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Corbyn x May: Uma lição para a esquerda e a direita.

A eleição de um controverso Donald Trump, pautado num discurso protecionista à beira do


xenófobo, e a ascensão do movimento-partido En Marche! de Emmanuel Macron, que deve ser
consolidado com o resultado das eleições para a Assembleia Nacional que começa amanhã,
colocaram em evidencia num plano macro, ou internacional, o atual conflito entre o establishment
político que se consolidou no fim da Guerra Fria e uma nova geração política. As rusgas indiretas
entre ambos por causa do abandono estadunidense do acordo de Paris escondem o fato de que
ambos são animais políticos dessa nova geração, ainda que em polos contrários. Macron se
consolidou como alternativa de normalidade no republicanismo francês diante da ameaça de uma
candidata associada à extrema direita chauvinista francesa, enquanto Trump prometeu “quebrar”
Washington ainda que venha descobrindo que só pode governar se tiver em consonância com outras
instancias da república.

Os efeitos dessa transformação que a democracia ocidental vem passando emergiram com uma
força extraordinária nas eleições parlamentares britânicas da última semana. O modelo político que
está consolidado no Reino Unido desde o começo do século passado, e que preconiza uma forma
indireta de bipartidarismo, tomou pela primeira vez um contorno próprio do século XXI.

Conservative Party (Conservadores), herdeiro do secular Tory Party, e Labour Party (Trabalhistas)
foram os dois grandes modelos dos partidos ocidentais. Ao longo de todo o século XX, o contexto de
Guerra Fria colocou os dois partidos como modelos de como conter o “radicalismo” soviético. Os
conservadores apostando na manutenção do livre mercado, que fez a grandeza do Império Britânico
através da exploração das colônias em Ásia e África no século XIX, e foi fundamental para manter o
grande capital britânico no século XX, e os trabalhistas num modelo socialdemocrata de amplo
oferecimento de proteção estatal sob a qualidade de vida dos súditos da Coroa. Margareth Thatcher
e Clement Attlee são dois nomes que até hoje significam muito no imaginário político britânico, e
ocidental, pela força exemplar de ambos em face do que os dois partidos representavam e
defendiam. O fim da Guerra Fria, contudo, trouxe um novo panorama. A consolidação do Reino
Unido dentro da União Europeia e os anos de domínio conservador deram a vitória a um jovem
político trabalhista, Tony Blair, que romperia com a velha ideia socialdemocrata do trabalhismo,
considerando-a ultrapassada para o pós-guerra.

Blair fundou o “Blairism”, que trouxe o trabalhismo para a direita, alinhado com os EUA na criminosa
Guerra do Iraque, o que fez o partido ser aniquilado nas urnas em 2010 e 2013. David Cameron, um
jovem líder convervador, tripudiava na Câmara dos Comuns, o fato dos trabalhistas estarem se
opondo ao que haviam apoiado durante a era Tony Blair. Abalados pelas derrotas consecutivas, e
ameaçados pelo setor esquerdo do partido, os “blairites”, que dominavam o partido, abriram as
portas do partido para tentar se reconectar com a base do partido, e surgiu com força um novo líder
na equação: Jeremy Bernard Corbyn. Membro do parlamento desde 1983, Corbyn sempre foi
marginalizado dentro do partido como um líder muito radical. Corbyn sempre retrucava que era leal
ao partido no qual entrou nos anos 80, que tinha grandes embates com Margareth Thatcher, e
herdou como adversária, no rescaldo do “Brexit”, Theresa May, que herdou o cargo de premiê após a
renúncia de David Cameron, com ampla maioria. A complexidade do “Brexit”, porém, e o desejo de
respaldo político, levaram May a antecipar as eleições, esperando aumentar a vantagem sobre os
trabalhistas e enterrar Corbyn. É preciso destacar aqui que no início de maio, no início do processo
eleitoral, as pesquisas colocavam os conservadores com mais de 20% de intenção de votos em
relação aos rivais trabalhistas, algo que era saudado pela grande mídia britânica como sinal de
estabilidade e blindagem britânica às transformações e “aventuras” das novas lideranças
democráticas.

Até que veio o programa de governo de ambos os candidatos, e a realidade bateu forte na porta dos
conservadores. Diante da incerteza do “Brexit”, chocou uma parte expressiva do eleitorado britânico
que a fórmula de crescimento proposta pelos conservadores não apresentasse nenhuma novidade
em relação ao que já vinha nos últimos 7 anos, que previa ainda mais austeridade e uma cobrança
desproporcional de impostos sobre a classe média e os mais pobres, apontando ainda para um
avanço num projeto de privatização da saúde pública e um rompimento total com a União Europeia.
May errou ao se apresentar para as urnas como uma versão 2.0 de Thatcher. O mundo mudou, e a
queda brusca nas intenções de voto fizeram os conservadores reverem o programa original, o que só
aumento o descrédito na direita. Corbyn apostou no inverso: fim das mensalidades nas universidades
públicas, saída da União Europeia, mas buscando a manutenção de empregos binacionais nas ilhas da
Rainha e no continente, e reforma tributária mirando os mais ricos. A mídia, vendo a queda
vertiginosa das intenções de voto de May, e preocupada com os rumos do “Brexit”, chamaram um
inédito voto no pequeno partido Liberal-Democrata, que aumentou em apenas cinco cadeiras sua
participação no Parlamento tomando votos dos nacionalistas escoceses. May não teve pudores em
tirar a máscara dos conservadores, e perdeu cadeiras numa eleição onde o propósito era aumentar a
maioria absoluta, agora perdida, enquanto Corbyn fez questão de conduzir as pautas do Labour Party
de volta para a socialdemocracia, que Corbyn não se envergonha de chamar de socialista.

O governo de Theresa May em coalizão com o partido norte-irlandês PDU, de histórico terrorista
como quase todo partido nacionalista não inglês, não parece destinado a uma vida longa, uma vez
que conservadores e unionistas divergem em relação a vários pontos do “Brexit”, principal pauta da
política britânica para os próximos anos, enquanto Jeremy Corbyn, um político casado com uma
imigrante, que vem derrotando sucessivamente o antigo establishment “blairite” dos trabalhistas,
colhe sua primeira vitória, tímida, é verdade, contra a poderosa máquina torie e a campanha de
ridicularizarão que sofre na mídia britânica. Os dois líderes devem despontar como exemplo do que
ser e do que não ser para o novo período democrático em ascensão no mundo moderno.

http://observador.pt/2017/05/28/reino-unido-imposto-sobre-a-demencia-ameaca-vantagem-dos-
conservadores/

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/06/1889329-the-economist-pede-voto-para-os-liberais-
democratas-no-reino-unido.shtml

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