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Uma festa de origem indígena

O Dia de los Muertos já era celebrado pelos povos nativos mesoamericanos – maias, astecas, purépechas e
totonacas – muito antes da conquista espanhola (séc. XVI) e, portanto, é anterior à penetração do cristianismo
no continente.
Nos 18 meses do calendário asteca, havia pelo menos seis festejos dedicados aos mortos. Era comum a
prática de conservar os crânios como troféus e mostra-los durante os rituais que simbolizavam morte e
renascimento. Dois meses eram consagrados aos mortos: em Tlaxochimaco, o nono mês do ano asteca
quando se celebrava a pequena festa dos mortos por volta de 16 de julho, com oferendas de flores; em
Ueymicailhuitl, o décimo mês, ocorria a grande festa dos mortos, cerca do dia 5 de agosto, com sacrifícios
humanos, muita comida e oferendas aos antepassados, estas últimas deram origem aos atuais altares dos
mortos.

Uma outra visão sobre a vida e a morte


Nossa visão sobre a vida e a morte está profundamente marcada pelo pensamento judaico-cristã, segundo
o qual, vida e morte se opõem de maneira excludente. A morte não é imanente ao mundo, não é natural, mas
a consequência de uma desobediência a Deus. O destino da alma é o Céu ou o Inferno (dicotomia atenuada
com a criação do Purgatório). Sob essa ótica, nossa noção de tempo é linear, começando em um passado
remoto e se dirigindo ao futuro.
A cosmovisão asteca é diferente. Vida e morte não são excludentes, mas fazem parte de uma mesma
dinâmica que se retroalimenta. A morte é entendida como fim de um ciclo e princípio de outro, não tem a
carga moral do cristianismo atual e nem estava sujeita ao inferno punitivo ou ao céu paradisíaco. Para os
astecas, o lugar de destino do morto não dependia de suas ações quando vivo, mas da maneira como ele
morreu. De acordo com isso, havia três destinos para os mortos:
 Omeyacan, paraíso do sol, presidido como Huitzilopochtli, o deus da guerra e protetor dos astecas. Ali
chegavam os guerreiros mortos em combate, os sacrificados e as mulheres que morriam ao dar à luz. Os
mortos que viviam em Omeyocan, depois de quatro anos, voltavam ao mundo, na forma de aves de belas
plumagens coloridas.
 Tlalocan, o país de Tlaloc, o deus da chuva, era um jardim de flores permanentes, lugar de abundância
e repouso para onde iam as almas dos afogados, dos que morriam atingidos por um raio ou por enfermidades
causadas pela água.
 Mictlán, a terra da maioria dos mortos que recebia aqueles que tiveram uma morte natural. Era um
país de trevas e de frio, presidido pela deusa Mictecacihuatl, “senhora da morte”, esposa de Mictlanlecuhtli,
senhor do reino dos mortos. Tinha nove níveis ou regiões que o morto deveria atravessar enfrentando
obstáculos que expressavam os estágios de decomposição do corpo e os tormentos infligidos pelos monstros
devoradores. Depois de quatro anos, quando toda a carne havia desaparecido e só restavam os ossos, a
morte estava terminada e o morto, então, podia descansar na presença de Mictecacihuatl e Mictlantecuhtli,
a senhora e o senhor dos mortos. Mictlantecuhtli e Mictecacihuatl, senhor e senhora de Mictlán, o reino dos
mortos. Mictlantecuhtli e Mictecacihuatl, senhor e senhora de Mictlán, o reino dos mortos.
Vida e morte no mesmo espaço-tempo
Para os astecas, Mictlán tinha um duplo caráter: além de lugar dos mortos era, também, onde germinava a
vegetação e fornecia o alimento que nutre os homens. Local que gera a vida e para onde se regressa.
A mesma ideia de vida e morte estava associada ao ventre feminino – considerado um submundo fecundo.
O ventre que abriga a criança que está por nascer é, por analogia, Mictlán. A convergência de ideias se
manifesta na língua: em náhuatl chama-se óztotl a cova onde se coloca o morto, e ótztic, a gravidez. O
nascimento é vida mas pode também levar à morte da mãe.
Mictlán além de terra dos mortos também era o lugar que deu origem à humanidade atual. Na mitologia
asteca, o deus Xolotl, na forma de um cão-esqueleto com os pés virados para trás, trouxe de Mictlán as
ossadas secas de uma antiga raça e elas foram fecundadas pelo sangue dos deuses do céu e do herói
civilizador Quetzalcóatl. Surgiu assim o homem primordial, gerado dos ossos dos mortos e do sangue dos
deuses.

A festa dos mortos: no passado e hoje


Nos 18 meses do calendário asteca, havia pelo menos seis festejos dedicados aos mortos. Dois meses eram
consagrados aos mortos: em Tlaxochimaco, o nono mês do ano asteca correspondendo a julho quando se
celebrava a pequena festa dos mortos com oferendas de flores; e Hueymiccailhuitl, o décimo mês,
equivalente a agosto e setembro, quando ocorria a grande festa dos mortos.
Os astecas (e outros povos da Mesoamérica) possuíam extensas e elaboradas cerimônias para os mortos
com rituais diferenciados para adultos e crianças. Era comum a prática de conservar os crânios como troféus
e mostrá-los durante os rituais que simbolizavam morte e renascimento. A evangelização e consequente
proibição dessas festas acabaram fundido costumes e crenças antigas às festas cristãs.
As festas astecas para os mortos foram reunidas no Dia de Finados (2 de novembro) mas, na prática, elas
começam antes, no dia 31 de outubro. Diversos elementos das crenças antigas ainda subsistem em meio à
liturgia da missa e às orações cristãs, o que torna o Dia de los Muertos (dia dos mortos) mexicano uma festa
muito peculiar.
Segundo a crença popular, nesses dias os mortos têm permissão divina para visitar parentes e amigos. No
dia 1º de novembro vêm as almas das crianças, e no dia 2, as dos adultos. Para receber seus entes falecidos,
as pessoas enfeitam suas casas com flores, velas e incensos, preparam suas comidas e bebidas preferidas,
vestem roupas com esqueletos pintados ou se fantasiam de morte – uma maneira de deixar os mortos mais
confortáveis no mundo dos vivos.
São elementos típicos do Dia dos Mortos mexicano:
 Esqueletos: como fantasia ou bonecos em tamanho natural, eles estão por todo lado, nas casas e nas
ruas, recepcionando os mortos que nesses dias perambulam pela cidade visitando seus parentes e amigos.
Alguns esqueletos são vestidos ou levam objetos que os identificam: bengala, chapéu, bolsa, bola, bicicleta
etc.
 La Catrina: trata-se do esqueleto de uma dama da alta sociedade do início do século XX, trajada
elegantemente e usando um belo chapéu. Seu nome vem do desenho La Calavera de la Catrina (“A caveira
de Catrina”), do artista mexicano José Guadalupe Posada (1852-1913), que faz parte de uma série de
caveiras humorísticas destinadas a lembrar que as diferenças sociais não significam nada diante da morte.
O desenho popularizou-se e La Catrina foi incorporada à Festa de los Muertos como uma espécie de Dama
da Morte, uma Mictecacihuatl contemporânea. La Catrina, mural de Diego Rivera “La Catrina”, no mural
“Sueño de una tarde dominical en la Alameda Central” (detalhe), de Diego Rivera. Ele se retrata como criança
junto à esposa Frida Khalo (à esquerda) e de José Guadalupe Posada (à direita), o criador de “La Catrina”.
 La Llorona (“A Chorona”): figura fantasmagórica do imaginário popular mexicano, o espírito de uma
mulher que perambula pela noite chorando a morte de seus filhos. Sua origem remete à mitologia pré-
hispânica da deusa Cihuacóatl que emergiu do lago Texcoco para chorar a morte de seus filhos (os astecas)
prevendo seu fim próximo. Outra versão, diz se tratar do espírito de Malinche, a indígena que acompanhou
Hernán Cortés e teve papel importante na conquista do México que, por ter traído seu povo, virou alma
penada. Há diversas outras versões mas, seja qual for, a figura de La Llorona acabou se fundindo à de La
Catrina.
 Altares e oferendas: na impossibilidade de se visitar o túmulo (pela distância ou porque ele já não
existe), as famílias montam altares em suas próprias casas nos quais colocam fotos do(s) morto(s) e
representações dos quatro elementos: água, frutos (terra), vela (fogo), incenso e papéis recortados (ar).
Completam o altar com os objetos favoritos do falecido ou brinquedos se for uma criança, comidas, bebidas,
sal, flores, cobertores ou poncho (para aquecer o morto) etc. Uma cruz, na parte superior do altar junto à
imagem do defunto, feita de sal, cinza ou terra lembra a máxima cristã: “Lembra-te que és pó e ao pó voltarás”.
Altar dos mortos para Maria Félix. Altar para Maria Félix, famosa atriz e cantora mexicana falecida em 2002.
 Portal dos mortos: um arco de flores que simboliza a entrada por onde os espíritos poderão passar
para visitar os vivos.
 Pão de mortos: um pão doce polvilhado de açúcar. Apesar de ser um pão simples, não é consumido
durante o ano pois é reservado exclusivamente para a festa do Dia dos Mortos.
 Caveiras de açúcar: doces em forma de caveira com o nome do morto e que são dados às crianças.
 Flores: girassol, rosas e, especialmente, crisântemos amarelos são usados em profusão para decorar
túmulos e altares. Elas simbolizam a beleza e a transitoriedade da vida.

Patrimônio Cultural Imaterial


Em 2003, o Dia de los Muertos foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco que
a considerou “uma das representações mais relevantes do patrimônio vivo do México e do mundo e como
uma das expressões culturais mais antigas e de maior força entre os grupos indígenas do país”.
A festividade mexicana é também comemorada nos Estados Unidos principalmente nos estados onde existe
uma comunidade de imigrantes mexicanos, caso do Texas, Arizona e Califórnia. Contudo, já se observa com
frequência cada vez maior, a penetração de elementos típicos do Halloween nos festejos do Dia de los
Muertos. Daí existir a preocupação dos próprios mexicanos em preservar o Dia de los Muertos como parte
do patrimônio cultural imaterial sobre outras celebrações similares.
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muertos-mexico/ - Blog: Ensinar História - Joelza Ester Domingues

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