferenciar duas modalidades de lesão ocorrida

nos contratos: uma, quando a “a prestação manifestamente desproporcional ao valor da

prestação oposta.” for decorrente de “premente necessidade” de uma das partes. A outra

modalidade de lesão, segundo a dicção do art. 157 do Código Civil, seria quando a

desproporcionalidade das prestações ocorrer em razão da “inexperiência” de uma de um dos

contratantes.

Segundo, essa divisão, na primeira modalidade (“premente necessidade”), a função

social do contrato protege o direito fundamental à liberdade, pois quem celebra um contrato

por “premente necessidade” tem sua liberdade comprometida pela necessidade, dando

104
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 157. Ocorre a lesão quando
uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente
desproporcional ao valor da prestação oposta. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 12. ago. 2013.
70

margem a suportar prestações desproporcionais, que não aceitaria em uma situação normal,

em que tivesse a plena liberdade de contratar ou não determinado bem da vida.

Já na segunda modalidade de lesão (em razão da inexperiência do contratante) a

função social do contrato visa proteger o direito fundamental a igualdade, melhor dizendo, a

igualdade de conhecimento sobre as prestações contratadas, de forma que uma contratação em

que uma das partes não tenha condições de aquilatar as reais dimensões da desproporção entre

as prestações poderá ser anulada, através da promoção da função social do contrato como

mecanismo de concretização do direito fundamental à igualdade.

Martins105 traz importante julgado do Tribunal Constitucional Federal alemão, caso

conhecido como Bürgschaft (fiador). Em que se pode vislumbrar na jurisprudência alemã

ideias que estão em sintonia com a função social do contrato tutelando os direitos

fundamentais à liberdade e à igualdade, relativizando a autonomia privada.

Trata-se de uma jovem de 21 anos que funcionou como fiadora de um contrato de

abertura de conta corrente de seu pai junto a uma instituição financeira, afiançando a dívida

contraída por seu pai até o imite de 100 mil marcos, acrescidos de juros e correção monetária.

Leonardo Martins aponta que o julgado destaca que a jovem, na época do contrato não

tinha formação profissional nem patrimônio e percebia um salário de pouco mais de 1% do

valor pelo qual se obrigou como fiadora. O citado doutrinador informa que a jovem ajuizou

uma ação declaratória de nulidade da cláusula de fiança, ação na qual restou sucumbente

perante a Corte Federal de Justiça (BGH). Daí então, após o esgotamento das vias ordinárias,

a fiadora ajuizou uma reclamação constitucional perante o Tribunal Constitucional Federal,

sob o argumento de que fora violada em seu direito ao livre desenvolvimento da

105
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012. p. 107.
71

personalidade, previsto no art. 2, I da Grundgesetz (Lei Fundamental), tendo havido violação

por consequência à autonomia privada. A reclamação constitucional foi julgada procedente

com a suspensão da decisão da BGH.

Na referida decisão do Tribunal Constitucional Federal encontramos elementos que

corroboram a tese de que a função social do contrato serve também para concretizar o direito

à liberdade e à igualdade.

Vejamos alguns trechos do referido julgado colacionado por Leonardo Martins106.

O contrato de fiança objeto do julgamento da BGH diferencia-se substancialmente


de outras modalidades de crédito comuns do dia a dia. A reclamante (...) assumiu,
por meio dele, um risco extraordinariamente elevado sem ter, pelo crédito por esta
via assegurado, um interesse econômico próprio. (...) ela responsabilizou-se pelo
risco empresarial de seu pai numa proporção que sobrepujou em muito sua
capacidade econômica.

Do trecho acima já se pode extrair uma aplicação da função social do contrato

protegida entre nós pelo instituto da “lesão”, na forma apresentada pelo art. 157 do Código

Civil, quando fala na desproporção entre a prestação assumida e a vantagem recebida que,

para a fiadora, foi inexistente, visto que o proveito não foi da fiadora e sim de seu pai. Neste

sentido, o art. 157 do CC fala da “prestação manifestamente desproporcional ao valor da

prestação oposta”.

Em outro trecho do mesmo julgado, pode-se constatar a ofensa à função social do

contrato, por meio da ocorrência de lesão que compromete a igualdade contratual, ante a

ignorância de uma das partes em relação a todas as consequências desproporcionais do

contrato. Eis a passagem citada.

106
MARTINS, Leonardo. Liberdade e estado constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma complexa
relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012. p. 108.
72

...o banco violou suas obrigações pré-contratuais relativas à instrução do cliente e


impôs interesses próprios a partir da inexperiência para negócios da fiadora. (...)
Nesse ponto, reside a ignorância da autonomia privada tutelada constitucionalmente.

Assim, a função social do contrato, em sua eficácia interna, como orientadora da

autonomia privada, tem no Código Civil, art. 157, o instrumento da “lesão” como forma de

concretização dos direitos fundamentais à liberdade e à igualdade, nos casos em que houver

desproporção das prestações, seja por “necessidade premente”, seja por “ignorância” de uma

das partes.

A autonomia privada constitui uma decorrência do direito constitucional à liberdade.

Entretanto, essa liberdade tem se tornado algumas vezes danosa ao seu próprio titular, outras

vezes, ao outro contratante, ou ainda, a terceiros.

Nesse contexto, a função social do contrato é útil para corrigir distorções decorrentes

do uso inadequado da autonomia privada, oferecendo parâmetros para o exercício adequado

dessa prerrogativa constitucional.

Humberto Theodoro Júnior107 aponta diversas hipóteses em que a autonomia privada

exercida sem critérios pode retirar a função social do contrato. Dentre essas hipóteses, o

doutrinador citar “1) aluguel de quartos em apartamento residencial, transformando-o em

pensão;2) ajuste contratual simulado para prejudicar terceiro; 3) contratação que importe

em concorrência desleal; 4) contrato com agência de viagens com finalidade de turismo

sexual, contrabando ou imigração ilegal. Nessas situações, pode-se claramente perceber que

ocorre o desvio da finalidade original desses contratos, desvirtuando sua função social para

benefícios escusos, as custas do prejuízo de outrem.

107
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 57/58.
73

Com a preocupação de evitar o uso indevido e desvirtuado do contrato, o ordenamento

jurídico vem sendo dotado de diversos instrumentos para coibir ou anular essas práticas e

ainda servir de orientação na interpretação dos pactos e até mesmos da própria lei.

Tartuce108 elenca alguns dispositivos do Código Civil que servem para orientar a

autonomia contratual, com o escopo de conduzi-la no eixo da função social. Entre os artigos

apontados estão o art. 426 do Código Civil, que veda negociação sobre herança de pessoa

viva, chamado de pacto sucessório ou pacta corvina. Também o art. 424 do CC, que veda, em

contratos de adesão, a renúncia antecipada de direitos que decorram da natureza do negócio

celebrado. Ainda o art. 166, II do CC, o qual estabelece a sanção de nulidade do negócio cujo

objeto for ilícito. Quanto a esse último artigo, entendo-o como um princípio geral, o qual é

detalhado por outros artigos no decorrer do mesmo Código, em situações específicas,

inclusive, nas previstas nos outros dois artigos anteriormente citados.

Deve-se ter em mente que a função social do contrato não é incompatível com a

autonomia privada, pois na verdade ambos os princípios se complementam em um sistema de

trocas recíprocas. Esse entendimento é também reforçado por Nelson Nery Jr109, o qual aduz a

compatibilidade entre os institutos, citando inclusive o posicionamento doutrinário firmado na

Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, onde foi editado o Enunciado 23, o

qual diz que:

“a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina
o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio,
quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à
dignidade da pessoa humana”.

108
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de
2002. São Paulo: Método, 2007. p. 174/175.
109
NERY JÚNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil: Apontamentos gerais. In: MARTINS FILHO, Ives
Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; FRANCIULLI NETTO, Domingos (Coords.). O Novo Código
Civil: Estudos em homenagem ao professor Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003. p. 421.
74

Pode-se dizer que a autonomia privada atua dentro de espaços reservados pela

Constituição, de forma residual, preenchendo lugares não ocupados por outros princípios

relativos à dignidade da pessoa humana e a sociabilidade. Neste sentido, Rocha e Cordeiro110,

entendem que o direito reserva espaços de liberdade para a autonomia privada. Tais espaços

funcionam como campos de livre arbítrio aos sujeitos.

Portanto, a autonomia privada, em sintonia com a função social do contrato, hoje é

entendida como algo exercido dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, em

uma visão centrada em valores existenciais e baseada na cooperação entre os contratantes,

bem como desses com a sociedade.111

Analisemos agora a relação da função social do contrato com outro princípio de direito

fundamental: a dignidade da pessoa humana.

A palavra “dignidade”, conforme aponta Moraes112, tem como raiz etimológica o

termo latino “dignus”: aquele que merece estima e honra.

Para a mesma autora, a dignidade da pessoa humana relaciona-se com “o

reconhecimento do ser humano como sujeito de direitos e, assim, detentor de uma

“dignidade” própria, cuja base (lógica) é o universal direito da pessoa humana a ter

direitos”113.

Conforme Kant (citado por Moraes), existem duas categorias de valores: o preço

(preis) e a dignidade (Würden). Enquanto as coisas têm preço, as pessoas têm dignidade.114

Será, então, desumano, ou contrário à dignidade humana, toda vez que a pessoa (sujeito de

direito) for tratada como coisa (objeto de direito).

110
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001.
p. 1231.
111
NALIM, Paulo. Do contrato: conceito pós moderno. Em busca de sua formulação na perspectiva civil-
constitucional. P. 173 e 255 apud COUTINHO, Aldacy Rachid. A autonomia privada: em busca da defesa dos
direitos fundamentais dos trabalhadores. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos
fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 171.
112
MORAES, Maria Celina Bodin de. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Constituição direitos
fundamentais e Direito Privado. p. 115.
113
Ibid., p. 116.
114
Ibid., p.117.
75

A dignidade da pessoa humana, além de ser um fundamento filosófico kantiano de

ordem moral, ganhou reconhecimento jurídico, notadamente com a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, em um contexto de resposta às hediondas afrontas cometidas contra os

direitos humanos pelos regimes nazista e fascista, durante a Segunda Guerra Mundial.

Assim, o referido documento internacional produzido pela Organização das Nações

Unidas, proclamou em seu artigo 1º: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade

e direitos.”

No direito comparado, as Constituições dos países deram reconhecimento jurídico à

dignidade da pessoa humana em seus textos. A Constituição Italiana de 1947 estabeleceu

entre seus princípios que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a

lei”. A Lei Fundamental de Bonn (Alemanha, 1949) proclamou em seu art. 1, 1 que “A

dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os poderes

estatais. Portugal estabeleceu em sua Constituição de 1976, em no art. 1º: “Portugal é uma

república soberana, baseada, entre outros valores, na dignidade da pessoa humana...”.

Também a Espanha, através da constituição Espanhola de 1978 adota, em seu art. 10, 1, a

dignidade da pessoa humana, dentre outros, como fundamento da ordem política e da paz

social.

No Brasil, a dignidade da pessoa humana, princípio insculpido no art. 1º, III da

Constituição Federal de 1988, pode ser utilizada como fundamento da função social do

contrato, principalmente em seu aspecto interno, ou seja, no dever das partes contratantes

tratarem-se reciprocamente com lealdade, evitando que o contrato seja instrumento para que

um provoque dano ao outro.


115
Tal princípio, segundo Edilson Pereira de Farias, vem sendo entendido sobre duas

vertentes. Uma refere-se ao um aspecto negativo, ou seja, o respeito devido ao fim máximo

115
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a
liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1996. p. 45/50.
76

desse princípio: a pessoa humana. Já o outro prisma pelo qual é enxergado esse princípio é o

lado positivo, prestacional, segundo o qual se deve proporcionar meios para que o indivíduo

possa desenvolver plenamente todos os elementos de sua personalidade.

Sobre essa faceta positiva da dignidade da pessoa humana, ensina Ana Paula

Barcelos116 que se deve reconhecer a exigibilidade judicial direta pelo menos das prestações

que formam o “conteúdo mínimo existencial”, formado pela educação fundamental, saúde

básica, assistência aos necessitados e acesso ao Judiciário, sem os quais diz não ser possível

uma vida digna.

No âmbito do contrato, a realidade brasileira convive com uma prática que desafia a

dignidade da pessoa humana no aspecto negativo, ou seja, no dever de respeito ao ser

humano. É o que ocorre nas chamadas “pegadinhas”, em que o sujeito é exposto ao ridículo,

ou colocado em situações de grande apreensão emocional, tudo para que os telespectadores

tenham momentos de entretenimento e lazer à custa do sofrimento alheio. Nessas situações, o

direito ao lazer dos telespectadores, bem como o direito ao livre exercício de atividade

profissional da emissora e ainda a concordância posterior do ofendido, com recebimento de

vantagem pelo seu vexame, não retiram o caráter atentatório à dignidade da pessoa humana e

o contrato celebrado entre o produtor do programa e a vítima não deve servir de meio para

legitimar ou mesmo disfarçar a ofensa à dignidade humana e o distanciamento da função

social do contrato, que é também promover essa dignidade.

Nelson Rosenvald117 aduz que a liberdade do ser humano tem como limite a sua

própria dignidade, sendo essa um valor universal enquanto aquela é um valor individual, daí

porque a dignidade da pessoa humana seria irrenunciável. Nas palavras do próprio autor:

116
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 105.
117
ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. In: HIRONAKA, Giselda; TARTUCE, Flávio
(Coords.). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2008. p. 93.
77

...a dignidade não pode ser aferida por padrões individuais, pois não basta que o
indivíduo seja livre, mas que pertença, por essência, à humanidade. Enquanto o
valor liberdade se conecta imediatamente com as nossas expectativas individuais, a
dignidade nos remete a tudo aquilo que concerne ao gênero humano.

Em decorrência disso, é certo afirmar, como Maria Celina Bodin de Moraes 118, que

todas as vezes que houver um conflito entre um direito de natureza patrimonial e um direito

de caráter existencial, este deve prevalecer, obedecendo ao sistema constitucional que elegeu

a dignidade da pessoa humana como valor principal do ordenamento.

Através da aplicação do princípio da dignidade da pessoa ao direito civil, há um

deslocamento de foco. Nessa linha é o raciocínio de Jussara Meirelles119, segundo a qual o

conceito de liberdade atrelado à propriedade, tradicionalmente materializada na liberdade de

iniciativa, é textualmente funcionalizada pela dignidade da pessoa, como se percebe no artigo

170 da Constituição Federal. Realiza-se a mudança de base, a qual se transfere do “ter” para o

“ser”.

Pode-se ainda dizer que o tripé de fundamento do direito privado: propriedade, família

e contrato, passam por uma nova ótica, deixando o prisma o patrimonial e individualista para

se desenvolver sob o raciocínio fundado na dignidade da pessoa.

Para Novais120, a dignidade da pessoa humana corresponde à “autonomia ética” do

indivíduo em sua “autodeterminação, livre desenvolvimento da personalidade, na livre

eleição e adoção de planos e formas de vida”.

O jurista Português ainda indica a denominada “fórmula do objeto” de autoria do

jurista alemão Dürig, segundo a qual o princípio da dignidade da pessoa humana restará

118
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.140.
119
MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial.
In: FACHIN, Luiz Edson. (Coord.). Repensando fundamentos do Direito Civil brasileiro contemporâneo.
Rio de Janeiro: Renovar, 1988. p. 87/114.
120
NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa. Coimbra:
Coimbra Editora, 2004. p. 58.
78

ofendido toda vez que o indivíduo for injustificadamente reduzido à mera condição de objeto

da atuação alheia, em detrimento de sua individualidade.

O referido autor defende também que o próprio conteúdo da dignidade deve ser

determinado pelo titular dessa dignidade, uma vez que determinada conduta que possa ser

considerada atentatória à dignidade de uma pessoa, pode ser entendida consentida por outra,

“em razão de suas convicções acerca do sentido de sua dignidade”121.

Já no dizer de Jorge Miranda, o Princípio da dignidade da pessoa humana, consiste em

uma unidade valorativa do sistema constitucional português de Direitos fundamentais.122, o

que sugere ser algo aferível de forma objetiva, independente do conteúdo concebido pelo

próprio titular da dignidade.

Portanto, vimos que a dignidade da pessoa humana trata-se de um instituto jurídico de

conceituação elástica e que contém várias abordagens, conforme o prisma pelo qual seja

analisado. Mais precisamente no âmbito contratual, verifica-se uma relação de

interdependência entre a dignidade da pessoa humana e a função social do contrato, uma vez

que essa tem como importante missão possibilitar o desenvolvimento da personalidade,

através da autonomia privada, ao mesmo tempo em que utiliza a dignidade da pessoa humana

como critério para impedir que a própria liberdade contratual do sujeito sirva de instrumento

para “coisificá-lo”, ou seja, fazer com que ele deixe de ser um fim em si mesmo e passe a ser

um meio para obtenção de fins pretendidos por outros.

121
NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa. Coimbra:
Coimbra Editora, 2004. p.61.
122
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Tomo IV. Coimbra : Coimbra Editora. 2000. p.
180.
79

4.3 A FUNÇÃO SOCIAL NOS CONTRATOS COLIGADOS OU REDES CONTRATUAIS

A teoria das redes contratuais ou contratos coligados constitui-se em uma implicação

da função social do contrato, no que se refere à extensão dos pactos para atingir partes não

diretamente ligadas à avença original, mas muitas vezes, celebrantes de outro liame

obrigacional que guarda certa conexão com o primeiro contrato.

Para Orlando Gomes123, “Os contratos coligados são queridos pelas partes contratantes

como um todo. Um depende do outro de tal modo que cada qual, isoladamente, seria

desinteressante. Mas não se fundem. Conservam a individualidade própria, por isso se

distinguindo dos contratos mistos”

Godoy124 conceitua tal fenômeno como sendo “ajustes interdependentes e inter-

relacionados que podendo vincular pessoas diversas, podem bem fazer-lhes oponível um

contrato de que não fizeram parte. Varela125, por sua vez, destaca, entre as características dos

contratos coligados, o fato de que pactos individuais, mas não autônomos, estão vinculados

por um nexo funcional, de forma que um depende do outro, ou no dizer de Godoy126

tornando-se condição, contraprestação ou motivo um do outro.

Nelson Rosenvald127 assevera que o assunto recebe diferentes denominações no direito

comparado:

Nos ordenamentos italiano e português a interligação econômica e funcional entre


contratos estruturalmente diferenciados tem sido tratada sob a expressão contratos
coligados - enquanto no direito espanhol é utilizada a locução contratos conexos. Já
no direito argentino, prestigia-se a expressão redes contratuais.

123
GOMES, Orlando. Contratos. Atualizadores Antonio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo
Marino. Coord. Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 26ª Edição, 2007, p. 121.
124
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 147.
125
VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Livraria Almedina, 1990. p.
281/284.
126
GODOY, op. cit., p. 147.
127
ROSENVALD, Nelson. As redes contratuais. Disponível em
<http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/as-redes-contratuais/7577>. Acesso em: 05.05.2013.
80

Os contratos coligados não são regulamentados por uma determinada disposição

expressa do Código Civil, mas decorrem da autonomia privada que têm as partes para

estabelecerem contratos atípicos. Quanto à essa liberdade para celebração de contratos que

não estejam literalmente tipificados no Código Civil, o próprio Código disciplina ao menos

essa permissão, condicionando, todavia essa autonomia ao atendimento de normas gerais

contratuais, entre as quais entendemos que estão incluídos os princípios instrutores lei civil

codificada, dentre eles, a função social do contrato.

Dessa forma, estabelece o art. 425 do Código Civil: “É lícito às partes estipular

contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.

Tal dispositivo deve ter interpretação extensiva, considerando-se que, além das normas

gerais fixadas no Código Civil, a elaboração de contratos atípicos também deve observância

aos princípios constitucionais que protegem os direitos e garantias fundamentais, os quais

muitas vezes poderão dar contornos a essa liberdade contratual, de forma que em alguns

casos, a liberdade será limitada por outros valores constitucionais.

Em outras hipóteses, para se garantir verdadeiramente a liberdade constitucional,

deverão ser realizados alguns ajustes contratuais, reequilibrando as partes na avença. Por fim,

em outros momentos, a liberdade de contratar (que também tem amparo constitucional)

deverá prevalecer sobre outra garantia fundamental, que, embora possa ser plenamente

oponível contra o Estado, não poderá em algumas hipóteses ser exigida em face do particular,

sob pena de tolher desproporcionalmente a sua liberdade.

Voltando mais especificamente sobre a questão dos contratos coligados, a

jurisprudência contém vários casos de aplicação dessa teoria para o fim de promover função

social ao contrato.

O Superior Tribunal de Justiça, tratando de um conflito de competência entre a Justiça

Comum e a Justiça do Trabalho, julgou um caso em que ocorriam dois contratos: o primeiro
81

consistia num contrato de trabalho, entre um jogador e um clube de futebol; o outro contrato

referia-se à exploração comercial da imagem do jogador.

Na hipótese o STJ entendeu pela competência da Justiça do Trabalho para o

julgamento das ações referentes aos dois contratos, afirmando expressamente tratar-se de

contratos coligados, no qual o contrato de trabalho funciona como principal, configurando-se,

então, o contrato de imagem como um pacto acessório, o qual deve ser analisado à luz da

avença principal e seus princípios:

Conflito de competência. Clube esportivo. Jogador de futebol. Contrato de trabalho.


Contrato de imagem. Celebrados contratos coligados, para prestação de serviço
como atleta e para uso da imagem, o contrato principal é o de trabalho, portanto, a
demanda surgida entre as partes deve ser resolvida na Justiça do trabalho. Conflito
conhecido e declarada a competência da Justiça Trabalhista128.

O fato de poderem existir nos contratos coligados (como o próprio nome sugere) a

junção de vários tipos contratuais distintos gera a necessidade de se utilizar regras gerais que

sirvam para resolver problemáticas em razão da falta de regra expressa que se aplique a todos

os contratos unidos. Daí a necessidade, conforme bem assevera Luciano Penteado129, de se

“atentar para a concretização de cláusulas gerais, especialmente de boa-fé objetiva, e à

função social dos contratos, bem como para os fins sociais da norma e do bem comum.

É preciso salientar, conforme ressalva Vasconcelos, que a aplicação de cláusulas

gerais para solucionar controvérsias surgidas a partir de contratos coligados não se trata do

uso de casuísmos sem critérios ou (como diz o autor) “criar solução jurídica ad hoc para um

problema isolado”, mas sim se deve atentar que “essa concretização é feita sempre a partir

128
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência. Clube esportivo. Jogador de futebol.
Contrato de trabalho. Contrato de imagem. Celebrados contratos coligados, para prestação de serviço como atleta
e para uso da imagem, o contrato principal é o de trabalho, portanto, a demanda surgida entre as partes deve ser
resolvida na Justiça do Trabalho. Conflito conhecido e declarada a competência da Justiça Trabalhista. CC
34504, Luís Mário Miranda da Silva e Juízo da 53ª Vara do Trabalho de São Paulo – SP. Rel. p/ac. Min. Ruy
Rosado de Aguiar, Brasília-DF. j. 12.03.2003, DJU 16.06.2003. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=CC+34504&b=ACOR&thesau
rus=JURIDICO#DOC4. Acesso: 29 jun 2013.
129
PENTEADO, Luciano de Camargo. Efeitos contratuais perante terceiros, São Paulo: Quartier Latin,
2007. p. 478.
82

do próprio contrato e atentas as circunstâncias do caso, num processo de interpretação


130
complementadora”.

Entre várias possibilidades de arranjos formadores de contratos coligados, podem-se

encontrarem três ou mais sujeitos, de contratos diversos, como, por exemplo, na venda com

alienação fiduciária em garantia131, onde há dois contratos: um de compra e venda (celebrado

entre uma loja e o adquirente do bem) e outro contrato de empréstimo (celebrado entre o

adquirente do bem e uma instituição financeira), funcionando o bem adquirido como garantia

do financiamento.

Nesses contratos com alienação fiduciária, apesar da interligação entre os mesmos, a

jurisprudência do Superior tribunal de Justiça tem entendido que um não é acessório do outro,

sendo, pois, contratos autônomos.

Dessa forma, no julgamento do RESP 1014547/DF132, a Quarta Turma entendeu que o

defeito apresentado no veículo financiado não pode autorizar o desfazimento do

financiamento realizado para a aquisição do carro.

A rede contratual pode ser entendida em torno da marca de um produto, sendo a marca

o elemento comum de causa da rede, que em torno dela se estabelece. Assim, vários contratos

130
VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos Atípicos, Coimbra: Almedina, 1995. p. 239.
131
KONDER, Carlos Nelson. Contratos conexos: grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados.
Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 113.
132
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE
VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. CONTRATO ACESSÓRIO. CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. DEFEITO NO PRODUTO. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR.
1. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras (Súmula n. 297), mas apenas em
relação aos serviços atinentes à atividade bancária. Por certo que o banco não está obrigado a responder por
defeito de produto que não forneceu tão somente porque o consumidor adquiriu-o com valores obtidos por meio
de financiamento bancário. Se o banco fornece dinheiro, o consumidor é livre para escolher o produto que lhe
aprouver. No caso de o bem apresentar defeito, o comprador ainda continua devedor da instituição financeira.
2. Não há relação de acessoriedade entre o contrato de compra e venda de bem de consumo e o de financiamento
que propicia numerário ao consumidor para aquisição de bem que, pelo registro do contrato de alienação
fiduciária, tem sua propriedade transferida para o credor. 3. Recurso especial conhecido e provido. REsp
1014547/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe
07/12/2009. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=financiamento+ve%EDculo++
defeito&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#. Acesso em: 13 ago 2013.
83

podem se formar em torno de uma marca, como, por exemplo, os contratos de franquia,

distribuição e venda.

Nesse raciocínio, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 63981/SP133,

considerando a marca como causa comum de uma rede de contratos, bem como atentando

para ao fato de que a economia atualmente se desenvolve de forma globalizada, onde a

propaganda de produtos internacionais exerce grande influência no mercado interno,

considerando ainda que, se as filiais brasileiras beneficiam-se da fama mundial dos produtos

fabricados simultaneamente no Brasil e no exterior, devem então as sucursais brasileiras

compartilharem da responsabilidade por defeitos de produtos da mesma marca, ainda que

adquiridos em filiais estrangeiras, como forma de devida proteção ao consumidor.

Assim, o STJ estendeu os efeitos de um contrato (mais precisamente a

responsabilidade civil contratual) para atingir fabricante nacional de um produto que foi

fabricado e adquirido no exterior, obrigado a empresa nacional a sanar o vício do produto.

Sobre a questão deve ser ressaltado, como foi no decorrer do voto do relator bem

como nos votos dos demais ministros, que a globalização amenizou as fronteiras, tendo a

133
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. DIREITO DO CONSUMIDOR. FILMADORA ADQUIRIDA NO
EXTERIOR. DEFEITO DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA NACIONAL DA
MESMA MARCA ("PANASONIC"). ECONOMIA GLOBALIZADA. PROPAGANDA. PROTEÇÃO AO
CONSUMIDOR. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. SITUAÇÕES A PONDERAR NOS CASOS
CONCRETOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO ESTADUAL REJEITADA, PORQUE SUFICIENTEMENTE
FUNDAMENTADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO MÉRITO, POR MAIORIA. I - Se a
economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível
que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve
reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e
dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas,
multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da
informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País. II - O mercado consumidor, não há
como negar, vê-se hoje "bombardeado" diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de
produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores,
dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca. III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas
mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e
comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências negativas dos negócios
envolvendo objetos defeituosos. IV - Impõe-se, no entanto, nos casos concretos, ponderar as situações existentes.
V - Rejeita-se a nulidade arguida quando sem lastro na lei ou nos autos. REsp 63981/SP, Plínio Gustavo Prado
Garcia e Panasonic do Brasil Ltda. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Brasília-DF. j. 11.04.2000. DJ
20/11/2000. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=63981&b=ACOR&thesaurus=
JURIDICO#DOC3. Acesso em: 29 jun. 2013.
84

aquisição de produtos no exterior se tornado muito mais fácil com o advento dos instrumentos

de informática voltados para o comércio eletrônico. Outro ponto que também foi

individualizado nos votos foi a questão da imagem comum (através da mesma marca e

propaganda), gerando um benefício mútuo para a empresa nacional e para estrangeira. Dessa

forma, foi entendido no referido julgado que os riscos da atividade também devem ser

compartilhados, evitando-se que a parte mais fraca da relação (o consumidor) seja

prejudicada.

A par do exemplo acima, pode-se dizer que a função social do contrato não elimina a

relatividade dos efeitos contratuais, mas ameniza esse princípio, em alguns casos, como bem

estatuiu o Conselho da Justiça Federal, através do Enunciado 21, elaborado durante a I

Jornada de Direito Civil. Eis o teor do referido Enunciado:

A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato
em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.134

Essa extensão dos efeitos do contrato para além das partes foi bem aplicada em

julgado do Superior Tribunal de Justiça, citado por Luciano Camargo Penteado, no qual o

STJ, analisando a possibilidade de vítima de acidente de trânsito acionar direitamente a

seguradora perante o qual o motorista causador do acidente mantém contrato de seguro, em

virtude da recusa do motorista acionar a seguradora, entendeu devido o ajuizamento de ação

diretamente da vítima contra a seguradora, embora essas partes não tenham celebrado

diretamente um contrato de seguro. No corpo da decisão, a Ministra Nancy Andrighi

fundamenta sua decisão com base expressamente na função social do contrato, como se pode

observar.

134
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de (Coord). Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados
aprovados. Disponível em: http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-
v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf/view. Acesso em: 04
jun. 2013.
85

A visão preconizadora nestes precedentes abraça o princípio constitucional da


solidariedade (art. 3º, I da CF), em que se assenta o princípio da função social do
contrato, este que ganha enorme força com a vigência do novo código Civil (art.
421). De fato, a interpretação do contrato de seguro dentro desta perspectiva social
autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos causados pelo
segurado a terceiro seja por este direitamente reclamada da seguradora. Assim, sem
se afrontar a liberdade contratual das partes – as quais quiseram estipular uma
cobertura para a hipótese de danos a terceiros -, maximiza-se a eficácia social do
contrato com a simplificação dos meios jurídicos pelos quais o prejudicado pode
haver a reparação que lhe é devida. Cumpre-se o princípio da solidariedade e
garante-se a função social do contrato135.

Esse raciocínio também foi desenvolvido, de certa forma, no Código de Defesa do

Consumidor, com o art. 17 do CDC136, segundo o qual também se equipara ao consumidor

para os efeitos da proteção que lhe devida, a denominadas vítimas do acidente de consumo, ou

seja, pessoas que não celebraram um contrato de consumo, mais que foram atingidas por um

defeito de um produto ou de um serviço, adquirido pelo consumidor.

Aí já há uma mentalidade de extensão de efeitos contratuais, muito embora

reconheçamos que tal regra se aplica de forma mais precisa aos casos de vício pelo fato do

produto, como na hipótese de responsabilidade direta do fabricante perante a vítima de

acidente de veículo adquirido pelo atropelador.

Ainda sobre redes contratuais, confira-se o que foi abordado no tópico 4.2 supra,

quando falamos da boa-fé e trouxemos a lume a questão da Súmula 308 do STJ, a qual analisa

dois contratos interligados: um de promessa de compra e venda e outro de financiamento

garantido por hipoteca. No precedente jurisprudencial, restou consignado que a hipoteca

oferecida pelo construtor perante a instituição financeira não tem eficácia contra aqueles que

adquiriram as unidades imobiliárias do construtor.

135
REsp. 444.716/BA, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.05.2004. apud PENTEADO, Luciano de Camargo.
Efeitos contratuais perante terceiros, São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 60.

136
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm. Acesso em: 02 abr 2013.
86

Por fim, nos contratos coligados, deve-se, quando necessário, relativizar o relativismo

contratual, como forma de se conferir função social ao contrato, nas hipóteses em que a

simples aplicação das regras dos contratos típicos isoladamente considerados não for

suficiente para dotar as avenças de sua função social.

4.4 O PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DOS CONTRATOS COMO DECORRÊNCIA DA

FUNÇÃO SOCIAL: teoria do adimplemento substancial e contratos cativos de longa duração

Outra aplicação prática da função social do contrato diz respeito à sua relação com o

princípio da conservação dos contratos. Segundo esse preceito, deve-se procurar o

aproveitamento, no que for possível, do contrato eivado de algum vício, com vista a se atingir

a finalidade perquirida pelos contratantes, atendendo sua função social.

Nessa linha, Godoy, comentando sobre a conservação dos contratos e sua relação com

a função social do contrato assevera que:

Deve-se, pelo papel que desempenha nas relações sociais, procurar o máximo de
eficácia dessa que, afinal, é forma de circulação de riquezas mas, primeiro até,
instrumento da promoção da dignidade humana e do solidarismo social – o
contrato137.

Esse princípio vem positivado no Código Civil em alguns momentos. O principal

deles é o artigo 170 do CC/02, no qual está disposto que “Se, porém, o negócio jurídico nulo

contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir

supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade”.

Essa aplicação do Princípio da conservação do contrato, prevista no art. 170 do

Código Civil é denominada por alguns doutrinadores como conversão do contrato.138

137
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 167.
138
Cf. BUSSATTA, Eduardo Luiz. Princípio da conservação dos contratos. In: HIRONAKA, Giselda;
TARTUCE, Flávio (Coords). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007. p. 151.
87

Na conversão contratual, há uma busca pelo aproveitamento da intenção das partes,

em detrimento da forma, buscando-se aproveitar o contrato como um tipo diferente do qual

foi nominalmente qualificado. Assim, conforme Emílio Betti, “um negócio, embora inválido,

pode, não obstante, conservar alguns efeitos correspondentes ao tipo legal de que ele faz

parte”.139

No direito comparado, segundo Bussatta, o Código Civil alemão (BGB) de 1900 foi o

primeiro diploma legislativo moderno a consagrar a conversão do contrato, no § 140, com a

seguinte redação:

Correspondendo um negócio jurídico nulo aos requisitos de um outro negócio


jurídico, vale o último, se for de presumir-se que sua validade, à vista do
conhecimento da nulidade, teria sido querida.140

Além do art. 170 do Código Civil, em outros momentos o Código atua em prol da

conservação dos contratos, como se pode perceber, por exemplo, no art. 144: “O erro não

prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade

se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”.

Outra regra do Código Civil que também vem inspirada pelo princípio da conservação

dos contratos é o art. 157, § 2º, o qual dispõe que: “Não se decretará a anulação do negócio,

se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do

proveito”.

Podemos ainda citar, dentre outros, o artigo 479 do Código Civil, segundo o qual: “A

resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições

139
BETTI, Emílio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. Trad. Fernando Miranda. Coimbra: Coimbra Ed., 1998.
p. 57.
140
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Princípio da conservação dos contratos. In: HIRONAKA, Giselda; TARTUCE,
Flávio (Coords). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007. p. 152.
88

do contrato. Com relação à conservação do contrato por meio desse art. 479, Daniel Amorim

Assumpção Neves141 levanta questão de ordem processual, apontando que, nesse artigo, a lei

material criou uma hipótese de pedido contraposto, como instrumento para se pleitear a

conservação do contrato. O doutrinador explica que esse instrumento deverá ser manejado

pelo réu em ação na qual o autor pleiteie resolução contratual, fundada na onerosidade

excessiva da obrigação.

Outra norma que visa à conservação dos contratos é aquela estabelecida no art. 184 do

Código Civil, segundo a qual,

Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o


prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal
implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.

Tal norma traz uma espécie de conservação contratual, denominada pela doutrina de

redução contratual e, conforme José Ascensão, “sacrifica-se a parte doente para salvar a

restante” 142.

O Código de Defesa do Consumidor possui norma semelhante, tratando da redução

contratual, como se pode observar na redação do art. 51, § 2º, o qual diz que “a nulidade de

uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência,

apesar dos esforços de integração, decorrer um ônus excessivo a qualquer das partes”.

É possível que a redução contratual seja no aspecto quantitativo, como no caso de

juros ou cláusula penal fixados acima dos limites legais, necessitando de uma intervenção

judicial para adequá-las aos patamares permitidos.143

141
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Pretensão do réu de manter o contrato com modificação de suas
cláusulas diante de pedido do autor de resolução por onerosidade excessiva – pedido contraposto previsto pela
lei material (art. 479, CC). In: HIRONAKA, Giselda; TARTUCE, Flávio (Coords). Direito contratual: temas
atuais. São Paulo: Método, 2007, p. 709/713.
142
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil. Teoria Geral: acções e factos jurídicos. v. 2, Coimbra:
Coimbra Editora, 1997. p. 475.
89

O Enunciado 22 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito

Civil faz clara relação entre a função social do contrato e o princípio da conservação dos

contratos quando diz que “função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código

Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato,

assegurando trocas úteis e justas”.144

Flávio Tartuce relaciona o princípio da conservação do contrato com a proteção

constitucional trazida no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal de 1988, segundo a qual a

lei nova não prejudicará o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido145.

Nesse sentido, pode-se compreender que a Constituição, ao proteger o ato jurídico

perfeito contra a lei nova, milita no sentido principiológico de estabilidade das relações e na

satisfação das justas expectativas contratuais.

Aponta-se no direito comparado uma aplicação da teoria da conservação dos contratos,

consubstanciada na Teoria do adimplemento substancial tipificada no Código Civil italiano,

no art. 1.455, cuja tradução livre exposta por Flávio Tartuce diz que “o contrato não pode ser

resolvido se o inadimplemento de uma das partes for de escassa importância, resguardado o

interesse da outra parte”.146

Pela teoria do adimplemento substancial, o credor não pode resolver o contrato por

inadimplemento, quando já tiver ocorrido o adimplemento de uma parte substancial do

contrato. Tal teoria visa, sem dúvida, à implementação da função social do contrato,

143
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Princípio da conservação do contrato. In: HIRONAKA, Giselda Maria
Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coords.). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007. p.
157.
144
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de (Coord). Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados
aprovados. Disponível em <http://www.jf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/enunciados-aprovados-da-i-iii-iv-e-
v-jornada-de-direito-civil/compilacaoenunciadosaprovados1-3-4jornadadircivilnum.pdf/view>. Acesso em: 04
jun. 2013.
145
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de
2002. São Paulo: Método, 2007. p. 135.
146
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de
2002. São Paulo: Método, 2007. p. 135.
90

instrumentalizada pela boa-fé objetiva, segundo a qual não faz sentido em razão de um

mínimo inadimplemento, a resolução do contrato em que já houve o adimplemento quase total

das prestações pelo inadimplente.

Há quem entenda na doutrina brasileira que a teoria do adimplemento substancial seria

fundamentada mais especificamente no dever de controle (“limitação ao exercício das

posições jurídicas ou direitos subjetivos” 147) oriundo da boa-fé objetiva.

A necessidade de utilização da teoria do adimplemento substancial ocorre com

frequência na revisão judicial dos contratos de arrendamento mercantil com alienação

fiduciária em garantia. Nesses casos, são realizados contratos de financiamento para aquisição

de veículos, os quais são dados em garantia pelo inadimplemento das prestações. Por vezes,

ocorre o inadimplemento mínimo do devedor (v.g. últimas três parcelas, de um total de

sessenta) e os bancos ajuízam ações de busca e apreensão do veículo, em razão do não

pagamento das parcelas do financiamento, requerendo a resolução do contrato e o deferimento

da liminar de busca e apreensão. Passados cinco dias após o cumprimento da liminar de busca

e apreensão do veículo e não havendo pagamento da integralidade da dívida, o art. 3º, §§ 1º e

2º do Dec-Lei 911/69 autoriza a consolidação plena da posse e propriedade na esfera do

banco.

O Superior Tribunal de Justiça, em julgado recente148 sobre a matéria, aplicou

literalmente a previsão do Decreto-Lei acima citado, entendendo que a devolução do bem

147
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. p. 74.
148
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N.
10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA E PROSSEGUIMENTO DO CONTRATO. IMPOSSIBILIDADE.
NECESSIDADE DE PAGAMENTO DO TOTAL DA DÍVIDA (PARCELAS VENCIDAS E VINCENDAS). 1)
A atual redação do art. 3º do Decreto-Lei n. 911/1969 não faculta ao devedor a purgação da mora nas ações de
busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente. 2) Somente se o devedor fiduciante pagar a integralidade da
dívida, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar, ser-lhe-á restituído o bem, livre do ônus da
propriedade fiduciária. 3) A entrega do bem livre do ônus da propriedade fiduciária pressupõe pagamento
integral do débito, incluindo as parcelas vencidas, vincendas e encargos. 4) Inexistência de violação do Código
de Defesa do Consumidor. Precedentes. 5) Recurso especial provido. (REsp 1287402/PR, Rel. Ministro
MARCO BUZZI, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em
03/05/2012, DJe 18/06/2013). Disponível em:
91

apreendido somente é possível, no prazo previsto e com o pagamento da integralidade da

dívida (parcelas vencidas, vincendas e encargos).

Entretanto, a jurisprudência de outros tribunais149 tem entendido de maneira diversa,

vislumbrando a possibilidade de devolução do bem apreendido ao devedor, caso esse, no

prazo legal, realize a purgação da mora, com o pagamento das parcelas vencidas. Segundo

esses julgados, a cláusula de vencimento antecipados das parcelas vincendas afronta o artigo

54, § 2º do código de Defesa do Consumidor, uma vez que não oferece a possibilidade de

purgação da mora e continuidade do contrato, através do pagamento unicamente das parcelas

vencidas.

Essa última corrente é a que nos parece correta, uma vez que mais afinada com a

função social do contrato e os princípios constitucionais de proteção do consumidor, como

expresso no citado artigo 54, § 2º do CDC, que estabelece a possibilidade de extinção

contratual como uma das alternativas oferecidas ao consumidor e não como a única solução

para o caso. Ademais, a possibilidade de purgação da mora, através do pagamento das

prestações vencidas e encargos, está prevista no art. 401 do Código Civil. Tudo isso, indica

uma nova sistemática, que privilegia a continuidade do contrato, como forma de fomentar sua

função social.

Em outros casos, nos quais houve pagamento quase integral do contrato, seguido de

um inadimplemento mínimo (uma só parcela atrasada e todas as demais já pagas), a

jurisprudência do STJ já entendeu pela inadmissibilidade de concessão da liminar de busca e

http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=princ%EDpio+da+conserva%
E7%E3o+do+contrato&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC2. Acesso em: 13 ago 2013.
149
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO.
PURGA DA MORA. CLÁUSULA DE VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA. PURGA DA MORA.
Realizado o pagamento ou depósito das parcelas vencidas e das que forem vencendo no decorrer da instrução
processual, há a purgação da mora. CLÁUSULA DE VENCIMENTO ANTECIPADO DA DÍVIDA A cláusula
que prevê o vencimento antecipado da dívida independentemente de qualquer notificação judicial ou
extrajudicial é nula, pois é abusiva, contrariando o disposto no artigo 54, § 2º, do CDC. AGRAVO DE
INSTRUMENTO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO (...). TJ-RS - AI: 70051625861 RS, Relator: Roberto
Sbravati, Data de Julgamento: 22/10/2012, Décima Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça
do dia 23/10/2012. Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22533715/agravo-de-instrumento-
ai-70051625861-rs-tjrs. Acesso em: 13 ago 2013.
92

apreensão do veículo. Na hipótese, trata-se do Resp 272739/MG, que teve como relator o

Min. Ruy Rosado de Aguiar, onde foi confirmada decisão que indeferiu liminar de busca e

apreensão de veículo, considerando a desproporção entre a pequena dívida (apenas a última

parcela) em relação ao valor do veículo, já quase todo pago.

Considerou-se ainda no julgado que houve o adimplemento substancial apto a garantir

a manutenção do contrato, contra a pretensão do banco em requerer liminar de busca e

apreensão do veículo e extinção do contrato, restando à instituição financeira a cobrança da

dívida pelos meios judiciais cabíveis. A decisão ainda salientou que a extinção do contrato em

razão do inadimplemento da última parcela fere a boa-fé objetiva.150

De fato, no caso do atraso no pagamento da última prestação de financiamento, o qual

geralmente é realizado pelo prazo três a cinco anos, espera-se, segundo a premissa da boa-fé

objetiva, que haja uma opção que concilie a cobrança da dívida com a conservação do

contrato, garantindo, assim, um aspecto da função social do contrato, que é o alcance de sua

finalidade de transferir bens, evitando-se uma desproporcional resolução de um contrato

quase todo cumprido.

O princípio da conservação do contrato, segundo Junqueira de Azevedo151, deve

orientar tanto o legislador como o interprete. O primeiro, quando da elaboração de normas

que procurem vislumbrar as hipóteses de aproveitamento da vontade contratual, em caso de

eventual vício formal; o segundo, quando da aplicação dessas normas, procurando preservar o

máximo possível o negócio jurídico (nos planos da existência, validade e eficácia), em

homenagem a autonomia privada.

Outro assunto digno de nota nesse contexto é a aplicação do princípio da conservação

nos contratos denominados por Cláudia Lima Marques de “contratos cativos de longa

150
STJ, REsp 272.739/MG, 4ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado , j. 1º-3-2001, DJU 2-4-2001.
151
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva,
2002. p. 66-67.
93

duração”152. Entre esses, se pode verificar os contratos de: seguro, plano de saúde,

previdência privada, água, luz, saneamento básico, financiamento da casa própria, educação

particular, etc. Em tais contratos, encontra-se a característica comum do prazo muito longo

ou indeterminado e a essencialidade do serviço.

Muito desses pactos são ainda caracterizados pela premiação do aderente, à medida

que se torna mais antigo como cliente, como, por exemplo, nos contratos de seguros, nos

contratos bancários em geral e nos plano de saúde.

Nessas situações, devido à necessidade de permanecer por muito tempo vinculado ao

contrato, ou por vezes, pela essencialidade dos bens envolvidos, visto que os mesmos
153
relacionam-se com “situações existenciais” do ser humano e, portanto, ligados à sua

dignidade, deve-se conferir a esses contratos uma “tutela qualitativamente diversa”154, com

vista a possibilitar que a pessoa possa se desenvolver livremente.

Tal tutela é possibilitada pela mitigação das cláusulas que imponham obrigações

onerosamente excessivas à parte mais vulnerável da relação, de forma que a autonomia

privada é tutelada por um dirigismo estatal que tem a finalidade de verificar a efetivação da

função social do contrato nessas hipóteses.

A tutela da conservação do contrato nesses tipos de contratos cativos mostra-se bem

evidente na Lei 9.656/1998, a qual dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à

saúde. Nessa norma legal, em seu art. 13, encontram-se vários instrumentos para conservação

do contrato, como a proibição de qualquer taxa para renovação de contrato, bem como a

proibição de perdimento das carências já cumpridas, quando da renovação do contrato, além

152
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo:RT, 2006. p. 97.
153
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Princípio da conservação do contrato. In: HIRONAKA, Giselda Maria
Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coords.). Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007. p.
167.
154
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional; trad. de: Maria
Cristina De Cicco. 1 ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 34.
94

dos critérios para a rescisão unilateral do contrato e ainda a proibição de rescisão durante

período de internação do paciente.

A jurisprudência do Superior Tribunal de justiça também tem abraçado essa tese de

proteção da continuidade desse tipo especial de contrato, como se pode vê no julgamento do

REsp 1073595/MG155, onde se entendeu que o aumento das parcelas de seguro de vida,

mediante a simples comunicação ao segurado por meio de notificação com poucos meses de

antecedência, configura uma alteração indevida do contrato, asseverando que o aumento do

valor das prestações, conforme novo cálculo atuarial, deve ser realizado de forma escalonada

ao longo de razoável espaço de tempo, a fim de proporcionar ao consumidor uma mudança

suave em seu orçamento e uma melhor adaptação, visto que já viera pagando na forma do

cálculo antigo há trinta anos.

155
DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA, RENOVADO
ININTERRUPTAMENTE POR DIVERSOS ANOS. CONSTATAÇÃO DE PREJUÍZOS PELA
SEGURADORA, MEDIANTE A ELABORAÇÃO DE NOVO CÁLCULO ATUARIAL. NOTIFICAÇÃO,
DIRIGIDA AO CONSUMIDOR, DA INTENÇÃO DA SEGURADORA DE NÃO RENOVAR O CONTRATO,
OFERECENDO-SE A ELE DIVERSAS OPÇÕES DE NOVOS SEGUROS, TODAS MAIS ONEROSAS.
CONTRATOS RELACIONAIS. DIREITOS E DEVERES ANEXOS. LEALDADE, COOPERAÇÃO,
PROTEÇÃO DA SEGURANÇA E BOA FÉ OBJETIVA. MANUTENÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO
NOS TERMOS ORIGINALMENTE PREVISTOS. RESSALVA DA POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO
DO CONTRATO, PELA SEGURADORA, MEDIANTE A APRESENTAÇÃO PRÉVIA DE EXTENSO
CRONOGRAMA, NO QUAL OS AUMENTOS SÃO APRESENTADOS DE MANEIRA SUAVE E
ESCALONADA. 1. No moderno direito contratual reconhece-se, para além da existência dos contratos
descontínuos, a existência de contratos relacionais, nos quais as cláusulas estabelecidas no instrumento não
esgotam a gama de direitos e deveres das partes. 2. Se o consumidor contratou, ainda jovem, o seguro de vida
oferecido pela recorrida e se esse vínculo vem se renovando desde então, ano a ano, por mais de trinta anos, a
pretensão da seguradora de modificar abrutamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior,
ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a
interpretação dos contratos que regulam relações de consumo. 3. Constatado prejuízos pela seguradora e
identificada a necessidade de modificação da carteira de seguros em decorrência de novo cálculo atuarial,
compete a ela ver o consumidor como um colaborador, um parceiro que a tem acompanhado ao longo dos anos.
Assim, os aumentos necessários para o reequilíbrio da carteira têm de ser estabelecidos de maneira suave e
gradual, mediante um cronograma extenso, do qual o segurado tem de ser cientificado previamente. Com isso, a
seguradora colabora com o particular, dando-lhe a oportunidade de se preparar para os novos custos que
onerarão, ao longo do tempo, o seu seguro de vida, e o particular também colabora com a seguradora,
aumentando sua participação e mitigando os prejuízos constatados. 4. A intenção de modificar abruptamente a
relação jurídica continuada, com simples notificação entregue com alguns meses de antecedência, ofende o
sistema de proteção ao consumidor e não pode prevalecer. 5. Recurso especial conhecido e provido. REsp
1073595/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/03/2011, DJe
29/04/2011. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=contrato+cativo+longa+dura%
E7%E3o+&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC2. Acesso em: 14 ago. 2013.
95

Portanto, nesses denominados contratos cativos, a resolução (e também a modificação)

contratual deve ser sempre precedida instrumentos que visem à manutenção ou a mudança

gradual do contrato, a fim de evitar prejuízo desarrazoado daquele que mais sofre com o fim

ou com a mudança abrupta do contrato, qual seja, o consumidor.

4.5 IMPLICAÇÕES DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS NO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR

A função social do contrato, após ter recebido sua base de valores diretamente da

Constituição Federal de 1988, encontrou no Código de Defesa do Consumidor um ambiente

muito propício e farto de princípios que buscam justamente o desenvolvimento da visão de

que o contrato, máxime nas relações de consumo, deve conduzir à sociabilidade e à proteção

da dignidade da pessoa humana.

Nessa perspectiva, a Constituição da República Federativa do Brasil, proclamou no

capítulo afeto aos “direitos e deveres individuais e coletivos”, mais precisamente no artigo 5º,

inciso XXXII, ser dever do Estado, “promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”,

destacando-se ainda a regra esculpida no artigo 170, quando a Carta Magna, tratando da

“Ordem Econômica e Financeira”, notadamente “dos Princípios Gerais da Atividade

Econômica”, estampa que “a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano

e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social”, sendo um de seus “princípios” “a defesa do consumidor” (art. 170, V da CF).

São as implicações da desigualdade fática nas relações de consumo que justificam a

necessidade de uma proteção efetiva ao consumidor, tanto antes da aquisição do produto ou

da prestação de serviço, como na tutela dos direitos de consumidores já lesados nestas

relações.
96

Esse amparo consumerista se concretizou no CDC, não apenas como um conjunto de

normas, mas em um instrumento para o exercício da cidadania, visto que além de ditar normas

materiais, disponibilizou meios processuais de defesa do consumidor, conferiu legitimidade a

órgãos governamentais na proteção do consumo e delineou a atuação do Ministério Público na

defesa dos interesses da tutela do consumidor.

Em linhas gerais a proteção trazida pelo CDC, substancia-se: na proteção da vida,

saúde e segurança; a educação e informação adequada e clara; a liberdade de escolha e

igualdade nas contratações; a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, bem como

contra as práticas comerciais desleais e cláusulas abusivas; a modificação dessas cláusulas

contratuais e daquelas que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão

de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; a efetiva prevenção e

reparação de danos patrimoniais e morais; o acesso aos órgãos judiciários e administrativos; a

facilitação da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova no processo

civil e, a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

O Código de Defesa do Consumidor, na visão de José Geraldo de Brito Filomeno, in

verbis:

... funda-se no reconhecimento da vulnerabilidade daquele consumidor no mercado,


na ação governamental no sentido de protegê-lo efetivamente, na educação e
informação de fornecedores e consumidores quanto a seus direitos e deveres com
vistas à melhoria do mercado, incentivo à criação, ainda pelos fornecedores, de
meios de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como
mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo, racionalização e
melhoria dos serviços públicos, e estudo constantes das modificações do mercado de
156
consumo.

Entre todos os instrumentos disponibilizados para a defesa do consumidor, pode

evidenciar dos grandes grupos: a) o grupo das normas e leis das mais variadas fontes e tipos,

não apenas as do Código; b) o grupo dos instrumentos institucionais, como, por exemplo, a

assistência integral e gratuita para o consumidor carente, promotorias de justiça de proteção

156
FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor, São Paulo: Ed. Atlas,
2007. p. 65.
97

ao consumidor, delegacias especializadas, juizados especiais de pequenas causas, concessão

de estímulos à criação de associações de consumidores, etc. 157

No direito comparado, o direito do consumidor inicialmente (anos 80), no âmbito da

Comunidade Econômica Européia, não tinha como preocupação principal a função social dos

contratos. Nesse tempo, o objetivo do direito do consumidor era evitar regras díspares que

implicassem em custos diferenciados dos produtos e serviços entre os diversos países do

bloco europeu, inviabilizando, assim o mercado comum no velho continente.

Nessa linha, vale transcrever o que diz Joaquim Ribeiro de Souza

Os fundamentos das diretivas comunitárias enfatizavam os inconvenientes da grande


diferença entre as legislações dos Estados-Membros sobre relações de consumo e
apontavam para os reflexos negativos dessa disparidade sobre a “livre circulação de
bens e serviços” A meta era a eliminação dessa diversidade, que podia “falsear a
158
concorrência”.

Nesse sentido, na Comunidade Econômica Européia dos anos 80, a função social do

contrato era estabelecida pela função econômica do contrato.159

Mas, nos Estados Unidos, bem antes, em 1911, no campo jurisprudencial, podemos

ilustrar a preocupação com a função social do contrato em relação de consumo, através uma

decisão proferida pelo juiz norte americano Benjamim Cardoso, no caso MacPherson vs.

Buick Motor Co. Na ocasião, o magistrado julgou procedente uma ação de indenização, em

razão de acidente sofrido pelo autor da ação (adquirente do automóvel), motivado por defeito

no carro fabricado pela ré. A defesa alegou que não possuía vínculo contratual com o autor da

ação, pois não tinha vendido o carro diretamente para o consumidor.

Na decisão de procedência do pedido de indenização, o juiz relativizou o princípio da

relatividade contratual, em clara aplicação da função social do contrato, em sede de relação de

157
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 19.
158
RIBEIRO, Joaquim de Sousa, Direito dos contratos e regulação do
mercado, In: Direito dos contratos. Estudos. Coimbra, 2007, p. 212.
159
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 65.
98

consumo, sob o fundamento de que “sobre o produtor recaía um dever de diligência para

com o público.” 160

Voltando-se propriamente para o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90,

percebe-se que tal norma adiantou a regulamentação de muitos valores constitucionais

referentes à relação contratual, que mais tarde iriam ser abraçados pelo Código Civil de 2002,

todos na linha da promoção da função social do contrato.

Essa afirmação pode ser confirmada pelo cotejo de vários artigos do Código

consumerista, os quais dão corpo à função social do contrato, segundo princípios

constitucionais, entre tais dispositivos, podemos citar o art. 4º, III, do CDC161.

O teor do dispositivo transcrito faz expressa alusão à dignidade, baseando-se na

dignidade da pessoa humana, o qual é um dos fundamentos da República, conforme art. 1, III

da Constituição. Além disso, refere-se aos princípios constitucionais da ordem econômica

(art. 170, CF/88), dentre os quais podemos destacar o mandamento constitucional de que a

ordem econômica busque a conformidade com “os ditames da justiça social” (art. 170,

caput).

Deve-se ainda destacar que entre os princípios constitucionais da ordem econômica, os

quais o art. 4º, III do CDC busca viabilizar, está a função social da propriedade (art. 170, III

da CF), a qual pode ser entendida como um dos fundamentos constitucionais da função social

do contrato, visto que a propriedade é, em sua maioria, transferida por meio do contrato,

160
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 145.
161
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Art. 4º A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de
consumo, atendidos os seguintes princípios: (...) III - harmonização dos interesses dos participantes das relações
de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição
Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm. Acesso em: 14 ago. 2013.
99

exceto em relação á propriedade adquirida por meio da usucapião, a qual se caracteriza por

aquisição originária de propriedade, portanto, independente de negócio jurídico anterior.

Ademais, ressalte-se que o Código do Consumidor, na parte final do art. 4º, III,

proclama o princípio da boa-fé e do equilíbrio nas relações. Quanto à ordenança da boa-fé,

infere-se tal princípio do sistema constitucional como um todo, tendo esse valor também

merecido extensa aplicação, quando da elaboração do Código Civil de 2002.

Quanto ao “equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores” (art.4º, III,

parte final do CDC) percebe-se que tal preceito decorre do princípio constitucional da

igualdade (art. 5º, caput, da Constituição Federal), mais precisamente, da igualdade

substancial, através de políticas de afirmativas, tanto na elaboração, quanto na interpretação

da lei em prol do hupossuficiente, a fim de reequilibrar a relação de consumo, a qual é, por

natureza, inclinada em favor da parte mais forte da avença.

Entretanto, há quem manifeste razoável preocupação com um possível excesso

decorrente de uma exacerbada proteção ao consumidor em detrimento do fornecedor e do

sistema econômico como um todo, o que afrontaria o equilíbrio constitucionalmente exigido

entre a proteção do consumidor e a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico.162

Humberto Theodoro Júnior afirma que a função social do contrato no Código de

Defesa do Consumidor manifesta-se mais especificamente em seu aspecto externo, ou seja, na

acepção de que a função social do contrato visa evitar que o contrato sirva de meio para

ofensa a terceiros, seja individualmente, seja coletivamente, como nos casos de ofensa a

direitos difusos163.

Entretanto, acreditamos que a função social do contrato no Código de Defesa do

Consumidor, está também formada pela preocupação com a ética interna do contrato, através

162
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 66-69.
cf. SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do
fornecedor. 5. ed. São. Paulo: Saraiva, 2010. p. 277.
163
THEODORO JÚNIOR. Op. Cit. p. 68.
100

da conduta leal entre os contratantes, inclusive porque o CDC faz menção expressa à

dignidade humana (art. 4º, caput), boa-fé e equilíbrio nas relações (art. 4º, III do CDC), as

quais são cláusulas gerais ou preceitos estabelecidos para assegurar a função social do

contrato, conforme diz o art. 2.035, parágrafo único164 do Código Civil, também na relação

interna do contrato.

A proteção da função social do contrato, através da modificação ou anulação de

cláusulas contratuais abusivas recebe tratamento distinto no Código de Defesa do Consumidor

e no Código Civil.

No regime do Código Civil há a possibilidade de anulação de cláusula contratual,

dentre outras formas, através do instituto da lesão, o qual exige, contudo, que além da

desproporção entre as prestações, também ocorra uma das duas situações descritas no art. 157

do Código Civil165, quais sejam, uma premente necessidade da parte prejudicada ou a sua

inexperiência.

Tal regime diferenciado justifica-se em razão da relação tida a priori como paritária

entre os contrates no Código Civil, somente se justificando a intervenção judicial para

alteração do contrato, quando no caso concreto se verificar uma situação que configure uma

vantagem de um contratante sobre o outro, aproveitando-se aquele da premente necessidade

ou da ignorância desse.

Já no regime do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula será considerada

abusiva e poderá ser rechaçada judicialmente, toda vez que houver desproporção entre as

164
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 2.035. Parágrafo único.
Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este
Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11
jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em:
12. ago. 2013.

165
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 157. Ocorre a lesão quando
uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente
desproporcional ao valor da prestação oposta. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 12. ago. 2013.
101

prestações e onerosidade excessiva para o consumidor, nos termos do art. 6º, V do Código de

consumo166.

Repare-se que a mera desproporção entre as prestações já é causa suficiente para a

caracterização da abusividade da cláusula e sua conseqüente modificação, em razão da

vulnerabilidade presumida do consumidor ante o fornecedor.

Deve-se registrar que, embora o CDC busque prioritariamente a defesa do

consumidor, uma eventual a conduta maldosa realizada pelo próprio consumidor contra o

fornecedor haverá de ser reprimida com base na boa-fé objetiva, segundo os ditames do art. 4º

do Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece, na linha do art. 170 da Constituição

Federal, que se deve buscar a simultaneidade entre a defesa do consumidor e os princípios

constitucionais referentes ao desenvolvimento da economia e à liberdade de iniciativa

privada.

Todas essas hipóteses de intervenção judicial com a consequente alteração ou

anulação de cláusula contratual abusiva, conforme exposto acima, são exemplos de utilização

da função social do contrato na tutela interna do contrato ( função social interna do contrato),

pela qual se exige uma conduta leal de um contratante para com o outro, com fundamento na

boa-fé objetiva, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, e,

especificamente na relação de consumo, em razão do princípio da vulnerabilidade do

consumidor frente ao fornecedor.

Noutro passo, a partir de agora, analisaremos outra tutela exercida pelo Código de

Defesa do Consumidor, a qual diz respeito à função social do contrato em relação aos efeitos

166
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) V - a modificação das cláusulas contratuais que
estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem
excessivamente onerosas; Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm. Acesso em: 14 ago. 2013.
102

que as avenças de consumo podem causar à terceiros que não celebraram diretamente o pacto.

É a chamada função social externa do contrato.

Para melhor vislumbramos essa perspectiva da função social do contrato nas relações

de consumo, é interessante analisarmos uso dos conceitos de consumidor previstos no CDC.

O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu quatro conceitos de consumidor, os

quais foram descritos respectivamente no art. 2º, caput; art. 2º, parágrafo único; art. 17 e art.

29167.

O primeiro conceito de consumidor trazido pelo Código diz respeito ao que a doutrina

denomina de consumidor padrão (standard) ou o destinatário final de produtos ou serviços.

Tal conceito de consumidor está relacionado com a função social interna do contrato, uma vez

que protege justamente aquele que contratou um serviço do fornecedor.

Já os demais conceitos de consumidor visam atender a função social externa do

contrato, pois regulam a proteção dos chamados consumidores por equiparação também

conhecidos na doutrina estrangeira como by standard. Nessa perspectiva, o Código busca

estender a proteção do consumidor àqueles que não adquiriram diretamente um produto ou

serviço do fornecedor, mas que acabaram sendo envolvidos por efeitos indiretos de uma

relação de consumo originária.

Voltando ao primeiro conceito de consumidor, cabe enfatizar que o texto legal do art.

2º, ao prescrever: “... aquele que adquire...”, refere-se à aquisição em seu sentido mais amplo

possível, não se cogitando no presente texto normativo sobre exigência de capacidade civil do

adquirente como condição de validade do ato de consumo. Assim, uma pessoa plenamente

167
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo; Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se
aos consumidores todas as vítimas do evento; Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se
aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm. Acesso em: 14 ago. 2013.
103

incapaz, uma criança, por exemplo, pode praticar ato de consumo. Nesse sentido, é a ressalva

do professor José Carlos de Oliveira, in verbis: “A aquisição é tomada em sentido amplo não

importando o pressuposto de capacidade jurídica”.168

Quanto ao segundo conceito de consumidor encontrado no CDC (art. 2º, parágrafo

único do CDC), aqui encontramos o primeiro tipo de consumidor equiparado, o qual milita na

linha da função social do contrato no aspecto externo. Refere-se o dispositivo acima também à

oportunidade conferida pelo legislador à coletividade de consumidores para que essa possa

também de forma conjunta buscar a tutela jurisdicional nas lides de consumo, sendo para

tanto esse agrupamento equiparado a um consumidor individual, gozando dos mesmos

direitos garantidos ao consumidor individual, desde que essa querela coletiva esteja

relacionada a um determinado produto, serviço e que também no pólo passivo da demanda

haja alguém que possa ser considerado fornecedor.

Ressalte-se também com relação a esse parágrafo único do artigo 2º, a idéia de

legitimação coletiva nas lides de consumo, o que é corroborado pela dicção do art. 81 do

CDC, o qual discrimina os direitos de massa, a saber, coletivos, difusos e individuais

homogêneos, bem como a forma de exercê-los.

Com a equiparação ao consumidor estampada no art. 2.º, parágrafo único, quis o

legislador, alcançar a coletividade de pessoas cujos interesses ou direitos são afetados pelo

desatendimento do fornecedor de produtos ou serviços às normas do Código de Defesa do

Consumidor. Quando, por exemplo, é veiculada uma publicidade enganosa,

concomitantemente, o direito de todos os integrantes de um público potencialmente alvo da

publicidade falaz, (grupo que se constitui numa coletividade de pessoas, ainda que

indeterminável), de receber informação não viciada, é violado pela ação do fornecedor-

anunciante.

168
OLIVEIRA, José Carlos. Código de Proteção e defesa do consumidor: doutrina, jurisprudência, legislação
complementar. 2 ed., Leme: LED, 1999. p. 12.
104

Note-se que não há necessidade de que os eventuais consumidores efetivamente sejam

induzidos a erro e, conseqüentemente, experimentem qualquer espécie de prejuízo. Basta

haver na publicidade a potencialidade de induzimento, em outras palavras, basta haver o

eventum periculum. É suficiente que o anúncio seja apto para induzimento ao erro e restará

ocorrido o ferimento ao direito básico dessa coletividade, enquanto consumidores, de serem

protegidos contra a publicidade enganosa, nos termos art. 6.º, IV, do CDC e também contra a

propaganda que afronte os “valores éticos e sociais da pessoa e da família”, conforme se

pode concluir da combinação dos arts. 220, II e 221, IV da Constituição Federal. Nessas

hipóteses relativas à propaganda, podemos dizer que há uma aplicação da função social do

contrato, através da exigência de boa-fé na fase pré-contratual.

Assemelha-se o CDC, nesse ponto, à instituição penal dos crimes de mera conduta,

estampados no Código Penal, onde o agente responde por sua conduta maléfica,

independentemente da ocorrência, ou não, do resultado danoso.

A importância do parágrafo único do art. 2º do CDC é também o seu caráter de norma

genérica, interpretadora, aplicável à todos os capítulos e seções do Código.

Note-se que aqui não há necessidade do atendimento dos critérios do artigo 2º, caput.

Nesse parágrafo, fala-se de um terceiro equiparado ao consumidor, não havendo

obrigatoriedade (em alguns casos) que esse consumidor equiparado adquirira ou sequer utilize

um determinado produto ou serviço.

É o caso de beneficiário de seguro de vida contratado por consumidor direto. Nessa

linha de raciocínio enquadra-se o aluno beneficiado com o contrato de serviço escolares

contratados por seu pai, o dependente de plano de saúde, etc., todos, embora não pactuando

qualquer contrato de consumo, intervêm na relação, fazendo jus à proteção consumerista, nos

ditames do Código do Consumidor.


105

Noutro passo, quanto à regra de equiparação constante no artigo 17 do CDC, Por

vezes, terceiros, estranhos a uma determinada relação de consumo, acabam sendo

prejudicados em conseqüência de um imprevisto gerado desse específico ato de consumo, do

qual efetivamente não tomaram parte. É a vítima do evento, acontecimento esse conhecido na

doutrina como acidente de consumo.

Ocorre que essa vítima do acidente de consumo, a princípio seria um terceiro, que não

teria tomado parte no ato de consumo e, por vezes, nem sequer utilizado o produto ou serviço

que, consumido por outrem, lhe causara evento infortúnio.

Assim, se não houvesse a disposição do art. 17 e tivéssemos que partir unicamente do

conceito de consumidor do art. 2º, caput e também daquele estabelecido no parágrafo único

do mesmo artigo, não veríamos como o terceiro, que não adquiriu, por vezes, nem ao menos

utilizou qualquer produto ou serviço, poderia ser considerado consumidor em caso de prejuízo

decorrente de relação de consumo alheia.

Nem mesmo o conceito descrito no art. 2º, parágrafo único, se confunde com esse

entabulado no art. 17. Há, é verdade, semelhança entre os dois conceitos. Contudo, uma

análise mais criteriosa mostrará que os dois dispositivos tratam de figuras diversas, tipos

distintos de consumidor equiparado, como procuraremos demonstrar a seguir.

O conceito de consumidor do art. 2º, parágrafo único possui uma característica

distintiva, qual seja, se reporta “à coletividade de pessoas,..., que haja intervindo nas relações

de consumo”.

Trata-se de pessoas que, mesmo não tendo efetivamente pactuado determinada relação

de consumo, por vezes, nem mesmo tendo conhecimento desse específico ato de consumo, a

ele já estão interligadas. Em geral, esses terceiros intervenientes são beneficiários, mesmo que

futuros ou eventuais, da relação de consumo pactuada por outros. É o caso do beneficiário de


106

seguro de vida, do aluno em que o pai realiza contrato com a escola, dos dependentes de plano

de saúde, etc.

Já no caso deste art. 17, trata-se de consumidor equiparado que não é, a priori, um

terceiro beneficiário, nem ao menos de forma eventual ou futura, de um contrato de consumo.

É pessoa que pode ser completamente estranha à relação. É, por exemplo, um indivíduo que,

ao passar próximo a um determinado produto adquirido por outrem, é atingido por uma

explosão desse produto e vem a sofrer prejuízos.

Pela dicção desse artigo 17, qualquer vítima de um dano ocasionado por defeito de um

produto ou serviço tem direito à reparação, sendo seu vínculo com o evento danoso, e não

com a relação de consumo, que o eleva a categoria de consumidor. Por isso, o CDC ampliou,

no artigo 17, o conceito de consumidor, estendendo a proteção a “todas as vítimas do evento”.

Consideremos um transporte coletivo que, em virtude de acidente, vem a causar danos,

tantos aos passageiros (esses, exemplo de consumidor padrão do art. 2º) quanto aos

transeuntes do local. Esses pedestres atingidos, embora que efetivamente não tenham utilizado

o serviço de transporte que os prejudicara, terão, pela regra do art. 17, o mesmo tratamento

como se fossem consumidores do tipo padrão.

Alinne Arquete Lemos Novais assevera que, se não existisse no ordenamento jurídico

brasileiro a norma estampada no art. 17 do Código do Consumidor, o terceiro atingido por

acidente de consumo teria que recorrer às normas tradicionais do Código Civil, ou seja,

provar a culpa do causador do dano, já que não é considerado consumidor stricto sensu.

...Todavia, somente é possível esta solução por causa da equiparação feita pelo art.
17. Se não existisse esta norma no CDC, o terceiro, para ser ressarcido dos danos
sofridos, teria que recorrer às normas tradicionais do Código Civil, devendo
169
comprovar a existência de culpa.

169
NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. V. 17. São.
Paulo: RT, 2001. p.139.
107

Concordamos que se não houvesse essa norma do art. 17 do CDC, realmente a vítima

do acidente de consumo deveria recorrer às regras do Código Civil, uma vez que não

considerada como consumidor em nenhuma das acepções deste termo constante no CDC.

Entretanto, a apuração da responsabilidade no caso, mesmo segundo as regras do Código

Civil, não necessariamente deveria ser com base na responsabilidade subjetiva, uma vez que o

Código Civil de 2002 prevê a norma do art. 927, parágrafo único (a qual se baseia na Teoria

do Risco-Proveito), prevendo a responsabilidade objetiva, portanto, independente de culpa,

“...quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua

natureza, risco para os direitos de outrem”.

Vemos, então mais um exemplo de aplicação dos efeitos dos contratos para além das

partes contratantes, vencendo o limite da relatividade contratual, em clara aplicação da função

social externa ao contrato.

Finalmente, cabe agora averiguar o quarto conceito de consumidor constante no CDC,

qual seja, aquele contido no artigo 29 do referido Código.

Esse artigo traz um dos mais interessantes e abrangentes conceitos de consumidor por

equiparação dentre os elencados no Código do Consumidor e que aqui já foram visto.

Nessa definição, faz-se referência aos fins do capítulo do CDC no qual esse artigo 29

está inserido (capítulo V – das práticas comerciais) e aos objetivos do capítulo seguinte

(capítulo VI - da proteção contratual), estabelecendo que, para as finalidades desses mesmos

capítulos, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas

(basta a simples exposição) às práticas nele prevista.

Para se ter uma idéia da abrangência da equiparação trazida no art. 29 do CDC, basta

observar que os capítulos aos quais esse artigo faz referência (capítulos V e VI do CDC)

tratam, respectivamente, das Práticas Comerciais (oferta, publicidade, práticas abusivas,

cobrança de dívidas, banco de dados e cadastro de consumidores) e da Proteção Contratual


108

(cláusulas abusivas e contratos de adesão). Assim, toda pessoa que, mesmo não sendo

consumidor, se enquadrar em uma das situações acima previstas (“exposta às práticas”) será

equiparado a consumidor e gozará de toda a estrutura do CDC para aduzir sua correlata

pretensão jurídica.

Em relação a essas “às práticas”, Assim diz Maria Antonieta Zanardo Donato:

...as práticas comerciais são técnicas, meios usados pelo fornecedor para
comercializar, vender, oferecer seu produto ao consumidor potencial, atingindo
assim aquele que é pretendido como destinatário final (consumidor/ adquirente).
Estariam, então, abrangidas pelo CDC desde a oferta do produto até sua cobrança,
isto é, da pré à pós venda. 170

A idéia é proporcionar, até mesmo ao não consumidor (por exemplo: ao comerciante

em suas relações comerciais), quando se encontrar nos casos previstos pelo art. 29 do Código

do Consumidor, a tutela inicialmente direcionada ao consumidor padrão.

Assim, o CDC autoriza a esse fornecedor, que em determinadas situações, encontra-se

igualmente a um consumidor stricto sensu - no que diz respeito a um estado de

vulnerabilidade fática em relação a outro fornecedor - utilizar o microssistema do Código do

Consumidor como norma de proteção, com vista a conferir a esse profissional vulnerável a

tutela contra injustiças práticas mercadológicas, o que, por via reflexa, beneficiará também o

consumidor final, que não terá para si repassados os vícios de uma relação comercial

temerária, viabilizando assim uma “oxigenação” do mercado como um todo.

Neste sentido, é a decisão jurisprudencial do Tribunal de Alçada/RS, 2ª Câm., Cív.

192188076, Rel. Paulo Heerdt, j. 24.9.92, com a seguinte ementa in verbis:

Contrato de crédito rotativo. Juros e correção monetária. Código de Defesa do


Consumidor. Conceito de consumidor para os fins dois capítulos V e VI da Lei
8.078/90. Exegese do art. 29 do CDC. Contrato de adesão. Cláusula abusiva.
Controle judicial dos contratos. Ainda que não incidam todas as normas do CDC nas
relações entre Banco e empresas, em contrato de crédito rotativo, aplicam-se os

170
DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1994. p. 263.
109

capítulos V e VI, por força do art. Do art. 29 do CDC, que amplia o conceito de
consumidor, possibilitando ao judiciário o controle das cláusulas contratuais
abusivas, impostas em contratos de adesão. Cláusula que permite a variação
unilateral de taxa de juros é abusiva porque, nos termos do art. 51, X e XIII,
possibilita variação de preço e modificação unilateral dos termos contratados.
Possibilidade de controle judicial, visando estabelecer o equilíbrio contratual,
reduzindo o vigor do princípio “ pacta sunt servanda” ...Ação declaratória julgada
procedente para anular lançamentos feitos abusivamente. Sentença reformada“. 171

Por aplicações extensivas como essas é que, no dizer de Cláudia Lima Marques, o art.

29 do Código de Defesa do Consumidor “trata-se atualmente, portanto, da mais importante

norma extensiva do campo de aplicação da nova lei...” 172.

Pela exposição dos conceitos de consumidor descritos no CDC e aqui apresentados,

podemos verificar que essa codificação contém regras que visam garantir a aplicação da

função social do contrato nas fases pré-contratual (ex: oferta, publicidade) contratual (ex:

cláusulas abusivas) e pós-contratual (ex: cobrança, cadastros de consumidores), explorando,

assim o aspecto interno e externo da função social dos contratos.

171
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações
contratuais. 5.ed. São Paulo:RT, 2006. p. 158.
172
Ibid., p. 157.
110

5 CONCLUSÃO

A função social do contrato, na evolução do direito privado em face das influências

constitucionais, inspira-se internacionalmente no modelo do Estado do Bem-Estar Social,

Welfare State, enquanto, mais precisamente à nível nacional, é orientada pela ordem

constitucional-civil-econômica, consubstanciada nos objetivos fundamentais da República,

contidos no art. 3º da Constituição Federal, notadamente o Princípio da solidariedade, bem,

como na dignidade da pessoa humana, insculpida no art. 1º, III da CF/88 como um dos

fundamentos da República e ainda nos valores de uma existência digna e de justiça social,

inseridos no art. 170 da Constituição entre os princípios da ordem econômica.

A função social do contrato é vista como uma cláusula geral, que serve à eficácia à

eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Sobre a discussão de como se dá a eficácia

horizontal dos direitos fundamentais entre os particulares, no Brasil, a doutrina e a

Jurisprudência do STF acolhem a teoria da eficácia direta dos direitos fundamentais para

resolução de litígios entre particulares.

Entretanto, a possibilidade de aplicação indiscriminada de direitos fundamentais, na

relações entre particulares, notadamente a exigência de isonomia na esfera privada, pode

esvaziar a autonomia dos indivíduos de forma desarrazoada, tendo em vista que essa

autonomia também é igualmente protegida constitucionalmente, como decorrência do direito

constitucional de livre desenvolvimento da personalidade, através de escolhas existenciais da

pessoa humana.

Nessa problemática, entendo que o STF deveria elaborar critérios dotados de um

maior rigor metodológico, a exemplo do que acontece no Tribunal Constitucional Federal

alemão, para apreciação das questões que envolvam a aplicação dos direitos fundamentais
111

entre particulares, nas hipóteses em que não exista lei concretizando a Constituição, utilizando

o princípio da proporcionalidade para resolução dessas colisões, a fim de que a falta de

parâmetros prévios não favoreça o arbítrio judicial e a insegurança jurídica.

A função social do contrato possui um aspecto interno e outro externo. A primeira

faceta indica o dever das partes respeitarem a dignidade da pessoa humana do outro

contratante, exigindo-se, de forma objetiva, lealdade e cooperação entre os pactuantes. Já o

aspecto externo da função social do contrato, evidenciou-se na mitigação do princípio da

relatividade contratual, entendo-se o contrato não mais como uma ilha (no que se refere ao

seu isolamento social), mas sim como uma célula do complexo tecido social no qual está

inserido, exigindo-se, portanto que o contrato respeite os direitos da sociedade, tanto na forma

difusa como coletiva e ainda os direitos de terceiros individualmente considerados.

Sobre o enfoque externo da função social do contrato, a sociedade também deve

respeito ao contrato, evidenciando-se a tutela externa do crédito como a exigência de que a

sociedade igualmente não ignore o contrato. Dessa forma, deve responsabilizar-se o terceiro

que ofende o credor contratual, quando celebra pactos com o devedor que inviabilizam o

contrato original.

A função social do contrato não foi uma novidade do ordenamento brasileiro, pois já

se fazia presente no direito estrangeiro, notadamente em países europeus, ora de forma

expressa, ora em outras roupagens, como a da função social da propriedade, a defesa do meio

ambiente, ou abstraído de outros princípios correlatos como a boa-fé, a dignidade da pessoa

humana e a equidade, dentre outros.

A função social do contrato perfaz-se por outros “preceitos de ordem pública”

estabelecidos, como diz o art. 2.035, parágrafo único do Código Civil, “para assegurar a

função social do contrato”.


112

Nessa linha, indica-se, em rol não taxativo, princípios como a igualdade, a boa-fé, a

autonomia privada e a dignidade da pessoa humana, como sendo exemplos desses preceitos

de ordem pública instituídos para assegurar a função social do contrato.

O conceito mais atual de igualdade consiste, não mais na igualdade perante a lei, mas,

sim, na igualdade substancial. Contudo, a exigência irrestrita de aplicação da igualdade aos

particulares pode conduzir ao embate com outros princípios fundamentais oriundos da

liberdade individual. Daí afigurando-se a utilização de critérios de proporcionalidade como

um parâmetro razoável para a solução dessas colisões.

As noções de boa-fé dividem-se no aspecto subjetivo e objetivo, sendo a primeira

referente à intenção dos contratantes e a segunda relativa à conduta das partes na avença. O

sentido mais eficaz de boa-fé atualmente é a acepção objetiva, pois é mais viável de ser

aferida.

A boa-fé objetiva deve ser exigida tanto nas fases pré-contratual, quanto contratual e

pós-contratual. Em relação à fase pré-contratual, proponho criação por lei da obrigatoriedade

de educação financeira nos currículos escolares, bem como a estipulação de sanções

administrativas contra a prática de fornecimento irresponsável de crédito, ou seja, sem atentar

para o perfil e a capacidade de adimplência do devedor, causando-lhe o superendividamento.

Na fase contratual, a boa-fé objetiva é exigida, tanto na relação dos contratantes entre

si, como também sob a ótica dos contratantes para com a sociedade e, ainda, sob o enfoque do

dever de respeito dos terceiros para com o contrato.

Na fase pós-contratual, são exemplos de aplicação da boa-fé objetiva, dentre outras, as

práticas do recall, bem como a obrigação dos fornecedores de produtos industriais manterem

por certo tempo a oferta de peças de reposição no mercado.


113

A Função social do contrato tem um caráter de limitação da autonomia privada,

evitando que a liberdade contratual prejudique um dos contratantes em situação de

desigualdade.

Assim, a autonomia privada resta sem função social, quando o contrato é celebrado

com a prevalência de um contratante sobre o outro, em razão da premente necessidade desse

último, ou de sua ignorância, nos termos do art. 157 do CC, o qual trata do instituto da lesão.

Assim, entendo que a noção mais contemporânea de autonomia privada consiste no

poder de contratar, que leva em consideração valores existenciais e de cooperação entre os

contratantes, bem como desses para com a sociedade.

Já a dignidade da pessoa da pessoa humana é o grande parâmetro que distingue as

pessoas das coisas e por isso mesmo tal princípio tem a finalidade de funcionalizar a liberdade

contratual, orientando as relações contratuais para o tratamento do ser humano como sujeito

de direitos e não como objeto de direito alheios.

A doutrina das redes contratuais serve à aplicação da perspectiva funcional do

contrato, na solução de lides envolvendo contratos autônomos, mas interdependentes, através

da relativização do relativismo contratual, nas hipóteses em que a simples aplicação das

regras dos contratos típicos, isoladamente considerados, não for suficiente para dotar as

avenças de sua função social.

O princípio da conservação do contrato deve orientar a solução das lides de busca e

apreensão, envolvendo contratos de arrendamento mercantil, de forma a permitir a restituição

de bens apreendidos, após a purgação da mora, no prazo legal, com o pagamento das parcelas

em atraso e demais encargos. Tal orientação, apesar de não encampada pelo Superior Tribunal

de Justiça, é acolhida por tribunais de justiça estaduais e é a que mais se coaduna com a

função social do contrato, através do sistema constitucional de proteção ao consumidor e da

principiológica de conservação contratual que permeia todo o Código Civil.


114

O aproveitamento da eficácia contratual mostra-se bastante necessário, nas hipóteses

que tratam do adimplemento substancial, representado esse nas hipóteses em que o débito

proporcionalmente mínimo não deve implicar a resolução do contrato, como ocorre nos casos

de contrato de arrendamento mercantil, em que, após o pagamento da quase totalidade do

valor ajustado, ocorre uma inadimplência ocasionadora da resolução do contrato e retomada

do bem.

Nessas situações, deve ser buscada uma alternativa de satisfação do credor de maneira

menos gravosa ao devedor, evitando-se a retomada do bem transacionado e o fim do liame

negocial, a fim de se manter a função social do contrato, que, no caso, manifesta-se pela

circulação de riquezas, tudo na linha de uma conduta pautada na boa-fé objetiva esperada na

relação contratual.

Em sede dos contratos cativos de longa duração, há maior necessidade de

instrumentos que assegurem a conservação dos contratos, em face dos bens envolvidos, como

a saúde e a vida. Dessa forma, a interpretação e a elaboração da lei nessas situações, deve ser

dotada de instrumentos que visem garantir a continuidade contratual, a exemplos dos

mecanismos dispostos na Lei 9.656/1998, no que concerne à continuidade dos contratos de

plano de saúde.

Já no regime do Código de Defesa do Consumidor, a função social do contrato,

notadamente em seu aspecto interno, possui traços mais fortes, em razão da natureza desigual

da situação dos contratantes entre si.

No Código de consumo, o aspecto externo da função social do contrato também

encontra regulação específica, na conceituação dos denominados consumidores equiparados,

os quais, embora não tenham celebrado diretamente um negócio de consumo, são


115

considerados como consumidor, por estarem ligados indiretamente a uma relação de consumo

ou por se encontrarem expostos à determinadas práticas comerciais.


116

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