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Ainda o doping e a fórmula omissiva: exploração da

teoria do bem jurídico como fórmula de


identificaçãodoautor – Still on Doping and the omission
formula: legal and criminal-political reasons

AINDA O DOPING E A FÓRMULA OMISSIVA: EXPLORAÇÃO DA TEORIA DO


BEM JURÍDICO COMO FÓRMULA DE IDENTIFICAÇÃODOAUTOR – STILL ON
DOPING AND THE OMISSION FORMULA: LEGAL AND CRIMINAL-POLITICAL
REASONS
Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 105/2013 | p. 179 - 203 | Nov - Dez / 2013
DTR\2013\11618

Paulo César Busato


Doutor em Problemas Atuais do Direito Penal pela Universidad Pablo de Olavide - Sevilha
(Espanha). Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná. Procurador de Justiça do
Ministério Público do Estado do Paraná.

Área do Direito: Penal; Desportivo


Resumo: No presente artigo se retoma a questão da tendência à criminalização do doping no Brasil,
adotando uma postura crítica. Para tanto, no plano político-criminal se aponta os reais fundamentos
latentes no fundo da pretensão de criminalização, especialmente uma perversão teórica. Identifica-se
o real bem jurídico como os valores econômicos envolvidos nas competições desportivas
profissionais. Como válvula de escape de uma possível criminalização aponta-se para a fórmula
omissiva, associada ao dever de fiscalização dos organizadores dos eventos esportivos.

Palavras-chave: Doping - Fundamentos de incriminação - Tipo omissivo.


Abstract: This article addresses the tendency to criminalize doping in Brazil in a critical manner. For
this purpose, considering a criminal-political scenario, we point to the real underlying fundamentals
behind the intention of criminalization, namely a theoretical perversion. Legal interest was defined as
the sums earned in professional sports events. Omission, together with the duty to inspect sports
events, is regarded as a possible escape valve to criminalization.

Keywords: Doping - Fundaments of incrimination - The omission formula.


Sumário:

1.Introdução - 2.Porque discutir o delito de doping - 3.A questão da expansão do direito penal e o
cenário do doping - 4.A manipulação discursiva da teoria do bem jurídico e o caso do doping - 5.O
verdadeiro bem jurídico: os valores econômicos implicados nos esportes de alto nível - 6.O resultado
associado ao esforço ou ao talento: os bons exemplos rendem resultados econômicos - 7.O
verdadeiro autor do crime de doping e o controle sobre sua realização - 8.A modalidade de
incriminação: a fórmula omissiva - 9.Considerações finais - 10.Referências bibliográficas

1. Introdução

O presente artigo retoma a questão da criminalização do doping no Brasil, porquanto não afastado
ainda o risco de que surja, brevemente, o emprego de Direito penal associado a esse fato social.

Portanto, a análise que me proponho no seguinte trabalho, dando continuidade a outro momento em
que já me manifestei sobre o assunto,1 é buscar outra forma de recorte do bem jurídico, já não pela
evidência dos problemas com as propostas até então apresentadas, visando firmar a opinião já
esposada de que o bem jurídico discutido tem caráter econômico, mas sim, fazê-lo por uma via de
crítica mais geral, relativa à instrumentalização da própria teoria do bem jurídico que é um problema
geral que se manifesta aqui em um caso específico.

Ver-se-á que a situação não trata simplesmente de uma análise de novos bens jurídicos e sim de
uma verdadeira perversão da própria teoria do bem jurídico, apropriada e disfarçada no sentido de
apresentar uma imagem de um falso bem jurídico capaz de justificar a incriminação para o público e
ocultar, ao mesmo tempo, o que verdadeiramente se tenta controlar.

Explorar-se-á a realidade sociológica do que se encontra no fundo da pretensão incriminadora.

A partir disso, apresenta-se a única fórmula aceitável de incriminação, que deve apontar para os
dirigentes desportivos e obedecer à fórmula omissiva.
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Finalmente, e de modo breve, adianta – contraditando – as possíveis objeções que possam ser
lançadas à referida fórmula.
2. Porque discutir o delito de doping

Como já multiplamente referido2 em vários países europeus, que costumam centralizar as tendências
político criminais, o doping já foi criminalizado.

Esta circunstância, aliada ao fato inarredável de que o Brasil sediará proximamente eventos
esportivos de vulto já adianta um cenário de que o fato aqui se repita.

De qualquer modo, convém deixar marcada, antes de tudo, uma posição contra a criminalização.
Esta posição, que também é partilhada por importante referência do direito desportivo brasileiro,3 foi
comungada antes já pelo próprio legislador brasileiro, com a oportuna rejeição do PL 2.784/2000, o
qual propunha a criminalização do doping deixando claras, nas razões pelo arquivamento, que os
motivos pelos quais considerava inoportuno que os casos de doping fossem convertidos em matéria
criminal constitua em exagero na compreensão do tema.

É bastante óbvio, a partir do recorte do princípio de intervenção mínima, que os casos de doping
podem perfeitamente ser resolvidos em instâncias não jurídicas, como por exemplo, a instância
arbitral.4 Quando muito, reclamam ser transferidos a uma via jurídica civil ou, no máximo,
administrativa, resultando evidente a subsidiariedade. Não é diferente quanto à fragmentariedade,
eis que, como se observará à frente, o bem jurídico afetado pelos casos de doping, de regra, não
supõe inviabilidade do desenvolvimento das vítimas em sua área respectiva.

Isto não impede reconhecer os riscos de possível incriminação em futuro breve. Tampouco sugere
postura de inércia.

O problema é que o cenário do momento de rejeição do primeiro projeto de criminalização do doping


no Brasil era muito diverso do atual. A realidade político criminal de nossos dias é de uma
subserviência estatal às pretensões – por vezes criminalizantes – dos organismos desportivos
internacionais.

O projeto de blindagem criminalizadora dos eventos desportivos de vulto, inclusive, já começou


através da chamada Lei Geral da Copa que utiliza matéria criminal inclusive em situações
evidentemente descritivas de situações onde seria correta e oportuna a aplicação do princípio de
intervenção mínima.5 Além disso, entrega-se a iniciativa de persecução completamente à seara
privada, deixando que o direito de mover a ação penal pertença à pessoa jurídica definida.6
3. A questão da expansão do direito penal e o cenário do doping

Uma visão mais apressada conduziria a atribuir a questão de criminalização do doping desportivo
como mais uma inovação do direito penal, mais um sintoma de um processo mais amplo de
expansão, dentro daquilo que Silva Sánchez qualificou de “novos interesses”.7

Creio ser difícil negar completamente o processo de expansão do Direito penal. Porém, penso que a
visão que se tornou um senso comum a respeito de tal processo de expansão é merecedora, no
mínimo, de um ajuste de sintonia fina.

É que, conquanto seja fato inarredável a ocorrência de uma progressiva ampliação do âmbito de
incriminação em números absolutos, parece-me não ser razoável atribuir a este fenômeno um
processo de expansão. Isto porque, bem considerados os fatores contributivos para a ocorrência do
fenômeno empírico crime é fácil constatar que todos eles encontram-se igualmente se expandindo. A
terra conta hoje com uma população crescente, as facilidades cibernéticas, eletrônicas e de toda a
sorte de tecnologia empregada nos transportes exponenciou absurdamente o volume de relações
sociais em relação ao quadro de dez ou vinte anos atrás. Não resulta de modo algum estranho que
haja um volume também crescente destas relações sociais que se movam no campo da ilicitude.

Ademais, as mesmas ciência, tecnologia, etc., criam diariamente novos focos de interesse humano,
bem assim, novos perigos, por vezes extremamente graves, para o desenvolvimento dos indivíduos
em sociedade, fazendo com que ocorra um verdadeiro processo de migração de alguns dos
interesses centrais dos seres humanos.
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Há cinquenta anos talvez fosse algo extremamente questionável falar em criminalização de condutas
lesivas do ambiente ou da macro-economia; por outro lado, seria induvidosamente legítimo o
emprego do direito penal para questões como ofensas à honra, bigamia ou adultério.

Portanto, creio seja muito difícil sustentar qualquer crítica ao direito penal com base na invalidação
de um processo de expansão a partir de questionar a ofensa de novos bens jurídicos ou mesmo
através de uma crítica ao número de incriminações.

Isto não quer dizer que não estejamos vivendo um nocivo processo de expansão do direito penal,
digno de crítica veemente.

Esta crítica, porém, parece-me deva situar-se em focos um pouco diferentes dos antes anunciados.

Parece-me que o Direito penal se expande realmente de um modo absolutamente nocivo quando
abusa de técnicas de tipificação que reduzem a possibilidade de defesa, tais como o abuso de
elementos normativos do tipo ou os preceitos remetidos e leis penais em branco; quando o legislador
mascara o verdadeiro bem jurídico cuja pretensão de abrigo é latente por trás da legislação; quando
se antecipam barreiras de imputação através da substituição de delitos de dano por delitos de perigo,
inclusive de perigo abstrato; finalmente, quando se reduzem as garantias no âmbito do processo
penal.

Assim, como se verá adiante, a forma de tratar o tema do doping de modo garantista, a meu ver,
passa por identificar claramente o bem jurídico latente nesta incriminação, bem assim, por usar uma
técnica de tipificação apropriada a um Direito penal mínimo.
4. A manipulação discursiva da teoria do bem jurídico e o caso do doping

A indefinição do bem jurídico nos casos de doping é menos conceitual e muito mais estrutural do que
parece.

Hassemer,8 há muito, já alertava para a perversão da teoria do bem jurídico, que classicamente foi
criada como um instrumento limitador da intervenção jurídico-penal e, no chamado moderno direito
penal passou a ser instrumentalizada como fórmula de justificação de novas incriminações.

Segundo esta concepção, o chamado direito penal clássico, assim entendido aquele derivado da
tradição política do Iluminismo, cumpriria uma função estabilizadora do contrato social, para o
desempenho da qual “o conceito de bem jurídico se transforma assim, sistematicamente, em um
critério negativo que impede a criminalização ilegítima: onde não haja lesão de um bem jurídico não
deve haver delito”.9

Entretanto, no chamado moderno direito penal, tais bases tradicionais foram se corroendo, a ponto
de que “a proteção de bens jurídicos se tenha convertido em um critério positivo para justificar
decisões criminalizadoras, perdendo o caráter de critério negativo que teve originariamente. O que
classicamente se formulou como um conceito crítico para que o legislador se limitasse à proteção de
bens jurídicos, converteu-se agora em uma exigência para que penalize determinadas condutas,
transformando-se, assim, completamente de forma subreptícia a função que originariamente se lhe
assinalou”.10

É fácil perceber esta perversão nos casos de doping.

A justificação inicial para a incriminação, por exemplo, na Espanha e Alemanha11 tem sido a proteção
da saúde pública, representada pela saúde dos atletas em geral.

Ocorre que é consenso desportivo que os esportes de alto rendimento não promovem a saúde, mas
frequentemente a deterioram, como é o caso da epicondilite lateral que afeta usualmente os tenistas,
os esportes coletivos de impacto, com mudanças de direção bruscas, rotações e movimentos
repetitivos que são considerados pelos especialistas os vilões dos joelhos ou a chamada dementia
pugilistica12 ou encefalopatia traumática crônica do boxeador, que consiste no último estágio da lesão
traumática crônica do boxe, etc. Isto é o que Kunz qualificou de princípio de racionalidade irracional
do esporte, que consiste em “arrancar resultados cada vez melhores em menos tempo”.13

Isto sem contar as imensas dificuldades dogmáticas que suporia a adoção de tal bem jurídico. Por
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exemplo: como ficaria a responsabilidade pelos efeitos gerados a longo prazo,14 como pode ser o
caso do uso de esteróides anabolizantes?15 Se o atleta fosse a vítima, sendo autor quem ministra o
doping, como resolver a questão do autodoping?16 Se o atleta for impune, como se pode falar em um
bem jurídico coletivo? Como ficaria a responsabilidade por indução ao autodoping? Seria possível a
punição do partícipe e não o autor? Como ficaria a responsabilidade do atleta que induz o seu
treinador a oferecer-lhe o doping? Como resolver os casos em que o doping potencializa a
capacidade de realizar resultados esportivos, mas não há comprovação concreta (ao menos a curto
prazo) de danos à saúde, como por exemplo, o expediente de oxigenação externa do sangue por
transfusões?17

Ademais, esta perspectiva esbarra no mesmo problema enfrentado pelo uso de substância
entorpecente: a autonomia da vontade de autolesionar-se.18 É mais do que evidente que a autonomia
da vontade, neste caso, deve prevalecer.

Quando se investiga mais a fundo as razões pelas quais parece diferente a questão do uso de
drogas ou álcool e o uso de substância dopante, fica claro que o centro da questão não se encontra
na saúde daquele que recebe a substância em seu organismo, mas sim as consequências para
terceiros que advém de tais condutas. Enquanto que no caso da intoxicação alcoólica ou por drogas
ilícitas os danos são suportados apenas pelo próprio sujeito que ingere a substância, no caso do
doping, estes efeitos se espraiam para outras esferas de interesses.

As pessoas que, de algum modo, possuem interesse no resultado da competição da qual participa o
atleta dopado também tem interesse de que tal resultado não possa ser revertido ou maculado pelo
reconhecimento do uso de um privilégio por parte do atleta.

Estes interesses, sem lugar a dúvidas, são de ordem econômica, afinal, é impactante a
movimentação financeira envolvida em competições de alto nível, já que é certo que o esporte
tornou-se um negócio que envolve um grande mercado e um elevado potencial de venda e
comercialização. O marketing esportivo já ocupa a posição de segunda maior fonte de renda no
mundo, ficando apenas atrás do turismo, sendo que uma parte considerável deste valor provém do
futebol.19 Mas não apenas as justificativas do contexto legislativo aparecem afetadas por uma
apropriação e manipulação discursiva do bem jurídico que realmente fomenta o interesse na
criminalização do doping. Também a doutrina, porque tem partido de um ponto de vista muito mais
de justificação e legitimação do que de crítica, tem produzido efeito similar.

Isto porque, alguma legislação20 e uma boa parte da doutrina21 pretende reconhecer, ao invés do
bem jurídico saúde pública, um bem jurídico relacionado à lealdade na concorrência: o fair play
desportivo.

Em um primeiro momento, pensado a partir da diferença antes mencionada para com o uso da
droga, o doping teria como elemento diferenciador o prejuízo que causa a terceiros. Isto conduziria,
em uma vista mais imediata, a pensar que o prejuízo é do competidor derrotado por aquele que
competiu dopado.

Ledo engano.

Aí existe, sem dúvida, um prejuízo. Mas o prejuízo muito maior é para o entorno, vale dizer, para
todos os investidores que, eventualmente podem ter sua marca associada a um atleta cuja
idoneidade moral é posta em cheque. O prejuízo, na verdade, é imensurável, porque atrás de
investidores, patrocinadores etc., está toda uma cadeia secundária de prestação de serviços.

Ademais, o próprio fair play como bem jurídico é altamente questionável, pois é absolutamente certo
que nenhum atleta profissional tem igualdade absoluta em sua atuação com os demais
competidores.

As técnicas médicas avançaram tanto que permitem um incremento considerável de desempenho.

A cirurgia corretiva ou a reconstituição de células musculares ou neuronais por questão de saúde


pode facilmente ser desviada para ou um incremento de desempenho. Um bom exemplo é o
polêmico caso de Tiger Woods, comentado por Michael Sandel:

“Tiger Woods enxergava tão mal que nem sequer conseguir ler o “E” grande do painel oftalmológico.
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Em 1999 ele se submeteu a uma cirurgia a laser com o método Lasik e venceu os cinco torneios
seguintes. O caráter reparador da cirurgia ocular faz com que ela seja de fácil aceitação. Mas e se
Woods tivesse visão normal e desejasse melhorá-la? Ou, como parece ser o caso, que a cirurgia a
laser tenha lhe dado uma visão melhor do que a de um jogador de golfe comum: será que isso faria
dela um melhoramento ilegítimo?”22

O Dr. Lee Sweeney trabalha com genes modificados do próprio indivíduo, implantados em fibras
musculares de ratos que provocaram crescimento muscular e evitaram a deterioração derivada da
idade.23

O desenvolvimento desta técnica para seres humanos teria efeitos inimagináveis, com a agravante
de que não se pode detectar alterações no sangue, com o que, o método tradicional de identificação
do doping estaria completamente descartado.24

Em que isso seria diferente de atletas que recebem uma carga genética originária positiva? Pode-se
pensar até na criação in vitro um superatleta pela fertilização artificial de gens de atletas que reúnem
características físicas que lhes permitem um desempenho superior.25

Caso o fair play fosse o bem jurídico seria doping permitir a tal atleta competir.

O desenvolvimento das técnicas de preparação e manipulação da condição física pelos avanços


tecnológicos na medicina e fisiologia do esporte tornam impossível falar em jogo limpo ou justo.

Isto sem contar os esportes em que o desempenho do atleta não depende exclusivamente do seu
corpo ou de sua forma física, mas de algum apoio tecnológico, como é o caso da reclamação de
Oscar Pistorius em face do brasileiro Alan Fonteles, na qual o foco não é o atleta, mas a tecnologia
empregada na constituição das próteses por este utilizadas, os casos de hipismo em que cada atleta
compete com um cavalo distinto, ou ainda, a Fórmula 1, na qual há vários distintos automóveis com
componentes distintos e variados.

O último caso, da Fórmula 1, oferece, porém, uma pista importante sobre o que está por trás das
competições de alto rendimento. É que a competição não se restringe a uma disputa por pontos
entre os pilotos, mas também entre os construtores, vale dizer, entre os distintos modelos de
automóveis. Esta é claramente uma competição entre marcas. Inclusive se chega a utilizar a
expressão mundial de marcas. Trata-se simplesmente de anunciar as vantagens de determinados
componentes automobilísticos sobre outros, com clara finalidade econômica.

É possível admitir que uma vitória esportiva viciada por falta de fair play possa consistir na violação
de um bem jurídico, porém, certamente não se lhe pode reconhecer seja este um bem jurídico penal,
pois, fosse assim, esta deveria suportar o filtro do princípio de intervenção mínima. Ou seja,
dever-se-ia entender que se trata de uma violação grave a um bem jurídico importante para o
desenvolvimento social da vítima.

Obviamente, não se pode afirmar que a vantagem obtida irregularmente pelo atleta dopado possa
impedir a possibilidade de desenvolvimento esportivo dos derrotados.

Por outro lado, é certo que a associação de uma marca ou de um produto a uma vitória manchada
pelo doping pode destruir suas possibilidades de êxito econômico de modo bastante grave.
5. O verdadeiro bem jurídico: os valores econômicos implicados nos esportes de alto nível

Existe claramente uma associação entre a dimensão de importância das competições esportivas
hoje em dia e fatores de ordem econômica.26

Recentemente, a transferência de um único jogador de futebol de um clube para outro27 movimentou


nada menos que cem milhões de euros.

Entre 2005 a 2008 o COI arrecadou, declarados, nada menos do que US$ 4.187.000,00.

A Fifa divulgou que em 2013 já foram realizadas 10.454 transferências internacionais de jogadores,
registradas no Fifa TMS – sistema de registro da entidade – entre 1.º de janeiro e 2 de setembro
deste ano, sendo que o valor total de negócios foi de US$ 3,367 bilhões (R$ 8,04 bilhões), um
aumento de 29% com relação a 2012. O pagamento a intermediários dos clubes neste Página mesmo5
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período aumentou 20%, supondo um total de US$ 169 milhões (R$ 403 milhões). O relatório
menciona que em um período de dois anos, os valores pagos às comissões dos intermediários
aumentaram 80%.

Entre 11 e 14.08.2013, organizou-se em São Paulo o salão Brazil Sports Shows, para tratar de
marketing esportivo. A expectativa divulgada pelos organizadores do evento é que as Olimpíadas e a
Copa do Mundo juntas, devem gerar 53 bilhões de reais de investimento somente na cidade do Rio
de Janeiro, com potencial de abrir cerca de 90 mil empregos no Rio, com 35 mil vagas permanentes.

Estes valores implicados nas competições esportivas guardam estreita relação com os resultados
esportivos realizados.

Que um clube ou selecionado nacional vencedor utilize uma determinada marca de uniforme
esportivo pode significar um poderoso incremento econômico para tal marca. O fato de que uma
determinada competição possa ser transmitida exclusivamente através de uma determinada
emissora de televisão ou rádio implica em um importante impulso nas vendas de espaços
comerciais.

Os vencedores de quaisquer competições simbolizam o êxito e a exploração do marketing em torno


do êxito movimenta somas econômicas exuberantes.

Evidentemente, o espetáculo do esporte consiste justamente em que se saiba as regras envolvidas


no jogo e, principalmente, que estas sejam cumpridas durante a competição. Nas competições em
que isto ocorre, o fator econômico implicado está garantido. Por outro lado, naquelas competições
em que o resultado é contestado, porque descoberto, a posteriori, que o vitorioso logrou êxito em
desobediência às regras do jogo, o prejuízo associado à exploração da imagem da competição e do
atleta em questão é igualmente de vulto.

Poder-se-ia afirmar que do que se trata, então, é de uma desobediência às regras constitutivas do
jogo por parte do atleta, justificando-se por esta via a incriminação deste e daqueles que participaram
da fraude.28

No entanto, o problema aqui não é o ato em si de doping, mas o fato de que o resultado da
competição foi falseado, com prejuízos econômicos.

Para que se possa identificar concretamente a diferença entre considerar o bem jurídico como as
regras constitutivas do esporte e a dimensão econômica da competição de alto rendimento, é preciso
simular várias hipóteses distintas de situação de descoberta do doping, analisando a dimensão de
importância que se concede a cada uma delas.

Vejamos.

Caso o atleta seja identificado como dopado antes da competição, será sumariamente banido da
possibilidade de competir, e a competição transcorre normalmente. Neste caso, se o bem jurídico for
a saúde do atleta, deveria existir punição penal, no entanto, não se teria qualquer dúvida em
reconhecer que o castigo penal seria um exagero, pois não existe nenhuma afetação do resultado
desportivo, e igualmente, parece inexistir uma situação que reclame o controle social do intolerável.29

Caso o doping seja identificado durante a competição – ou seja, depois de ter sido iniciada a
competição, mas antes do seu final – tampouco existe qualquer problema quanto ao resultado, pois o
atleta estará eliminado e o resultado preservado. Caso o bem jurídico fosse a saúde do atleta ou o
fair play, certamente deveria haver castigo penal. No entanto, é fácil ver que não resulta qualquer
afetação do resultado e, novamente, é muito difícil identificar que seja este um caso de ataque tão
grave a um bem jurídico que resulte necessária a intervenção penal.

Se a situação de doping é descoberta a posteriori da competição, ou seja, quando o resultado já foi


divulgado e afetado pela distorção por aquele provocada, é fácil perceber que o caso é muito mais
grave do que nos dois casos anteriores.

A diferença entre os três casos é que, nos dois primeiros, o bem jurídico econômico vinculado ao
resultado desportivo não é afetado. No terceiro, porém, existe uma afetação, que será tanto mais
grave quanto maior for a importância da movimentação econômica envolvida na competição.
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Poder-se-ia argumentar que o que importa, então, é o resultado, portanto, o doping seria não mais
do que a afetação das normas constitutivas do esporte30 e não meramente uma violação de regras
regulatórias.

Acontece que para admitir esta hipótese, seria necessário identificar claramente a diferença entre
regras regulatórias e regras constitutivas do esporte, de modo a permitir comparar o doping com as
segundas. Do mesmo modo, a própria definição do doping se resumiria, na verdade, a nada mais do
que a violação das regras antidoping, porque o volume de hipóteses de caracterização do doping no
Código Mundial AntiDoping é amplíssimo31. Embora isso possa ser possível em casos óbvios como a
diferença entre o número de passos sem bater a bola durante a sua condução e a decisão sobre a
que altura ficará suspensa a cesta no basquete, ou as regras de impedimento e as regras sobre o
número de jogadores que devem ocupar o campo, no futebol,32 há situações limite em que isso não é
possível, como, por exemplo, no conhecido caso do carrinho de golfe de Casey Martin.

Neste caso, o golfista profissional Casey Martin, que sofria de graves problemas circulatórios, pediu
à PGA (Associação de Golfe Profissional) que o autorizasse a deslocar-se em um carrinho entre os
buracos. Após ter negado o pedido, o atleta levou o caso à justiça norte-americana, com base em
uma lei que acudia os portadores de necessidades especiais, determinando que se lhes
proporcionassem acomodações razoáveis. A oposição ao pleito contou com várias manifestações de
outros golfistas profissionais, sustentando que a fadiga do deslocamento é um fator que interfere no
jogo e esta vantagem não poderia ser concedida a Martin. O caso chegou à Suprema Corte
estadunidense, que decidiu por 7 x 2 que Martin tinha o direito de usar o carrinho. O voto vencedor
condutor da questão, do juiz John Paul Stevens, afirmou que a oferta do carrinho não afetava as
regras essenciais do jogo, que na verdade, consistiam no “arremesso da bola – usar os tacos para
levar a bola a partir da marcação até um buraco a uma determinada distância com o mínimo possível
de tacadas”. Entretanto, chamou a atenção o voto de oposição veemente do juiz Antonin Scalia no
qual, ele sustentou ser praticamente impossível afirmar que qualquer das regras arbitrárias de um
jogo seja essencial. E que não há fundamentos para julgar de modo crítico as regras estabelecidas
por cada federação desportiva.33

Este caso não cuida propriamente de doping, mas põe em questão o que pode ou não ser uma regra
essencial do jogo.

Mas há outro em que o próprio COI está em dúvida sobre se qualifica ou não de doping e, como tal,
de uma violação da essência do jogo.

Trata-se da “casa de altitude” da Nike em Portland. A empresa de artigos esportivos criou um


ambiente de ar rarefeito que simula até 5 mil metros. Cinco atletas dormem na casa, aumentando por
processo natural, durante a noite, o número dos seus glóbulos vermelhos, por força da redução de
oxigênio. Logo, os mesmos atletas, durante o dia, treinam a nível do mar, podendo forçar seus
músculos ao máximo. O COI ainda não decidiu se isto é ou não é doping.34 A pergunta que cabe
fazer, à luz das regras constitutivas do jogo é que diferença isso tem para as injeções de
eritropoietina (EPO – que produz glóbulos vermelhos), que já foi banida pelo COI como doping?35

Como se nota, é praticamente impossível definir os limites das regras constitutivas do jogo.

Além disso, se admitirmos que o bem jurídico afetado são as regras constitutivas do jogo, há várias
situações em que o doping deveria ser punido e que haveria uma circunstância claramente
identificada como hipótese de intervenção mínima. Imagine-se, por exemplo, que o doping seja
identificado em uma partida de futebol na Copa do Mundo, muito depois da homologação do
resultado. Evidentemente, o caso será grave e poderíamos identificar que as regras constitutivas do
jogo foram feridas. Por outro lado, este mesmo doping poderia ser identificado em uma partida de
futebol de final de semana, entre solteiros e casados. Muito dificilmente seria possível reconhecer
relevância penal para o caso.

Por que?

Só há uma coisa que difere essencialmente estas duas partidas de futebol: a economia implicada na
primeira. Aliás, esta foi exatamente a declaração prestada em 1998 a uma revista holandesa pelo Dr.
Dick Oosthoek, médico do FC Twente, da 1.ª divisão holandesa, que chegou à final da UEFA em
1973, explicando o que movia as condutas nem sempre lícitas dentro da atividade desportiva do seu
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clube: “Não me importava se os medicamentos figuravam na lista de dopantes, desde que os atletas
ficassem em forma. Quando o time se classificava, isso significava entrada de dinheiro para o clube
e para os jogadores”.36

Portanto, está fora de dúvida que somente as competições de grande relevância econômica podem
ser objeto de discussão a respeito da responsabilização penal do doping.

A seguinte pergunta a ser respondida é: por que? Quais são as razões pelas quais o doping na
partida de futebol da copa do mundo tem relevância e no jogo entre casados e solteiros, não?
6. O resultado associado ao esforço ou ao talento: os bons exemplos rendem resultados
econômicos

A importância das competições de alto rendimento é de caráter econômico. Este ganho econômico
está associado à possibilidade de que patrocinadores, marcas e produtos sejam associados aos
resultados desportivos positivos.

Os resultados desportivos positivos constituem um exemplo de vitória, de êxito, de sucesso,


almejado e imitado por todos. Existe, portanto, uma dimensão econômica que incide sobre o que é
almejado e imitável.

O que produz este resultado que traduz o êxito? O talento e/ou o esforço. Porém, trata-se não do
talento em si ou do esforço em si, mas do talento ou esforço que produza efetivos resultados
desportivos positivos.

Admira-se, por exemplo, as vitórias de Michael Jordan. Sabe-se perfeitamente que o ex-jogador
profissional de basquete foi dispensado da equipe da Laney High school em Wilmington, Carolina do
Norte, por sua baixa estatura (tinha, então 1,80m). A atitude de Jordan, como reação a rejeição foi
treinar incessantemente. Sua família preferia que ele fosse para a aeronáutica, no entanto, ele
insistiu em ir para a Universidade de North Carolina, que tinha tradição em basquete. O esforço de
Jordan, associado ao seu êxito, produz vendas de produtos associados ao seu resultado desportivo,
pois ele é admirado.

Caso se tratasse de um jogador medíocre que tivesse feito o mesmo esforço que fez Jordan, sem
obter o mesmo resultado desportivo, este esforço de nada valeria.

Também serve de exemplo a história do jogador de futebol Garrincha, pessoa humilde, inculta,
ingênua, explorado por muitos,37 mas dotado de um impressionante talento natural que gerou para
ele um vastíssimo êxito desportivo.

Esta condição o colocou como muito admirado, mesmo tendo vivido uma época em que a questão
econômica no futebol era incipiente.

Evidentemente, caso os resultados desportivos não fossem obtidos por Garrincha, certamente ele
seria lembrado como apenas um ingênuo.

Portanto, a fonte de admiração capaz de gerar repercussão econômica é o talento natural ou o


esforço associados à produção de resultados desportivos positivos.

É justamente aí onde incide o doping. O doping substitui o talento natural ou o esforço que,
associados ao resultado desportivo são admirados, criando uma fonte de admiração falsa, criando
uma ilusão de talento ou esforço que, na verdade, não existem, não constituem modelos
economicamente vendáveis.

A partir da inarredável constatação de que o aspecto econômico das competições desportivas de alto
rendimento é a única questão relevante que pode estar implicada na necessidade de controle social
penal dos casos de doping, as questões seguintes passam a ser que classe de desenho deve ter a
incriminação, bem como, quem pode ser autor do delito.
7. O verdadeiro autor do crime de doping e o controle sobre sua realização

A competição desportiva tem um interesse social relacionado à exploração comercial e midiática do


evento desportivo, da figura do atleta, da associação entre sua atitude e determinada marca. Página 8
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teoria do bem jurídico como fórmula de
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formula: legal and criminal-political reasons

O resultado danoso de ocorrência do doping aflige, então, a competição desde um ponto de vista da
fraude do resultado ou da perda do caráter sério em função da burla derivada da dopagem.

Realizado o controle de dopagem, isso não significa que não houve empiricamente o uso de
substâncias capazes de potencializar os resultados, nem que houve fair play, mas é satisfatório para
a instância comercial-midiática. Doping que não é flagrado, simplesmente não interessa como
resultado social.

O centro da discussão não é a ocorrência do doping, mas a existência de um controle e regras de


fiscalização antidopagem, para permitir uma imagem isenta do esporte.

Aqui entra em jogo uma questão fundamental: mesmo dentro das competições de alto rendimento,
são variáveis as regras a respeito do que é ou não permitido em termos de utilização de recursos,
medicamentos, suplementos etc. Portanto, não existe um doping em si mesmo, que possa ser
unificado em relação às distintas modalidades desportivas, o que existe é um reconhecimento
variável a respeito do que pode ou não ser considerado doping. Há regras das mais distintas
possíveis a respeito do que pode ou não ser considerado uma vantagem ilícita no sentido da
produção do resultado desportivo favorável.

Portanto, quem estabelece as regras antidopagem será sempre a entidade organizadora da


competição respectiva. Além disso, tais regras são fiscalizadas através de um controle realizado
direta ou indiretamente pela própria entidade organizadora da competição desportiva.

Assim, é possível dizer que quem detém o controle sobre a produção ou não da situação relevante
para a ofensa do bem jurídico é justamente a entidade que organiza a competição e a fiscalização
antidopagem.

Político-criminalmente, tudo recomenda que o direcionamento da incriminação deva ser contra um


autor que tenha o controle a respeito da evitação do prejuízo ao bem jurídico.

Deste modo, parece correto que se houver incriminação, esta deve dirigir-se a uma falta de
realização do devido e necessário controle antidoping ou pela realização e um controle antidopagem
ineficiente para identificar o uso de substâncias ou tecnologias que permitam interferência no
resultado da competição.

Ainda no que respeita à questão político-criminal é importante sublinhar a suprema injustiça de se


pretender dirigir a sanção penal do doping ao atleta ou a quem lhe ministra ou fornece – com ou sem
consentimento do atleta – a substância dopante.

Isto porque o contexto desportivo de alto rendimento, justamente em virtude dos valores econômicos
implicados nas competições, aqueles que obtêm os proveitos econômicos promovem verdadeira
pressão psicológica sobre os atletas e suas equipes de preparação, no sentido de que os resultados
desportivos favoráveis sejam produzidos a todo custo.38 Caso se castigasse ainda estes pelo crime
de doping, haveria uma dupla penalização.

Como conclusão, é possível afirmar que no plano político criminal, o direcionamento da incriminação
deve dar-se contra aqueles que deixam – total ou parcialmente – de proceder, de modo direto ou por
interpostas pessoas, o controle antidoping exigido pelas regras da competição desportiva que
organizam.

Resta, pois, verificar de que forma se deve organizar esta incriminação.


8. A modalidade de incriminação: a fórmula omissiva

Partindo-se de que o autor do delito de doping só pode ser o organizador da competição desportiva
que deixa de efetuar o necessário e regulamentar controle de dopagem, a fórmula típica mais
indicada parece ser a omissiva.

Isto porque, não se trata de castigar o evento ontológico de que alguém ingira determinada
substância que pode facilitar-lhe o desempenho desportivo, mas sim um desvalor normativo,
consistente na falta de controle sobre a seriedade do desenvolvimento da competição.

Obviamente, conquanto os conceitos de ação dominantes na teoria do delito já Página


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teoria do bem jurídico como fórmula de
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formula: legal and criminal-political reasons

reconhecidamente normativos39 e não possuam diferença fundamental fora do campo contextual,40 a


estrutura normativa é o que ampara mais claramente a fórmula omissiva, tanto mais, quando
associada a um dever de agir que constitui sua essência.41

O dever jurídico de agir no sentido de coibir a ocorrência do doping pertence aos organizadores das
competições desportivas e pode perfeitamente ser plasmado em uma fórmula típica que, por
exemplo, castigue quem: sendo responsável pela realização de uma competição desportiva
profissional de qualquer ordem, deixe de realizar, total ou parcialmente, diretamente ou por
interpostas pessoas, o controle antidopagem exigido pelas regras das organizações desportivas que
regulam a respectiva modalidade.

Convém notar que uma fórmula desta natureza obedeceria, sem dúvida, as exigências básicas dos
tipos omissivos,42 pois resta bastante clara a identificação da ação que se pretenda seja realizada,
qual seja, um controle efetivo de dopagem; existe uma conexão entre o sujeito e o âmbito de
proteção do bem jurídico, pois somente o organizador de uma competição pode gerar as vantagens
econômicas dela decorrente, pelo que, resulta razoável impor a ele o dever exigido; e, finalmente,
não há qualquer dúvida sobre a capacidade do autor de realizar a ação mandada.

Outrossim, a base desta omissão certamente corresponde a um processo de comunicação de


sentido,43 pois somente uma omissão desta natureza resulta relevante para o bem jurídico em
questão.

Finalmente, apenas por apreço à argumentação e com o objetivo de refinar a proposta lançada,
cumpre adiantar as possíveis oposições à fórmula que aqui se propõe.
8.1 Os limites de indeterminação e a fórmula omissiva

Poder-se-ia criticar a fórmula lançada a partir de uma possível indeterminação, uma vez que nas
competições profissionais são muito variadas as condições impostas a respeito do doping.

Somente em 1999 foi fundada a World Anti-Doping Agency (WADA), para combater a prática do
doping pelos atletas. Essa Agência Mundial criou um Código Mundial Antidoping (CMAD), que é
utilizado pela maioria das Federações Internacionais e pelo Comitê Olímpico Internacional, mas não
por todas as modalidades organizadas ou por todos os esportes.

Ocorre que esta circunstância, a partir da fórmula adotada, é absolutamente irrelevante. Isto porque,
a efeito incriminador, é absolutamente irrelevante que tenha algum atleta utilizado ou não esta ou
aquela substância. Relevante é apenas que os responsáveis pela organização da competição
atendam as regras de controle antidopagem próprias da modalidade desportiva posta em questão.

Portanto, não vejo, a princípio, em que as variantes das regras a respeito de doping possam afetar a
responsabilidade nos casos respectivos.
8.2 A fonte autônoma não estatal do dever de agir

De outro lado, também se poderia questionar que, caso adotada a fórmula incriminadora omissiva
proposta, se estaria transferindo para o âmbito das entidades desportivas a definição a respeito de
em que consiste o dever de atuar exigido pela fórmula típica, já que são elas que estabelecem as
regras sobre tal controle.44

O caso é que a norma proposta remete ao controle antidopagem exigido pelas regras das
organizações desportivas que regulam a respectiva modalidade.

Aqui se poderia aduzir se a norma penal pode ou não remeter o dever de agir para uma instância
não estatal. Estariam os particulares definindo matéria criminal?

Não parece estar correta esta afirmação.

Em primeiro lugar, não são as entidades particulares, mas sim o Estado quem estabelece o dever de
agir. O dever resta completamente definido pelo tipo. Trata-se de um dever de obediência. É o
mesmo que dizer que as entidades profissionais tem o dever de realizar corretamente os controles
para evitar resultados desportivos maculados.
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O fato de que a especificidade dos deveres de atuação resida em uma regulação desportiva fora da
instância estatal não desnatura o tipo, não interfere nele, nem muda o conteúdo do que é
incriminado.

Importa perceber que em várias situações similares, o dever de agir é definido por instâncias não
jurídicas, como ocorre em crimes culposos, por exemplo. A violação do dever de cuidado pode ser
definida, por exemplo, em um atendimento médico, pela falta de obediência a uma determinada
técnica cirúrgica que não é, absolutamente, definida pelo Estado. Um homicídio culposo pode derivar
de imperícia e a detecção desta pode depender daquilo que defina, por exemplo, o Conselho Federal
de Medicina ou a Organização Mundial de Saúde a respeito da técnica médica apropriada para o
caso.

Do mesmo modo, em alguns delitos omissivos, como por exemplo, na falsidade ideológica,45 o que
deveria constar e é omitido do documento, não necessariamente é definido pelo Estado. Isto não
desnatura o objetivo geral, que é castigar que se faça uma alteração de conteúdo do documento que
possa gerar efeitos jurídicos.

Assim, não parece que seja cabível tampouco esta oposição.


9. Considerações finais

A questão da criminalização do doping no Brasil segue na ordem do dia, especialmente quando


outras fórmulas incriminadoras completamente desnecessárias e injustificadas já foram aceitas por
um Estado passivo diante do poder econômico de organizações desportivas internacionais – o
demonstra claramente a Lei Geral da Copa.

No plano político criminal, o avanço nesta área implica riscos bem maiores do que a simples incursão
em uma situação de um novo bem jurídico, na verdade, transmite antes uma expressão concreta da
perversão da teoria do bem jurídico, levando a que as composições legislativas e até mesmo uma
parte da análise doutrinária, aceite passivamente a identificação de falsos bens jurídicos que
pretendem justificar simbolicamente a aceitação de tal opção, sem desnudar o que verdadeiramente
late por trás de tal pretensão incriminadora: a proteção dos interesses financeiros do marketing
desportivo.

Uma vez demonstrado que este é o verdadeiro interesse que constitui o móvel de uma política
criminal punitiva, torna-se obrigatório devolver aos controladores reais do funcionamento regular das
competições desportivas a responsabilidade – inclusive, se for o caso, criminal – pelos efeitos
danosos que a ausência de controle antidopagem pode gerar para a estrutura econômica.

Neste contexto, a única fórmula aceitável de incriminação deve apontar para os dirigentes
desportivos e obedecer a fórmula omissiva, pois esta traduz melhor o dever geral que realmente
corresponde à pretensão de controle social expressa na questão, que são os valores econômicos
gerados pelos bons exemplos (talento e esforço) associados ao resultado desportivo.

A fórmula omissiva, ademais, pode ser desenhada de uma maneira que a indeterminação ou
variabilidade entre as fórmulas de controle de dopagem das diferentes modalidades desportivas não
implique em necessidade de adequação ou modificação.

Tampouco pode ser oposição à fórmula, o fato inarredável da heterogeneidade do conteúdo da fonte
obrigacional para o âmbito das entidades desportivas, porque isto não implica variação no sentido da
incriminação e é fórmula utilizada à larga em vários tipos delitivos – inclusive clássicos – que
implicam a violação de dever.
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1 Busato, Paulo César. Doping, delimitação do interesse jurídico-penal e a fórmula omissiva. RBCrim
95/147.

2 Leite, Alaor. O doping como suposto problema jurídico-penal: um estudo introdutório. In: Roxin,
Claus; Greco, Luís; Leite, Alaor (coords.). Doping e direito penal. São Paulo: Atlas, 2011. p. 5 e ss.
Greco, Luís. Sobre a legitimidade da punição do autodoping nos esportes profissionais. In: Roxin,
Claus; Greco, Luís; Leite, Alaor. Doping e direito penal. São Paulo: Atlas, 2011. p. 48. David, Décio
Franco. Doping em direito penal: existe um bem jurídico a ser tutelado? Revista Liberdades 10/43 e
ss.

3 É a posição de Valed Perry, expressa em Perry, Valed. Delito praticado na atividade desportiva.
RBDD 4/22 e ss.

4 Estudiosos de Direito desportivo tem proposto a solução dos casos de Doping pela via da Lei 9.307
de 23.09.1996, justamente porque, não obstante a lei mencionar o termo “bens patrimoniais
disponíveis”, estes efetivamente estão implicados nos casos de doping em competições desportivas
profissionais. Cf. Paiva, Thomaz Sousa Lima Mattos de; Dornas, Maria Beatriz Sousa Lima. Doping
no desporto e o procedimento arbitral como alternativa viável na justiça desportiva brasileira. RBDD
2/49.

5 Por exemplo, a chamada utilização indevida de símbolos oficiais (Art. 16. Reproduzir, imitar ou
falsificar indevidamente quaisquer Símbolos Oficiais de titularidade da Fifa: Pena: detenção, de três
meses a um ano, ou multa; e Art. 17. Importar, exportar, vender, oferecer, distribuir ou expor para
venda, ocultar ou manter em estoque símbolos oficiais ou produtos resultantes da reprodução,
falsificação ou modificação não autorizadas de símbolos oficiais, para fins comerciais ou de
publicidade, salvo o uso destes pela Fifa ou por pessoa autorizada pela Fifa, ou pela imprensa para
fins de ilustração de artigos jornalísticos sobre os Eventos: Pena – detenção, de um a três meses, ou
multa); ou o Marketing de Emboscada por Associação (Art. 18. Divulgar marcas, produtos ou
serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta
ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da Fifa ou de pessoa por ela
indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados,
autorizados ou endossados pela Fifa: Pena. detenção, de três meses a um ano, ou multa. Parágrafo
único. Na mesma pena incorre quem, sem autorização da Fifa ou de pessoa por ela indicada,
vincular o uso de ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a
ações de publicidade ou atividades comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica); ou
ainda o Marketing de Emboscada por Intrusão (Art. 19. Expor marcas, negócios, estabelecimentos,
produtos, serviços ou praticar atividade promocional não autorizados pela Fifa ou por pessoa por ela
indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos Locais Oficiais dos Eventos, com o fim
de obter vantagem econômica ou publicitária: Pena. Detenção, de três meses a um ano, ou multa.

6 Art. 20. Nos crimes previstos nesta Seção somente se procede mediante representação da Fifa.

7 Silva Sánchez refere que “O direito penal é um instrumento qualificado de proteção de bensPágina 13
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jurídicos especialmente importantes. Sentado isso, parece obrigatório ter em conta a possibilidade de
que sua expansão obedeça, ao menos em parte, ou a aparição de novos bens jurídicos – de novos
interesses ou de novas valorações de interesses pré-existentes – ou o aumento de valor
experimentado por alguns dos que já existiam anteriormente (…)”. Silva Sánchez, Jesús María.
Expansión del derecho penal. Montevideo-Buenos Aires: BdeF, 2006. p. 11.

8 Hassemer, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad. Trad. Francisco Muñoz Conde e María del
Mar Díaz Pita. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 43 e ss.

9 Idem, p. 45.

10 Idem, p. 47.

11 Veja-se Lei orgânica 7/2006 de proteção à saúde e combate do doping no desporto na Espanha e
o § 6.º da legislação sobre medicamentos de 1998, na Alemanha, modificada em 2007.

12 Mendez, M. F. The neuropsychiatric aspects of boxing. J Psychiatry Med 25: 249-62, 1995.

13 Kunz, Elenor. Transformaçaão didático-pedagógica do esporte. Ijuí: Ed.Unijuí, 2000, p. 25.

14 Sobre a responsabilidade penal por resultados a longo prazo veja-se: GÓmez Rivero, María del
Carmen. La imputación de los resultados a largo plazo. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998. Veja-se
também, sobre os chamados Spätfolgen, Roxin, Claus. Sobre o fim de proteccção da norma nos
crimes negligentes. Problemas fundamentais de direito penal. 3. ed. Trad. Ana Paula dos Santos
Luís Natcheradetz, Lisboa: Vega, 1998. p. 256 e ss.

15 No caso específico dos esteróides anabolizantes, a doutrina médica refere como possíveis efeitos
colaterais de longo prazo, entre outros, pressão sanguínea elevada, aumento nos níveis de LDL e
diminuição nos de HDL com risco doença cardiovascular ou da artéria coronária, câncer de próstata,
alteração da morfologia do ventrículo esquerdo, que perde suas propriedades de diástole,
hepatoxicidade, função sexual reduzida, infertilidade temporária, atrofia testicular, diminuição
temporária nos ciclos menstruais, interrupção prematura do crescimento dos ossos.

16 Parte da doutrina entende que o autodoping estaria incluído nas hipóteses de autolesão sobre a
qual ao Estado não cabe interferir. Nesse sentido Greco, Luís. Op. cit.

17 Este foi o expediente usado por Lance Armstrong para melhorar seu desempenho, ao lado do uso
de Eritropoietina (EPO) e testosterona.

18 A questão da autonomia da vontade em casos de drogas é ampla e magistralmente explorada por


Salo de Carvalho em Carvalho, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil – Estudo
criminológico e dogmático. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

19 Cf. Battaglia, Arthur Fernando Arnold. Administração de clubes. São Paulo: Arte & Ciencia, 2003.

20 Assim a Lei 20.655/1974, (Ley de Fomento y de Desarrollo del Deporte) na Argentina, que
penaliza o doping em seus arts. 25 e 26, os equipara às situações de suborno, dando contornos
claramente relacionados ao resultado desportivo.

21 Roxin refere que “um número cada vez maior de autores alemães tem proposto que o doping, no
interior do esporte de alto rendimento com natureza comercial, deve ser castigado penalmente a
partir do ponto de vista da concorrência desleal”. Roxin, Claus. Doping e direito penal. In: ______ ;
Greco, Luís; Leite, Alaor (coords.). Doping e direito penal. São Paulo: Atlas, 2011. p. 44. Confira-se
também: Momsen-Pflanz, Gundula. Die sportehische uns strafrechtliche Bedeutung des Dopings.
Frankfurt am Main: Peter Lang, 2005. p. 268 e Fischer, Ulrich. Über den galoppierenden
Undschuldsverlust des Sports oder: Die Welt will betrogen sein. Neue Juristische Wochenschrift,
2005. p. 1028-1029.

22 Sandel, Michael J. Contra a perfeição. Trad. Ana Carolina Mesquita, Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2013. p. 43-44.
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teoria do bem jurídico como fórmula de
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formula: legal and criminal-political reasons

23 Idem, p. 23.

24 Idem, p. 24.

25 Como bem refere Michael Sandel: “Sempre houve atletas geneticamente superiores e, contudo,
não julgamos que a desigualdade natural da herança genética de uns em relação a outros prejudique
a justiça nas competições desportivas”. Idem, p. 25.

26 Parte da doutrina já reconhece que o tema envolve questões econômicas, afinal, há todo um
mercado vinculado aos esportes profissionais, que em alguns casos, influencia vários setores da
economia. Nesse sentido o comentário de Roxin em Roxin, Claus. Doping e direito penal… cit., p. 44.
Também Greco, Luís. Op. cit., p. 84.

27 Trata-se da transferência de Gareth Bale do Tottenham Hotspur da Inglaterra para o Real Madrid,
da Espanha.

28 Greco, Luís. Op. cit., p. 77 e ss.

29 Já me posicionei no sentido de ser este o fundamento da pena em Busato, Paulo César. Direito
penal. Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2013. p. 806-812.

30 Greco, Luís. Op. cit., p. 73-77.

31 O doping é definido no CMAD, em seu art. 1.º, como “a ocorrência de uma ou mais das violações
das regras antidoping estabelecidas nos arts. 2.1 a 2.8”, que são as seguintes: 2.1 A presença de
uma Substância Proibida, dos seus Metabolitos ou Marcadores, numa amostra recolhida a partir de
um praticante desportivo; 2.2 Utilização ou Tentativa de Utilização de uma Substância Proibida ou de
um Método Proibido; 2.3 A recusa ou uma falta sem justificação válida a uma recolha de Amostras
após notificação, em conformidade com as regras antidopagem vigentes, ou ainda qualquer
comportamento que se traduza numa fuga à recolha de Amostras; 2.4 A violação das exigências de
disponibilidade dos Praticantes desportivos relativamente à realização de Controles Fora de
Competição, incluindo o desrespeito, por parte dos Praticantes desportivos, da obrigação de
fornecerem informações sobre a sua localização bem como controles declarados como não
realizados com base em regras adequadas; 2.5 A Falsificação, ou Tentativa de falsificação de
qualquer elemento integrante do Controlo de Dopagem; 2.6 Posse de Substâncias e Métodos
Proibidos; 2.7 Tráfico de Substâncias e Métodos Proibidos; 2.8 A Administração, ou Tentativa de
administração de uma Substância Proibida ou Método Proibido a qualquer Praticante desportivo , ou
ainda apoiar, incitar, contribuir, instigar ou dissimular qualquer outro tipo de cumplicidade envolvendo
uma violação de uma norma antidopagem ou qualquer outra tentativa de violação.

32 Os exemplos são de Luís Greco, op. cit., p. 77.

33 Os dados sobre o caso são fartamente explicados por Michael J. Sandel em Sandel, Michael J.
Justiça. Trad. Heloísa Matias e Maria Alice Máximo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p.
251-255 e Sandel, Michael J. Contra a perfeição… cit., p. 54.

34 Sandel, Michael J. Contra a perfeição… cit., p. 44.

35 A pergunta também é formulada por Sandel, Michael J. Contra a perfeição… cit., p. 45.

36 O dado está publicado no Jornal Folha de São Paulo de 10.10.1998. Disponível em:
[www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk10109810.htm].

37 Confira-se em sua biografia, escrita por Ruy Castro: Castro, Ruy. A estrela solitária. São Paulo:
Cia das Letras, 1995.

38 A pressão econômica é reconhecida por especialistas em Direito desportivo, como um importante


estimulante dos casos de doping. “Não é de surpreender que esta permissividade atinja igualmente
as esferas desportivas. Além disso, convém situar outra causa deste aumento de casos de doping na
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comercialização crescente do desporto, na chegada maciça de dinheiro e na necessidade de


rentabilizar os investimentos enormes dos patrocinadores. A pressão exercida pelos grandes
patrocinadores e promotores sobre os atletas explica o recurso cada vez mais frequente aos
métodos de doping. Os contratos cada vez mais exigentes das cadeias de televisão e dos
promotores desportivos e as compensações econômicas exageradas ligadas à obtenção de novos
recordes do mundo levam os atletas a práticas contrárias à ética desportiva”. Morishin, Milena
Queico Ishibashi. Doping nos âmbitos nacional e internacional. RBDD 7/36 e ss.

39 Já me debrucei sobre os detalhes da questão em Busato, Paulo César. Direito penal e ação
significativa. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 107 e ss., para onde remeto o leitor.

40 Fletcher, George Patrick. Basic concepts of criminal law. New York: Columbia, 1998. p. 46.

41 Nesse sentido, Muñoz Conde, Francisco; García Arán, Mercedes. Derecho penal. Parte general.
8. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010. p. 237; Kaufmann, Armin. Dogmática de los delitos de
omisión. Trad. Juaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano González de Murillo. Madrid: Marcial
Pons, 2006. p. 34; Jescheck, Hans-Heinrich e Weigand, Thomas. Tratado de derecho penal. 5. ed.
Trad. Miguel Olmedo Cardenete. Granada: Comares, 2002. p. 648; Stratenwerth, Günter. Derecho
penal. Parte General I. Trad. Manuel Cancio Meliá e Marcelo A. Sancinetti, Cizur-Menor:
Thomson-Civitas, 2000. p. 381; Martínez-Buján Pérez, Carlos. Derecho penal económico y de la
empresa. Parte General. 2..ed., Valencia: Tirant lo Blanch, 2007. p. 297 e Mir Puig, Santiago.
Derecho penal. Parte General. 5. ed., Barcelona: Reppertor, 1998. p. 296. Reconhecendo-o, porém,
adicionando uma questão de fundo material (lesão de bem jurídico), como justificação para sua
mantença na seara penal, por pensar que a mera lesão de uma norma remeteria os casos ao direito
administrativo, Fiandaca, Giovani; Musco, Enzo. Derecho penal. Parte General. Bogotá: Temis, 2006.
p. 578-579.

42 Parece correto o elenco firmado por Juarez Tavares em Tavares, Juarez. Teoria dos crimes
omissivos. Madri-Barcelona-Buenos Aires-São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 143.

43 Assim ela não é apenas normativa nem apenas ontológica é a conjugação da exigência da norma
em face de da situação fática que transmite o sentido do que é desvalorado. Nesse sentido
Martínez-Buján Pérez, Carlos. Op. cit., p. 296-297. No Brasil, Tavares, Juarez. Op. cit., p. 51 e
Busato, Paulo César. Direito penal. Parte Geral… cit., p. 291.

44 Comenta a autonomia das entidades desportivas em estabelecer suas próprias regras antidoping
Luís Greco em Greco, Luís. Op. cit., p. 76.

45 “Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele
inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar
direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”

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