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A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 1
Organizadoras
Maria Betânia Moreira Amador
Sandra Medina Benini
A COMPLEXIDADE DO
“LUGAR” E DO “NÃO LUGAR”
numa abordagem geográfico-ambiental
1a Edição
TUPÃ/ SP
ANAP
2016
2 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Editora
Diretoria da ANAP
Presidente: Sandra Medina Benini
Vice-Presidente: Allan Leon Casemiro da Silva
1ª Tesoureira: Maria Aparecida Alves Harada
2ª Tesoureiro: Jefferson Moreira da Silva
1ª Secretária: Rosangela Parilha Casemiro
2ª Secretária: Elisângela Medina Benini
Suporte Jurídico
Adv. Elisângela Medina Benini
Adv. Allaine Casemiro
Revisão Ortográfica
Jairo Nogueira Luna
Smirna Cavalheiro
Organizadoras
ISBN 978-85-68242-25-4
CDD: 900
CDU: 911/47
Sumário
Prefácio 08
Prof. Dr. Antonio Carlos de Barros Corrêa
Apresentação 11
Capítulo 1 12
A cidade como espaço de nascimento, vida e morte
Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro
Capítulo 2 20
Interconexão biogeografia, biodiversidade e lugar
Profa. Dra. Maria Betânia Moreira Amador
Capítulo 3 30
Desastres naturais provocados por eventos extremos: uma realidade brasileira e
do Estado de Pernambuco
Profa. Dra. Cristiana Coutinho Duarte
Capítulo 4 45
Lugares inovativos: cidade do conhecimento e dimensões balizadoras
Profa. Dra. Roberta Medeiros de Souza
Capítulo 5 55
A paisagem na escala do lugar
Prof. Dr. Rodrigo de Freitas Amorim
Profa. Dra. Danielle Gomes da Silva
Capítulo 6 68
Onde e quando: o lugar do espaço e do tempo no Espaço-Tempo
Prof. Dr. Irami Buarque do Amazonas
Capítulo 7 83
Significado e importância ambiental dos espaços livres urbanos
Prof. Dr. Carlos Sait P. de Andrade
Capítulo 8 98
O lugar de todos nós como possibilidade
Prof. Dr. Alcindo José de Sá
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 7
Capítulo 9 108
O lugar como construto de interpretação socioespacial: um olhar para o
município de Horizonte, Estado do Ceará
Prof. Dr. Emanuel Lindemberg Silva Albuquerque
Prof. Dr. Daniel Dantas Moreira Gomes
Capítulo 10 118
O lugar geográfico como metáfora consciência
Prof. Dr. Luciano Lins
Capítulo 11 131
Pesquisas sobre perfis longitudinais do Estado de Pernambuco: Estado da arte e
perspectivas futuras
Prof. Dr. Maurício Costa Goldfarb
8 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Prefácio
1
Professor Associado do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE, Pesquisador nível 1-D do Cnpq.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 9
demarcam seus terrenos e territórios de ação, o que lhes confere distinção em relação aos
demais, além de estabelecer as circunscrições onde prevalecem determinados conjuntos de
normas e práticas culturais. Assim, a valorização do lugar como elemento focal da análise
geográfica abre a possibilidade de elucidar o papel deste tanto na modulação das relações
sociais quanto na forma como essas lhe atribuem significados próprios, historicamente
construídos, e de certa forma irreplicáveis. O uso corrente do lugar como elemento-chave
das discussões geográficas vem transcendendo a mera idealização passageira da valorização
do único pela geografia, e agregando olhares mais abrangentes e humanistas em um
momento em que as metanarrativas sintetizadoras são fortemente revistas no âmbito das
ciências da sociedade.
O presente volume nos convida a refletir sobre alguns dos desdobramentos e
implicações recentes desta epígrafe-síntese da geografia, o lugar. Alguns capítulos se
debruçam sobre a discussão e reflexão conceitual e filosófica, enquanto outros seguem a
rota da observação empiricamente construída e mediada pelos estudos de caso. Todos são
instigantes e todos testemunham quão vital e diversa a geografia atual se nos apresenta, se
não mais como a ciência dos lugares, mas como a ciência na qual o lugar continua ocupando
uma posição central.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 11
Apresentação
O tema que se apresenta nesta modesta obra visa a preencher, em particular, uma
lacuna que se verifica ao pensar sobre lugar, seja ele qual for: físico, matemático, metafísico,
enfim, trata-se de uma oportunidade para todos os interessados no assunto quando da
necessidade de buscar mais informação ou, simplesmente, uma contribuição para reflexões
frente as cada vez mais tangíveis preocupações ambientais.
Embasar propostas teóricas e também metodológicas é tarefa árdua, e necessária
em todo trabalho técnico e científico. E nesse contexto oferece-se aqui um esforço coletivo,
pode-se afirmar prazeroso com certeza, que traz em sua essência o subjetivismo e
objetivismo, ao mesmo tempo, dos autores envolvidos.
Assim sendo, a disposição dos capítulos procura articular as concepções de ordem
mais teórica com aquelas de ordem mais prática, nas quais o leitor terá a oportunidade de
perceber a aplicação dos diversos conceitos que orbitam o conceito “lugar”. Fica claro,
também, a interdisciplinaridade, tão necessária em trabalhos de cunho ambiental, visto que
é no ambiente onde acontecem e interferem as ações humanas.
Cabe ressaltar, ainda, que se primou pela capacitação dos autores, todos com
titulação de doutorado e alguns outros também com seus pós-doutorados, ao mesmo
tempo em que se teve a preocupação do pensar interdepartamentos e interinstitucional
dando, assim, robustez e coesão aos parâmetros sonhados na perspectiva de obter-se um
trabalho inovador e articulado com as demandas atuais nos diversos cenários que se
apresentam na realidade, seja urbana, seja rural, e que, ao final, configura-se em uma
preocupação local.
Logo, espera-se que o conteúdo aqui apresentado contribua para um novo olhar
sobre o lugar. Que se preste mais atenção no mesmo e a partir daí se possa construir e/ou
reconstruir ambientes com características de sustentabilidade e, mais ainda, que se tenha
mais senso de bem comum, de bem difuso.
Capítulo 1
INTRODUÇÃO
As perguntas que podemos dirigir ao cidadão sobre a noção de lugar, implica uma
reflexão sobre as dimensões objetivas e subjetivas que afetam o sujeito, se o olharmos
desde uma perspectiva psíquica. Queremos abordar nesta reflexão a cidade como lócus de
convivência, de redimensionamento dos laços sociais, que sempre reclamam o cerne da
produção de mal-estar ou sofrimento psíquico, por colocar em cena a complexidade das
relações entre as pessoas.
A cidade, em termos subjetivos, convida o sujeito para o espaço da representação
de determinada referência à origem, do sentimento de pertença, do deslocamento e do
destino. Implica uma discussão sobre o nascer, viver, conviver e o morrer nos espaços. Em
outras palavras, não há como estabelecer uma discussão sobre a cidade sem implicar no
contraponto sobre os não lugares que o espaço da cidade apresenta constantemente ao
cidadão, toda vez que é contrastado com as impossibilidades de desenvolver um projeto
objetivo de vida, com as intempéries, e, sobretudo, com as ameaças da manutenção da vida.
Em pesquisa realizada com vítimas da violência em espaços públicos em Fortaleza,
no Estado do Ceará, ao longo de 2010, utilizando-se da metodologia da Pesquisa Intervenção
em Psicanálise, privilegiou-se a escuta dos sujeitos, dos cidadãos, em relação a suas posições
no laço social, como uma referência ao que chamamos de não lugares deflagrados sempre
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Professor Doutor em Psicologia da UPE / Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 13
que o sujeito se depara com a negação dos espaços que ocupa cotidianamente no âmbito da
cidade. A intervenção se faz a partir do sofrimento psíquico que o sujeito traz à Instituição –
neste caso, a delegacia plantonista – a qual recorre para destinar uma demanda de amparo
diante do horror da cena de violência vivenciada, trata-se, portanto, uma intervenção
realizada sobre a concepção do laço social (CARNEIRO, 2010). Essa perspectiva de pesquisa
implica uma dupla função: “à função constituinte do problema circunscrito às causas e
efeitos subjetivos [...] e à função interventiva, entendida como uma impossibilidade de
neutralidade no espaço da transferência de trabalho constituída no ato da pesquisa”
(CARNEIRO, 2010, p. 147).
Teoricamente, os dispositivos sociais, seus efeitos e causas voltadas para a
ressignificação do sujeito no laço social toma como apoio as diversas formas de
manifestação do mal-estar na cultura (FREUD, 1996[1930]). Como aposta na reconstrução na
dimensão do laço, o privilégio é dado à Função e o Campo da Palavra e da Linguagem
(LACAN, 1998[1953]) como restituidora do sentido da experiência traumática, viável para o
sujeito e sua relação com os discursos sociais atrelados, no contexto das novas formas de
construção subjetivas.
Metodologicamente, a pesquisa fundamentou-se em uma abordagem qualitativa,
proporcionando a valorização dos conteúdos, discursos e significados. Nessa perspectiva, o
material da pesquisa foi organizado a partir da reconstrução do plano discursivo do sujeito
que, após uma experiência de ruptura simbólica vivida a partir de uma violência sofrida no
espaço urbano, volta a articular pela linguagem sua posição no contexto da sociedade. No
caso desta pesquisa, a intervenção se dava no momento que o sujeito recorria à lei, quando
do registro do Boletim de Ocorrência. A aposta interventiva foi além do registro formal da
queixa, para que o sujeito retomasse contato com o sentido de sua posição no laço social.
Para isso, a passagem do relato policial para o sentido do discurso sobre as causas e os
efeitos da violência servia como núcleo central da intervenção.
Das categorias construídas nesta pesquisa (Figura 1), destacam-se: “Desgastes dos
laços familiares”, “Subjetividade globalizada”, “Violência Sistêmica e Consumo Predatório”,
“Sentidos de pertença à Cidade”, “Referência à Lei”, “O Valor da Vida”, “Causas da Violência”
e “Efeitos da Violência”. A ênfase dada neste texto, recai sobre a categoria acerca dos
14 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Sentido de
pertença à cidade
Cidade violenta
Fonte: Extraído da pesquisa “A imagem da violência: causas e efeitos traumáticos em vítimas da violência em
espaços públicos elaborada pelo autor, não publicada”.
PERTENCIMENTO À CIDADE
A partir dos recortes discursivos das vítimas de violência em espaço público, são
reconhecidos elementos que articulam a fala dos sujeitos à representação subjetiva que
guarda o cidadão do espaço de pertencimento à cidade. Dessa forma, foram identificados os
seguintes aspectos: cidade violenta; insegurança generalizada; assaltos frequentes (aumento
da criminalidade); formas de ocupação do espaço público; restrição da liberdade;
desterritorialização e segregação territorial.
A sociedade vive sob a égide de uma insegurança planetária: desde os assaltos,
sequestros, homicídios, roubos e furtos das grandes metrópoles até os homens-bomba que,
paradoxalmente, encontram na morte um sentido para a vida. A sobrevivência e a proteção
tornaram-se o fundamento da existência, impregnadas pela banalidade do mal (ARENDT,
1999).
A insegurança e o medo parecem ter assumido um dos fatores mais preocupantes e
dilacerantes na dimensão existencial do sujeito com o seu vínculo territorial. Tais recortes
discursivos transmitem essa questão:
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 15
Em outros bairros nem se fala, acho que o policiamento tá mais focado aqui
[Aldeota-Meireles]. É mais perigoso [os bairros] Barra do Ceará, Bezerra de
Menezes, esses lados que são muito perigosos, e você não vê policiamento
[…]. Fala do Sujeito 18.
Hoje a gente tá de carro e já param do lado com a arma na mão; quer dizer,
se nem dentro do carro a gente tem segurança, imagina de moto ou a pé.
Fala do Sujeito 18.
Comenta sobre a falta de policiamento e segurança em Fortaleza, o que a faz pensar que a
situação está sem controle: “todos falam a mesma coisa, foram assaltados nos mesmos
lugares e nada se resolve”.
Outro sujeito considerava Fortaleza uma cidade mais tranquila que Campinas/SP,
onde reside. No entanto, tem escutado constantemente durante sua permanência em férias,
na cidade, insistentes advertências inclusive, pelos noticiários, para não sair com relógio ou
com quaisquer objetos de valor. Fala, com pesar, de já haver presenciado roubos na cidade
que considerava, até então, tranquila.
Dessa forma, esses sujeitos parecem explicitar os processos de poder que circulam
e se alojam em seus discursos, desimplicados de uma possibilidade de atribuir um sentido de
pertença.
Bauman (2001) descreve um sujeito contemporâneo sem raízes, que segue os
fluxos mercadológicos e comunicacionais, em uma infindável demanda de consumo.
Implicações subjetivas de uma sociedade que, continuamente, dá indicações de
manifestações totalitárias feudalizada em “guetos” de muros invisíveis de segregação
econômica e de consequente segregação territorial (MIR, 2004).
Uma organização social fundamentada em um espaço social, denominado Mercado,
que exige de cada sujeito um constante remodelamento tal qual como se faz com uma
roupa, para que não fique ultrapassado e fora de moda (BAUMAN, 2009). Um sujeito sob
“formatação” contínua de acordo com as exigências do Divino Mercado (DUFOUR, 2008), em
que a vida e o corpo adquirem o caráter de produto.
Análise que corrobora com Sennet (2008) quanto às formas de ocupação do espaço
público: “a massa dos corpos que antes aglomerava-se nos centros urbanos hoje está
dispersa, reunindo-se em polos comerciais, mais preocupada em consumir do que com
qualquer outro propósito mais complexo, político ou comunitário” (p. 19).
Tal assertiva do sociólogo citado conduz a pensar em uma organização social cujo
modelo se alinha com as incursões capitalistas de adestramento ao consumo em massa, na
tentativa de desarticular e tornar patética qualquer iniciativa de âmbito político que
implique em direitos e deveres dos cidadãos.
A segurança, assim, passa a ser presa fácil do Mercado – através de produtos como
os condomínios fechados, cercas elétricas, carros blindados, serviço de guardas privados,
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 17
etc. – e termina entrando na lógica de mais um serviço a ser consumido, o que para muitos é
inacessível, restando uma vez mais somente a condição de excluídos nos guetos das favelas
– as senzalas contemporâneas (MIR, 2004). O que favorece, ainda segundo Mir, a uma
segregação bem mais sofisticada, numa espécie de assepsia social e que configura a
constituição das novas castas da época pós-moderna: incluídos e excluídos, instituindo, além
do preconceito racial, o “apartheid econômico” (MIR, 2004, p. 33).
CONSIDERAÇÕES
qual destitui a premissa do senso comum de que a violência é movida pela conduta humana
irracional e impulsiva, ao invés disso, segundo a autora, desenvolve-se nas entranhas da
burocracia.
Mas se o sujeito foi reduzido a um corpo-produto que deambula pela cidade como
uma imagem, pois quando cada um tenta “salvar a própria imagem", como diz o jargão
popular, quem não se salva é o próprio sujeito que se torna presa fácil do aniquilamento.
Assim, nessa lógica, a prática da violência adquire uma coerência espantosa e o ato violento
uma prática banal, um contexto em que, como afirma Kristeva (2002), o sujeito foi reduzido
a um aparato biológico destituído de alma.
Um cenário de transformações científicas, tecnológicas e econômicas de grande
complexidade produz novos modos de regulação social. Elementos tais como norma, ideal,
autoridade e hierarquia tradicional vêm sendo profundamente questionados, evidenciando
uma sociabilidade com vasta diversidade de referências (DUFOUR, 2008).
O resultado obtido pela pesquisa evidencia uma defasagem entre a crise
estabelecida pela situação de violência em Fortaleza e o fracasso no alcance das
intervenções das instituições sociais que, segundo a fala dos sujeitos, sequer se aproximam
da complexidade do problema e terminam se configurando paliativos para remediar uma
guerra instalada nas várias dimensões da vida.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, G. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo.
Belo Horizonte: UFMG, 2002.
______. Confiança e medo na cidade. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2009.
BENASAYAG, M.; SCHIMIT, G. L‟epoca delle pasioni tristi. Milão: Feltrinelli, 2005.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 19
FREUD, S. O mal-estar na civilização. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996[1930]. v. 21.
LACAN, J. Função e o campo da palavra e da linguagem. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998[1953].
MIR, L. Guerra civil: estado e trauma. São Paulo: Geração Editorial, 2004.
Capítulo 2
INTRODUÇÃO
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Professora Doutora em Geografia da UPE / Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 21
Por esse e por outros conceitos percebe-se que a tônica inerente à Biogeografia,
então, é a preocupação com o geral, sempre estudando, analisando grandes
compartimentos fitogeográficos e/ou zoogeográficos associando-os com clima, solo e, assim,
obter diferentes quadros explicativos da distribuição dos elementos vivos, sejam vegetais ou
animais sobre a superfície da Terra.
As especificidades dessas distribuições fornecem características identitárias, os
chamados habitats, em sua maioria de caráter territorial, mas que, com relação ao homem,
entre as espécies viventes, esse encara o território de forma diferenciada, embora o poder e
suas relações sejam inerentes a qualquer ser vivo. No caso do ser humano, manifestam-se
com outra conotação, ou seja, a base territorial não é apenas para sobrevivência e
preservação da espécie, mas cede ao apelo da dominação em suas formas econômica, social
e cultural.
22 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
O LOCAL NA BIOGEOGRAFIA
esse capital natural normalmente considerando-o, ainda, como inesgotável ou mesmo sem nenhum
ou pouco valor.
Embora essa questão de não haver afetividade em relação ao lugar e do desrespeito ao
patrimônio vivo sejam antigas, como bem caracteriza a observação posta por um naturalista do
século XIX, se referindo a um agricultor brasileiro que:
Olha para duas ou mais léguas de florestas como se elas não fossem nada, e ele
mal as reduziu a cinzas e já lança seu olhar ainda mais adiante para levar a
destruição a outras partes; não nutre nem afeição nem amor pela terra que cultiva,
tendo plena consciência de que ela provavelmente não irá durar para seus filhos.
(DEAN, 1996, p. 155).
propiciar um despertar de cidadania e um olhar para o lugar e/ou a partir do lugar de cada
um.
Assim, ressalta-se a necessidade de se tomar Yi Fu Tuan como referência pela defesa
do lugar e da Topofilia. A sua leitura indica, claramente, que no esteio da sustentabilidade,
do ambiental, é fundamental se ter conhecimento e amor pelo espaço no qual,
provavelmente, se nasceu, viveu e se vivenciou. Valores como respeito não aparecem do
nada, é preciso uma construção e, assim, percebe-se que projetos de caráter interventivo
em dado espaço, são mais coerentes quando realizados por quem o conhece e tem a devida
afeição. Projetos técnicos elaborados por profissionais que não possuem essa característica
pecam muitas vezes, por desconsiderar e/ou achar irrelevante determinada ação/recurso
natural.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar o local, então, sob a tutela da Biogeografia requer um olhar sistêmico que
consiga perceber a inter-relação dos componentes da teia da vida em determinada biota.
Mas compondo o entrelaçamento necessário com o geossistema na direção de, não só
identificar, descrever, catalogar, aplicar teorias pertinentes à ciência biogeográfica, mas
levar em conta também conceitos de sustentabilidade, complexidade, os quais
compatibilizem simultaneamente interesses de ordem econômica, ambiental, social e
cultural para compreender o espaço/lugar contribuindo, assim, para a minimização de
problemas de variados tipos, além de harmonizar as relações inerentes a um trabalho
interdisciplinar como os biogeográficos.
Urge, então, priorizar trabalhos de pesquisa em lugares os mais diversos,
esquecidos nos confins do país, cuja flora e fauna estão dia a dia desaparecendo sem terem
tido a chance do necessário reconhecimento para a sustentabilidade em sua ampla
dimensão, bem como de estudos biogeográficos de caráter interdisciplinar.
Encerra-se este capítulo, pois, trazendo para reflexão palavras da Encíclica do Papa
Francisco recém-publicada:
Logo, fica evidente a deferência feita ao “lugar” como ponto de apoio a todos nós
na busca de relacionamento harmonioso com a natureza. Independentemente das escolhas
filosóficas e religiosas de cada um, há de se concordar que o homem é natureza em sua mais
pura essência e, portanto, deve primar por mudanças que visem à preservação e/ou
conservação de espaços que se retratam nele mesmo respeitando tudo e qualquer recurso
natural materializado na biodiversidade do lugar.
REFERÊNCIAS
______. Teorizando com Tuan e Morin numa perspectiva sistêmica do ambiente. In: SILVA,
A. L. da; BENINI, S. M.; DIAS, L. S. Fórum ambiental: uma visão multidisciplinar da questão
ambiental. Tupã, SP: ANAP, 2015.
DAJOZ, R. Princípios de ecologia. Tradução de Fátima Murad. 7. ed. Porto Alegre: Artmed,
2005.
28 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
MARANDOLA JR., E.. Prefácio. In: TUAN, Y.-F. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência.
Tradução de Lívia de Oliveira. Londrina: Eduel, 2013.
ROSS, J. Ecogeografia do Brasil: subsídios para planejamento ambiental. São Paulo: Oficina
de Textos, 2006.
SERRES, M. O contrato natural. Tradução de Serafim Ferreira. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
TROPPMAIR, H. Biogeografia e meio ambiente. 9. ed. Rio de Janeiro: Technical Books, 2012.
VATICANO. Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco Sobre o Cuidado da Casa
Comum. Disponível em:
<http://w2.vatican.va/content/dam/francesco/pdf/encyclicals/documents/papa-
francesco_20150524_enciclica-laudato-si_po.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2016.
30 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Capítulo 3
INTRODUÇÃO
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Professora Doutora em Geografia da UPE – Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 31
pluviométricos, e uma porção seca. Assim, os principais desastres que ocorrem no Brasil
estão relacionados a enxurradas ou inundações bruscas, deslizamentos de terra, secas e a
erosão. Entretanto, um fenômeno natural só é considerado como desastre quando ocorre
em locais onde seres humanos vivem, resultando em danos (materiais e humanos) e
prejuízos (socioeconômicos).
Destacam-se, neste país, os eventos que ocorreram no final de 2008 em Santa
Catarina, em junho de 2010 nos municípios dos Estados de Pernambuco e Alagoas, e em
janeiro de 2011 em municípios da região serrana do Rio de Janeiro. Mesmo sabendo-se que
os desastres naturais são mais significativos em áreas de maior vulnerabilidade como os
assentamentos informais, os eventos que ocorreram tanto em Santa Catarina, em 2008,
quanto no Rio de Janeiro, em 2011, também atingiram áreas ocupadas por residências de
alto padrão.
Até metade do ano de 2015 vários municípios brasileiros sofreram com as fortes
chuvas, com destaque para municípios de Salvador, em que foram registradas mais de 20
mortes provocadas por deslizamentos em maio desse ano, municípios do Rio Grande do Sul
e Santa Catarina em julho e municípios da Região Metropolitana do Recife com registros de
movimentos de massa, inundações e alagamentos, causando sérios transtornos à população
e contabilizados dois casos de morte nessa região.
Tais desastres estiveram associados a eventos climáticos e meteorológicos
extremos, ou seja, aqueles em que os totais pluviométricos em certo período – seja anual,
sazonal, diário, seja outro – apresentam desvios de chuva superiores ou inferiores ao
comportamento habitual da área no período analisado. Sarewitz e Pielke Jr. (2000) os
definem como uma ocorrência que apresenta uma incidência rara, distanciando-se da
média, variando em sua magnitude.
Pesquisas relacionadas com a ocorrência de desastres naturais no mundo e no
Brasil vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos, ajudando, portanto, na identificação das
principais causas do aumento da ocorrência de desastres e as formas de mitigação e
adaptação. Desse modo, este artigo tem como objetivo apresentar o resultado de uma
compilação e análise dos principais desastres naturais que assolam o mundo como um todo,
o Brasil, o Nordeste, o Estado de Pernambuco, até chegar à Região Metropolitana do Recife
baseando-se em banco de dados de desastres internacionais, como o EM-DAT (The
32 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
O United Nations Office for Disaster Risk Reduction (UNISDR) conceitua desastres
como o resultado de eventos adversos, naturais e provocados pelo homem, sobre um
cenário vulnerável, causando grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou
sociedade. Envolve extensivas perdas e danos humanos, materiais, econômicos ou
ambientais, que excedem a capacidade da sociedade de lidar com o problema usando meios
próprios.
Os desastres podem ser divididos em dois grupos: os tecnológicos e os naturais, no
entanto, serão aqui expostos somente os desastres naturais. Esses últimos, por sua vez, são
divididos em cinco grupos: geofísicos, meteorológicos, hidrológicos, climatológicos e
biológicos (BELOW; WIRTZ; GUHA-SAPIR, 2009).
Os desastres meteorológicos, hidrológicos e climatológicos estão normalmente
relacionados a eventos considerados extremos. Esses eventos extremos podem atingir de
forma diferenciada determinados lugares, por estarem associados a outros fatores como a
vulnerabilidade. Assim, O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC, 2012), em seu
relatório especial denominado Managing the risks of extreme events and disasters to
advance climate change adaptation, traz algumas ressalvas sobre os eventos climáticos
extremos. Alguns eventos climáticos e hidrológicos extremos, por exemplo, secas e
inundações, podem ser o resultado de uma acumulação de eventos meteorológicos ou
climáticos que, individualmente, não seriam considerados como extremos, entretanto, o
acumulado pode ser. Assim como eventos meteorológicos ou climáticos, mesmo não sendo
estatisticamente extremos, podem levar a condições ou a impactos extremos, quer seja por
atravessar um limiar social, ecológico ou físico crítico, quer pela ocorrência simultânea de
dois eventos. Por outro lado, nem todos os extremos conduzem necessariamente a um
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 33
impacto grave, haja vista o local onde ocorreu o fenômeno, por exemplo, em um ambiente
natural onde não há ocupação (DUARTE, 2016).
Com a intenção de tentar padronizar os diferentes conceitos sobre desastres, tipos
e formas de coleta de informações para elaboração de banco de dados e estudos
estatísticos, o Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) da Universidade
de Louvain, criou o EM-DAT: The International Disaster Database. Esse banco visa à coleta
sistemática e análise de dados sobre desastres, fornecendo informações para governos e
agências encarregados de atividades de socorro e recuperação das áreas afetadas, além de
fornecer subsídios às análises estatísticas e elaboração de relatórios anuais de desastres
elaborados pela UNISDR (DUARTE, 2016).
O Ministério da Integração Nacional do Governo Federal do Brasil (BRASIL, 2012)
adota o mesmo conceito proposto pela UNISDR e segue a Classificação Brasileira de
Desastres (COBRADE) baseada na classificação utilizada pelo EM-DAT, com adaptações à
realidade brasileira (Quadro 1).
Figura 1: Gráfico representativo dos dez países com o maior número de eventos registrados em 2013
Em 2012, a maioria dos casos de erosão ocorreu no Nordeste e Norte, com 38,46%
e 46,15% dos casos, respectivamente. Predominando a erosão marinha costeira no Nordeste
e erosão das margens fluviais no Norte (BRASIL, 2013).
Os eventos de seca/estiagem são os que afetam o maior número de pessoas,
afetando, em 2011, nas Regiões Norte, Sul/Sudeste e semiárido nordestino 1.308.873
pessoas. Em 2012, por sua vez, o número de pessoas afetadas por seca/estiagem foi de
8.956.853. Na região do semiárido nordestino foi onde os impactos foram mais perceptíveis.
Esse número foi bem acima do observado em 2011 (1.308.873).
Em relação aos alagamentos, em 2011, as Regiões Sudeste e Sul foram as que
apresentaram o maior número de ocorrências, com 29.198 e 112.031 afetados,
respectivamente. A Região Nordeste, principalmente no Estado da Bahia, teve um total de
37.904 afetados. Em 2012, ocorreram 17 desastres provocados por alagamento no Brasil,
prevalecendo na Região Sudeste, seguida do Sul e Nordeste. No entanto, na totalidade do
Brasil, observou-se menor frequência de alagamentos. Tal fato pode ser explicado pelo
déficit de precipitação desse ano, principalmente na Região Nordeste, onde os impactos
foram sentidos inclusive fora do semiárido. Mesmo assim, na Região Nordeste contaram-se
10 desabrigados, 255 desalojados e um total de 1.552 afetados.
As enxurradas afetaram 7.043.989 pessoas no Brasil, em 2011, além de 518 óbitos e
mais de 600 feridos. Contudo, danos humanos decorrentes de enxurradas estão
relacionados, na maioria das vezes, às ocupações desordenadas nas margens dos rios ou
outras áreas com alta suscetibilidade a esse tipo de desastre. O maior número de
desabrigados por enxurrada foi na Região Nordeste (23.118), mas com apenas 6 casos de
óbito, enquanto na Região Sudeste foram 492 casos.
Em 2012, o número de ocorrências de enxurradas foi muito reduzido, se comparado
com 2011 (total de 93 ocorrências), sendo a Região Sudeste a mais afetada. A Região
Nordeste, por sua vez, apresentou somente 4 ocorrências.
As inundações, geralmente ocasionadas por chuvas prolongadas em áreas de
planícies tiveram as maiores ocorrências, em 2011, registradas nas Regiões Sul e Sudeste. O
Nordeste também apresentou significativos registros, com uma distribuição esparsa desses
ao longo dos meses, tendo um maior número de inundações em maio, que é um dos meses
de maior precipitação na porção leste do Nordeste, onde foram afetadas 308.928 pessoas.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 39
segundo a autora, foram anos que apresentaram chuvas anuais dentro da normalidade,
entretanto, as chuvas ocorreram de forma intensa e concentrada no mês de junho.
O ano de maior número de ocorrência de enxurradas foi 2004 (95 registros),
principalmente nos municípios da região semiárida. Em 2010, foram registradas 74
ocorrências, em que 65 ocorreram no mês de junho, apresentando um acumulado de 219,01
mm em 111 dias de chuva. Outro ano significativo foi o mês de junho de 2005, com 37 do
total de 41 ocorrências.
No ano de 2010, as fortes chuvas que ocorreram nos dias 17 e 18 de junho, que
representaram 70% das chuvas esperadas para todo o mês, atingiram diretamente desde a
cabeceira dos rios Una, Jaboatão e Ipojuca, até a foz, provocando enxurradas violentas,
destruindo cidades inteiras como os municípios Palmares e Barreiros, afetando 67
municípios pernambucanos, dentre os quais 12 decretaram situação de calamidade pública e
30 entraram em situação de emergência. Foram registradas 20 mortes em decorrência desse
evento. O referido número de mortes ainda foi menor que o esperado devido à rápida
atuação do Estado, com a emissão de alertas a população, minimizando os danos humanos
(BANCO MUNDIAL, 2012).
Em relação aos movimentos gravitacionais de massa, a RMR é a mais atingida. Esses
desastres ocorrem nas áreas de morro, onde a ocupação se deu de modo desordenado
ainda havendo atributos naturais para a suscetibilidade à instabilização de encostas, como a
geologia da área. Nos municípios de Recife, Olinda e Camaragibe, os principais locais de
deslizamentos estão sobre a Formação Barreiras (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA, 2013). Já nos municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, por exemplo, os
deslizamentos ocorrem, predominantemente, nas áreas do embasamento cristalino
ocupadas pelo cultivo da cana-de-açúcar ou por ocupação desordenada.
Entre 1990 e 2010, contabilizaram-se 14 registros oficiais de movimentos de massa
em Pernambuco, registrados em oito municípios na porção leste do Estado. Dentre esses,
estão: Recife, Olinda, Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes na RMR; Goiana, Ribeirão e
Quipapá na Zona da Mata e Gravatá no Agreste de Pernambuco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SANTA CATARINA, 2013).
Vale ressaltar que a magnitude dos movimentos de massa que ocorrem no Estado
de Pernambuco não é tão significativa para serem classificados como desastres naturais e
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 41
cadastrados nos referidos bancos de dados, mas dados das Coordenadorias de Defesas Civis
do Estado e dos municípios trazem informações mais detalhadas e problemas acarretados
por esses processos, como perda de residências e, em casos mais localizados, a existência de
óbitos.
Na Região Metropolitana do Recife, conforme foi visto, é constante a ocorrência de
desastres geológicos (movimentos de massa e erosão – continental e costeira), hidrológicos
(enxurradas ou inundações bruscas, inundações e alagamentos) e meteorológicos
(tempestades locais/convectiva promovendo chuvas intensas e ventos fortes). Os desastres
climatológicos estão relacionados à seca, representadas pelas estiagens, as quais se referem
a um período prolongado de baixa ou nenhuma pluviosidade, em que a perda da umidade
do solo é superior à sua reposição. Esses eventos de estiagens acarretaram em uma escassez
de água nos reservatórios levando a longos períodos de racionamento de água em toda a
RMR.
Quando ocorre um evento de chuva de elevada magnitude na RMR, destacam-se a
ocorrência de vários pontos de alagamentos, enxurradas e vários deslizamentos são
contabilizados. Esses últimos são intensificados pela vulnerabilidade da população que
ocupa as áreas de morros e pelas intervenções antrópicas.
De acordo com Coutinho e Bandeira (2012) é muito comum identificar nas áreas de
morro da RMR cortes verticalizados, aterros mal compactados, taludes desprovidos de
cobertura superficial, lançamento de águas servidas, fossas nas bordas dos taludes,
vazamento de tubulações e acúmulo de lixo. Esses são exemplos de intervenções antrópicas
que funcionam como agentes preparatório ou imediato de um deslizamento. A ocorrência
desses, no entanto, são intensificados quando da ocorrência de um evento de chuva de alta
magnitude, uma vez que a erosão hídrica pluvial e os escorregamentos planares são os
principais processos de instabilização de encosta na RMR.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (2005) contabilizou um total de 1.572 mortes
por deslizamentos no Brasil no período de 1988 a 2005. O que representa um número
aproximado, já que algumas ocorrências conhecidas na RMR não constam entre esses dados.
Bandeira e Coutinho (2015) apresentaram um total de 214 mortes provocadas por
deslizamentos entre 1984 e 2012 nessa região. Em 2011, nove vítimas fatais foram
contabilizadas após as chuvas intensas que ocorreram em junho (120,3 mm/24 h).
42 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Infelizmente, aumentando esse total de mortes que ocorreram na RMR, em 2015, houve um
registro de morte no Recife depois do acumulado apenas de 30 mm/24 h no mês de março.
Com as fortes chuvas que ocorreram nos dias 24 e 25 de junho e no dia 28 de junho, houve
mais dois óbitos nesse último dia.
Na Região Metropolitana do Recife, a ocorrência de tempestades locais provocadas
por chuvas convectivas, gerando chuvas localizadas e intensas, bem como erosão
costeira/marinha e ressacas, nas porções litorâneas de municípios como Recife, Olinda e,
principalmente, Jaboatão dos Guararapes. O número de pessoas afetadas nestas áreas é
elevado, devido ao adensamento urbano e à forma de ocupação em toda a costa, não
respeitando as margens necessárias sugeridas pela legislação, atingindo também edifícios de
alto padrão.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BELOW, R.; WIRTZ, A.; GUHA-SAPIR, D. Disaster category classification and peril
terminology for operational purposes. Louvain-la-Neuve: Centre for Research on the
Epidemiology of Disasters (CRED), 2009.
BRASIL. Anuário brasileiro de desastres naturais 2012. 2. ed. Brasília: Cenad, 2013.
Disponível em: <http://www.defesacivil.mg.gov.br/conteudo/arquivos/
AnuariodeDesastresNaturais_2013.pdf>. Acesso em: 17 maio 2014.
GUHA-SAPIR, D.; HOYOIS, P.; BELOW, R. Annual disaster statistical review 2013: the number
and trends. Brussels, Belgium: Université Catholique de Louvain, 2014. Disponível em:
<http://www.emdat.be/publications>. Acesso em: 8 out. 2014.
IPCC. Managing the risks of extreme events and disasters to advance climate change
adaptation: a special report. Working Groups I and II of the Intergovernmental Panel on
Climate Change. Cambridge, UK; New York, NY: Cambridge University Press, 2012. 582 p.
SAREWITZ, D.; PIELKE JR., R. Extreme events: developing a research agenda for the 21st
Century: unpublished workshop report. 2000. Disponível em:
<http://www.esig.ucar.edu/extremes/>. Acesso em: 6 fev. 2015.
______. Atlas brasileiro de desastres naturais 1991 a 2012: volume Pernambuco. 2. ed.
Florianópolis: Ceped, UFSC, 2013. 130 p. Disponível em:
<http://150.162.127.14:8080/atlas/Atlas%20Pernambuco%202.pdf>. Acesso em: 15 fev.
2015.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 45
Capítulo 4
5
Professora Doutora em Geografia da UFRPE, Campus Garanhuns.
46 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
A inovação, por sua vez, pode ser entendida, conforme Katz e Wagner (2014), como
a criação de novas demandas de mercado ou de soluções mais adequadas aos desafios
econômicos, sociais e ambientais, através de ideias, produtos, serviços, tecnologias ou
processos, novos ou melhorados.
Os arranjos institucionais e as estruturas físicas existentes para apoiar a inovação
têm passado por alterações ao longo do tempo e, mais recentemente, os lugares
começaram a ser destacados como fundamentais para o estabelecimento da dinâmica
inovativa.
De forma a ilustrar a tendência dessa abordagem de valorização dos lugares, Katz e
Wagner (2014) definem tais lugares como innovation districts, os quais são áreas geográficas
onde se ancoram instituições líderes e cluster de empresas e conexões com startups,
incubadoras de negócios e aceleradoras, com estrutura física compacta, trânsito acessível e
tecnicamente ligadas, e, ainda, com oferta de múltiplos usos de moradia, escritórios e
amenidades. Vale mencionar que esta abordagem é possível tanto para cidades maiores
quanto menores uma vez que os componentes essenciais para nutrir os innovation districts
são os recursos econômicos, mais os recursos físicos, mais os recursos relacionais, ou seja,
uma sinergia entre empresas, lugar e pessoas.
Na busca por resultados econômicos positivos, as indústrias e empresas da
economia tradicional buscam lugares onde os custos de suas instalações são menores, o que
naturalmente as levam para cidades onde o valor da terra, da mão de obra, dos insumos e
demais fatores de produção são mais baratos, fato que geralmente não ocorre em cidades
do conhecimento. No âmbito da economia do conhecimento, as cidades do conhecimento
competem por firmas e pessoas criativas e inovadoras, consumidoras de produtos e serviços
diferenciados dentro de uma dinâmica socialmente justa e ambientalmente sustentável.
Nesse cenário de diferentes ambientes para a economia tradicional e para a
economia do conhecimento, ao mesmo tempo em que a competitividade dos agentes
econômicos em ambas as economias demanda constante postura empreendedora e
inovadora, percebe-se que lugares mais inovativos decorrem de uma rede de estruturas
físicas e fluxos intangíveis mantidos por uma governança cuja estratégia de desenvolvimento
se baseia em elementos que, quando aglomerados, favorecem a novidade.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 47
de uma cidade mais sustentável, focando o desenvolvimento das relações entre seus
componentes. A Figura 2 ilustra o modelo de Porumb e Ivanova (2014).
Lugares inovativos possuem uma relação direta com sua capacidade de usufruir do
conhecimento que as pessoas, bem como as organizações ali instaladas (públicas, privadas,
com fins lucrativos, sem fins lucrativos, empresariais ou governamentais) possuem. Além
disso, lugares inovativos também contam com diversificação econômica e atração de
investimentos externos, ambas mantenedoras de processos inovadores, resultando em um
clima de negócios mais vibrante (YIGITCANLAR; LÖNNQVIST, 2013). Cidade do conhecimento
pode ser tomada como a institucionalização dos processos de crescimento e
desenvolvimento de uma cidade, ou seja, a orientação para todos os seus componentes é de
que, majoritariamente, o conhecimento será o combustível que abastecerá as relações dos
seus atores sociais, cujos resultados devem refletir uma cultura de inovação embasada em
sustentabilidade social, econômica e ambiental.
Desde os anos 1960, muitos esforços têm sido empregados por vários países em
favor de um melhor ambiente urbano, porém seus resultados e impactos não ocorreram na
mesma proporção e suas limitações ainda se constituem desafios para o desenvolvimento
sustentável das cidades. Diversos projetos de demonstração de desenvolvimento urbano
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 51
foram postos em marcha especialmente a partir dos anos 1990 sob termos como eco-town,
eco-cities, smart cities, dentre outros, que integram um conjunto de múltiplos usos a fim de
proporcionar melhor qualidade de vida aos cidadãos por meio de planejamento e
implementação ambiental com introdução de sistemas urbanos inovativos, tecnologias e
governança mais adequadas. Não apenas os usos dos termos, mas principalmente seus
significados, variam de acordo com os contextos geográficos e culturais, e,
consequentemente, sua integração com políticas, iniciativas e programas de cada lugar
(BAYULKEN; HUISINGH, 2015).
Uma visão mais sistêmica na qual um conjunto de aspectos devem ser observados e
trabalhados em prol do desenvolvimento urbano parece ser unânime entre os diversos
estudos realizados sobre esta temática.
Mais uma contribuição neste sentido é a de Yigitcanlar e Lönnqvist (2013), que
estudaram as performances de nove cidades (Helsinki, Boston, San Francisco, Birmingham,
Manchester, Melburne, Sydney, Toronto e Vancouver) tendo como modelo o Knowledge
Based Urban Development (KBUD) (Figura 3). Neste modelo o objetivo é obter prosperidade
econômica, ordem socioespacial, sustentabilidade ambiental e boa governança para as
cidades, para tal consideram-se quatro dimensões:
(i) Desenvolvimento econômico, enfatiza os recursos de conhecimento endógeno
como o coração das atividades econômicas;
(ii) Desenvolvimento sociocultural, focado na valorização das habilidades e
conhecimentos dos cidadãos para incrementar a evolução individual e coletiva de
suas conquistas;
(iii) Desenvolvimento urbano e ambiental, visa à conservação, desenvolvimento e
integração dos ambientes naturais e construídos com vistas à construção de
relações espaciais entre eles e os aglomerados de conhecimento de modo que suas
consequências sejam ecologicamente adequadas, de alta qualidade, únicas e
sustentáveis;
(iv) Desenvolvimento institucional, voltado para os processos de aprendizagem
coletiva interdisciplinar das organizações, bem como união dos atores da sociedade
em prol de um planejamento que organize e facilite as bases e atividades intensivas
em conhecimento.
52 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
valorização do conhecimento e informação, por isso tais cidades criam mecanismos capazes
de obtê-los para alimentar internamente seu planejamento de desenvolvimento.
Diante desse contexto, cabe a todos nós pensarmos sobre o lugar onde vivemos,
trabalhamos, relaxamos, enfim, nos relacionamos, tanto com os outros indivíduos quanto
com o ambiente físico, e então escolhermos e estabelecermos os caminhos para nosso
desenvolvimento sustentável.
Todos esses estudos e debates mostram que lugares inovativos são fortemente
subsidiados por sociedades intensivas em conhecimento, que, por sua vez, possuem
dimensões balizadoras de múltiplos usos, tais como a econômica, a social e a ambiental, mas
que também encontram alicerces mais aderentes a esta abordagem em aspectos como sua
história, cultura, geografia, crenças religiosas, etnias, dentre outros. Esse conjunto
delineador das características próprias do lugar proporciona maior ou menor facilidade para
o que Jong et al. (2015) chamam de compreensão baseada no ser humano, nas intervenções
tecnológicas beneficiadoras do bem-estar social, no crescimento econômico e na
regeneração ecológica do lugar.
REFERÊNCIAS
BAYULKEN, B.; HUISINGH, D. Are lessons from eco-towns helping planners make mor
effective progress in transforming cities into sustainable urban systems: a literature review
(part 2 of 2). Journal of Cleaner Production, n. 109, p. 152-165, 2015.
FRENKEL, A.; BENDIT, E.; KAPLAN S. Residential location choice of knowledge-workers: the
role of amenities, workplace and lifestyle. Cities, n. 35, p. 33-41, 2013.
KATZ, B.; WAGNER, J. The rise of innovation districts: a new geography of innovation in
America. [s/l]: Brooking, 2014.
54 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
PENCO, L. The development of the successful city in the knowledge economy: toward the
dual role of consumer hub and knowledge hub. Journal of Knowledge Economy, n. 6, p. 818-
837, Springer 2015.
PINCH, S., HENRY, N., Jenkins, M. et al. From ‘industrial districts’ to ‘knowledge clusters’: a
model of knowledge dissemination and competition in industrial agglomerations. Journal of
Economic Geography, n. 3, p. 373-398, 2003.
Capítulo 5
INTRODUÇÃO
A busca pela individualização e entendimento dos arranjos naturais tem sua origem
vinculada ao naturalista russo Dokuchaev no final do século XIX, passando, posteriormente,
a ser tratada em diversos trabalhos com terminologias distintas (CAVALCANTI, 2013). No
decorrer do século XX, a introdução da perspectiva dinâmica no entendimento dos
processos naturais, notadamente, na Geomorfologia, passa a introduzir uma nova
concepção de entendimento da unidade paisagem. Esta agora passa a ser compreendida
como o resultado de um conjunto de processos ao longo de um intervalo de tempo.
Sem querer adentrar em detalhes na teoria e método da Geografia, ao mesmo
tempo buscando situar a presente discussão, percebe-se que quando se examinam as
categorias de análises é consenso que a paisagem é uma delas e esta é a única que abrange
a Geografia física. Portanto, é indispensável posicionar o estudo dos processos físicos e os
ramos científicos que os examinam dentro de uma categoria de análise, tendo como base
uma visão integrada.
Seguindo essa linha de raciocínio, a paisagem constitui, por essência, uma categoria
de análise da geografia, permitindo uma visão sistêmica da relação sociedade-natureza, seja
pela intervenção humana no meio natural, seja na própria leitura e interpretação da
representação dos arranjos naturais, por sobre a superfície terrestre em seus processos
6
Professor Doutor do Departamento de Geografia, UFRN, Brasil
7
Professora Doutora do Departamento de Ciências Geográficas, UFPE, Brasil
56 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
sobre a forma geográfica de leitura da paisagem, tendo como critério basilar as unidades de
relevo, os processos morfogenéticos e as formas de apropriação por parte da sociedade.
Na mesma direção, não se busca aqui realizar uma análise em torno dos diferentes
termos usados nas ciências da natureza, como fizeram Bertrand (1971) e Cavalcanti (2013),
uma vez que o objetivo proposto é tentar compreender como é possível visualmente em
campo tentar compreender a paisagem na escala do lugar, enfatizando seus processos
genéticos e as escalas de tempo envolvidas. Ao mesmo tempo, tenta-se estabelecer uma
estrutura lógica de análise visual básica para, em campo, identificar os compartimentos que
não são percebidos se compreendidos no contexto regional.
Para tanto, tem-se na compartimentação geomorfológica um critério-chave para a
individualização da paisagem na escala do lugar, uma vez que esses compartimentos
apresentam histórias de evolução particulares no que tange à sua formação como um todo
no contexto regional, bem como são usados de forma diferenciada pela sociedade.
Assim, almeja-se uma compreensão do lugar dentro de uma perspectiva da
dinâmica geomorfológica, vista dentro da ideia de estabilidade e instabilidade da paisagem,
empregando-se as escalas de espaço e tempo. Se a paisagem muda dentro de intervalos de
tempo e a magnitude dos processos está associada à dimensão espacial (AMORIM et al.,
2016), o lugar vai apresentar perspectivas de evolução condizentes com os processos que
atuam no contexto regional.
Nesse contexto, o foco deste capítulo é discutir como a paisagem pode ser
compreendida na escala do lugar, tendo a compartimentação das unidades de relevo como a
condicionante basilar para delimitação do critério de lugar. Para se chegar aos objetivos
discutir-se-ão as dinâmicas geomorfológicas que atuam nas unidades na escala do lugar,
bem como se faz uma análise rápida da importância do emprego das escalas de tempo e
espaço no entendimento da discussão. Concomitantemente, vão sendo agregadas as
classificações que o senso comum tem nos arranjos naturais.
resolver esse problema é necessário lançar uso do conceito de escala, não apenas como
medida de proporção entre o real e sua representação, mas sim como um conceito que
proporciona visibilidade ao fenômeno.
Seguindo essa mesma perspectiva, toda paisagem é o resultado da atuação de
diferentes processos morfodinâmicos ao longo do tempo, entretanto, sua compreensão só é
possível se forem visualizadas as diferentes escalas de tempo que envolve os processos
geomorfológicos. Ou seja, o que se observa é fruto de processos de esculturação do relevo
que atuaram com intensidade em múltiplos intervalos de tempo. O tempo passa a ser uma
variável dependente quando se pretende compreender a noção de equilíbrio nos balanços
de trocas de massa e energia entre os compartimentos da paisagem (BRUNSDEN, 2001;
BRACKEN, 2008).
A escolha da escala é fundamental quando se faz uma ponte com o conceito de
unidade-área proposto por Hartshorne, onde essa seria uma porção do território, com
características próprias, cabendo ao pesquisador demarcar o melhor recorte em função do
objetivo em estudo e temática analisada (FERREIRA, 2010). Esse viés demonstra bem os
modelados agradacionais de encostas na região do semiárido brasileiro, onde o contexto
local, morfoestrutural e microclimático, controlam a existência ou não de depósitos
sedimentares.
O tempo prevalece em todos os campos da geomorfologia (THORNES; BRUNSDEN,
1977) sendo responsável por obliterar e edificar novas paisagens em diferentes escalas de
tempo. Por sua vez, considera-se que na escala do lugar, tomando como base formação de
colúvios na região do Maciço da Baixa Verde-PE/PB, o intervalo de elaboração dos
modelados de encosta opere na escala de milhares de anos e menores (CORRÊA, 2001;
AMORIM, 2015).
Fonte: Autores.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 61
Figura 2: Transecto do Maciço da Baixa Verde representando seus principais compartimentos geomorfológicos
A) Pedimentos; B) Encostas sem cobertura coluvial; C) e D) Cimeira; E) Encosta rochosa com inclinação acima de 40%, e F)
Encostas com cobertura coluvial e planícies.
Fonte: Autores.
62 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
componentes da paisagem, uma leitura dos arranjos naturais e sociais em uma escala
adequada.
estratégia de ensino mais didática aos alunos. Ou seja, sempre que ouvimos uma história
bem contada com início meio e fim, temos maior capacidade de compreender todos os fatos
narrados, ao passo que nos afastamos das meras descrições de personagens na aludida
história.
É importante que a leitura que se faz da paisagem na escala do lugar não seja
centrada em uma análise per se, é preciso ir além e estabelecer relações hierárquicas
crescentes de decrescentes com o contexto maior, até se chegar a uma compreensão da
forma atual, buscando identificar o encadeamento de processos que concorreram para
construção do que hoje está em evidência, deixando de lado análises meramente
classificatórias da paisagem.
REFERÊNCIAS
CASTRO, I. E. de. O problema da escala. In: CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R.
L. Geografia: conceitos e temas. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
DIAS, R. L.; PEREZ FILHO, A. Geocronologia de terraços fluviais na Bacia Hidrográfica do Rio
Corumbataí-SP a partir de Luminescência Opticamente Estimulada (LOE). Revista Brasileira
de Geomorfologia, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 341-349, abr/jun. 2015.
HOLZER, W. O lugar na geografia humanista. Revista Território, Rio de Janeiro, ano IV, n. 7,
p. 67-78, jul./dez. 1999.
Capítulo 6
Clouds are not spheres, mountains are not cones, coastlines are not
circles, and bark is not smooth, nor does lightning travel in a straight
line. (MANDELBROT, 1982).
INTRODUÇÃO
Os dois pensamentos que iniciam esse capítulo refletem três características básicas
da evolução do pensamento científico no campo das ciências ditas naturais, quanto à forma
correta de descrever o espaço e às formas que nos rodeiam: a primeira é que a matemática
sempre esteve presente na tentativa de compreender e/ou descrever a natureza. A segunda
é que a matemática, apesar de historicamente já ter sido considerada distinta da geometria,
não prescinde desta a ponto de confundirem-se uma com a outra. Não há geometria sem
matemática e matemática é uma geometria. Finalmente, como seria de esperar, mostram
que as ideias evoluem. Não necessariamente se contradizendo, senão se complementando
ou aprimorando.
A geometria utilizada no século XIV pelo filósofo (Filosofia da Natureza era como se
chamava a Física à época) italiano Galileu Galilei, para representar seu sistema de mundo, foi
a geometria euclidiana.
O curioso, então, é observarmos como um dos maiores matemáticos do século XX,
principal criador da Geometria Fractal, uma das vertentes das ditas geometrias não
euclidianas, faz referência claramente discordante ao pensamento galileano ao sugerir que
na natureza não existem as figuras geométricas “perfeitas” de que Euclides falava.
8
Professor Doutor em Tecnologias Energéticas e Nucleares da UPE / Campus Garanhuns
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 69
durações dos eventos são as mesmas, independente dos observadores, dizemos que tais leis
da mecânica são invariantes por uma transformação de coordenadas.
Aqui devemos avaliar que a localização é algo que não está, como à primeira vista
possa parecer, restrito apenas à uma referência espacial; a localização deve se referir
também ao momento temporal em que o posicionamento de um corpo é identificado. Saber
onde estamos (o lócus) é a informação mais básica para saber para onde vamos e,
subjacente à problemática de estabelecer o lugar, implicitamente estão postas as questões
relativas ao quando (o cronos).
Mas o fato é que estamos não apenas onde, mas também quando estamos, quando
vamos e quando chegaremos. Atrelada a essas questões de ordem mais prática, está uma
problemática teórico-metodológica, que é a descoberta ou criação de um método capaz de
resolver o problema da localização e, posteriormente, da demarcação dos espaços. Dado um
espaço temporal, como reconhecer formas e mensurar espaços é a questão central no bojo
da presença humana no meio ambiente do qual faz parte, exercendo o papel de ator e
expectador, simultaneamente.
Assim, com ajuda da Física Clássica, galileana/newtoniana, o problema de se
especificar o lugar e posteriormente os deslocamentos, ocupações e delimitações espaciais e
temporais, foi bem resolvido até o século XIX, considerando, para isso, a métrica do espaço
euclidiano, cuja Geometria serviu de base para toda nossa Geografia, Engenharia e diversas
outras áreas do conhecimento.
Com auxílio da ciência das medidas da Terra, cujas leis foram axiomatizadas na
famosa obra Os Elementos, de Euclides, legado de dois milênios, foi equacionado o problema
de localizar os corpos em algum lugar no espaço, feito que teve grande influência no
desenvolvimento da chamada Mecânica Newtoniana, que considera o tempo como um ente
absoluto, invariável, transcorrendo sempre em um único sentido, do passado para o futuro.
Foi utilizando este conceito de tempo absoluto que Newton acabou por formalizar o que
matematicamente é conhecido por transformações de Galileu, que permitem localizar,
deterministicamente, a posição de um corpo em um sistema de referência (S’), comparando-
o a outro referencial (S), em repouso ou em movimento, relativo a este, em linha reta e com
velocidade de magnitude constante. Tais referenciais, nos quais os eventos mecânicos
ocorrem no espaço e no tempo absoluto e nos quais são válidas as leis da mecânica, são
72 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Um urso saiu de sua casa e caminhou 1000 km ao sul. Depois virou ao oeste e
caminhou por 1000 km. Então virou novamente e caminhou 1000 km ao norte.
Qual não foi a sua surpresa quando achou que voltara novamente para a sua casa.
Qual é a cor do urso?
Imaginando como poderia ser possível ao urso retornar à sua casa (local de partida
= local de chegada) seguindo os movimentos descritos no problema, chegamos a um
impasse na Geometria Euclidiana. O problema em questão é insolúvel nos moldes do
pensamento cartesiano e está em desacordo com o 5º postulado de Euclides, também
chamado de axioma das retas paralelas que, dentre outras formas, pode ser enunciado em
linguagem mais fiel à original e de outra forma mais atual como (AMAZONAS, 2011).
Se uma reta cortar duas outras retas de modo que a soma dos dois ângulos
o
internos de um mesmo lado seja menor do que dois ângulos retos (180 ), então os
prolongamentos dessas duas retas cruzam-se do mesmo lado em que estão esses
dois ângulos.
Ou, ainda,
Por um dado ponto do plano, fora de uma reta, passa uma única reta paralela a
essa reta dada (ou, retas paralelas em um plano são tais que seus prolongamentos
não se cruzam). (Idem).
N N
N
Chegada Partida N
Partida = Chegada
O S
O S O
a) S c)
b)
A Figura 2a) ilustra uma aplicação do Conjunto Fractal tipo Julia com parâmetros X=
0,1 Y=0,7, na variante normal de expoente real = 2,6. Observe a verossimilhança com um
mapa de uma possível ilha real, com seus contornos, tonalidades e acidentes geográficos.
Trata-se de uma modelagem realizada pelo autor com auxílio de um código de computador.
A parte 2b) mostra o correspondente fractal tipo Mandelbrot na variante absoluta de
expoente Real = 1,9, reproduzindo uma ilha ou um banco de areia.
O filósofo Immanuel Kant justificou que o espaço que podemos investigar por meio
de experiências não metafísicas tem apenas três dimensões espaciais basicamente devido à
lei da gravitação universal que prevê um campo de forças central atrativo entre os corpos,
cuja magnitude é proporcional ao inverso do quadrado da distância que os separa.
Apesar da importância histórica, tal argumento troca a causa pelo efeito, à medida
que é lei da gravitação que resulta da tridimensionalidade do espaço e não o contrário.
Assim, de uma forma mais genérica, um espaço quadridimensional teria uma
atração gravitacional variando com o inverso do cubo da distância. É claro que o modo
cartesiano de entender e mensurar o espaço, tridimensional, continua válido e é de uso
corrente em nosso dia a dia, como um paradigma que, a despeito de talvez não poder ser
quebrado, poderá ser aprimorado, evoluído. E essa evolução pressupõe o reconhecimento
da dimensão temporal como integrante do lócus das nossas experiências em termos de
realidade objetiva.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 79
Nossos pais viveram aqui, tiveram seu tempo. Nossos filhos, do futuro, terão seu
tempo e espaço, deixarmos algo para eles. Nós somos a bola da vez. A culpa não é de nossos
ancestrais e, talvez, nossos descendentes não tenham do que serem culpados.
Eis uma boa hora e lugar para fazermos um mea culpa! O aqui-agora, o espaço-
tempo, este continuum presente-localizado é a nossa realidade objetiva e as nossas atitudes
não modificarão o passado, que não existe mais, nem (talvez) definirão o futuro, que não
existe ainda. Mas é o que temos, o que somos, onde e quando é o imperativo moral acerca
de nosso papel nas engrenagens desta carruagem. E os frutos, bons ou ruins, serão (estão)
sentidos por nós mesmos. E temos sim consciência, não verbal, da realidade e “a mesa está
posta”. Qual lugar escolhemos?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ainda não havia nem um deles. (Bíblia JFA Offline Versão 5.7.5. Salmos 139,
v. 1, 3, 5,7-8,16 – fragmentos).
REFERÊNCIAS
BRENNAN, R. Gigantes da física: uma história da física moderna através de oito biografias.
São Paulo: Jorge Zahar, 2000.
HAWKING, S.; MLODINOW, L. Uma nova história do tempo. Rio de Janeiro: Pocket, 2008.
LIGHTMAN, A. As descobertas: os grandes avanços da ciência no século XX. São Paulo: Cia
das Letras, 2005.
Capítulo 7
9
Texto retirado e adaptado da tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação da UFPE.
10
Professor Doutor em Geografia da UFPI, Brasil .
84 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
(AYOADE, 1986). Esta ideia de atmosfera propõe uma condição de imutabilidade, desprovida
de conexões com os modos de vida das populações atuais, que são marcadas pela
urbanidade e, assim, pelas transformações da natureza e da atmosfera sobre as cidades.
Como pode ser pensada, hoje, uma atmosfera isenta de cheiro, de cor e de gosto se
não a relativizamos no tempo e no espaço? As atmosferas urbanas, por exemplo, são
dotadas de cores, cheiros e gostos particulares ao tamanho, padrão e tipo de urbanização.
Assim, não se deve generalizar um conceito em que sua compreensão passa pelas
características, particularidades dos lugares em que está sendo considerado e suas conexões
com os lugares imediatos e mais distantes.
O conceito de clima não é menos polêmico, tampouco menos emblemático no
estudo da climatologia, seja urbana ou não. Uma das definições mais clássicas é a do
meteorologista austríaco Julius Hann, que considera clima como “o conjunto dos fenômenos
meteorológicos que caracterizam a condição média da atmosfera em cada lugar da terra”
(SORRE, 2006). Essa concepção, tradicional como é, apresenta o clima como uma condição
estática determinada pelas médias de seus elementos, desprovidos de interações com o
meio.
A ideia de Hann, distante da climatologia contemporânea, deve ser compreendida e
rebatida no tempo de sua formulação. Por muitas décadas, essa concepção serviu como
fundamento para as formulações conceituais em climatologia e para fomentar a obtenção
de arranjos de climas e de diversas classificações climáticas formuladas e apresentadas à
comunidade científica.
No entanto, como a natureza climática é muito dinâmica, as formulações de Hann
logo se tornaram obsoletas para os objetivos de uma ciência e de uma climatologia mais
preocupada com os nexos entre os elementos do clima, fatores do clima e, seguramente, o
papel do homem como agente de modificação do conteúdo e da forma da atmosfera nas
diversas escalas do planeta. Como exemplos, tem-se a problemática do aumento dos gases
do efeito estufa na atmosfera, do aquecimento global e da consequente mudança climática
no Globo.
Um grande avanço em relação à importância do tempo na definição do clima de um
dado lugar pode ser observado a partir das contribuições de Sorre (2006), quando o mesmo
se propôs a discutir tal temática e a considerar clima como “à série de estados atmosféricos
86 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
A cidade, caracteriza-se por uma teia complexa de espaços urbanos que, no âmbito
da análise, tem nos espaços livres uma das variadas opções de seu entendimento. Espaços
livres, expressão amplamente utilizada nas pesquisas e projetos de intervenções sobre os
espaços urbanos, comporta uma diversidade de entendimentos. Assim, não existe uma
padronização consensual sobre a classificação dos espaços livres. Classificação e tipos devem
ser definidos a partir dos diferentes parâmetros – econômicos, sociais, ambientais e culturais
– assumidos e tornados benefícios para cada cidade. Dessa forma, os significados e as
classificações de espaços livres variam de acordo com a materialidade e com a
funcionalidade dos mesmos, assim como de acordo com os objetivos de cada investigador e
os critérios de tratamento, que cada espaço livre necessita, no contexto da cidade onde está
inscrito.
Para Cavalheiro e Del Picchia (1992), um espaço livre deve ser entendido como
espaços livres de construções urbanas e dotados de funções ecológica, estética e de lazer.
Assim, espaços livres como realidade objetiva devem possuir rebatimento na espacialidade
urbana, configurando-se como uma realidade mais abrangente que uma área verde, porque
contemplam, também, as águas superficiais.
Preocupados com a polêmica derivada do entendimento múltiplo dos termos
“espaço livre, área verde, parque urbano e praça, dentre outros, Cavalheiro et al. (1994)
levantaram uma importante discussão a partir de consultas feitas a órgãos e pesquisadores
ligados à Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, Regional Sudeste. O objetivo da
consulta foi o de estabelecer uma proposta de classificação e conceitualização dos referidos
termos, e sugerir o uso uma linguagem comum no âmbito da Sociedade Brasileira de
Arborização.
Os resultados obtidos com a referida pesquisa indicaram que o conceito de espaços
livres é o mais abrangente, deve ser compreendido através da contraposição ao espaço
construído na cidade e integra os demais, tais como: área verde, parque urbano, praça e
arborização urbana (CAVALHEIRO et al., 1994). Para os autores, o conceito de espaço livre
deve, ainda, ser concebido a partir do uso, escala e da função que o mesmo possui, devendo
também satisfazer os objetivos ecológicos, estético e de lazer.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 89
Quadro 1: Espaços livres públicos: terminologias e índices para algumas cidades brasileiras
Cidade Autor Ano da Terminologia empregada Índice
Publicação
2
São J. dos Campos – SP Escada 1987 Espaços Livres Urbanos 1,89 m /hab
2
Bauru – SP Goya 1990 Áreas Públicas Livres de 1,94 m /hab
Edificação
2
Porto Alegre – RS Sanchotene 1990 Áreas Verdes Públicas 3,08 m /hab
2
Maringá – PR Milano 1992 Áreas Verdes Públicas 6,70 m /hab
2
São Carlos – SP Henke-Oliveira 1996 Áreas Verdes Coletivas 2,65 m /hab
2
Santa Cecília – Distrito de Nucci 1996 Espaços Livres de Uso 0,92 m /hab
São Paulo Público
2
Porto Alegre – RS Prefeitura 1998 Área verde para lazer 13,62 m /hab
Municipal público
2
Ribeirão Preto – SP Guzzo e 1998 Espaços Livres de Uso 2,38 m /hab
Cavalheiro Público
Fonte: Guzzo e Cavalheiro (1998; 2000).
público e do privado. Aliás, Costa (2008) discute o significado de espaços livres e suas
tipologias a partir do estatuto da propriedade em público e privado, como pode ser
conferido no Quadro 2.
O termo público que parece tão simples, carrega, por sua vez, incompreensões que
calcadas em um uso cotidiano, sedimentam incongruências e esconde, na espacialidade da
cidade, o papel de igualdade, de liberdade e de isonomia entre as pessoas que coabitam o
mesmo espaço.
O lugar físico orienta as práticas, guia os comportamentos, e estes por sua vez
reafirmam o estatuto público desse espaço, e dessa dinâmica surge uma forma-
conteúdo, núcleo de uma sociabilidade normatizada, o espaço público. Ele também
é lugar de conflitos, de problematização da vida social, mas sobretudo é o terreno
onde esses problemas são assinalados e significados. (GOMES, 2002).
CONCLUSÃO
A terceira ideia está ligada aos princípios sistêmicos presentes na realidade urbana
e a ausência da consideração dos mesmos no tratamento da gestão urbana. As
transformações do sítio da cidade associadas ao processo de urbanização têm levado, na
maioria dos casos, ao enfrentamento humano de severos problemas de ordem ambiental
como resposta às suas práticas de impermeabilização das superfícies. A supressão da
vegetação nativa do espaço da cidade, o aplainamentos das superfícies e a substituição das
coberturas naturais pelas pavimentadas e, ainda, a ausência de investimentos no
planejamento urbano e na engenharia de drenagem têm produzido problemas relacionados
às inundações frequentes no interior das cidades, desabamentos de encostas e formação de
ilhas de calor urbanas, dentre outros. Considerando, então, que os espaços da cidade,
incluindo aí os espaços livres, estão todos conectados pelos fluxos de matéria e energia, não
podemos tratá-los senão como espaços holísticos e integrados. Assim, todas as intervenções
urbanas precisam considerar os princípios sistêmicos que regem a vida da cidade.
REFERÊNCIAS
BARBIN, et al. Estudo dos espaços livres do bairro Santa Cecília em Piracicaba-SP. Rev. SBAU,
Piracicaba, v. 3, n. 3, p. 17-35, set. 2008.
CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo:
Cultrix, 2006.
MACEDO, S. S. Espaços livres. Paisagem e ambiente. In: Ensaios. São Paulo: FAUUSP, 1995. v.
VII.
MONTEIRO, C. A. de F. Teoria e clima urbano São Paulo: IGEOG-USP, 1976. (Livre Docência)
______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 9. ed. São Paulo: Cortez; Brasília:
UNESCO, 2004.
______. O método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Tradução Ilana Heineberg. Porto Alegre:
Sulina, 2003.
MOURA, Affonso Alvarez. Lês espaces libres comme système urbain. In: Espaces publiques,
architheture et urbanite de part et dáure de I´ Atlantique. François TOMAS (Coord). Saint-
Étienne: Publications de IÚniversité de Saint-Etienne, 2002. p. 33-43.
Capítulo 8
11
Professor Doutor em Geografia da UFPE, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 99
um lugar que lhe propiciasse um senso de pertencimento ao mesmo, bem como de direção,
frente a um mundo complexo e diverso. Daí ser quase que natural para todas as civilizações,
das mais remotas até o mundo presente, a necessidade de confecção e uso de mapas, de
pontos referenciais, desembocando hoje, nesta sociedade da informação e das redes
digitais, nos mais sofisticados aparelhos de localização, como os famosos GPS. Ou seja,
independente dos estágios históricos vivenciados pelas mais diversas civilizações, o sentido
de lugar, de “situação” e direção são elementos fundamentais para a mobilidade dos seus
seres em suas diversas atividades produtivas ou não.
Tratando do senso comum, não há nada mais desesperador do que se sentir
“perdido no espaço”; viajar e não saber situar minimamente o lugar buscado. Portanto, o
aporte racional/matemático embutido nas diversas escalas de mapas, bem como dos
instrumentos informacionais geoprocessadores de diversas representações cartográficas,
nos propiciam uma escala de mundo extremamente macro, que nos ajudam permutar do
macro mundo ao micro e vice-versa. Assim, nesta escala, hoje virtual, o lugar pode ser o
mundo, mas apenas virtualmente. Um dos elementos mais representativos é o sistema de
imagens terrestres propiciadas pelo google earth pro, uma mediação de representativa do
mundo, na qual podemos navegar em todas as escalas, de acordo com as demanda do nosso
objeto a ser estudado.
Nos assevera P. George (1993, p. 156),
[...] o objetivo do mapa é dar, uma escala acessível ao olhar, uma imagem
geográfica que os homens desejam conhecer, quer a título de curiosidade, que a
título de utilidade. Curiosidade filosófica: o conhecimento do espaço do humano
que se identifica com o planeta no seu universo estelar; curiosidade prática, a
representação das costas nos portulanos ou o traçado das fronteiras e os limites
das províncias no mapa do ´reino´, o plano da sociedade fortificada com a projeção
das suas obras, predominando sobre o país humilde.
Já no mundo moderno,
[...] a leitura das mensagens por teledetecção, compara-se a uma radiografia, cuja
interpretação pressupõe o conhecimento do funcionamento dos órgãos [lugares].
Terá de ser decodificada para se tornar num documento geográfico. O interesse
deste documento está na sua riqueza enciclopédica, respeitante, quer aos dados
perenes, quer aos estados temporários da atmosfera, da vegetação, etc. (GEORGE,
1993, p. 157).
100 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
[...] a metafísica consciente que toma seu lugar no momento em que o ser é
‘atirado no mundo’, é uma metafísica de segunda categoria. Ela passa
superficialmente pelas preliminares onde o ser é o estar-bem, onde o ser humano
é colocado num estar-bem no bem-estar associado primitivamente ao ser. Para
ilustrar a metafísica da consciência, será preciso esperar as experiências em que o
ser é atirado fora, isto é, no estilo de imagem que estudávamos: posto na porta,
fora do ser da casa, circunstância em que se acumulam a hostilidade dos homens e
a hostilidade do universo. Mas uma metafísica completa, que englobe a consciência
e o inconsciente, deve deixar no interior o privilégio de seus valores. No interior do
ser, no ser interior, um calor acolhe o ser, envolve o ser. O ser reina numa espécie
de paraíso terrestre da matéria, fundido na doçura de uma matéria adequada.
Parece que, nesse paraíso material, o ser mergulha na fartura, é cumulado de todos
os bens essenciais. Quando se sonha com a casa natal, na profundidade extrema do
devaneio, participa-se desse calor primeiro, dessa matéria bem temperada do
paraíso material. É nesse ambiente que vivem os seres protetores. Teremos que
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 101
judiciais, reis absolutistas ou não, com suas bandeiras, hinos, moedas, enfim, um lugar
funcional de uma nação. Nessa perspectiva, cremos que não há contradição em encaramos a
escala nacional como um lugar portador de sentido de pertencimento, tanto quanto a uma
escala menor, seja o Estado Federado, o Município, uma fazenda, ou mesmo o interior
profundo de uma casa.
Para Milton Santos (2004, p. 315),
[...] a história concreta do nosso tempo repõe a questão do lugar numa posição
central, conforme, aliás, assinalado por diversos geógrafos. A. Fischer (1994, p. 73),
por exemplo, refere-se ´a redescoberta da dimensão local´...impõe-se, ao mesmo
tempo, a necessidade de, revisitando o lugar no mundo atual, encontrar os seus
novos significados. Uma possibilidade nos é dada através da consideração do
cotidiano (BUTTTIMER, 1976; GARCIA, 1992; DAMIANI, 1994). Esta categoria da
existência presta-se a um tratamento geográfico do mundo vivido que leve em
conta as variáveis de que nos estamos ocupando...: os objetos, as ações, a técnica,
o tempo.
Como a sociedade se torna um dado cada vez mais “abstrato” nesta era do
“semiocapitalismo” (BIFO, 2008) sem lógica espacial, os territórios situados locacionalmente,
de maneira dialética, parecem convidar a referida sociedade a um exercício constante de
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 103
resgate de uma razão histórica concreta e abstrata (onde estou, quem sou e para onde vou,
como ressaltado no início do texto).
Outro elemento importante a caracterizar e concretar a noção de lugar, segundo
Raffestan (1993, p. 186), é “o poder”, pois
[...] apesar de a teoria dos lugares centrais em geral ser expressa por outros
conceitos, não deixa de se fundamentar nos mesmos dados: um sistema de lugares
e um sistema de relações, sendo que as últimas não têm a mesma probabilidade de
realização no espaço. A aparente geometria de Chistaller e Lösch não passa de uma
modalidade que permite uma formulação facilitada de uma realidade complexa.
Entretanto, essa geometria é uma ilusão que dissimula a ligação fundamental que
se estabelece entre um lugar e uma relação ou, se preferirmos, uma função. Os
lugares centrais, tais como são definidos pela geometria, escondem uma realidade
104 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Ora, a teoria dos lugares centrais foi de grande validade, digamos, quando da
ascensão do capitalismo fordista/keinesiano, quando, como bem afirma Harvey (2002),
predominou uma economia de escala e não como hoje, uma economia de escopo. Ou seja,
numa economia de escala, havia grandes conglomerados produtivos, nodosidades, com
fortes atividades complementares bem concentradas. Já numa economia de escopo, os
lugares centrais, as nodosidades, são resultados de “uma probabilidade diferencial” em que
as atividades humanas “fazem uma relação de poder com o local”, mas a mando de grandes
corporações globais produtivas espraiadas pelo mundo, pois nesse novo capitalismo em
rede, as gigantes corporações produtivas, de serviços, e do capital financeiro, apesar de bem
concentradas, não demandam mais atividades complementares locais, e sim locais que
demandam produtos complementares também locais, mas na escala do mundo. Ou seja, as
novas nodosidades humanas fazem emergir uma relação de poder “com o local”, mas a
reboque, digamos, do lugar mundo (grifo nosso), visto que na economia de escopo, grandes
centros produtivos dependem dos lotes de equipamentos e informações produzidos em
outras nodosidades, outros locais, nos quais as vantagens comparativas ou competitivas são
mais vantajosas, a serem remontados nos lugares probabilísticos desvantajosos. É assim que
parece se configurar essa globalização que Milton Santos (2004), de uma maneira perspicaz,
atribui de perversa, já que tem levado os lugares cada vez mais a se submeterem aos
poderes globalistas cada vez mais dissimétricos e socialmente injustos, ou seja, “um sistema
de lugares e um sistema de relações, sendo que as últimas não têm a mesma probabilidade
de realização no espaço” (RAFFESTIN, 1993, p. 137).
Daí ser pertinente asseverarmos algumas assertivas de M. Santos (2004, p. 337),
quando ele frisa: “a utilização pelas empresas, sobretudo das firmas gigantes, depende
desses dois lados e não apenas de um deles. Formas e normas, pois trabalham como um
conjunto indissociável”. Em suma, nos sistemas relacionais dissimétricos (as normas) não há
as mesmas probabilidades do espaço, ou seja, nos lugares territorialmente com
funcionalidades e possibilidades diferenciadas. Ainda, segundo Santos (2004, p. 337), “não
existe um espaço global, mas espaços da globalização”, ou melhor, numa economia flexível
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 105
de escopo, de lotes produzidos em diversos lugares, o espaço global pode existir como
possibilidade de um dia as normas e formas serem simétricas.
Já os espaços da globalização, acata as normas globais dissimétricas imbuídas de
probabilidades de realização localmente desiguais. Seguindo suas assertivas (SANTOS, 2004,
p. 337), “o mundo se dá, sobretudo como norma, ensejando a espacialização, em diversos
pontos, dos seus vetores técnicos, informacionais, econômicos, sociais, políticos e culturais.
São ações ´desterritorializadas´, no sentido de teleguiadas, separando, geograficamente, a
causa eficiente e o efeito final”, isto é, no bojo dos sistemas de relações de lugares
sobressai-se a norma como regulação dominante, lastreando a técnica, a informação, a
economia, as relações sociais, políticas e culturais, enfim, as normas diferenciam
probabilisticamente a realização funcional do espaço como lugar do viver, fazer e acontecer.
Ainda segundo M. Santos (2004, p. 337),
Neste prisma, fica patente, no contexto de uma sociedade em rede, que os lugares
(que para muitos antropólogos, são não lugares) adquirem uma proeminência geográfica, ou
de uma geografia econômica de grade valia, pois são os lugares do fazer acontecer a
dinâmica produtiva ou não das incidências das flechas das ações, das normatividades, sobre
e com os objetos inteligentes fixados nos mesmos, ou seus imperativos materiais passíveis
de se tornarem objetos de troca. Assim, em um prisma no campo da geografia, jamais
existirá um não lugar, pois nos mesmos as formas e as normas serão sempre dissimétricas, já
que cada lugar responde às demandas probabilísticas relacionais com outros lugares, de
acordo com as suas potencialidades.
Desse modo, poderíamos ousar asseverar que, economicamente, os lugares são um
conjunto de possibilidades para a efetivação das oportunidades que o capital desigual e
combinado demanda para suas realizações várias: produtivas, financeiras, de serviços
variados, etc. Todavia, ao mirarmos o mapa terrestre, as diversas escalas de lugares, em
especial das cidades, do campo, dos municípios, das províncias, das federações, dos Estados,
nunca foram tão dissimétricas e as fronteiras cada vez mais fortes, visíveis e vivíveis. No
106 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Brasil, se lançarmos mão das estatísticas, os desníveis de inclusão e exclusão social são
gritantes. Paisagens estampam, em um mesmo bairro, favelas e condomínios de luxo, com
indicadores de perspectiva de vida gritantemente desiguais; lugares insalubres versus
lugares assépticos a qualquer lixo, inclusive o humano, barrados pelos muros e guaritas,
como fala Z. Bauman (2005). É neste prisma que o lugar densifica sentidos: ele é um espaço
do fazer e do viver; potencial de possibilidades e de oportunidades; de sentir e de amar; de
atrair e de repelir, porém e acima de tudo, um campo de forças a ser um espaço de todos
nós, não mais como possibilidades várias, mas um nó que irmane verdadeiramente um
mundo de todos nós, em um contexto de diferenças locacionais. Verdadeiramente o todo na
parte e a parte no todo, dentro de uma consciência humana universal diferenciada.
Para finalizar este artigo, ressaltamos mais uma assertiva de Santos (2004, p. 338),
quando afirma:
[...] o universal é o Mundo como Norma, uma situação não-espacial, mas que cria e
recria espaços locais; particular é dado pelo país, isto é, o território normado; e o
individual é o lugar, o território como norma. A situação intermediária entre o
mundo e o país é dada pelas regiões supranacionais, e a situação intermediária
entre o país e lugar são as regiões infranacionais, subespaços legais e históricos
[...].
REFERÊNCIAS
SANTOS, M. A natureza do espaço. Razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2004. (Coleção
Milton Santos; 1)
108 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Capítulo 9
INTRODUÇÃO
12
Professor Doutor em Geografia da UFPI, Brasil
13
Professor Doutor em Geologia da UPE / Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 109
percepção e que sua experiência (direta ou simbólica) se constitui em diversas escalas [...]”
(CABRAL, 2007). Dentre esses níveis escalares encontra-se o município como recorte
espacial.
Santos (1997) corrobora que o lugar constitui a dimensão da existência que se
manifesta através do cotidiano entre as mais diversas pessoas e instituições em diversos
níveis escalares. Não obstante, esta categoria espacial, a nosso ver, materializa as ações
interligadas entre sociedade e natureza, pois é neste nível de análise que se constrói a noção
de identidade e de pertencimento.
De acordo com Holzer (2003), o lugar encontra-se para além do espaço cartesiano
ou euclidiano, tendo em vista que o mesmo se traduz em experiência contínua, egocêntrica
e social, num espaço de movimento (espaço-tempo vivido), ou seja, uma categoria que não
se reduz, exclusivamente, ao espaço delimitado territorialmente, mas também se refere à
categoria do afetivo, do mágico e do imaginário.
Destarte, o espaço e o lugar são conceitos importantes não só para sabermos “mais
sobre a nossa própria natureza – nossa potencialidade para experimentar – mas também
como arrendatários da Terra, preocupados na prática com o projeto de um habitat mais
humano” (TUAN, 1983, p. 8).
Conforme pontua Santos (2010), é no lugar que a história é socialmente construída,
pois os sujeitos (sociedade) são elementos vivos que, por meio de suas mais diversas
atividades e relações, entram diretamente na dinâmica da (re)produção do lugar onde vivem
(natureza).
Portanto, a prática cotidiana dá sentido aos lugares, produzindo no indivíduo o
sentimento de pertencimento, referência e identidade, pois o lugar.
Não obstante, para alcançar este nível de análise e reflexão, não se pode
desconsiderar, de forma alguma, o fator histórico, cultural, econômico e ambiental do lugar.
No caso específico em questão, o município de Horizonte merece destaque, pois em virtude
de sua localização geográfica (proximidade da capital cearense), de seus condicionantes
ambientais favoráveis e atrelada a uma lógica mercadológica (econômica) inserida numa
região metropolitana, transformou à realidade local num curto intervalo de espaço/tempo.
De acordo com Albuquerque (2012), o município de Horizonte teve um acréscimo
significativo em sua população, principalmente, no perímetro urbano, onde não houve, por
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 113
parte dos gestores públicos e dos atores sociais, nenhuma e/ou escassa preocupação com as
características geoambientais do local frente às suas potencialidades e limitações de uso.
Todavia, o sentido de lugar, na perspectiva retromencionada, não está circunscrito
apenas ao espaço nucleado (área urbana), podendo também estar associado a espaços
maiores e distantes do núcleo sede, com o qual não mantém laços afetivos e de identidade.
No entanto, não é foco do presente trabalho constatar as nuanças entre urbano e rural.
Por sua vez, o estudo visualiza o lugar por meio da experiência e do conhecimento
dos indivíduos, pois, de acordo com Albuquerque (2012), mais de 80% da população
horizontina é migrante, o que corrobora a existência de uma miscelânea de culturas e
identidades que são (re)construídas a partir da vivência cotidiana no lugar (origem/destino).
Do ponto de vista demográfico, a taxa geométrica de crescimento populacional do
município nas últimas décadas (1991-2000) e (2000-2010) alcançou um crescimento da
ordem de 7,06% e de 5,02%, respectivamente, sendo a maior taxa de crescimento
populacional entre os municípios cearenses, e bem superior à registrada para o Estado, que
foi de 1,3% (ALBUQUERQUE, 2012).
Dessa forma, verifica-se ainda que a população deste município vem crescendo
notadamente na área urbana. Em termos percentuais, no ano de 1991, a população urbana
correspondia a 58,99%, passando para 59,30% no ano de 1996 e alcançando 83,23% no ano
2000. Destaca-se que na última década (2000-2010), diagnosticou-se um aumento ainda
mais expressivo, apresentando um somatório de 92,49% da população horizontina inserida
no perímetro urbano, conforme pode ser visualizado na Tabela 1.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
SANTOS, M. Natureza do espaço. Técnica e tempo. razão e emoção. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 1997.
_______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São
Paulo: Record, 2000.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Tradução de Lívia de Oliveira. São
Paulo: DIFEL, 1983.
118 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Capítulo 10
Luciano Lins14
[...] Quando Henoc completou sessenta e cinco anos, gerou Matusalém. Henoc
andou com Deus. Depois do nascimento de Matusalém, Henoc viveu trezentos
anos e gerou filhos e filhas. Toda duração da vida de Henoc foi de trezentos e
sessenta e cinco anos. Henoc andou com Deus, depois desapareceu, pois Deus o
arrebatou. (Gn 5,21-24).
Ela chama atenção porque, enquanto a morte dos outros personagens está
registrada neste contexto, Henoc foi arrebatado para um outro lugar, além da morte e da
existência. Isso significa que a Consciência nesse nível não passa mais pela morte e é iniciada
14
Professor Doutor em Ciências da Educação da UPE / Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 119
Os grandes Mestres da humanidade passaram pelo nosso planeta para dizer não
suas verdades, mas para despertar o ser dos seus condicionamentos e de sua ignorância.
Metaforicamente os cegos que enxergaram e os aleijados que passaram a andar,
compreenderam e despertaram para a consciência luminosa e percorreram novos caminhos.
Os caminhos são metáforas geográficas, nos quais apontam não para lugares físicas,
mas dimensões mentais da consciência. Este olhar não implica uma negação do lugar físico,
mas, antes, uma ampliação do território da alma, no qual é parte integrante do Ser,
carregando significando estados existenciais, implicando em ordem que aponta para um
sujeito desprovido parcialmente da hipnose e condicionamento coletivo de que a base da
existência emerge da materialidade dos objetos e dos lugares de significação apenas física.
Os símbolos estão presentes nas nossas narrativas sequenciais, oníricas, nos contos,
nas lendas, nos mitos e nas nossas crenças. O ente humano, é sobretudo um ser simbólico
por sua natureza e condição. Nossa capacidade de atribuir significado a tudo, talvez nos
diferencie de outros animais. Os referidos símbolos nos remetem a lugares não-literais, mas
o vislumbramento da consciência, na qual mesmo está inserido num contexto das
localizações, transcende-os, conotando uma qualidade de vigor e fluxo vital.
Porém, vale ressaltar que o campo simbólico faz parte também de saúde física,
mental e espiritual e que perder essa conexão pode deixar o indivíduo e a coletividade um
tanto que sem rumo, fragmentada e caótica. O símbolo nos confere um norte, e a qualidade
de perceber integralmente uma orientação fundamental para que nossa existência se torne
vigorosa e dinâmica. Escreve determinado autor:
Citando o autor da obra Ego e Arquétipo:
Todavia, não podemos nos esquecer de que a Mente é o espelho que reflete outros
níveis da realidade do Ser. A mente é o Ser alienado ou hipnotizado aos campos mórficos de
sua espécie. O que chamamos de evolução é o despertar para a consciência desses padrões
e libertar a Consciência para o Ser Cósmico. No entanto, vale ponderarmos que a Mente não
é mentirosa. Ela capta dentro de suas possibilidades o seu contexto, no qual a realidade é
percebida e filtrada para esse nível de sobrevivência. E que a autenticidade faz parte do
movimento mental e que suas várias facetas e papéis estão sincronizadas neste contexto das
várias potencialidades que estão espelhadas no campo mental. Somos vários de acordo com
o contexto vivido e nem por isso somos faltos ou singularidades esquizofrenizadas. O
problema apenas consiste quando nos identificamos com uns poucos personagens
colapsados e nos tornamos divididos, gerando o conflito, que é a base do sofrimento.
A Alma busca outros significados através de mitos, contos, lendas, sonhos e mesmo
as experiências do quotidiano passam a ser metáforas para outro nível de compreensão e
realização. Aqui compreendemos os personagens criados no nível do ego como programas
que tolhem a liberdade da alma humana. Com a Consciência Desperta somos livres e
responsáveis pelas nossas ações.
A geografia da Consciência também pode ser metaforizada com os seus supostos
lugares anatômicos espirituais, no qual o sujeito forma um todo integrado, capaz de
transitar pela ordem da natureza, revisto com uma boa dosagem do caos.
ANATOMIA DA ALMA
Configuração morfogênica
E me farão um santuário,
E morarei entre eles.
(ÊXODO, 25:8)
Nível anatomofisiológico
pesquisador Rupert Sheldrake, que estudou durante anos os campos mórficos, campos
magnéticos invisíveis, que criam e reproduzem as formas vivas.
A organização da forma humana não é de modo algum aleatória, existe uma ordem
subatômica, que organiza cada célula, cada tecido e cada órgão para os seus devidos lugares
específicos. A confecção da forma humana é programada por diversos fatores visíveis e
invisíveis, que não pode ser comparado a uma máquina fria como dizem alguns cientistas. As
redes causais estão entrelaçadas com as redes acausais, formando uma grande unidade.
Cérebro, coração, fígado, pâncreas, intestino, braços pernas e demais órgãos e glândulas,
estão maravilhosamente sincronizadas pelo poder criador.
Nível emocional
Nível mental
libertar a Consciência para o Ser Cósmico. No entanto, vale ponderarmos que a Mente não é
mentirosa. Ela capta dentro de suas possibilidades o seu contexto, no qual a realidade é
percebida e filtrada para esse nível de sobrevivência. E que a autenticidade faz parte do
movimento mental e que suas várias facetas e papéis estão sincronizadas neste contexto das
várias potencialidades que estão espelhadas no campo mental. Somos vários de acordo com
o contexto vivido e nem por isso somos faltos ou singularidades esquizofrenizadas. O
problema apenas consiste quando nos identificamos com uns poucos personagens
colapsados e nos tornamos divididos, gerando o conflito, que é a base do sofrimento.
PLANO EXISTENCIAL
relação a sim e ao ambiente. Podemos ter as crenças de efeito placebo, que criam condições
favoráveis para a boa qualidade de vida e objetivos positivos para serem alcançados, assim
como as crenças de efeito nocebo, que criam condições desfavoráveis de sobrevivência e as
realizações para o sucesso. No entanto, os significados podem ser alterados pelo sujeito para
mudar suas condições existenciais.
PLANO SIMBÓLICO
O SI-MESMO
PLANO CÓSMICO
O universo não tem preferências,
Todas as coisas lhe são iguais.
Assim, o sábio não conhece preferências,
Como os homens as conhecem.
O universo é como um fole de uma forja,
Que, embora vazio, fornece força,
E tanto mais alimenta a chama quanto mais
O acionamos.
Quanto mais falamos do universo,
Menos o compreendemos.
O melhor é auscultá-lo em silêncio.
(LAO-TSÉ, 2009)
ANOCHI
além do discurso de que outro tem que seguir o mesmo caminho encontrado pelo
indivíduo), o grau de Anochi, além de configurar convicções inabaláveis, o sujeito que
experimenta esse portal, não tem qualquer necessidade de convencer o outro a acreditar na
sua experienciação nem seguir algum tipo de orientação.
Chamamos, então, Realidade ou Grande Realidade, A Unidade de todas as coisas e
que formam a base de tudo o que existe. A Realidade não tem forma, no entanto, todas as
formas são criadas a partir dela. Os minerais, as plantas, os humanos, os Budas, os Crísticos,
são obras da Realidade única. A Grande Realidade permeia tudo, mas não está identificado
como nada. Os seres humanos estão mergulhados no grande oceano da Realidade, porém
são limitados pela forma na qual estão configurados.
AINSOF
A palavra Ainsof em hebraico que dizer, “O Nada Infinito, Luiz Infinita, O Ilimitado”.
De forma mágica a palavra transliterada para nada no hebraico é Ain, e podemos entender
como a fase oculta, da qual não temos registros sociais e simbólicos, por isso mesmo
tememos o que para nós é desconhecido, a palavra Ani, composta pelas mesmas letras,
forma a palavra Eu, a face manifesta, na qual podemos acessar pela simbologia ou
experiência direta.
Ainsof (O Nada Infinito) cria a Realidade Única, que produz toda a diversidade da
criação. A palavra nada tem basicamente dois significados diversos. O primeiro diz respeito
ao nada niilista, que implica numa cessação da vida e de suas possibilidades de nada existir
além do plano materialmente percebido. Esse é campo da ciência predominante. A outra
130 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
maneira de significar o nada é não poder atribuir valores de referências em relação ao que
podemos atribuir significados nem registros simbólicos, que nos faça viver tal experiência.
Na minha juventude tive um sonho com um amigo que falecera. Perguntei algumas
vezes como é a vida depois da morte, e depois de alguma insistência, obtive como resposta,
que não poderia nada ser me dito a respeito, pois eu fazia parte do mundo dos vivos, e ainda
para resolver a questão, meu amigo, me disse que mesmo se me dissesse, eu não
compreenderia nada. Sinto isso como uma informação altamente preciosa. Temos um limite
de compreensão e nada podemos entender além desse limite, então criamos as mais
diversas representações ou ídolos para explicar o que estão fora do alcance da compreensão
humana. Ani é a face na qual podemos acessar por meios de experiências, simbologias e
metáforas. Mas isso é tudo. O resto faz parte de nossas pretensões e até mesmo arrogância.
REFERÊNCIAS
Capítulo 11
INTRODUÇÃO
15
Professor Doutor em Engenharia Mecânica do UPE / Campus Garanhuns, Brasil
132 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)
Fonte: Do autor.
De forma geral, conforme observado por Silva (2016), diversos elementos podem
contribuir para formação de anomalias de drenagem, a exemplo da composição geológica,
de movimentos neotectônicos, da confluência com rios tributários, e até elementos
antrópicos que alterem a condição natural de transporte de sedimentos como a presença de
barragens ou o desmatamento ciliar.
Para detecção e classificação de anomalias de drenagem a partir da análise de perfis
longitudinais, Hack (1973) estabeleceu o índice denominado RDE (Relação de Declividade vs
extensão) também chamado de Índice de Gradiente do Rio (Stream – Gradient Índex) ou
simplesmente SL (Slope vs Lenght), referindo-se à relação entre a declividade do rio e a
distância do mesmo à nascente. Este índice pode ainda ser calculado por trecho, RDEs, ou
total, RDEt, conforme as equações seguintes:
Conforme sugerido por Etchebehere (1999), também usado por Melo et al. (2009),
os trabalhos apresentados neste artigo consideraram os valores seguintes da razão entre
RDE trecho/RDE total, para detecção de anomalias de drenagem: no intervalo 0 a 2 –
equilibrado, ou seja, inexistência de anomalias de drenagem, de 2 a 10 – anomalias de
segunda ordem e, os valores de RDE acima de 10 correspondem à anomalias de primeira
ordem, ou seja, as mais severas.
TRABALHOS DESENVOLVIDOS
O rio Una
Conforme APAC (2013), bacia hidrográfica do rio Una é considerada uma das mais
importantes do Estado de Pernambuco apresentando uma área de aproximadamente
6.740,31 km². O curso principal do rio una tem uma extensão de aproximadamente 271
quilômetros, tendo sua nascente no município de Capoeiras mostrando-se intermitente até
o município de Altinho onde torna-se perene desembocando no mar em Várzea do Una,
distrito de São José da Coroa Grande.
No trabalho apresentado por Melo e Goldfarb (2012), o perfil longitudinal do rio
Una foi construído com uso do curvímetro para determinação do comprimento do canal
principal. As altitudes foram obtidas pelos cruzamentos com as curvas de nível, ou por
processo de interpolação, em cartas topográficas da Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste (SUDENE) e do Ministério do Exército (Diretoria de Engenharia e
Comunicações), na escala de 1:100.000.
De forma alternativa, Souza et al. (2011) obtêm o perfil do Una sem uso de cartas
topográficas, com ferramentas do software Google Earth®. Para tanto, foi necessária uma
visão geral do percurso do rio Una desde sua nascente, em Serra da Boa Vista, município de
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 135
Capoeiras, de todos os demais municípios transpostos, até a sua foz, em Várzea do Una,
município de São José da Coroa Grande. A figura compreendeu uma área de
aproximadamente 27.550 km², aprestada em escala de 1:100.000.
O trabalho de Melo e Goldfarb (2012) foi importante, além da determinação e
análise do perfil do Una, por indicar a validação da construção do perfil longitudinal através
do Google Earth®, conforme feito por Souza et al. (2011). Para tanto, os perfis obtidos pelos
dois pesquisadores apresentaram grande semelhança em comparação feita posteriormente.
A Figura 2, apresentada a seguir, apresenta o perfil do Una.
Com relação à análise do índice RDE, tanto Souza et al. (2011) como Melo e
Goldfarb (2012) observaram que a maior parte do rio Una apresenta anomalias de drenagem
de primeira e segunda ordens, associadas a trechos de subsidência e soerguimento,
especialmente no percurso que compreende a passagem do médio para o baixo curso do rio.
Essas anomalias estão, nesse sentido, principalmente associadas à geologia da Zona de
Cisalhamento de Pernambuco, ZCPE, relacionada à porção leste da Formação Borborema no
Estado de Pernambuco.
Rio Mundaú
apresenta uma área de aproximadamente 4.090 km², dos quais, 2.154 km² inseridos no
Estado de Pernambuco. Conforme APAC (2013), a área de drenagem do Mundaú em
Pernambuco envolve 15 municípios, sendo quatro inseridos em sua totalidade: Angelim,
Correntes, Palmeirina e São João. E onze parcialmente: Brejão, Calçado, Capoeiras, Caetés,
Canhotinho, Garanhuns, Jucati, Jurema, Jupi, Lagoa do Ouro e Lajedo.
Para construção do Perfil Longitudinal, Miranda e Goldfarb (2014) citam Amaral e
Rosalen (2009), que observam que o software Google Earth® é mais exato e preciso que o
GPS e o eclímetro na determinação da declividade. Nesse sentido, assim como Souza et al.
(2011) constroem o perfil a partir de ferramentas disponíveis no Google Earth®. O resultado
obtido por esses pesquisadores é apresentado na Figura 3.
Para aplicação do índice RDE, Miranda e Goldfarb (2014) dividem o curso principal
do rio Mundaú em 45 trechos de aproximadamente 3,89 km cada, e calculam o RDE por
trecho. Segundo os autores, a maior parte do rio Mundaú apresenta anomalias de drenagem
de primeira ordem; existindo também trechos com anomalias de drenagem de segunda
ordem. Observam ainda que essas anomalias podem estar associadas a movimentos
neotectônicos assim como ao transporte de sedimentos, relacionado por sua vez, a fatores
antrópicos que devem ainda ser pesquisados.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 137
Rio Capibaribe
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
MELO, O. A. G.; FUJITA, R. H.; SANTOS, M. L. F. Análise do perfil longitudinal do Rio Baiano –
Assis Chateaubriand – PR a partir da aplicação do índice de gradiente (RDE). SIMPÓSIO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA FÍSICA APLICADA, 13, 2009. Viçosa (MG).
SANTONI, G.; ETCHEBEHERE, M. L. C.; SAAD, A. R. et al. Information theory and an extension
of the maximum likelihood principle. ENCONTRO DE PESQUISA E JORNADA DE INICIAÇÃO
CIENTÍFICA UNG, 2004, Guarulhos (SP).
SILVA, R. N.; GOMES, D. D. M.; GOLDFARB, M. C. Uso do índice RDE para determinação de
anomalias de drenagem do rio Capibaribe (PE). Revista Eletrônica em Gestão, Educação e
Tecnologia Ambiental– REGET, UFSM, 2016.
ZANCOPÉ, M. H. C.; PEREZ FILHO, A.; CARPI JÚNIOR, S. Anomalias no perfil longitudinal e
migração dos meandros do rio Mogi Guaçu. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 10, n. 1,
2009.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 141