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ANTONIO ANANIAS DA SILVA FILHO

O LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA DURANTE O SERVIÇO MILITAR


OBRIGATÓRIO NO ÂMBITO DO EXÉRCITO BRASILEIRO.

CASCAVEL
2014
 
 

ANTONIO ANANIAS DA SILVA FILHO

O LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA DURANTE O SERVIÇO MILITAR


OBRIGATÓRIO NO ÂMBITO DO EXÉRCITO BRASILEIRO.

Artigo científico apresentado à disciplina de


Metodologia da Pesquisa Científica como
requisito parcial para a conclusão do Curso de
Pós-Graduação Lato Sensu – Especialização
em Direito Militar Contemporâneo do Núcleo de
Pesquisa em Segurança Pública e Privada da
Universidade Tuiuti do Paraná.
Orientador: Professor João Carlos Toledo
Júnior.

CASCAVEL
2014
 
 

Título:

O LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA DURANTE O SERVIÇO MILITAR


OBRIGATÓRIO NO ÂMBITO DO EXÉRCITO BRASILEIRO.

Resumo:
O presente trabalho objetiva analisar o instituto do licenciamento a bem da disciplina
no âmbito do Exército Brasileiro. Trata-se de assunto atual que vem despertando a
curiosidade dos operadores do direito que labutam na seara do Direito Militar. Neste
trabalho serão analisadas as circunstâncias que fazem deflagrar o processo
administrativo de licenciamento e suas consequências. A investigação adotou como
desenho metodológico o enfoque qualitativo e tipo de estudo descritivo, com a
classificação de pesquisa bibliográfica e documental.

Palavras-chave:
Hierarquia. Disciplina. Transgressão Disciplinar. Devido Processo legal.
Consequências.

Abstract:
This paper aims to analyze the institution of the licensing and discipline within the
Brazilian Army. This is the current issue that drew the attention of law enforcement
officers who labor in the vineyard of the Military Law. In this paper we analyze the
conditions that make trigger the administrative licensing process and its
consequences. The research adopted the qualitative methodological design
approach and type of descriptive study, with the classification of literature and
documents.

Key words
Hierarchy. Discipline. disciplinary offense. Due legal Process. Consequences.
 
 

SUMÁRIO:

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 5
2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................ 6
2.1 - HISTÓRICO DO SERVIÇO MILITAR NO BRASIL .......................................... 6
2.2 - A SUJEIÇÃO AO REGIME MILITAR ............................................................... 8
2.3 - O COMPORTAMENTO MILITAR DE ACORDO COM O DECRETO 4.346/02
(RDE) ...................................................................................................................... 11
2.4 - O PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE POSSIBILITA O LICENCIAMENTO 13
2.5 - CONSEQUÊNCIAS DO LICENCIAMENTO....................................... ........... 17
2.6 - DA REABILITAÇÃO ....................................................................................... 19
3. CASO PRATICO ILUSTRATIVO ....................................................................... 20
4. CONCLUSÃO .................................................................................................. 22
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 24

 

O LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA DURANTE O SERVIÇO MILITAR


OBRIGATÓRIO NO ÂMBITO DO EXÉRCITO BRASILEIRO.

ANTONIO ANANIAS DA SILVA FILHO 1

1. INTRODUÇÃO

A motivação que nos leva a pensar a respeito do tema licenciamento a bem da


disciplina, no âmbito do Exército Brasileiro, é a percepção de que o assunto ainda não
é observado pelo ângulo da gravidade de suas consequências.

O serviço militar, em que pese tratar-se de uma obrigação imposta pelo Estado,
atualmente é encarado pela quase unanimidade daqueles que são selecionados pelas
Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) como uma atividade interessante e
desafiadora, sendo para muitos uma oportunidade do primeiro emprego (realidade de
algumas regiões do nosso país).

Como qualquer outra instituição, o Exército Brasileiro possui várias regras de


comportamento e conduta, tendo como pilares de sua sustentação os princípios da
hierarquia e da disciplina (art. 142 da Constituição Federal de 1988). Podemos afirmar
que, na realidade, qualquer instituição séria também possui os mesmos princípios, pois
é somente dessa forma que se poderá crescer e atingir seus objetivos (sociais, de lucro
etc.). Não obstante, tais princípios possuem uma roupagem especial quando aplicados
no dia a dia das instituições militares.

Após ingressar em uma Organização Militar, o jovem, que agora passa a se


chamar soldado, enfrentará uma vida diferente daquela que provavelmente está
acostumado. Trata-se daquilo que os militares chamam de vida na caserna. Sem
dúvida trata-se de novos costumes, novas relações humanas, mas que, via de regra,
todos acabam por se adaptar.

No entanto, há exceções. Muitos destes novos soldados não conseguem


chegar ao final do ano de instrução, pois são desligados da Força em virtude do “mau
comportamento” (o que preferimos intitular como não adaptação à vida castrense).

 

Primeiro Sargento do Exército Brasileiro (servindo no 15º Batalhão Logístico –
Cascavel/PR).

 

A forma com que este cidadão atinge o “mau comportamento”, que acaba
culminando em seu licenciamento a bem da disciplina, bem como as consequências
daí advindas, é o que procuraremos demonstrar no presente estudo.

2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 - Histórico do Serviço Militar no Brasil

Desde os tempos remotos a humanidade passou a viver em grupos, seja com a


intenção de desenvolver-se, seja com o objetivo de proteção. Considerando que não
havia Estados organizados, muitas eram as ameaças externas e internas, o que
impedia o desenvolvimento do ser humano. Percebeu-se que era necessário possuir
um grupo de homens com a incumbência de proteger as cidades em construção. A
partir daí surge a distinção entre o cidadão civil e o militar, este último possuía o dever
de pegar em armas e se dispor a proteger os demais cidadãos.

No Brasil, já na época das Capitanias Hereditárias surgiu a necessidade de


defesa dos inimigos externos e também contra os índios revoltosos. Criou-se na
Capitania de São Vicente (1542), uma milícia formada por colonos e índios que além
de suas atividades rotineiras estariam aptos a lutar pela conservação do domínio
português. 2

A Constituição brasileira de 1824 fez previsão pela obrigatoriedade do Serviço


Militar, nos seguintes termos: “art 145. Todos os brasileiros são obrigados a pegar em
armas para sustentar a independência, a integridade do Império e defendê-lo de seus
inimigos”. Tratava-se de uma previsão genérica que a todos incluía, no entanto seus
contornos ainda não estavam bem delineados.

Nos anos de 1915 e 1916 tiveram grande repercussão as idéias de Olavo


Bilac ao defender a doutrina da obrigatoriedade do serviço militar. Segundo ele o
cidadão que prestasse o serviço militar estaria exercendo a própria cidadania, o
civismo e o amor pela pátria. A partir daí o serviço militar passou a ter cunho obrigatório
dentro do Estado brasileiro. Tamanha a importância de suas idéias para as Forças
Armadas que a data de nascimento de Olavo Bilac passou a ser considerada como dia
 

 16ª  Circunscrição  do  Serviço  Militar.  Origem  do  Serviço  Militar.  Disponivel  em  <http;; 
www.16csm.eb.mil.br>. Acesso em: 12 de maio de 2014. 

 

do Reservista. Trata-se da semana que vai de 8 a 16 de dezembro, onde todos os


reservistas possuem a obrigação de comparecer a uma unidade militar e carimbar seu
certificado (tal obrigação perdura por 5 anos).

Em 17 de agosto de 1964 foi editada a lei 4.375 (Lei do Serviço Militar) e em


20 de janeiro de 1966 surge o Regulamento 57.654, que teve por missão facilitar o
entendimento e a execução da lei supracitada.

Com o surgimento da atual Constituição da República Federativa do Brasil em


1988 a obrigatoriedade do serviço militar continua a receber lugar de destaque na
organização do Estado brasileiro. De acordo com o art. 143 da CF/88 podemos
verificar:

O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. §1° Às Forças Armadas


compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de
paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se
como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou
política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.
§2° As mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar
obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei
lhes atribuir.

Para regular a forma como se dará este serviço militar alternativo surge a Lei
8.239, de 4 de outubro de 1991. De acordo com o §2°, do seu art. 3°, podemos
vislumbrar a amplitude do serviço a ser desempenhado de forma alternativa: “Entende-
se por Serviço Alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo,
assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter
essencialmente militar”.

Desta forma, de acordo com o que acima foi observado, o serviço militar em
nosso país continua possuindo caráter obrigatório, é o que diz o art. 2°, da Lei 4.375/64
- “Todos os brasileiros são obrigados ao Serviço Militar”.

Em artigo sobre o serviço militar obrigatório, o Senhor General de Brigada


José Alberto Leal (Chefe da Diretoria do Serviço Militar do Exército Brasileiro), traz a
discussão sobre a necessidade da manutenção da obrigatoriedade do serviço militar,
com as seguintes palavras:
O cenário mundial, nesta transição de séculos, caracterizado pela
unipolaridade derivada da hegemonia da potência dominante, pela
associação de nações em blocos político-econômicos, pelo surgimento dos
conflitos de 4ª geração e pela alta tecnologia agregada ao aparato bélico
conduziu a que fossem discutidas, aqui e alhures, a necessidade da

 

manutenção de Forças Armadas e também, até como corolário, a natureza


do serviço militar obrigatório 3 .

No Brasil distinguiu-se claramente a obrigatoriedade do serviço militar em


tempo de paz e em tempo de guerra. Durante o período de paz será possível algumas
formas de se substituir a sua obrigatoriedade, mas em tempo de guerra não haverá
ressalvas, ou seja, todos estaremos sujeitos ao serviço militar, inclusive mulheres e
eclesiásticos.

Apesar desta obrigatoriedade pode-se vislumbrar uma mudança interessante


que atualmente podemos observar quanto ao alistamento militar. Durante esta fase,
nos dias atuais, o indivíduo declara que é voluntário para servir, ou não. Isto pode fazer
diferença, pois o número de pessoas a serem admitidas em alguma das Unidades
Militares (das três Forças Armadas) é bem inferior ao número de voluntários. Sendo
assim, na prática, a quase totalidade (noventa e nove por cento) dos cidadãos que são
incorporados anualmente é feita de voluntários (dá-se preferência aos voluntários, em
condições de igualdade).

2.2 – A sujeição ao regime militar

As Forças Armadas de qualquer país devem possuir algumas qualidades que


as diferenciem de outras instituições de um Estado organizado. A própria atividade
desenvolvida pelos militares (homens de guerra) exige o respeito e o culto a valores
que lhes são particulares.

A preparação do homem, a manutenção das instalações e dos equipamentos,


o respeito aos valores éticos e históricos, a submissão às autoridades constituídas, são
alguns elementos da vida castrense que lhes dão sustentação e representam a sua
própria razão de ser.

A Constituição Federal de 1988 tratou das Forças Armadas em seus artigos


142 e 143, Da Segurança Pública (capítulo III), Da defesa do Estado e das Instituições

 

 Escola  de  Comando  do  Estado  Maior  do  Exercito.  Serviço  Militar  Obrigatório:  a  alternativa 
adequada. Disponivel em <http;;eceme.ensino.eb.br> Acesso em 12 de maio de 2014. 

 

Democráticas (Título V). Sendo assim, para o presente estudo, importante se mostra a
transcrição de parte do art. 142:
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer deles, da
lei e da ordem. (grifo nosso)
§1° Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na
organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
§2° Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares
militares.
§3° Os membros das Forças Armadas são denominados militares,
aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes
disposições
I – as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são
conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos
oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e
postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos
uniformes das Forças Armadas.

Dentre os vários princípios que devem estar presentes no dia a dia dos
militares, a própria Constituição Federal tratou de eleger dois deles, pela grande
significância e utilidade, a um nível mais alto de observância, são eles: a hierarquia e a
disciplina. Para Wilson Odirley Valla,
A organização militar e baseada em princípios simples, claros e que
existem há muito tempo, a exemplo da disciplina e da hierarquia. Como se
trata dos valores centrais das instituições militares, é necessário conhecer
alguns atributos que revestem a relação do profissional com estes dois
ditames basilares da investidura militar, manifestados pelo dever de
obediência e subordinação, cujas particularidades não encontram
4
similitudes na vida civil .

É com base nesse binômio que as instituições militares devem estar


alicerçadas. Na verdade, a própria atividade desenvolvida por estes profissionais exige
a fiel observância destes princípios. Dificilmente uma instituição que é preparada para
atuar em situações extremas, como a guerra ou as comoções nacionais, poderia
subsistir sem a presença de um comando e da mais alta disciplina.

Por outro lado, devemos asseverar que também nas demais instituições
devem estar presentes a hierarquia e a disciplina. É claro que para os militares estes

 
4
Valla, Wilson Odirley. Deontologia Policial Militar – Etica Profissional. 3ª edição, Curitiba:
Publicações Tecnicas da Associação Vila Militar, 2003. Volume II, pg. 116.
10 
 

princípios possuem uma conotação mais específica. Numa noção mais abrangente,
trata-se de uma maneira de estruturar a própria administração pública, demonstrando a
organização que devem possuir todas as atividades que representam a coisa pública.

É de se lembrar que alguns defendem a utilização dos princípios da hierarquia


e da disciplina de uma forma mais atenuada nos períodos de normalidade, nos
momentos de paz (interna ou externa). Tal entendimento deve ser visto com cuidado,
devendo ser analisado sem as paixões deste ou daquele seguimento. Não obstante,
para o presente estudo, basta afirmarmos a necessidade de utilização dos princípios
constitucionais de forma clara e abrangente, evitando-se a sua aplicação em tiras 5 .

Isso posto, devemos lembrar que a Instituição Exército Brasileiro, segundo os


historiadores, já possui mais de 360 anos e, por isso, sem maiores esforços, podemos
concluir que foram os princípios basilares que ajudaram a manter esta Força e que até
hoje goza de grande aceitação por parte do povo brasileiro (sinônimo de probidade e
de bom uso da coisa pública).

É interessantíssima a forma como o Exército recepciona os novos soldados.


Trata-se de uma formatura com grande beleza, sem dúvida, mas com um significado
simbólico muito maior. Estes jovens adentram pelo “portão da frente” da Organização
Militar e são recepcionados cordialmente pelos soldados profissionais.

Logo em seguida, estes novos integrantes passarão por um período de


internato (quarentena – que na prática não necessariamente significa período de
quarenta dias), onde serão realizadas muitas instruções, militares e não militares.
Período intenso que, com toda certeza, é inesquecível àquele que teve a chance de
realizar o serviço militar obrigatório.

Faz-se necessário reconhecer que não existem instrumentos para se discutir


a forma como se dará este serviço militar. A Instituição é secular e todas as suas
cláusulas já estão formatadas, bastando ao recruta adaptar-se o mais cedo possível.
Trata-se de uma vida com exigências e cumprimentos de obrigações voltadas para a
 
5
Grau, Eros Roberto, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 3ª edição,
São Paulo. Malheiros Editores, 2005, pg. 77.

 
11 
 

forma de vida castrense. Não quer significar que seja melhor ou pior do que a vida civil,
mas apenas que possui suas peculiaridades.

Devemos concluir, pelo exposto acima, que o jovem ao adentrar pelos portões
da Organização Militar e durante todo o ano de instrução, estará submetido às ordens
de seus superiores hierárquicos. Tais ordens são fruto do minucioso acatamento dos
regulamentos e das leis que regem o serviço militar 6 .

2.3 – O comportamento militar de acordo com o Decreto 4.346/02 (RDE)

O documento que cuida do comportamento dos militares do Exército


Brasileiro é o Decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002, também conhecido como
Regulamento Disciplinar do Exército.

Existe uma grande discussão sobre a inconstitucionalidade do Regulamento


em estudo. Alguns juristas advogam pela sua inconstitucionalidade, alegando que o art.
47 da Lei 6.880/80, não foi recepcionado pela atual Constituição Federal. Sendo assim,
não seria possível tratar da matéria por regulamento presidencial, mas sim, por lei
discutida e votada pelo Parlamento Federal. Tal discussão, em que pese
relevantíssima e atual, foge do objeto deste trabalho, por isso queremos apenas
lembrar do assunto.

De acordo com o seu art. 2º, estão sujeitos a este Regulamento os militares
do Exército na ativa, na reserva remunerada e os reformados. Por outro lado, sabemos
que algumas polícias militares, na falta de regulamento próprio, também utilizam o RDE
(como exemplo podemos citar a PM do Estado do Paraná).

O conceito de disciplina é dado pelo próprio RDE, em seu art. 8º, nos
seguintes termos: “A disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral
das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento
do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo militar”. Em
 
6
Decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002. Regulamento Disciplinar do Exercito (RDE). Art 8º A
disciplina militar e a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições,
traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do
organismo militar. Disponivel em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4346.htm. Acesso em 08
Jul. 14.
12 
 

sentido oposto temos a transgressão disciplinar que se caracteriza, de acordo com o


art 14 do RDE, por um “agir contrário aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico
pátrio ofensivo a ética, aos deveres e as obrigações militares”.

Em respeito ao príncipio da legalidade, o RDE traz o anexo 1, onde estão


catologadas as ações que podem ser consideradas como transgressões disciplinares.
Por lógico, tal lista deve ser considerada como fechada, ou seja, rol taxativo (numerus
clausus), não havendo possibilidade de interpretação para acrescentar novas
transgressões.

O art. 51 do RDE elenca a gradação do comportamento militar, que poderá


ser excepcional, ótimo, bom, insuficiente ou mau. Ao adentrar na vida castrense o
militar adquire, desde já, o comportamento “bom” (paragrafo terceiro, do art. 51), e,
com o decorrer do tempo, poderá atingir o comportamento excepcional ou mau, de
acordo com o seu nível de acomodamento com a disciplina da caserna.

Sendo assim, o que faz a pessoa progredir no comportamento é o tempo e a


quantidade de punições que eventualmente pode ter recebido.

No presente estudo o que nos interessa é entender que aquele que está
cumprindo o serviço militar obrigatório, também chamado de Recruta, para que seja
licenciado a bem da disciplina, como primeiro requisito, deverá regredir do
comportamento “bom”, passar pelo insuficiente, e chegar ao “mau” (embora haja casos
em que se pode cair diretamente para o comportamento “mau”, como nos mostram o
parágrafo 6º e a alínea “b”, do inciso V, ambos do art. 51).

Ao que nos parece, em determinado momento do serviço militar obrigatório, o


jovem perde o interesse pela caserna e passa a se comportar de maneira a dar azo às
mais variadas transgressões disciplinares. Tal fato, em regra, inicia-se a partir do
segundo semestre do ano de instrução.

Uma vez que este militar tenha atingido o comportamento “mau”, o


Comandante da Organização Militar providenciara o competente processo
administrativo de licenciamento a bem da disciplina (para o Exército leia-se
sindicância), como bem mostra o art 141, do Regulamento da Lei do Serviço Militar
(Decreto 57.654, de 20 de janeiro de 1966):
Art. 141. A expulsão ocorrerá:
13 
 

1) por condenação irrecorrível resultante da prática do crime comum ou


militar de caráter doloso;
2) pela prática de ato contra a moral pública, pundonor militar ou falta grave,
que, na forma da lei ou de regulamentos militares, caracterize o seu autor
como indigno de pertencer às Fôrças Armadas; ou
3) pela prática contumaz de faltas que tornem o incorporado, já
classificado no mau comportamento, inconveniente à disciplina e à
permanência nas fileiras. (sem grifo no original)
Isso posto, poderíamos nos perguntar, qual o significado deste item 3) ? Será
correto abrirmos o procedimento administrativo tão logo o militar atinja o
comportamento “mau”, ou seria mais consentâneo à letra da lei aguardar por outras
transgressões disciplinares? Ao que nos parece há uma margem de dúvida no
dispositivo, que deveria ser dirimida com o postulado básico em direito sancionador,
quer seja, na dúvida deverá ocorrer a interpretação que mais prestigie a dignidade do
transgressor.

Utilizamos a expressão “deveria” (logo acima), pois o que normalmente ocorre


nos quartéis é a consequente abertura do processo administrativo, tão logo seja
publicada em boletim interno a punição que empurrou o militar para o comportamento
“mau”. Sendo assim, a prática é não aguardar por novas transgressões disciplinares (o
que entendemos equivocado).

2.4 - O Processo Administrativo que possibilita o licenciamento

De acordo com o inciso VIII, do art. 94 da Lei 6.880/80 e art. 138 do Decreto
57.654/66, que regulamentou a Lei 4.375/64 (Lei do Serviço Militar), o serviço ativo das
Forças Armadas será interrompido pela expulsão (ou licenciamento a bem da
disciplina).

Para que o militar seja licenciado a bem da disciplina (excluído, expulso) será
imprescindível a realização de um processo administrativo, garantindo-lhe os direitos
constitucionais de contraditório e de ampla defesa. Sendo assim, a partir do ingresso
do militar no comportamento mau, faz-se necessário proceder de acordo com o que
consta no art. 32 do RDE, nos seguintes termos:

Art. 32. Licenciamento e exclusão a bem da disciplina consistem no


afastamento, ex officio, do militar das fileiras do Exército, conforme prescrito
no Estatuto dos Militares.
§ 1o O licenciamento a bem da disciplina será aplicado pelo Comandante
do Exército ou comandante, chefe ou diretor de OM à praça sem
estabilidade assegurada, após concluída a devida sindicância, quando:
14 
 

I - a transgressão afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da


classe e, como repressão imediata, se torne absolutamente necessário à
disciplina;
II - estando a praça no comportamento "mau", se verifique a impossibilidade
de melhoria de comportamento, como está prescrito neste Regulamento; e
III - houver condenação transitada em julgado por crime doloso, comum ou
militar.
Pelo magistério do professor Dirley da Cunha Junior, em seu Curso de Direito
Administrativo, editado pela Editora Juspodivm, podemos identificar o conceito de
Processo Administrativo, nos seguintes termos: “Entende-se por Processo
Administrativo um conjunto de atos coordenados e interdependentes necessários a
produzir um ato ou uma decisão final concernente ao desempenho de alguma função
ou atividade administrativa, independentemente de solucionar controvérsias ou não 7 ”.

Para o eminente Diógenes Gasparini o conceito de Processo Administrativo


deve ser o seguinte: (...) conjunto de atos ordenados, cronologicamente praticados e
necessários a produzir uma decisão sobre certa controvérsia de natureza
administrativa 8 .

No Exército Brasileiro o instrumento adotado como processo administrativo


para a finalidade do licenciamento a bem da disciplina e a própria sindicância. Algo que
para muitos poderia soar estranho, pois este instrumento seria de cunho sigiloso
(inquisitivo), como nos moldes de um inquérito penal.

A Portaria 107, de 13 de fevereiro de 2012, que aprova as instruções gerais


para a elaboração de sindicância no âmbito do Exército Brasileiro (EB 10-IG-09.001) é
o documento utilizado para proceder e organizar os trabalhos de identificação da
necessidade de se adotar a medida de licenciamento a bem da disciplina.

No artigo 2o desta Portaria podemos colher o conceito de Sindicância,


lastreado nos seguintes termos: “Art 2. A sindicância é o procedimento formal,
apresentado por escrito, que tem por objetivo a apuração de fatos de interesse da
administração militar, quando necessário pela autoridade competente, ou de situações
que envolvam direitos”.

 
7
Junior, Dirley da Cunha, Curso de Direito Administrativo, 12ª Edição, Salvador, Editora juspodivm,
2013, pg 585.
8
Gasparini, Diogenes, Direito Administrativo, 12ª Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2007, pg 933.
15 
 

A Sindicância será instaurada por ordem da autoridade competente (entre


elas, o Comandante do transgressor), tendo prazo de 30 dias para ser concluída,
sendo admitida sua prorrogação por 20 dias (art 10). O objetivo da Sindicância em
análise é a averiguação da possibilidade de melhoria do comportamento do
transgressor, sendo imprescindível também para os esclarecimentos dos fatos em
homenagem ao devido processo legal.

Este instrumento garante ao sindicado a possibilidade de participação no


convencimento da autoridade que, ao final, irá analisar o seu conteúdo, bem como
manifestar seu entendimento sobre a necessidade ou não do licenciamento. São
garantidos ao administrado a ampla defesa e o contraditório, como bem mostram os
artigos 15 e 16:
Art. 15. A sindicância obedecerá aos princípios do contraditório e da ampla
defesa, com a utilização dos meios e recursos a ela inerentes.
Parágrafo único. Para o exercício do direito de defesa será aceita qualquer
espécie de prova admitida em direito, desde que não atente contra a moral,
a saúde ou a segurança individual ou coletiva, ou contra a hierarquia, ou
contra a disciplina.
Art. 16. O sindicado tem o direito de acompanhar o processo, apresentar
defesa prévia e alegações finais, arrolar testemunhas, assistir aos
depoimentos, solicitar reinquirições, requerer perícias, juntar documentos,
obter cópias de peças dos autos, formular quesitos em carta precatória e
em prova pericial e requerer o que entender necessário ao exercício de seu
direito de defesa.

Em que pese o processo em análise garantir a ampla defesa e o contraditório,


nossa experiência vem observando um descompasso entre o conteúdo formal dos
manuais e aquilo que efetivamente se dá na prática. Não se está aqui dizendo que a
Instituição permite o desrespeito a estas garantias (direitos) constitucionais, pelo
contrário, atualmente a administração militar marcha em uníssono com os princípios
democráticos garantistas. Não obstante, o que vemos é a falta de conhecimento e a
imaturidade do (jovem) militar que enfrenta um processo de tamanha importância.

O que ocorre na prática, não sendo exagero afirmar, é que quase a


unanimidade dos casos de licenciamento a bem da disciplina observados se dão sem a
efetiva participação do administrado. Ocorre que o militar não faz uso de suas
prerrogativas e, sendo assim, não contribui para a tomada de decisão da autoridade
que possui esta atribuição. Também não se está afirmando que o militar deverá fazer
uso de uma defesa técnica (advogado), até porque, “concluiu a Suprema Corte que não
16 
 

se faz necessária a presença de advogado no processo administrativo disciplinar” 9 . Tal


assertiva já consta inclusive na Sumula Vinculante número 5: “A falta de defesa técnica
por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.
O procedimento realizado é relativamente simples, devendo ser juntados
durante os trabalhos o maior número de provas possíveis com o objetivo de avaliar a
situação em que se encontra o transgressor e a possibilidade de melhoria de seu
comportamento. Para tanto deve-se juntar sua ficha disciplinar, ouvir testemunhas para
esclarecimentos de fatos etc., sempre oportunizando ao sindicado a possibilidade de
influenciar no desfecho deste processo.

A questão da possibilidade de melhoria de comportamento é algo que, sob


certo aspecto, possui cunho objetivo, como prescreve o parágrafo 7º, do artigo 51, do
RDE, nos seguintes termos:
Art. 51. O comportamento militar da praça abrange o seu procedimento civil
e militar, sob o ponto de vista disciplinar.
§ 7o A melhoria de comportamento é progressiva, devendo observar o
disposto no art. 63 deste Regulamento e obedecer aos seguintes prazos e
condições:
I - do "mau" para o "insuficiente":
a) punição disciplinar: dois anos de efetivo serviço, sem punição;

Devemos lembrar que o serviço militar obrigatório possui prazo máximo de um


ano (art. 12, do RLSM), e que o militar só poderá permanecer por mais tempo no caso
de conseguir engajamento ou reengajamentos (característica de voluntariado,
conforme art 128, do RLSM). Por outro lado, o engajamento e os reengajamentos
serão concedidos de acordo com o mérito de cada militar, sem descurar do poder
discricionário do administrador (comandante de OM) que possui a prerrogativa de
conceder, ou não, o aval para a permanência dos militares interessados (por óbvio, a
linha a ser adotada será sempre o interesse público).

Diante do exposto, podemos observar que se torna algo extremamente difícil


para o militar que está no comportamento “mau”, conseguir engajamento e
reengajamento para, passados dois anos, surgir a oportunidade de alterar seu
comportamento para o “insuficiente”.

 
9
De Lima, Renato Brasileiro, Manual de Processo Penal, 2ª Edição, Salvador, Editora Juspodivm, 2014,
pg 66.
17 
 

No entanto, ha uma possibilidade (muito remota) de permanência por mais


tempo no serviço ativo, surgindo a esperança de se alterar o comportamento, evitando-
se o licenciamento. É o que consta nos §§ 1º e 2º, do art. 21 do RLSM, assim
enunciados:
§ 1º Os Ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica poderão reduzir até
dois meses ou dilatar até seis meses a duração do tempo de Serviço Militar
inicial dos brasileiros incorporados às respectivas Forças Armadas.
§ 2º Em caso de interesse nacional, a dilação do tempo de Serviço Militar
dos incorporados além de 18 (dezoito) meses poderá ser feita mediante
autorização do Presidente da República.

Analisando o que ate agora foi esboçado, chegamos a triste impressão de


que o militar, ao encarar o processo administrativo de licenciamento, já se apresenta
como derrotado, tamanha é a dificuldade de se conseguir fazer prova em sentido
contrário.

2.5 – Consequências do licenciamento a bem da disciplina

Como já citado acima, as instituições militares elegeram os princípios da


hierarquia e da disciplina (art 42 e 142 da CRFB 88) como base para conduzir seus
trabalhos, de se organizar. Sendo assim, foram criadas normas de conduta que
objetivam conduzir a rotina dos militares, que ora podem aplicar punições disciplinares
(no caso de desajustes), ora conceder benefícios como elogios, dispensas, promoções
etc. (para aqueles que se enquadram no estilo de vida militar).

Nesta senda, vemos que a punição de licenciamento do serviço militar é aquela


que apresenta maior gravidade. Trata-se da última ação disciplinar a ser adotada pela
autoridade militar no intuito de manter a hierarquia e a disciplina dentro da instituição
militar. O motivo para isso não é difícil de se entender, pois o que se procura é evitar a
desordem, o que poderia colocar em risco a manutenção dos princípios basilares da
vida castrense.

Como o serviço militar em nosso país é de cunho obrigatório, não se poderia


simplesmente colocar para fora um cidadão que comprovadamente não se adaptou à
vida militar (por diversos motivos) e, por outro lado, deixar de impor sanções
administrativas (limitação de direitos).
18 
 

Vemos que o militar que for licenciado receberá o certificado de isenção, de


acordo com o que diz o art. 209 combinado com o número 3, do parágrafo 3º, do art.
165, tudo do RLSM. Por conclusão lógica, este somente estará quite com o Serviço
Militar após a sua reabilitação, que poderá ocorrer após o período de dois anos
contados da data de sua exclusão. Sendo assim, não se pode confundir o fato de
possuir o certificado de isenção (que comprova a situação militar), com a quitação do
serviço militar (estar em dia).

Este cidadão ficará submetido a algumas restrições em sua vida civil, de


acordo com o que podemos observar no conteúdo do art. 210 do regulamento em
análise, vejamos:
Art. 210. Nenhum brasileiro, entre 1º de janeiro do ano em que completar 19
(dezenove) e 31 de dezembro do ano em que completar 45 (quarenta e
cinco) anos de idade, poderá, sem fazer prova de que está em dia com as
suas obrigações militares:
1) obter passaporte ou prorrogação de sua validade;
2) Ingressar como funcionário, empregado ou associado em - instituição,
empresa ou associação oficial, oficializada ou subvencionada ou cuja
existência ou funcionamento dependa de autorização ou reconhecimento do
Governo Federal, Estadual, dos Territórios ou Municipal;
3) assinar contrato com o Governo Federal, Estadual, dos Territórios ou
Municipal;
4) prestar exame ou matricular-se em qualquer estabelecimento de ensino;
5) obter carteira profissional, registro de diploma de profissões liberais,
matrícula ou inscrição para o exercício de qualquer função e licença de
indústria e profissão;
6) inscrever-se em concurso para provimento de cargo público;
7) exercer, a qualquer título, sem distinção de categoria ou forma de
pagamento, qualquer função pública ou cargo público, eletivos ou de
nomeação, quer estipendiado pelos cofres públicos federais, estaduais ou
municipais, quer em entidades paraestatais e nas subvencionadas ou
mantidas pelo poder público;
8) receber qualquer prêmio ou favor do Governo Federal, Estadual, dos
Territórios ou Municipal.
Parágrafo único. Para fins deste artigo, constituem prova de estar o
brasileiro em dia com as suas obrigações militares os documentos citados
nos nºs 1 a 10 do artigo 209 deste regulamento (...). (grifo nosso)

Enunciadas as consequências da expulsão, verdadeiras limitações ao gozo de


direitos individuais, deve-se questionar a respeito da recepção, ou não, pela
Constituição Federal de 1988, de tais regras.

Logo no art. 1º da CF/88 vemos os princípios fundamentais da República,


enunciados nos seguintes termos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.
19 
 

Entendemos que algumas restrições impostas acima estão na contramão do


espírito do legislador constitucional de 1988, considerando o compromisso do povo
brasileiro (em especial) com os princípios da cidadania, dignidade da pessoa humana 10
e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Por isso cremos que, ao menos os
itens 4 e 5 do artigo supracitado, foram revogados por não recepção pela nova ordem
constitucional.

Noutro giro, de acordo com o § 2º, do art. 141 do RLSM, o militar expulso
deverá ser apresentado com ofício informativo da causa da expulsão, à autoridade
policial local. Mas por qual motivo isso deverá ser feito? Sabemos que a penalidade
(gênero) imposta está relacionada apenas ao âmbito administrativo, não havendo que
se falar em cumprimento de pena (esta deverá ser imposta somente por autoridade
judiciária). Sendo assim, podemos vislumbrar que esta comunicação está relacionada
aos critérios enunciados no art. 59 do Código Penal Brasileiro. Observe: Na fixação da
pena – “art 59 CP. O juiz, atendendo a culpabilidade, aos antecedentes, a conduta
social, a personalidade do agente (...)”. Com efeito, a situação de expulso do serviço
militar poderá servir como circunstância judiciária no cálculo da pena base (1ª fase) no
caso de cometimento de crime.

2.6 – Da reabilitação

De acordo com o art. 32 da Lei 6.880/80, a reabilitação se dará de acordo com


o previsto na legislação que trata do serviço militar, ou seja, remete-se assim à Lei
4.375/64 e ao Decreto 57.654/66.

A reabilitação possui como seu principal efeito dar ao cidadão a devida


quitação com o serviço militar. Isso ocorre pois quando o militar é excluído do Exercito
Brasileiro recebe apenas o certificado de isenção. Neste sentido é o constante no artigo
133 da Lei 6880, observe:
Art. 133. A concessão da reabilitação implica em que sejam cancelados,
mediante averbação, os antecedentes criminais do militar e os registros
 
10
Neto, Silvio Beltrameli, Direitos humanos, Salvador, Editora juspodivm, 2014, pg 26. De acordo com o
autor o desenvolvimento da noção de dignidade da pessoa humana deita raízes na constatação de que, na
essência, todo ser humano é livre e goza dos mesmos direitos básicos, verificando-se, portanto, que a dignidade
da pessoa humana guarda indissociável proximidade com a liberdade e a igualdade (isonomia).
20 
 

constantes de seus assentamentos militares ou alterações, ou substituídos


seus documentos comprobatórios de situação militar pelos adequados à
nova situação.

O conceito de quitação é encontrado no item 17, do art. 3º, do RLSM, nos


seguintes termos:
17) estar em dia com as obrigações militares - É estar o brasileiro com sua
situação militar regularizada, com relação às sucessivas exigências do
Serviço Militar. Para isto, necessita possuir documento comprobatório de
situação militar, com as anotações fixadas neste Regulamento, referentes
ao cumprimento das obrigações posteriores ao recebimento daquele
documento. Esta expressão tem a mesma acepção de "estar quite com o
Serviço Militar", constante de legislação comum, anterior. (sem grifo no texto
original)

Decorridos dois anos da data da expulsão, o cidadão poderá solicitar sua


reabilitação, que deverá ser encaminhada ao Comandante da Região Militar que gerou
o certificado de isenção (com possibilidade de se utilizar também o órgão alistador) e,
uma vez reabilitado, terá direito de substituir seu atual certificado pelo certificado de
Dispensa de Incorporação ou pelo de Reservista, de acordo com o nível de instrução
alcançado (paragrafo 6º, do art. 110, do RLSM).

Neste mesmo sentido, mas com maiores detalhes encontramos o art. 33 do


Regulamento Disciplinar do Exército, nos seguintes termos:
Art. 33. A reabilitação dos licenciados ou excluídos, a bem da disciplina,
segue o prescrito no Estatuto dos Militares e na Lei do Serviço Militar, e sua
concessão obedecerá ao seguinte: I - a autoridade competente para
conceder a reabilitação é o comandante da região militar em que o
interessado tenha prestado serviço militar, por último; II - a concessão será
feita mediante requerimento do interessado, instruído, quando possível, com
documento passado por autoridade policial do município de sua residência,
comprovando o seu bom comportamento, como civil, nos dois últimos anos
que antecederam o pedido; (...) V - a autoridade que conceder a reabilitação
determinará a expedição do documento correspondente à inclusão ou
reinclusão na reserva do Exército, em conformidade com o grau de
instrução militar do interessado.

3. CASO PRÁTICO ILUSTRATIVO


O Soldado José da Silva incorporou ao Exército Brasileiro no dia 1º de março
de 2013, e, de acordo com o § 3º, do art. 51 do RDE, teve seu comportamento
classificado como “bom”. Durante o período básico de instrução o Recruta foi
submetido a várias instruções que o fizeram, em pouquíssimo tempo, adquirir os
conhecimentos necessários para a vida castrense. Tudo estava indo muito bem,
inclusive o militar já havia sido indicado para realizar o curso de Cabo. Não obstante, o
Soldado Da Silva, pela proximidade, passou a interagir com outros militares que,
21 
 

digamos, não estavam muito interessados no modelo de vida apresentada pelas


Forças Armadas. Sendo assim, pela má influência, o Soldado Da Silva passou a não
observar as orientações de seus colegas e superiores hierárquicos. Nosso militar
começou a cometer transgressões disciplinares que passaram a influenciar em seu
comportamento, vejamos:
a. No dia 30 de julho foi punido com repreensão por ter chegado atrasado na
parada diária do dia em que estava de serviço de sentinela;
b. No dia 15 de agosto, por ter comparecido com uniforme diferente do previsto
em uma sessão de treinamento físico militar, recebeu a punição de 3 dias de cadeia;
c. No dia 20 de setembro foi punido com 5 dias de prisão por ter cantado em
inglês, durante o desfile de 7 de setembro, o hino nacional.
Observou-se que todas as punições foram aplicadas pela autoridade
competente, tendo sido disponibilizado ao militar o contraditório e a ampla defesa, de
acordo com o que prescreve § 1º, do art. 35 do RDE.
Por ter sofrido as punições acima descritas o Sd Da Silva teve seu
comportamento reclassificado para “mau” (letra a, do item 5, do § 1º, do art. 51, tudo do
RDE).
Ato contínuo, o Comandante da Unidade onde servia abriu Sindicância para
verificar a possibilidade de melhoria de seu comportamento, tudo conforme previsto no
item II, do § 1º, do art. 32 do RDE.
Decorrido o prazo de 30 dias, o Sindicante apresentou proposta de solução
para autoridade competente que, após analise, determinou o licenciamento a bem da
disciplina do Sd Da Silva, considerando que o militar não possuía condições de
melhoria de comportamento no período de 2 anos.
Muito entristecido e envergonhado da situação em que se encontrava, o ex
militar só pensava em voltar a trabalhar em seu antigo emprego e, desta forma, dar
continuidade em sua vida.
Sendo assim, o Senhor José da Silva apresentou-se ao seu antigo
empregador, solicitando a continuidade do vinculo empregatício. Passados 10 dias,
José foi demitido sem justa causa. Curioso em saber o que havia acontecido, foi
conversar com um colega do setor de Recursos Humanos da empresa que, em
segredo, confessou-lhe que o real motivo de sua demissão era o fato de José ter sido
licenciado do Exército a bem da disciplina, pois o empregador também já havia sido
militar e considerou arriscado mantê-lo nos quadros da empresa.
22 
 

Sem condições de arrumar outro emprego, pois as portas sempre estavam


fechadas, resolveu procurar a Defensoria Pública para saber o que poderia fazer a
respeito.
O Defensor, buscando subsídios para a melhor defesa, encaminhou expediente
ao Comandante da Organização militar e solicitou uma cópia dos assentamentos e da
sindicância realizada. Ao analisar os procedimentos teve a impressão de que tudo
havia sido realizado na mais estrita legalidade. No entanto, percebeu que havia uma
grande desproporcionalidade entre as transgressões disciplinares cometidas e as
punições impostas (inciso I, do art. 37 do RDE). Também observou que em nenhum
momento o então Soldado da Silva conseguiu realizar uma boa argumentação com o
objetivo de influenciar a autoridade que iria tomar a decisão.
Com fulcro nesse entendimento, o defensor ajuizou ação na Justiça Federal
(justiça comum) solicitando o reconhecimento da nulidade do ato administrativo do
Comandante daquela OM, com base na falta de razoabilidade e proporcionalidade,
bem como a reintegração do ex militar ao Exercito Brasileiro, com pagamento dos
salários que deixaram de ser pagos durante todo o período que esteve fora e, por
último, um valor monetário a titulo de indenização por danos morais.
O caso ilustrado acima não passa de uma ficção, no entanto, entendemos que
é plenamente possível ocorrer na vida real. Com a facilidade de informações e com a
possibilidade de se conseguir assessoria jurídica de órgãos do Governo, casos como o
ilustrado acima começarão a tramitar pelo Judiciário brasileiro.

4. CONCLUSÃO

Cabe asseverar que estas poucas linhas aqui dedicadas ao entendimento do


instituto do licenciamento a bem da disciplina no Exército Brasileiro, fazem menção a
uma simples introdução ao tema. Muitos outros aspectos ainda merecem ser
analisados com maior profundidade.

Verificamos que nos dias atuais o serviço militar, para uma grande parcela de
brasileiros, é sinônimo de garantia de um primeiro emprego, sendo assim, a maioria
dos jovens que são convocados para a prestação do serviço militar obrigatório, na
realidade são voluntários.
23 
 

Por outro lado, diante da falta de estrutura familiar e social que assola a nossa
nação (falta de princípios básicos de convivência), o jovem muitas vezes não se adapta
aos costumes da caserna. Ao adentrar pelos portões do Quartel o cidadão traz sua
experiência de vida e muitas vezes não consegue internalizar o novo ritmo proposto.
Sendo assim, alguns militares passam a realizar condutas desviantes dos
regulamentos internos das organizações militares.

Caso persista em realizar tais condutas, este militar estará sujeito aos rigores
do Regulamento Disciplinar do Exército. Com isso, seu comportamento poderá atingir o
nível mais baixo (denominado “mau comportamento”), o que poderá deflagrar o
procedimento administrativo para seu licenciamento a bem da disciplina.

Durante este processo, o que vemos, a rigor, não é a impossibilidade de se


defender, pois formalmente está garantido ao militar o devido processo legal. O que
vem ocorrendo, na prática, é a falta de defesa substancial para que haja a possibilidade
de, ao final do processo, existir um maior equilíbrio entre a defesa e a força do Estado-
administração.

Noutro giro, também se faz importante questionar a forma com que se dá o


atual serviço militar, embora este não seja o objeto de nosso estudo. Algumas coisas
precisam ser revistas, entre elas a profissionalização deste efetivo incorporado
anualmente. Em nossos dias podemos notar um descompasso entre a grande
aquisição de novos e modernos equipamentos e a valorização do ser humano
(especificamente o recruta).

Por fim, vemos que algumas das restrições impostas àqueles que foram
excluídos a bem da disciplina, mostram-se, a nosso sentir, capazes de ferir a dignidade
da pessoa humana, sendo assim, provavelmente poderiam ser questionadas em ações
específicas.
24 
 

REFERÊNCIAS:

Brasil. Planalto. Regulamento Disciplinar do Exercito. Disponivel em


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4346.htm. Acesso em 08 de Julho
de 2014.

DE LIMA, RENATO BRASILEIRO, Manual de Processo Penal, 2ª Edição, Salvador,


Editora Juspodivm, 2014.

Escola de Comando do Estado Maior do Exercito. Serviço Militar Obrigatório: a


alternativa adequada. Disponivel em <http;;eceme.ensino.eb.br> Acesso em 12 de
maio de 2014.

GASPARINI, DIOGENES, Direito Administrativo, São Paulo, Editora Saraiva, 12ª


Edição, 2007.

GRAU, EROS ROBERTO, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do


direito, 3ª edição, São Paulo. Malheiros Editores, 2005.

JUNIOR, DIRLEY DA CUNHA, Curso de Direito Administrativo, Salvador, Editora


juspodivm, 12ª Edição, 2013.

NETO, SILVIO BELTRAMELLI, Direitos humanos, Salvador, Editora juspodivm, 2014.

VALLA, WILSON ODIRLEY. Deontologia Policial Militar – Etica Profissional. 3ª edição,


Curitiba: Publicações Tecnicas da Associação Vila Militar, 2003. Volume II.

16ª Circunscrição do Serviço Militar. Origem do Serviço Militar. Disponivel em http//


www.16csm.eb.mil.br. Acesso em: 12 de maio de 2014.
 

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