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II Seminário Nacional de Teoria Marxista: O capitalismo e suas crises

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A Contradição Interna do Valor na Crise Estrutural do Capital

Frederico Fernando Moises LAMBERTUCCI1

RESUMO

Debatemos neste artigo a dialética da teoria do valor-trabalho e a crítica da economia


política tomando como referencial a contribuição e a atualização das categorias da
obra marxiana no estudo engendrado por István Mészáros. A crítica da economia
política põe-se neste momento como necessidade histórica para localizarmos as
possibilidades concretas de superação da sociabilidade burguesa. Assim buscamos
entender o atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista em
decadência, fase histórica na qual a crise se desenvolve como uma crise na estrutura
global de reprodução do capital, provocando a fase de financeirização e a produção
destrutiva, dentro de tal quadro tentamos acompanhar e apreender as determinações
de desenvolvimento das formas de valor, iniciando o trajeto pela forma que se
apresenta o metabolismo social, e em particular a contradição interna da mercadoria
na crise estrutural global do capital, buscando o movimento da contradição que nos
põe a beira da barbárie.

Palavras-chave: Critica da economia política; Teoria do valor; Dialética; Crise


estrutural do capital; Produção destrutiva.

1 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Grande Dourados, e-mail:


Fredericolambertucci@outlook.com

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Introdução
A crise estrutural global do capital em suas manifestações mais agudas que
emergem na esfera da aparência é neste momento um fenômeno inegável e permanente –
mesmo que alguns apologistas da ordem do capital insistam de forma veemente que tal
crise seja passageira. Estes mesmos religiosos - pois a eternização do sócio metabolismo
do capital só pode ser questão de fé – dão a “genial” explicação que para a solução da
crise (ou como regra geral das crises)o remédio é apenas estabilizar a moeda, o controle
da emissão de dinheiro – quase sempre através de emissão de títulos da dívida – e o
aumento da taxa de juros, ou de outro lado, quando a crise retira sua grinalda e demonstra
sua insolubilidade dentro da ordem do capital empurram-na para a subjetividade dos
governantes, sendo sempre está a explicação dos apologistas do capital quando não
entendem o que de fato ocorre, ou quando são cínicos o bastante e entendem, mas fazem
vista grossa dos resultados nefastos do sóciometabolismo do capital.

Conforme a crise estrutural global do capital se desenvolve as teorias


mistificadoras tornam-se cada vez mais frágeis como concepção de mundo, ao mesmo
tempo são mais frequentes e comuns. Como o desenvolvimento do capital significa
aprofundamento da alienação, tais sistemas teóricos são, por conseguinte cada vez mais
decadentes - tenhamos em mente como exemplo as teorias marginalistas.

A estes senhores, repitamos as palavras de Marx; a “crise geral. [...], há de inculcar


a dialética até mesmo nos parvenus [novos ricos] do novo Sacro Império Prussiano-
Germânico.”2 (MARX, 2013, p.91).

Diante de tal mistificação, faremos aqui uma análise da contradição do


sóciometabolismo do capital em sua fase de crise estrutural, desde sua contradição global,
até a forma de expressão da contradição na célula da riqueza capitalista para desta forma
demonstrar o real desenvolvimento da crise estrutural, desenvolvimento este que traz a
barbárie em seu bojo. Passemos agora a exposição da contradição global do capital.

A contradição na crise estrutural global do capital

A riqueza na sociedade capitalista possui uma dupla determinação, e nela ocorre,


pois, que toda a produção de valores de uso historicamente foi subjugada pela produção

2 MARX, Karl. O Capital; critica da economia política: Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo:
Boitempo, 2013.

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do capital nos marcos da sociedade capitalista (e deixemos anotado, nas sociedades pós-
capitalistas ou de socialismo realmente existente):

A completa subordinação das necessidades humanas à reprodução de valor de


troca – no interesse da autorrealização ampliada do capital – tem sido o traço
marcante do sistema do capital desde seu início. [...]. Para tornar a produção de
riqueza a finalidade da humanidade, foi necessário separar o valor de uso do valor
de troca, sob a supremacia do último. (MÉSZÁROS, 2011, p.606.).3
Marx em O Capital expôs o movimento lógico-dialético das metamorfoses pelas
quais a mercadoria e sua forma necessária de manifestação, a forma valor passou até
chegar à forma-dinheiro, e hoje podemos mesmo falar do desenvolvimento até as formas
virtuais, fictícias do valor. Essas metamorfoses são a exposição do movimento do valor,
e podemos afirmar que o conjunto da obra do Marx é a exposição completa da teoria
dialética do valor, mesmo que não exaustiva em alguns pontos.

Iniciaremos, no entanto, pela contradição entre relações de produção e forças


produtivas para, em um movimento do universal ao particular, irmos tentando enriquecer
a compreensão da mercadoria e da forma de valor que se apresentam na crise estrutural
global do capital. Obviamente este estudo está em andamento, e por conseguinte, não
pretendemos de modo algum exaurir a discussão. Discutiremos a mercadoria na fase de
decadência civilizatória do sistema sóciometabólico do capital, cujo início se dá a partir
de 1970.

Desta maneira observaremos a relação unitária entre valor e valor de uso e seu
desenvolvimento contraditório cada vez mais acentuado, reside nisto parte importante do
que aqui chamamos produção destrutiva.

Isto significa que o desenvolvimento das forças produtivas entram em contradição


com as relações de produção a tal ponto que, essas relações de produção – que constituem
um sistema de controle do capital sobre o trabalho, pela especificidade do processo de
expansão e acumulação que enseja sua natureza, só podem continuar operando de forma
a tornar o desenvolvimento destas forças produtivas em forças destrutivas para a
humanidade. Se em certo período o capital desenvolvia as forças produtivas e
conjuntamente operava uma função civilizatória – isto claro, reduzido a alguns países de
capitalismo central – a partir dos anos de 1970, quando entramos na crise estrutural, este
movimento duplo se esgota, e de movimento civilizador, o capital introduz a barbárie na

3 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo; Boitempo, 2011.

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vida social: a valorização do capital se dá cada vez mais com um custo humano cada vez
mais acentuado.

No entanto, estas relações de produção capitalistas por sua capacidade de


rearticulação e de desenvolver as forças produtivas – pelas suas leis internas, a
concorrência entre os capitais e a tendência a concentração do capital – não podem ir
contra sua lógica, e sua sobrevivência só pode ocorrer aumentando a acumulação e
expandindo o capital continuamente, ou como explica Marx:

[...], o desenvolvimento da produção capitalista converte em necessidade o


aumento progressivo do capital investido numa empresa industrial, e a
concorrência impõe a cada capitalista individual, como leis coercitivas externas,
as leis imanentes ao modo de produção capitalista. Obriga-o a aplicar
continuamente seu capital a fim de conservá-lo, e ele não pode ampliá-lo senão
por meio da acumulação progressiva. (MARX, 2013, p.667.)4

Dada a lógica interna do modo de produção capitalista, o capital leva a


humanidade a um ponto cada vez mais próximo da extinção – que hoje torna-se uma
possibilidade real – desenvolvendo em seu interior forças destrutivas. Não está posto no
horizonte um travamento total do sistema do capital, mas sim crises que se gestam tanto
na esfera financeira, na forma parasitária do capital fictício, quanto na possibilidade de
crises de realização, em suma, de superprodução do capital, em suas diferentes formas,
que vão se intermediando por queimas de capitais, mercadorias e forças produtivas.

Neste momento, o capital – a partir do conjunto de alterações jurídico-políticas


que precisavam realizar-se para adequar os países ao regime de acumulação pós-70 –
atinge o que Mészáros conceitua como a forma de acumulação posta pelo capital quando
atinge seus limites absolutos, que colocam na ordem do dia a destruição as conquistas
trabalhistas e sociais durante a última quadra do século XX se aprofundando no século
XXI adentro, esta realidade engendrada pelo capital faz com que essa destruição das
condições de vida dos trabalhadores se torne presente inclusive nos países
capitalisticamente avançados, abrindo polos de pobreza e miséria no seu interior. O que
ocorre na América Latina, na mesma direção, foi primeiramente a reestruturação
produtiva forçada, isto com o advento de ditaduras civil-militares, que coordenadas pelo
capital internacional, utilizaram os países de capitalismo dependente como laboratório de
testes para o que se convencionou chamar neoliberalismo e posteriormente o capital

4 MARX, Karl. O Capital, Crítica da Economia Política: Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo,
Boitempo, 2013.

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internacional adentrando e dominando economicamente cada vez de maneira mais


extenuante, colocando na ordem do dia reformas necessárias para a contingência histórica
do capital.

Esses limites absolutos do capital, que são chamados por David Harvey de novo
regime de acumulação5, tem em seu cerne a ocorrência histórica do desemprego
estrutural, que não pode mais ser controlável pelo chamado welfare state ou Estado de
Bem-estar social, que possibilitava altas taxas de lucro para o conjunto de capitais através
do Estado e da política econômica keynesiana.

É evidente que esse dito novo regime de acumulação que diminui os postos de
trabalho com estabilidade e garantias trabalhistas flexibilizando o mercado e aumentando
a rotatividade dos postos de trabalho é na realidade a manifestação dos limites absolutos
do sóciometabolismo do capital e das suas contradições que ganham grandes dimensões
e apontam para a senilidade do sistema.

Essa fase senil do capital tem como uma de suas especificidades o fato que a
existência do desemprego estrutural coloque cada vez mais seres humanos na miséria. Ao
mesmo tempo, o capital mantém em seu metabolismo parcela significativa da
humanidade realizando trabalho supérfluo.

Se historicamente foi possível ao sóciometabolismo do capital atingir nos países


capitalisticamente avançados a situação de pleno emprego e um consumo condizente a
reprodução ampliada do capital, neste momento é uma impossibilidade estrutural
empregar todo ou a parte majoritária do capital no setor produtivo – o que torna
impossível o pleno emprego da força de trabalho – e portanto, não pode elevar de um
lado a distribuição de renda nos países capitalistas centrais e elevar ao mesmo tempo o
consumo pois o mercado de bens está saturado, e de outro, não pode elevar a produção
na mesma medida em que existe capital a ser empregado, eis um dos fatores determinantes
do capital tornar-se especulativo parasitário, a queima de capitais tornar-se regra no
processo de produção e não exceção e o desemprego tornar-se parte da estrutural do
sistema sócio metabólico do capital.

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A categoria “novo regime de acumulação” não consegue expressar tal movimento, porque não observa
que esse desenvolvimento histórico mais que um novo regime, é um momento de desenvolvimento do
capital sua senilidade.

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O desemprego estrutural, mazela social não mais possível de ser resolvida dentro
da ordem sóciometabólica do capital como já dito, está na razão direta com o estágio de
desenvolvimento das forças produtivas. A capacidade de produção posta pelo
desenvolvimento das forças produtivas coloca a superprodução como uma constante e
expulsa cada vez mais força de trabalho das esferas produtivas aumentando ainda mais a
composição orgânica do capital.

A exploração cada vez maior da força de trabalho para garantir o aumento das
taxas de lucros torna-se mais intensa, pois os capitais individuais estão subsumidos a
dinâmica de acumulação global dada na concorrência, portanto, dependem não só da
massa de mais-valor produzida em seu setor, mas também da sua capacidade de
apropriação do valor no mercado.

O desemprego que historicamente constituiu o exército industrial de reserva


desenvolve-se como um mecanismo contínuo que opera abaixando os salários, e em
particular, mantendo-os nos países de capitalismo dependente abaixo do valor da
reprodução. Portanto, alia-se ao desemprego estrutural o crescimento da precarização da
força do trabalho que eleva as taxas de lucro com a exploração do mais-valor absoluto.
Isto sempre foi regra nos países de capitalismo dependente, mas como aponta Carcanholo,
começa a fazer parte dos países capitalisticamente avançados:

O pagamento inferior ao valor da força de trabalho – comum principalmente nos


países subdesenvolvidos mas que atualmente também passam a fazer parte da
estrutura salarial dos países desenvolvidos – continua sendo uma estratégia do
capital para aumentar o excedente subtraído da classe trabalhador, em especial
em tempos de crise e refluxo dos movimentos sociais e populares.
(CARCANHOLO, 2011, p.141.)6
A precarização do trabalho que atende aos imperativos reprodutivos do capital na
crise estrutural não só é uma manifestação da intensificação da exploração da força de
trabalho, mas ao mesmo tempo do aumento das jornadas de trabalho. Na Europa ao
mesmo tempo, o capital eleva as taxas de desemprego e conforme cita Mészáros;

Do modo como as coisas se colocam atualmente, mesmo de acordo com os


quadros oficiais – grosseiramente atenuados – existem mais de 40 milhões de
desempregados nos países industrialmente mais desenvolvidos. Desse quadro, a
Europa responde por mais de 20 milhões e a Alemanha – uma vez elogia por
produzir o “milagre” alemão – ultrapassou a marca de 5 milhões.7 (MÉSZÁROS,
2007, p.143).

6 CARCANHOLO, Reinaldo A. Capital: Essência e Aparência. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
7 MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007.

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O mais-valor absoluto que não se fazia presente nos países do estado de bem-estar
social volta a ser o principal meio de elevação da massa de valor e elevação das taxas de
lucro na Europa, ao mesmo tempo que o desemprego estrutural puxa os salários para
abaixo do valor da força de trabalho constituindo uma unidade que aumenta a capacidade
do capital de extrair trabalho excedente.

O capital na crise estrutural necessita operar uma exploração crescente do


trabalho, uma superexploração da força de trabalho nos países de capitalismo dependente,
fato constatável na América Latina como está acontecendo atualmente no Brasil, com as
contrarreformas propostas nas leis trabalhistas com o aprofundamento da terceirização do
trabalho, ensejado no projeto de Lei 4330/20048. Esta superexploração consiste em pagar
o salário abaixo do valor da força de trabalho em um processo que ao mesmo tempo
intensifica a exploração do trabalho forçando o aumento de produtividade e aumenta a
jornada de trabalho, em um processo de absoluta precarização da força de trabalho.

Ao mesmo tempo, a crise estrutural do capital transforma a destruição produtiva


em produção destrutiva, transformando até mesmo os valores de uso em potencialidades
destrutivas para a humanidade.

Isto porque em um estágio do desenvolvimento da forma-valor corresponde um


estágio do desenvolvimento da forma-mercadoria, donde afirmamos que a crise estrutural
do capital acirra a contradição entre valor de uso e valor no interior das mercadorias por
suas necessidades estruturais de reprodução ampliada dos valores de troca no interesse da
expansão e acumulação do capital como veremos abaixo.

A contradição interna da mercadoria como produção destrutiva: Valor e Valor de


uso.

No capitalismo e em qualquer sociedade onde o produto social tome a forma de


mercadorias, a unidade interna desta se desenvolve tendo dois pólos: valor e valor de uso.
O interesse é apreender qual a forma de desenvolvimento da mercadoria no interior da
crise estrutural do capital e na sua forma específica de reprodução, a produção destrutiva.

Acontece que a forma-mercadoria está intimamente relacionada à forma-valor


como já mencionamos, isto porque o desenvolvimento das formas de valor, i.é, o
movimento de constituição do valor como pólo dominante liga-se necessariamente a

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Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841.
Acessado em: 01/04/2016>.

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forma-mercadoria, porque a contradição do interior da mercadoria também aparece como


exterior, e por esta sua condição, quando ocorrem alterações na forma-valor,
possivelmente podem ocorrer modificações também na forma-mercadoria, esta condição
deriva da mercadoria como parte necessária da reprodução do valor, ou forma necessária
da realização do valor -- não entraremos aqui na discussão sobre a forma fictícia do
capital, que parece reproduzir-se sem a produção de mercadorias, mas que liga-se
necessariamente a essa forma.

A relação dialética entre forma-mercadoria e forma-valor aparece claramente na


análise de Marx da forma de valor no primeiro capítulo de O Capital, quando afirma que:

O produto do trabalho é, em todas as condições sociais, objeto de uso, mas o


produto do trabalho só é transformado em mercadoria numa época historicamente
determinada de desenvolvimento: uma época em que o trabalho despendido na
produção de uma coisa útil se apresenta como sua qualidade “objetiva”, isto é,
como seu valor. Segue-se daí que a forma de valor simples da mercadoria é
simultaneamente a forma-mercadoria simples do produto do trabalho, e que,
portanto, também o desenvolvimento da forma-mercadoria coincide com o
desenvolvimento da forma de valor. (MARX, 2013, p.135-136).9
A primeira diferença da forma-mercadoria analisada em O Capital, para a que
aparece na crise estrutural, é que a forma-mercadoria na crise estrutural se desenvolve
com alterações qualitativas que a tornam destrutiva, modificando sua relação até mesmo
com o pólo dominado, o valor de uso.

Isto se deve ao fato que a crise do capital na sua própria estrutura de reprodução
ativa seus limites absolutos, e nesta fase histórica passa a ser necessidade estrutural à
manipulação física dos valores de uso, o valor não apenas domina o valor de uso, mas a
contradição dos dois se aprofunda de forma que o valor inicia um processo de destruição
do valor de uso – é importante assinalar que tal processo é o limite do valor, pois, a
extinção dos valores de uso representaria a extinção da humanidade e com isto a extinção
do próprio valor.

Este acirramento da contradição entre valor e valor de uso, entra na crise estrutural
em um estágio em que o capital opera nos valores de uso transformações qualitativas
diante das necessidades da reprodução ampliada. Este é o movimento que por mediação
da manipulação genética criou os transgênicos, promoveu a alteração genética e a
manipulação hormonal nos animais de abate e os agrotóxicos sendo usados na produção

9 MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política: Livro I: O processo de produção do capital. São Paulo,
Boitempo, 2013.

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alimentícia de forma generalizada e sempre mais destrutiva, colocando em risco os


processos mais elementares da sobrevivência e da saúde humana

O capital, estruturalmente necessita diminuir o tempo do ciclo de valorização,


achatando o tempo de produção de valores de uso para aumentar o mais-valor relativo
historicamente já alargado e operada a exploração mais extensiva da força de trabalho
fazendo o mais-valor absoluto uma regra e não exceção do processo de valorização, isto
no anseio de aumentar suas taxas de lucro.

Um exemplo desse caso é o já citado processo de manipulação genética dos


animais, ou a manipulação hormonal, que possibilitam a diminuição do tempo de
formação orgânica dos animais, e desta forma um processo de aumento da produtividade
que assegura taxas de lucro colossais, pois a tecnologia adentra o processo como força
produtiva, e isto se constitui como uma necessidade estrutural do sistema sócio
metabólico do capital, por isto Mészáros nos diz que:

[...], com o passar do tempo – que trouxe objetivamente consigo a intensificação


dos antagonismos estruturais do sistema do capital – este se tornou uma força
regressiva perigosa. Se, entretanto, a ordem reprodutiva vigente não tem nenhum
senso de tempo histórico, como, aliás, hoje se verifica, não pode sequer perceber
a diferença, muito menos fazer ajustes necessários de acordo com as condições
transformadas. (MÉSZÁROS, 2007, p.25).10
E por conseguinte, “A aniquilação da história é o único curso de ação plausível,
inseparável da cegueira do capital ao futuro dolorosamente tangível que deve ser
enfrentado. Eis porque o capital não tem alternativa ao abuso do tempo histórico.”
(MÉSZÁROS, 2007, p.25)11. Este abuso do tempo histórico significa o desprezo pela
finitude do tempo, das contingências históricas dadas, em suma, a soberania do tempo
abstrato, do valor.

Estes valores de uso modificados pelas necessidades do capital, mantém as


qualidades de alimentação, mas, isto é apenas uma mediação de segunda ordem para o
sistema sócio metabólico do capital. No atual estágio de desenvolvimento, estes valores
de uso que tinham como propriedade sanar necessidades humanas, passam a acentuar as
mediações de primeira ordem, ou seja, as que constituem a reprodução do valor, do
capital12.

10 MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007.
11 MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007.
12 As mediações de primeira ordem podemos definir como as formas sociais dos produtos do trabalho sob a forma
assumida nas relações do capital que desenvolvem-se sobrepostas as mediações de segunda ordem, mediações
ontológicas, que consistem em condições de existência do gênero humano. As mediações ontológicas por mais que

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Estes valores de uso alterados de forma a atender plenamente aos imperativos do


capital tornam-se destrutivos, essa mediação de primeira ordem, torna a relação
metabólica do homem destrutiva para ele. As qualidades dos valores de uso que
transformam-se qualitativamente nas mediações de primeira ordem, tornam as mediações
de segunda ordem – a reprodução da vida pela alimentação – destrutiva para a
humanidade.

Assim, na crise estrutural, a contradição entre valor e valor de uso, chega aos seus
limites. A impossibilidade estrutural do capital atender minimamente as necessidades
humanas neste momento histórico é tal, que torna a satisfação destas necessidades
destrutivas, e as satisfaz de forma destrutiva porque está é sua única forma de
desenvolvimento na sua fase decadente, está é uma das exigências do capital em sua fase
atual para permanecer no seu movimento de acumulação e expansão, o qual se pretende
eterno, mas barra na impossibilidade de se valorizar sem a humanidade, assim assinala de
forma eloquente Mészáros:

Nossa contingência histórica dada é o que ativa os limites estruturais insuperáveis


– absolutos – do capital. São limites estruturais absolutos do sistema do capital
que se tornam determinações destrutivas inclinadas a obstruir o futuro da
humanidade. Nessa conjuntura da história, o capital não pode, sob nenhum
aspecto, ser diferente do que efetivamente é. (MÉSZÁROS, 2007, p.26).13
Eis um dos princípios da produção destrutiva que o capital ativa neste tempo
histórico pela sua natureza limitada, a destruição não apenas ambiental com a reprodução
dos valores de troca para sua autorrealização ampliada, mas a própria destruição dos
valores de uso que produz, de um lado destruição qualitativa e inversão das
potencialidades dos valores de uso necessários a reprodução da vida humana, de outro,
destruição quantitativa, e portanto, qualitativa dos outros bens em forma de queima de
mercadorias e em queima de capital.

Marx já havia percebido esta tendência destrutiva no interior da contradição entre


forças produtivas e relações de produção capitalistas quando diz que;

Essas forças produtivas, sob o regime da propriedade privada, obtêm apenas um


desenvolvimento unilateral, convertem-se para a maioria em forças destrutivas e
uma grande quantidade dessas forças não consegue alcançar a menor utilização
na propriedade privada. (MARX, 2007, p.60). 14

sejam condição ineliminável da vida são postas como de segunda ordem, pois no sócio-metabolismo do capital elas são
subordinadas e usadas como suportes materiais do capital na sua lógica sócio reprodutiva.
13 MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007.
14 MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: critica da mais recente filosofia alemã em seus representantes
Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. São Paulo: Boitempo, 2007.

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Marx percebeu que quando as forças produtivas chegam a certo estágio de


desenvolvimento não é mais possível ao capital reproduzir-se sem transformar as forças
produtivas em destrutivas. Neste momento histórico, como podemos observar, essas
relações de produção do capital, o sistema sóciometabólico atinge seus limites absolutos,
que em um de seus aspectos se constitui com a transformação das qualidades dos valores
de uso em acordo com as necessidades estruturais do capital, ou seja da reprodução
ampliada do capital.

Desta forma, a frase de Marx deixa claro as necessidades históricas que se põe
frente ao conjunto da humanidade;

Mostramos que os indivíduos atuais têm de superar a propriedade privada porque


as forças produtivas e as formas de intercâmbio se desenvolveram a tal ponto que,
sob o domínio da propriedade privada, se transformaram em forças destrutivas e
porque a oposição entre as classes foi levada ao seu ponto máximo. (MARX,
2007, p.422).15
Conclusão

Essas necessidades históricas que se põe frente a humanidade são uma tarefa
gigantesca, é necessário ter ciência disto para qualquer ação que tomarmos no sentido
revolucionário.

Precisamos ter em mente que historicamente o capital desenvolveu forças


produtivas que possibilitaram objetivamente a emancipação humana – a superação do
complexo da alienação e a superação das condições de destruição objetiva e subjetiva do
ser humano – em forças destrutivas, eis o caráter autofágico do capital nesta fase histórica,
a sua natureza de tornar-se mediador universal e controlador soberano do sócio
metabolismo o levou a assumir todos os papéis da tragédia grega de Ésquilo, e assim o
capital transformou-se em Zeus, mas não pôde ser apenas Zeus, a sua própria natureza
limitada pela sua forma histórica e social o obrigou a ser também Prometeu e a águia
faminta que tão ferozmente lança sobre a humanidade para realizar seus próprios desejos.
Como Zeus o capital cria o fígado de Prometeu para ser devorado, como a águia devora
todos os dias o órgão criado por si mesmo e como Prometeu tem retirado de si sua própria
carne, e assim no dia seguinte novamente como Zeus recria o órgão para reiniciar todo o
processo.

15 MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: critica da mais recente filosofia alemã em seus representantes
Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. São Paulo: Boitempo, 2007.

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O que constitui as diferenças entre o capital e Prometeu, é que Zeus recria nele –
em Prometeu – o mesmo órgão retirado16, e o capital para recriar a si mesmo só o pode
fazer destruindo homem e natureza, não obstante, na medida que destrói o metabolismo
que o enseja destrói a si mesmo. A segunda diferença é que Zeus pode realizar o ciclo
eternamente, enquanto o capital depara-se nesta fase histórica com os seus limites
absolutos.

Ao proletariado e ao conjunto da classe trabalhadora, o que se põe em perspectiva é a


revolução como única solução possível da crise estrutural do capital. O capital
historicamente demonstrou-se um sistema sócio metabólico incontrolável, mas, por sorte
da humanidade, ao contrário do que se demonstrou na estória desta com Zeus, o capital é
passível de destruição, porque produto histórico da humanidade.

A questão é, no entanto, mais urgente neste momento histórico do que jamais foi
em algum outro, isto não implica nenhum tipo de voluntarismo, mas sim que, como nunca
antes na história a organização do proletariado, da classe trabalhadora é tão crucial para
a humanidade, em razão de historicamente a sobrevivência do gênero humano depender
da revolução.

O sujeito antagônico ao capital é evidentemente o trabalho, isto “é o que faz o


enfoque no potencial emancipador socialista do trabalho mais importante hoje do que
nunca” (MÉSZÁROS, 2011, p.96)17 e isto é o que faz a classe trabalhadora como a “classe
que traz o futuro nas mãos”.

16 A analogia se refere a história de Prometeu que condenado por Zeus foi punido a passar a eternidade acorrentado a
uma rocha. Zeus o condenou a ter seu fígado comido por uma águia todos os dias, durante toda a eternidade, e toda
manhã Zeus criava para ele um fígado novo, para que a águia o comesse novamente. A história integral encontra-se no
livro Prometeu acorrentado de Ésquilo. Em <EbooksBrasil.com>, Fonte digital, Clássicos Jackson, Vol. XXII, 2005.
17 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo; Boitempo, 2011.

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Referências bibliográficas

MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia alemã: critica da mais recente filosofia alemã
em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus
diferentes profetas. São Paulo: Boitempo, 2007.

___________. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.

___________. O Capital, Crítica da Economia Política: Livro I: O Processo de Produção do


Capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São
Paulo:Boitempo, 2011.

___________. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007.

REINALDO, Carcanholo. Capital - Essência e Aparência - vol.1. São Paulo; Expressão


Popular, 2011.

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