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0 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.


A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 1

Organizadoras
Maria Betânia Moreira Amador
Sandra Medina Benini

A COMPLEXIDADE DO
“LUGAR” E DO “NÃO LUGAR”
numa abordagem geográfico-ambiental

1a Edição

TUPÃ/ SP
ANAP
2016
2 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Editora

ANAP - Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista


Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos
Fundada em 14 de setembro de 2003
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Cidade de Tupã, Estado de São Paulo.
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Sandra Medina Benini
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A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 3

Organizadoras

Maria Betânia Moreira Amador


Possui Graduação em Engenharia Florestal pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1986),
Mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (1994), Especialização em
Silvicultura pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (1995), Doutorado em Geografia
(Conceito CAPES 5) pela Universidade Federal de Pernambuco (2008) e Pós-doutorado em Geografia
na linha de pesquisa Ecossistemas e Impactos Ambientais, Universidade Federal de Pernambuco
(2011). Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco, Campus Garanhuns. Lider do GESSANE -
Grupo de Estudos Sistêmicos do SemiArido do Nordeste e pesquisadora do GEQUA - Grupo de Estudos
do Quaternario do Nordeste Brasileiro da UFPE. Além da docência, realiza pesquisas nos seguintes
temas: geografia com abordagem sistêmica e interdisciplinar, sustentabilidade, agroecologia,
geomorfologia, biogeografia, e educação ambiental. Experiência, também, em estudos e pesquisas
sobre a algarobeira no Nordeste do Brasil.

Sandra Medina Benini


Possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Marília (1995), Bacharelado em
Direito pela Faculdade de Direito da Alta Paulista (2005), Licenciatura em Geografia pelo Centro
Universitário Claretiano de Batatais (2014), Especialização em Administração Ambiental pela
Faculdade de Ciências Contábeis e Administração de Tupã (2005), Especialização em Engenharia de
Segurança do Trabalho (2008), Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (2009), Doutorado em Geografia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (2015), Doutorado em Arquitetura e Urbanismo na Mackenzie/SP (2016) e atualmente esta
cursando o Pós-doutorado em Arquitetura e Urbanismo (PNPD/Capes) pela FAAC/UNESP - Câmpus de
Bauru. Tem experiência na área de Planejamento e Gestão Urbana, atuando principalmente nos
seguintes temas: Estatuto da Cidade, Planos Diretores, Políticas Públicas Urbanas, Uso e Ocupação do
Solo Urbano, Áreas Verdes Públicas e Infraestrutura Verde.
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Conselho Editorial Interdisciplinar

Profª Drª Alba Regina Azevedo Arana – UNOESTE


Profª Drª Angélica Góis Morales – UNESP – Campus de Tupã
Prof. Dr. Antônio Cezar Leal – FCT/UNESP – Campus de Presidente Prudente
Prof. Dr. Antonio Fábio Sabbá Guimarães Vieira – UFAM
Prof. Dr. Antonio Fluminhan Jr. – UNOESTE
Prof. Dr. Arnaldo Yoso Sakamoto – UFMS
Prof. Dr. Daniel Dantas Moreira Gomes – UPE – Campus de Garanhuns
Profª Drª Daniela de Souza Onça – UDESC
Profª Drª Danielle Gomes da Silva – UFPE – Recife
Prof. Dr. Edson Luís Piroli – UNESP – Campus de Ourinhos
Prof. Dr. Eraldo Medeiros Costa Neto – UEFS
Prof. Dr. Erich Kellner – UFSCAR
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Profª Drª Maira Celeiro Caple – Universidade de Havana – Cuba
Profª Drª Marcia Eliane Silva Carvalho – UFS
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Profª Drª Maria Betânia Moreira Amador – UPE – Campus de Garanhuns
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Prof. Dr. Ricardo Augusto Felício – USP
Prof. Dr. Ricardo de Sampaio Dagnino – UNICAMP
Profª Drª Roberta Medeiros de Souza – UFRPE – Campus Garanhuns
Prof. Dr. Roberto Rodrigues de Souza – UFS
Prof. Dr. Rodrigo José Pisani – Unifal
Prof. Dr. Rodrigo Simão Camacho – UFGD
Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Araújo – UFMA
Profª Drª Rosa Maria Barilli Nogueira – UNOESTE
Profª Drª Simone Valaski – Universidade Federal do Paraná
Profª Drª Silvia Cantoia – UFMT – Campus Cuiabá
Profª Drª Sônia Maria Marchiorato Carneiro – UFPR
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 5

A481a A complexidade do lugar e do não lugar numa abordagem


geográfica-ambiental / Maria Betânia Moreira Amador e Sandra
Medina Benini (Orgs.) – Tupã: ANAP, 2016.
141 p; il. Color. 29,7 cm

ISBN 978-85-68242-25-4

1. Conceito de Lugar 2. Geografia 3. Ambiental


I. Título.

CDD: 900
CDU: 911/47

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Geografia
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Sumário

Prefácio 08
Prof. Dr. Antonio Carlos de Barros Corrêa

Apresentação 11

Capítulo 1 12
A cidade como espaço de nascimento, vida e morte
Prof. Dr. Henrique Figueiredo Carneiro

Capítulo 2 20
Interconexão biogeografia, biodiversidade e lugar
Profa. Dra. Maria Betânia Moreira Amador

Capítulo 3 30
Desastres naturais provocados por eventos extremos: uma realidade brasileira e
do Estado de Pernambuco
Profa. Dra. Cristiana Coutinho Duarte

Capítulo 4 45
Lugares inovativos: cidade do conhecimento e dimensões balizadoras
Profa. Dra. Roberta Medeiros de Souza

Capítulo 5 55
A paisagem na escala do lugar
Prof. Dr. Rodrigo de Freitas Amorim
Profa. Dra. Danielle Gomes da Silva

Capítulo 6 68
Onde e quando: o lugar do espaço e do tempo no Espaço-Tempo
Prof. Dr. Irami Buarque do Amazonas

Capítulo 7 83
Significado e importância ambiental dos espaços livres urbanos
Prof. Dr. Carlos Sait P. de Andrade

Capítulo 8 98
O lugar de todos nós como possibilidade
Prof. Dr. Alcindo José de Sá
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 7

Capítulo 9 108
O lugar como construto de interpretação socioespacial: um olhar para o
município de Horizonte, Estado do Ceará
Prof. Dr. Emanuel Lindemberg Silva Albuquerque
Prof. Dr. Daniel Dantas Moreira Gomes

Capítulo 10 118
O lugar geográfico como metáfora consciência
Prof. Dr. Luciano Lins

Capítulo 11 131
Pesquisas sobre perfis longitudinais do Estado de Pernambuco: Estado da arte e
perspectivas futuras
Prof. Dr. Maurício Costa Goldfarb
8 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Prefácio

Prof. Dr. Antonio Carlos de Barros Corrêa1

A geografia já foi definida como a ciência dos lugares e, se o lugar na análise


geográfica não ocupou uma preeminência categórica, anterior à sistematização da própria
ciência, como coube ao espaço na vetusta contraposição clássica entre choros e topos, sua
aplicação atual nos remete à compreensão das várias abordagens, aplicações e tendências
teóricas na geografia. De fato, a plêiade de enfoques contemporâneos sobre o lugar e seus
múltiplos significados nos leva a analisar os encaminhamentos intelectuais dentro da própria
ciência geográfica, sobretudo aqueles que contrapõem uma análise abstrata do espaço – na
qual o lugar assume a função particular de conexões e nós dentro de redes espaciais
complexas e relacionais de interação, resultando apenas em uma marca visível dessas
interações – e aqueles que concebem o lugar a partir de sua concretude ativa, uma
expressão do suporte ambiental-paisagístico que serve de elemento intermediador entre o
mundo físico e os processos sociais e econômicos, afetando e sendo afetado por esses.
Se o espaço e o lugar indubitavelmente encontraram uma posição de destaque na
reflexão geográfica acadêmica atual, o mesmo não pode ser dito, pelo menos não com o
mesmo nível de elaboração e complexidade das narrativas, em relação ao tempo. Se não há
um consenso sobre a geografia conquanto ciência histórica, o tempo na geografia, sempre
mediado pela história social, revela-se no lugar. Seu significado cambiante nos confronta
também com as diversas matizes antropológicas e culturais inerentes à tarefa de contar o
passar do tempo, além é claro das considerações ainda mais vastas que nos levam a aceitar
como geográfico o tempo longo dos estudos geológicos e das ciências da natureza. O lugar
como síntese do tempo e da historicidade do fenômeno geográfico vê, portanto, seu valor
renovado como objeto das investigações em um momento histórico em que muitos
antecipavam sua supressão como categoria analítica capaz de iluminar a complexidade dos
processos espaciais.

1
Professor Associado do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE, Pesquisador nível 1-D do Cnpq.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 9

Outro ponto de interseção fundamental na discussão do lugar é aquele que se


estabelece entre o mundo que está imediatamente ao nosso alcance – o lugar vivido – e o
mundo que vemos ao nosso redor, a paisagem. Essa externalidade que nos cerca é, ao
mesmo tempo, concreta, física e memorial, modulada pelas diferentes formas de cognição e
percepção do real. Por muito tempo a paisagem tem oferecido uma base sensorial – visível –
na qual se ancora a observação em geografia, além de tradicionalmente servir de ponto de
partida para a construção de sínteses simbióticas entre o mundo físico e o humano
(cultural), a partir das quais se alicerça boa parte dos discursos sobre unicidade temática
dentro dessa ciência. Nesse sentido, paisagem e lugar também nos revelam a necessidade
reiterada da aplicação do tratamento escalar e de modelos em geografia, de maneira que
esses nos permitam aferir e reconstruir as magnitudes dos processos, aqui e mais adiante,
agora, no passado histórico e no tempo huttoniano profundo, sem perdermos a perspectiva
de que cada dimensão escalar dos fenômenos geográficos define uma gramática espacial
própria, com níveis inerentes de agregação e detalhamento dos elementos que lhes servem
de estrutura. Assim, o lugar é o cenário da ancoragem social, do mundo culturalmente
vivido, e a base do sentido de continuidade espacial da paisagem que lhe rodeia.
Se a diatribe da unicidade versus o sistêmico na geografia parecia nos apontar para
a obsolescência definitiva do lugar e a supremacia do espaço, a experiência recente tem
evidenciado a reafirmação das concretudes geográficas sobre a abstração de um espaço
cada vez mais reduzido à compressão das relações de troca e fluxos sobre superfícies
teoricamente isomorfas. Inicialmente, a rejeição dos aspectos mais messiânicos da análise
espacial e mais recentemente a necessidade de compreender como os processos de
globalização têm repercutido de forma diferenciada sobre os diversos tecidos histórico-
geográficos, cristalizados espacialmente nos ditos “nós” das redes, têm garantido uma
posição central ao lugar no discurso geográfico atual. A partir dessa visão, os lugares
adquirem e atribuem significados tanto do ponto de vista social quanto moral.
Especificamente falando, os diferentes lugares são com frequência associados a certos
atributos, como, por exemplo, os lugares tidos como sagrados são geralmente relacionados
a certas divindades e propósitos de culto, estão organizados conforme padrões de
significado ideológico, muitas vezes evidenciados por monumentos, apresentando limites
bem demarcados com as áreas não sagradas ao redor. Da mesma forma, os grupos sociais
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demarcam seus terrenos e territórios de ação, o que lhes confere distinção em relação aos
demais, além de estabelecer as circunscrições onde prevalecem determinados conjuntos de
normas e práticas culturais. Assim, a valorização do lugar como elemento focal da análise
geográfica abre a possibilidade de elucidar o papel deste tanto na modulação das relações
sociais quanto na forma como essas lhe atribuem significados próprios, historicamente
construídos, e de certa forma irreplicáveis. O uso corrente do lugar como elemento-chave
das discussões geográficas vem transcendendo a mera idealização passageira da valorização
do único pela geografia, e agregando olhares mais abrangentes e humanistas em um
momento em que as metanarrativas sintetizadoras são fortemente revistas no âmbito das
ciências da sociedade.
O presente volume nos convida a refletir sobre alguns dos desdobramentos e
implicações recentes desta epígrafe-síntese da geografia, o lugar. Alguns capítulos se
debruçam sobre a discussão e reflexão conceitual e filosófica, enquanto outros seguem a
rota da observação empiricamente construída e mediada pelos estudos de caso. Todos são
instigantes e todos testemunham quão vital e diversa a geografia atual se nos apresenta, se
não mais como a ciência dos lugares, mas como a ciência na qual o lugar continua ocupando
uma posição central.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 11

Apresentação

O tema que se apresenta nesta modesta obra visa a preencher, em particular, uma
lacuna que se verifica ao pensar sobre lugar, seja ele qual for: físico, matemático, metafísico,
enfim, trata-se de uma oportunidade para todos os interessados no assunto quando da
necessidade de buscar mais informação ou, simplesmente, uma contribuição para reflexões
frente as cada vez mais tangíveis preocupações ambientais.
Embasar propostas teóricas e também metodológicas é tarefa árdua, e necessária
em todo trabalho técnico e científico. E nesse contexto oferece-se aqui um esforço coletivo,
pode-se afirmar prazeroso com certeza, que traz em sua essência o subjetivismo e
objetivismo, ao mesmo tempo, dos autores envolvidos.
Assim sendo, a disposição dos capítulos procura articular as concepções de ordem
mais teórica com aquelas de ordem mais prática, nas quais o leitor terá a oportunidade de
perceber a aplicação dos diversos conceitos que orbitam o conceito “lugar”. Fica claro,
também, a interdisciplinaridade, tão necessária em trabalhos de cunho ambiental, visto que
é no ambiente onde acontecem e interferem as ações humanas.
Cabe ressaltar, ainda, que se primou pela capacitação dos autores, todos com
titulação de doutorado e alguns outros também com seus pós-doutorados, ao mesmo
tempo em que se teve a preocupação do pensar interdepartamentos e interinstitucional
dando, assim, robustez e coesão aos parâmetros sonhados na perspectiva de obter-se um
trabalho inovador e articulado com as demandas atuais nos diversos cenários que se
apresentam na realidade, seja urbana, seja rural, e que, ao final, configura-se em uma
preocupação local.
Logo, espera-se que o conteúdo aqui apresentado contribua para um novo olhar
sobre o lugar. Que se preste mais atenção no mesmo e a partir daí se possa construir e/ou
reconstruir ambientes com características de sustentabilidade e, mais ainda, que se tenha
mais senso de bem comum, de bem difuso.

Maria Betânia Moreira Amador


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Capítulo 1

A CIDADE COMO ESPAÇO DE NASCIMENTO, VIDA E MORTE

Henrique Figueiredo Carneiro2

Quer dizer que, na relação do imaginário e do real, e na constituição do mundo tal


como ela resulta disso, tudo depende da situação do sujeito. E a situação do sujeito
[...] é essencialmente caracterizada pelo seu lugar no mundo simbólico, ou, em
outros termos, no mundo da palavra. (LACAN, 1994, p. 97)

INTRODUÇÃO

As perguntas que podemos dirigir ao cidadão sobre a noção de lugar, implica uma
reflexão sobre as dimensões objetivas e subjetivas que afetam o sujeito, se o olharmos
desde uma perspectiva psíquica. Queremos abordar nesta reflexão a cidade como lócus de
convivência, de redimensionamento dos laços sociais, que sempre reclamam o cerne da
produção de mal-estar ou sofrimento psíquico, por colocar em cena a complexidade das
relações entre as pessoas.
A cidade, em termos subjetivos, convida o sujeito para o espaço da representação
de determinada referência à origem, do sentimento de pertença, do deslocamento e do
destino. Implica uma discussão sobre o nascer, viver, conviver e o morrer nos espaços. Em
outras palavras, não há como estabelecer uma discussão sobre a cidade sem implicar no
contraponto sobre os não lugares que o espaço da cidade apresenta constantemente ao
cidadão, toda vez que é contrastado com as impossibilidades de desenvolver um projeto
objetivo de vida, com as intempéries, e, sobretudo, com as ameaças da manutenção da vida.
Em pesquisa realizada com vítimas da violência em espaços públicos em Fortaleza,
no Estado do Ceará, ao longo de 2010, utilizando-se da metodologia da Pesquisa Intervenção
em Psicanálise, privilegiou-se a escuta dos sujeitos, dos cidadãos, em relação a suas posições
no laço social, como uma referência ao que chamamos de não lugares deflagrados sempre

2
Professor Doutor em Psicologia da UPE / Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 13

que o sujeito se depara com a negação dos espaços que ocupa cotidianamente no âmbito da
cidade. A intervenção se faz a partir do sofrimento psíquico que o sujeito traz à Instituição –
neste caso, a delegacia plantonista – a qual recorre para destinar uma demanda de amparo
diante do horror da cena de violência vivenciada, trata-se, portanto, uma intervenção
realizada sobre a concepção do laço social (CARNEIRO, 2010). Essa perspectiva de pesquisa
implica uma dupla função: “à função constituinte do problema circunscrito às causas e
efeitos subjetivos [...] e à função interventiva, entendida como uma impossibilidade de
neutralidade no espaço da transferência de trabalho constituída no ato da pesquisa”
(CARNEIRO, 2010, p. 147).
Teoricamente, os dispositivos sociais, seus efeitos e causas voltadas para a
ressignificação do sujeito no laço social toma como apoio as diversas formas de
manifestação do mal-estar na cultura (FREUD, 1996[1930]). Como aposta na reconstrução na
dimensão do laço, o privilégio é dado à Função e o Campo da Palavra e da Linguagem
(LACAN, 1998[1953]) como restituidora do sentido da experiência traumática, viável para o
sujeito e sua relação com os discursos sociais atrelados, no contexto das novas formas de
construção subjetivas.
Metodologicamente, a pesquisa fundamentou-se em uma abordagem qualitativa,
proporcionando a valorização dos conteúdos, discursos e significados. Nessa perspectiva, o
material da pesquisa foi organizado a partir da reconstrução do plano discursivo do sujeito
que, após uma experiência de ruptura simbólica vivida a partir de uma violência sofrida no
espaço urbano, volta a articular pela linguagem sua posição no contexto da sociedade. No
caso desta pesquisa, a intervenção se dava no momento que o sujeito recorria à lei, quando
do registro do Boletim de Ocorrência. A aposta interventiva foi além do registro formal da
queixa, para que o sujeito retomasse contato com o sentido de sua posição no laço social.
Para isso, a passagem do relato policial para o sentido do discurso sobre as causas e os
efeitos da violência servia como núcleo central da intervenção.
Das categorias construídas nesta pesquisa (Figura 1), destacam-se: “Desgastes dos
laços familiares”, “Subjetividade globalizada”, “Violência Sistêmica e Consumo Predatório”,
“Sentidos de pertença à Cidade”, “Referência à Lei”, “O Valor da Vida”, “Causas da Violência”
e “Efeitos da Violência”. A ênfase dada neste texto, recai sobre a categoria acerca dos
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sentimentos de pertencimento à cidade para destacar aí os aspectos subjetivos


presentificados no laço social.

Figura 1: Categoria “Pertencimento à cidade”

Sentido de
pertença à cidade

Cidade violenta

Assaltos frequentes Formas de Desterritorialização


Insegurança Restrição da
(aumento da ocupação do e segregação
generalizada liberdade
criminalidade) espaço público territorial

Fonte: Extraído da pesquisa “A imagem da violência: causas e efeitos traumáticos em vítimas da violência em
espaços públicos elaborada pelo autor, não publicada”.

PERTENCIMENTO À CIDADE

A partir dos recortes discursivos das vítimas de violência em espaço público, são
reconhecidos elementos que articulam a fala dos sujeitos à representação subjetiva que
guarda o cidadão do espaço de pertencimento à cidade. Dessa forma, foram identificados os
seguintes aspectos: cidade violenta; insegurança generalizada; assaltos frequentes (aumento
da criminalidade); formas de ocupação do espaço público; restrição da liberdade;
desterritorialização e segregação territorial.
A sociedade vive sob a égide de uma insegurança planetária: desde os assaltos,
sequestros, homicídios, roubos e furtos das grandes metrópoles até os homens-bomba que,
paradoxalmente, encontram na morte um sentido para a vida. A sobrevivência e a proteção
tornaram-se o fundamento da existência, impregnadas pela banalidade do mal (ARENDT,
1999).
A insegurança e o medo parecem ter assumido um dos fatores mais preocupantes e
dilacerantes na dimensão existencial do sujeito com o seu vínculo territorial. Tais recortes
discursivos transmitem essa questão:
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 15

Em outros bairros nem se fala, acho que o policiamento tá mais focado aqui
[Aldeota-Meireles]. É mais perigoso [os bairros] Barra do Ceará, Bezerra de
Menezes, esses lados que são muito perigosos, e você não vê policiamento
[…]. Fala do Sujeito 18.

Porque [o assalto] foi justamente na esquina onde eu tenho o meu estágio.


Fala do Sujeito 09.

Hoje a gente tá de carro e já param do lado com a arma na mão; quer dizer,
se nem dentro do carro a gente tem segurança, imagina de moto ou a pé.
Fala do Sujeito 18.

O confronto geral da subordinação dos projetos de benefícios coletivos com a busca


da satisfação pessoal, segundo Bauman (2009), aciona e orienta a dinâmica do espaço
público, no que o autor denomina de modernidade líquida. Essa condição na qual está
inserida a cidade e sua incorporação ao processo de produção capitalista gera mudanças
graduais, e produz uma espécie de privação e esvaziamento da possibilidade de integrar
elementos da vida em sociedade à história subjetiva de cada um.
Aspectos de uma dinâmica social que conflui para uma injunção de fatores que
transportam o indivíduo para uma espécie de aprisionamento em campo aberto, em
território delimitado com muros invisíveis. O que produz configurações inéditas de
desterritorialização que, segundo Benasayag (2005), pretendem estabelecer um controle da
vida e do seu fluir independente de cada princípio de singularidade territorial, produzindo
um homem sem raízes, numa espécie de isolamento sem fronteiras.
No horizonte do advento da modernidade “biocêntrica”, emerge o indivíduo
adestrado para a “otimização” do seu funcionamento com o intuito de alcançar a almejada
“qualidade de vida”.
Constatou-se que esses fatores discutidos nas observações feitas aos sujeitos da
pesquisa quando foi analisado o sentido que atribuem ao fato e o registro subjetivo de
pertencimento à cidade: uma pessoa (Sujeito 02) demonstrou-se bastante ansiosa e
preocupada com a violência em Fortaleza, principalmente devido às suas experiências na
condição de vítima de assaltos. Teme pela segurança da filha e sente medo de sair de casa.
Ressalta que a violência está se banalizando a ponto de se achar comum esse tipo de ato no
cotidiano da cidade. Refere ter passado várias vezes por assaltos à mão armada e considera
que esse é o aspecto que mais traumatiza o sujeito, pois causa medo e insegurança do que
pode acontecer e da dificuldade de voltar à rotina diária da vida, blindada pelo medo de sair.
16 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Comenta sobre a falta de policiamento e segurança em Fortaleza, o que a faz pensar que a
situação está sem controle: “todos falam a mesma coisa, foram assaltados nos mesmos
lugares e nada se resolve”.
Outro sujeito considerava Fortaleza uma cidade mais tranquila que Campinas/SP,
onde reside. No entanto, tem escutado constantemente durante sua permanência em férias,
na cidade, insistentes advertências inclusive, pelos noticiários, para não sair com relógio ou
com quaisquer objetos de valor. Fala, com pesar, de já haver presenciado roubos na cidade
que considerava, até então, tranquila.
Dessa forma, esses sujeitos parecem explicitar os processos de poder que circulam
e se alojam em seus discursos, desimplicados de uma possibilidade de atribuir um sentido de
pertença.
Bauman (2001) descreve um sujeito contemporâneo sem raízes, que segue os
fluxos mercadológicos e comunicacionais, em uma infindável demanda de consumo.
Implicações subjetivas de uma sociedade que, continuamente, dá indicações de
manifestações totalitárias feudalizada em “guetos” de muros invisíveis de segregação
econômica e de consequente segregação territorial (MIR, 2004).
Uma organização social fundamentada em um espaço social, denominado Mercado,
que exige de cada sujeito um constante remodelamento tal qual como se faz com uma
roupa, para que não fique ultrapassado e fora de moda (BAUMAN, 2009). Um sujeito sob
“formatação” contínua de acordo com as exigências do Divino Mercado (DUFOUR, 2008), em
que a vida e o corpo adquirem o caráter de produto.
Análise que corrobora com Sennet (2008) quanto às formas de ocupação do espaço
público: “a massa dos corpos que antes aglomerava-se nos centros urbanos hoje está
dispersa, reunindo-se em polos comerciais, mais preocupada em consumir do que com
qualquer outro propósito mais complexo, político ou comunitário” (p. 19).
Tal assertiva do sociólogo citado conduz a pensar em uma organização social cujo
modelo se alinha com as incursões capitalistas de adestramento ao consumo em massa, na
tentativa de desarticular e tornar patética qualquer iniciativa de âmbito político que
implique em direitos e deveres dos cidadãos.
A segurança, assim, passa a ser presa fácil do Mercado – através de produtos como
os condomínios fechados, cercas elétricas, carros blindados, serviço de guardas privados,
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 17

etc. – e termina entrando na lógica de mais um serviço a ser consumido, o que para muitos é
inacessível, restando uma vez mais somente a condição de excluídos nos guetos das favelas
– as senzalas contemporâneas (MIR, 2004). O que favorece, ainda segundo Mir, a uma
segregação bem mais sofisticada, numa espécie de assepsia social e que configura a
constituição das novas castas da época pós-moderna: incluídos e excluídos, instituindo, além
do preconceito racial, o “apartheid econômico” (MIR, 2004, p. 33).

CONSIDERAÇÕES

Presencia-se, cotidianamente, os efeitos da crescente banalização da violência na


decomposição do sujeito contemporâneo e, consequentemente, dos laços sociais, do
declínio ético das instituições, até o assassinato de um menino de 10 anos de idade numa
troca de tiros com a polícia. O que nos conduz a uma interrogação intrigante: O que seria
mais violento? O garoto, viciado em crack, tratado como escória da sociedade, cuja
visibilidade social e como sujeito obteve somente por meio de um ato desviante, ou o
político que enche meias, bolsas e cuecas de dinheiro público no conforto do seu escritório
que, depois do enésimo escândalo-espetáculo, cairá no esquecimento?
O que agrava o ato de corrupção é que, além de roubar o patrimônio público,
destrói também as utopias, os sonhos de angariar bens simbólicos, ao convencer com a
banalização desses atos, milhões de pessoas que a honestidade, a solidariedade e defesa dos
interesses coletivos compõem uma patética qualidade dos fracos.
Na atualidade, declina-se o exercício da ciência como busca de uma mudança de
visão de mundo como verdade a ser revelada, em consequência exalta-se determinado
conhecimento na sua capacidade utilitária e de proliferar produtos. O que confere à
tecnologia um lugar soberano ao qual a condição humana ficou subordinada, segundo
Galimberti (2006), efeito da passagem da ciência para a tecnociência, do homocentrismo ao
tecnocentrismo.
Segundo Agamben (2002), a lógica tecnocientífica pretende estabelecer um sujeito
empírico exilado da sua condição de cidadão da pólis, tornando-o um cidadão burocratizado
e obediente ao Deus Mercado (DUFOUR, 2008), cuja mediocridade se assemelha ao que
Arendt (1999) se refere em Eichmann, em Jerusalém, sobre a banalidade do mal. Obra na
18 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

qual destitui a premissa do senso comum de que a violência é movida pela conduta humana
irracional e impulsiva, ao invés disso, segundo a autora, desenvolve-se nas entranhas da
burocracia.
Mas se o sujeito foi reduzido a um corpo-produto que deambula pela cidade como
uma imagem, pois quando cada um tenta “salvar a própria imagem", como diz o jargão
popular, quem não se salva é o próprio sujeito que se torna presa fácil do aniquilamento.
Assim, nessa lógica, a prática da violência adquire uma coerência espantosa e o ato violento
uma prática banal, um contexto em que, como afirma Kristeva (2002), o sujeito foi reduzido
a um aparato biológico destituído de alma.
Um cenário de transformações científicas, tecnológicas e econômicas de grande
complexidade produz novos modos de regulação social. Elementos tais como norma, ideal,
autoridade e hierarquia tradicional vêm sendo profundamente questionados, evidenciando
uma sociabilidade com vasta diversidade de referências (DUFOUR, 2008).
O resultado obtido pela pesquisa evidencia uma defasagem entre a crise
estabelecida pela situação de violência em Fortaleza e o fracasso no alcance das
intervenções das instituições sociais que, segundo a fala dos sujeitos, sequer se aproximam
da complexidade do problema e terminam se configurando paliativos para remediar uma
guerra instalada nas várias dimensões da vida.

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A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 19

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20 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Capítulo 2

INTERCONEXÃO BIOGEOGRAFIA, BIODIVERSIDADE, LUGAR

Maria Betânia Moreira Amador3

O lugar é construído a partir da experiência e dos sentidos, envolvendo sentimento


e entendimento, num processo de envolvimento geográfico do corpo amalgamado
com a cultura, a história, as relações sociais e a paisagem. (MARANDOLA JR., 2013,
p. 7).

INTRODUÇÃO

As questões que norteiam a contemporaneidade estão permeadas de preocupações


ambientais que envolvem, mais do que nunca, o lugar e sua complexidade. Embora quase
sempre perceba-se que o mesmo passe despercebido para a maioria das pessoas frente à
frenética dinâmica que envolve os diversos âmbitos social, econômico, cultural e ecológico.
Assim o cenário que, naturalmente, é oferecido às espécies em sua diversidade,
apesar dos ditames impostos ao longo da construção física da deriva dos continentes,
mudanças climáticas, mais tarde associadas ao cultural entre outras variáveis, vêm
apresentando em épocas relativamente recentes, uma diminuição significativa em função de
necessidades básicas de sobrevivência, mas e principalmente pelo avanço sempre voraz de
espaços para atividades que, para se instalarem, impõem a transformação de espaços
naturais e/ou próximos ao natural.
Sabe-se que a Biogeografia, enquanto ciência, tem se preocupado, principalmente,
com a explicação da distribuição dos seres vivos sobre a Terra e, para isso, desde seu início
tem se ancorado em outras ciências como a Biologia e a Geografia. Ambas de suma
importância no mundo atual, notadamente quando se tem a preocupação com o ambiente e
sua sustentabilidade. Logo, percebe-se a característica primordial da Biogeografia no que se
refere à sua interdisciplinaridade.

3
Professora Doutora em Geografia da UPE / Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 21

Observa-se, no entanto, que a literatura sobre essa temática, interdisciplinaridade,


já há algum tempo vem contribuindo para o entendimento e amalgamento de conceitos e
entendimentos que permeiam a complexidade e a sua abordagem sistêmica. Nesse
contexto, a Biogeografia se enquadra muito bem, além de absorver vertentes teóricas tanto
de níveis mais técnicos e factíveis em suas análises, quanto os mais utópicos e ambiciosos do
ponto de vista de uma ecologia profunda visando, primordialmente, a uma sustentabilidade
em sua ótica mais valorativa/subjetiva.
De modo que ainda se vê que quanto mais avança o desenvolvimento científico e
tecnológico, mais complexa vai se tornando a Biogeografia que busca, através das
sofisticações oferecidas nessas áreas, elementos argumentativos e comprobatórios de
hipóteses levantadas e testadas à luz, principalmente, da Estatística, da Física, da Química e
da Matemática, entre outras.
Cabe considerar, em tal contexto, uma das conceituações da Biogeografia
trabalhada por Brown e Lomolino:

É a ciência que se preocupa em documentar e compreender modelos espaciais de


biodiversidade. É o estudo da distribuição dos organismos, tanto no passado
quanto no presente, e dos padrões de variação ocorridos na Terra, relacionados à
quantidade e aos tipos de seres vivos. (BROWN; LOMOLINO, 2006, p. 3).

Por esse e por outros conceitos percebe-se que a tônica inerente à Biogeografia,
então, é a preocupação com o geral, sempre estudando, analisando grandes
compartimentos fitogeográficos e/ou zoogeográficos associando-os com clima, solo e, assim,
obter diferentes quadros explicativos da distribuição dos elementos vivos, sejam vegetais ou
animais sobre a superfície da Terra.
As especificidades dessas distribuições fornecem características identitárias, os
chamados habitats, em sua maioria de caráter territorial, mas que, com relação ao homem,
entre as espécies viventes, esse encara o território de forma diferenciada, embora o poder e
suas relações sejam inerentes a qualquer ser vivo. No caso do ser humano, manifestam-se
com outra conotação, ou seja, a base territorial não é apenas para sobrevivência e
preservação da espécie, mas cede ao apelo da dominação em suas formas econômica, social
e cultural.
22 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

O LOCAL NA BIOGEOGRAFIA

Discute-se aqui, então, a necessidade de se pensar o local à luz da Biogeografia em


termos de conhecer melhor a biodiversidade e distribuição de organismos endêmicos sejam
vegetais ou animais, frente à velocidade de substituição de paisagens ainda timidamente
preservadas em termos de vegetação nativa por paisagens domesticadas e altamente
impactantes.
Observam-se processos, pelo menos, localmente, de perdas significativas de
conhecimento de flora e fauna antes mesmo de se poder documentar a existência e
importância em sua amplitude de utilização na dinâmica tradicional, em decadência, e
utilização potencial na indústria, destacadamente de ordem vegetal, em sua vasta gama de
variedades.
Em termos de flora, embora tenha havido esforço concentrado em se estudar
taxonomia em épocas passadas, particularmente nos séculos XIX e XX, constata-se que
parece não ter havido uma divulgação suficiente para alcançar os atores interessados.
Embora tenham sido realizados trabalhos por naturalistas antes do século XIX no Brasil, os
quais ainda hoje são referência para os estudiosos do assunto. A literatura sobre o tema
indica que as rotas naturais percorridas por esses naturalistas, em geral, seguiam os rios
e/ou trilhas deixadas pelos índios, exploradores, colonizadores e raramente os mesmos se
arvoravam na mata em profundidade. Ao se adentrar em leituras que versam sobre
colonização, Mata Atlântica, entre outras, percebe-se aqui e acolá colocações sobre a
percepção de alguns naturalistas estrangeiros, em sua maioria, que estiveram trabalhando
no Brasil em diversos momentos.
Percepções essas que geralmente, expressavam certo medo, receio em relação às
áreas consideradas, ainda, “não civilizadas”, conforme pode ser apreciado na seguinte
passagem:

É lamentável que os naturalistas de formação europeia da virada do século XIX


tenham deixado apenas memórias breves e pálidas de sua experiência sob o dossel
da Mata Atlântica. [...] Apenas uma vez Saint Hílare lhes forneceu uma pista
quando falou sobre “aquela espécie de terror religioso que normalmente inspira a
visão das florestas virgens”. Esta observação ele acompanha com uma expressão
de seu deleite, após sair da mata, ao ver o rio e a vila de São João da Barra se
espraiarem diante dele – como parecia encantador, após passar diversas horas
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 23

encerrado em um túnel de árvores. James Wells confessava sentir “uma


imperceptível depressão” nas “negras sombras silentes”, que era seguida de
“júbilo” ao irromper nas “brisas frescas dos campos, resplandescentes de flores e
pássaros de plumagens claras”. (DEAN, 1996, p. 156).

Alinhando-se à essa experiência dos naturalistas, surge aqui em particular, a experiência


própria da autora desse texto, que através também de certo convívio com pessoas ligadas ao uso da
terra, agropecuária especificamente, verificou ainda ser forte a evidência dessas
percepções/sentimentos já assinalados, acrescidos de outros, talvez contextualizados pela
modernidade, pelo avanço acelerado das necessidades de consumo que exige a moeda de troca, ou
seja, o dinheiro. Assim sendo, a terra, a pouca terra entendendo-se como característica primeira da
distribuição fundiária do agreste pernambucano, em geral (LINS, 1989; ANDRADE, 2009), diante à
desenfreada exploração econômica, oscila entre a necessidade de permanecer provedora do sistema
natureza, oportunizando o ciclo constante da vida e a ganância cada vez mais avassaladora do
sistema econômico-social e cultural.
Como autoinformação e referência ilustrativa, coloca-se um exemplo local, no qual se
vende certa quantidade de hectares totalmente limpos de qualquer área verde, por exigência do
comprador, ao invés de coberta com uma capoeira ou matinha, vegetação comum na área em
apreço. O argumento levantado nessa situação é que o comprador, em geral, dado o uso que
pretende, geralmente pecuária e capim plantado, prefere não ter nenhuma despesa com o processo
de limpa do terreno (dados obtidos em aulas dialogadas sobre a temática em apreço com alunos
oriundos do campo, 2014-2015).
Frente a situações como essa, relatada apenas como exemplo, é fácil imaginar o caos que,
provavelmente, ocorrerá quando as explicações biogeográficas de flora e fauna se tornarem vazias
referentes a um passado sem chance de volta e um presente, quase totalmente manipulado e/ou
alterado em termos de habitats e seres.
Cabe salientar que, ao mesmo tempo em que ocorrem fatos descabidos como esses,
também se toma conhecimento da ação positiva do Estado através de órgãos competentes e
atinentes à suas responsabilidades, os quais aqui e acolá conseguem coibir essas ações (dados
obtidos em aulas dialogadas sobre a temática em apreço com alunos oriundos do campo, 2014-
2015).
E, então? O lugar entendido como as áreas próximas, notadamente sítios e municípios
estão tendo sua biodiversidade gradativamente perdida juntamente com toda a informação
biológica, ecológica, geológica, geomorfológica, entre outras, numa rota tendencialmente sem volta.
Junte-se a esse processo cada vez mais insensibilidade e/ou ignorância do ser humano em relação a
24 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

esse capital natural normalmente considerando-o, ainda, como inesgotável ou mesmo sem nenhum
ou pouco valor.
Embora essa questão de não haver afetividade em relação ao lugar e do desrespeito ao
patrimônio vivo sejam antigas, como bem caracteriza a observação posta por um naturalista do
século XIX, se referindo a um agricultor brasileiro que:

Olha para duas ou mais léguas de florestas como se elas não fossem nada, e ele
mal as reduziu a cinzas e já lança seu olhar ainda mais adiante para levar a
destruição a outras partes; não nutre nem afeição nem amor pela terra que cultiva,
tendo plena consciência de que ela provavelmente não irá durar para seus filhos.
(DEAN, 1996, p. 155).

Infelizmente, desde que o mundo tornou-se um espaço para o colonialismo e imperialismo,


que as mazelas ambientais se intensificaram acelerando-se, praticamente, após a Segunda Grande
Guerra. Por outro lado, coincide, concretamente, com o despertar ecológico motivando ações ora
paliativas, ora restritivas, embora muitas disfarçadas, em quase todas as partes de globo. No
entanto, também fica evidente que esses traumas ambientais estão atrelados, via de regra, com o
descompromisso e aculturamento imposto pelos “invasores”, associados aos ditames cada vez mais
sofisticados da economia, quando não da subserviência de alguns países ou culturas materializados
em pequenos grupos mandatários. Mas será que se as redes de acordos, bem como a exploração dos
diversos ambientes naturais se formassem através de indivíduos ou grupos da própria localidade,
seria diferente?

O LOCAL E O ELO AFETIVO

Assim, a resposta talvez nunca será totalmente desvendada em sua essência. No


entanto, conjecturas e a relatividade das considerações perante as diversidades de olhares
permite trazer algumas referências que, possivelmente, remeterão à preocupação de que,
mesmo o melhor dos sujeitos, num primeiro momento, frente a sua necessidade de viver e
sobreviver não hesitará em dilapidar seu entorno numa perspectiva imediatista.
A questão, então, se configura de maneira a pensar, em primeiro plano na
educação, cujas repercussões ocorrem a longo prazo e, modernamente, na educação
ambiental. Entram em cena, ainda, os chamados valores morais, religiosos, intelectuais entre
os principais. Tudo isso envolvido, imbricado em culturas que se tornam difusas na dimensão
planetária e na velocidade das “transformações” do presente.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 25

No contexto do lugar, no entanto, faz-se necessário refletir sobre a possibilidade da


decisão de alguns em exercitar seu poder de escolha na confluência das ferramentas
jurídicas disponíveis nas esferas federais, estaduais e municipais para gestar espaços de uso
comum como é o caso, principalmente de áreas urbanas, pelo menos em termos de Brasil.
Esse fato é importante devido à significativa expansão de cidades de um lado, e
expansão de atividades agropecuárias de outro, ambas as expansões pressionam fortemente
os espaços de flora e fauna, ainda restantes.
Talvez os estudiosos considerem suficientes os trabalhos de biogeografia
empreendidos por naturalistas dos séculos passados e dos botânicos, agrônomos, ecólogos
que sucederam no século XX, inclusive no nordeste. Mas torna-se preocupante a falta de
catalogação, descrição e mapeamento “mais” substancial da biota e sua biodiversidade em
tempos mais recentes associado a falta de interesse da população e o constante convite a
novos empreendimentos que dilapidam o escasso patrimônio vegetal e, em consequência, o
animal reduzindo-se drasticamente possibilidades de estudos biogeográficos e de ecologia
dos lugares.
Novamente pinça-se exemplo bem local para ilustrar o que está sendo tratado.
Recentemente realizou-se estudos sobre determinada espécie vegetal (jurema preta) como
eixo condutor de pesquisa de iniciação cientifica conduzida sob a abordagem sistêmica e
seguindo-se as diretrizes da “Topofilia” entendida como afeição “pelo lugar”.
Assim, o aluno pesquisador era necessariamente do lugar pesquisado e onde,
naturalmente, havia a predominância dessa espécie vegetal. O resultado, então, apontou
para a falta de percepção de sua importância e melhor aproveitamento econômico por parte
de adultos que a conheciam, enquanto os mais jovens, mesmo convivendo com elas em suas
propriedades, escolas e, também por compor, em alguns pontos a paisagem urbana do local,
não a conheciam como jurema. Para esses jovens, as juremas eram simplesmente mato,
árvores, praticamente sem nenhum atributo ou importância (RODRIGUES, 2014).
Acredita-se, então, ser de significativa importância ter-se a consciência da essência
da Geografia enquanto disciplina inserida nos diversos currículos formativos desde a infância
até a universidade. Apesar da, ainda, dicotomia existente em seu âmago muitos geógrafos
buscam, com auxílio da interdisciplinaridade e da complexidade pautada em Morin,
26 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

propiciar um despertar de cidadania e um olhar para o lugar e/ou a partir do lugar de cada
um.
Assim, ressalta-se a necessidade de se tomar Yi Fu Tuan como referência pela defesa
do lugar e da Topofilia. A sua leitura indica, claramente, que no esteio da sustentabilidade,
do ambiental, é fundamental se ter conhecimento e amor pelo espaço no qual,
provavelmente, se nasceu, viveu e se vivenciou. Valores como respeito não aparecem do
nada, é preciso uma construção e, assim, percebe-se que projetos de caráter interventivo
em dado espaço, são mais coerentes quando realizados por quem o conhece e tem a devida
afeição. Projetos técnicos elaborados por profissionais que não possuem essa característica
pecam muitas vezes, por desconsiderar e/ou achar irrelevante determinada ação/recurso
natural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar o local, então, sob a tutela da Biogeografia requer um olhar sistêmico que
consiga perceber a inter-relação dos componentes da teia da vida em determinada biota.
Mas compondo o entrelaçamento necessário com o geossistema na direção de, não só
identificar, descrever, catalogar, aplicar teorias pertinentes à ciência biogeográfica, mas
levar em conta também conceitos de sustentabilidade, complexidade, os quais
compatibilizem simultaneamente interesses de ordem econômica, ambiental, social e
cultural para compreender o espaço/lugar contribuindo, assim, para a minimização de
problemas de variados tipos, além de harmonizar as relações inerentes a um trabalho
interdisciplinar como os biogeográficos.
Urge, então, priorizar trabalhos de pesquisa em lugares os mais diversos,
esquecidos nos confins do país, cuja flora e fauna estão dia a dia desaparecendo sem terem
tido a chance do necessário reconhecimento para a sustentabilidade em sua ampla
dimensão, bem como de estudos biogeográficos de caráter interdisciplinar.
Encerra-se este capítulo, pois, trazendo para reflexão palavras da Encíclica do Papa
Francisco recém-publicada:

O facto de insistir na afirmação de que o ser humano é imagem de Deus não


deveria fazer-nos esquecer que cada criatura tem uma função e nenhuma é
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 27

supérflua. Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu


carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus.
A história da própria amizade com Deus desenrola-se sempre num espaço
geográfico que se torna um sinal muito pessoal, e cada um de nós guarda na
memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem. Quem cresceu no meio de
montes, quem na infância se sentava junto do riacho a beber, ou quem jogava
numa praça do seu bairro, quando volta a esses lugares sente-se chamado a
recuperar a sua própria identidade. (C. ENCÍCLICA, 2015, p. 66).

Logo, fica evidente a deferência feita ao “lugar” como ponto de apoio a todos nós
na busca de relacionamento harmonioso com a natureza. Independentemente das escolhas
filosóficas e religiosas de cada um, há de se concordar que o homem é natureza em sua mais
pura essência e, portanto, deve primar por mudanças que visem à preservação e/ou
conservação de espaços que se retratam nele mesmo respeitando tudo e qualquer recurso
natural materializado na biodiversidade do lugar.

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30 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Capítulo 3

DESASTRES NATURAIS PROVOCADOS POR EVENTOS EXTREMOS:


UMA REALIDADE BRASILEIRA E DO ESTADO DE PERNAMBUCO

Cristiana Coutinho Duarte4

A gravidade dos impactos provocados pelos eventos climáticos extremos não


depende apenas desses eventos em si, mas também da exposição e vulnerabilidade
da sociedade a tais eventos. (IPCC, 2012)

INTRODUÇÃO

A frequência e a intensidade dos desastres naturais aumentaram de forma


significativa desde a década de 1950. Alguns autores associam esse aumento à maior
exposição e vulnerabilidade da sociedade contemporânea. Outros afirmam que a principal
agravante tem sido as mudanças globais, principalmente a intensificação das instabilidades
atmosféricas e aumento dos chamados eventos extremos, com a maior ocorrência de
furacões, vendavais, tempestades e chuvas intensas, que causam grandes danos
socioeconômicos (MARCELINO; NUNES; KOBIYAMA, 2006).
No Brasil, como resultado do processo de desenvolvimento assimétrico, devido à
rápida urbanização sem planejamento, falta de planejamento ambiental e negligência dos
governos nacionais, estaduais e municipais com questões sociais e de ordenamento
territorial, surgem áreas passíveis de risco a desastres naturais, como, por exemplo, favelas
ou assentamentos informais instalados em áreas de encostas suscetíveis a deslizamentos ou
em margens de rios, suscetíveis a inundações. Como agravante tem-se também a falta de
percepção de riscos e a impossibilidade de algumas pessoas de migrarem para áreas mais
seguras, tornando-se mais vulneráveis e expostas aos desastres.
O extenso território brasileiro apresenta características físicas bastante
diversificadas, com predominância de clima tropical, com a ocorrência de grandes índices

4
Professora Doutora em Geografia da UPE – Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 31

pluviométricos, e uma porção seca. Assim, os principais desastres que ocorrem no Brasil
estão relacionados a enxurradas ou inundações bruscas, deslizamentos de terra, secas e a
erosão. Entretanto, um fenômeno natural só é considerado como desastre quando ocorre
em locais onde seres humanos vivem, resultando em danos (materiais e humanos) e
prejuízos (socioeconômicos).
Destacam-se, neste país, os eventos que ocorreram no final de 2008 em Santa
Catarina, em junho de 2010 nos municípios dos Estados de Pernambuco e Alagoas, e em
janeiro de 2011 em municípios da região serrana do Rio de Janeiro. Mesmo sabendo-se que
os desastres naturais são mais significativos em áreas de maior vulnerabilidade como os
assentamentos informais, os eventos que ocorreram tanto em Santa Catarina, em 2008,
quanto no Rio de Janeiro, em 2011, também atingiram áreas ocupadas por residências de
alto padrão.
Até metade do ano de 2015 vários municípios brasileiros sofreram com as fortes
chuvas, com destaque para municípios de Salvador, em que foram registradas mais de 20
mortes provocadas por deslizamentos em maio desse ano, municípios do Rio Grande do Sul
e Santa Catarina em julho e municípios da Região Metropolitana do Recife com registros de
movimentos de massa, inundações e alagamentos, causando sérios transtornos à população
e contabilizados dois casos de morte nessa região.
Tais desastres estiveram associados a eventos climáticos e meteorológicos
extremos, ou seja, aqueles em que os totais pluviométricos em certo período – seja anual,
sazonal, diário, seja outro – apresentam desvios de chuva superiores ou inferiores ao
comportamento habitual da área no período analisado. Sarewitz e Pielke Jr. (2000) os
definem como uma ocorrência que apresenta uma incidência rara, distanciando-se da
média, variando em sua magnitude.
Pesquisas relacionadas com a ocorrência de desastres naturais no mundo e no
Brasil vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos, ajudando, portanto, na identificação das
principais causas do aumento da ocorrência de desastres e as formas de mitigação e
adaptação. Desse modo, este artigo tem como objetivo apresentar o resultado de uma
compilação e análise dos principais desastres naturais que assolam o mundo como um todo,
o Brasil, o Nordeste, o Estado de Pernambuco, até chegar à Região Metropolitana do Recife
baseando-se em banco de dados de desastres internacionais, como o EM-DAT (The
32 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

International Disaster Database) e nacionais como o Sistema Integrado de Informações


sobre Desastres (S2ID), da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC) do
Ministério da Integração Nacional, além de documentos como o Atlas brasileiro de desastres
naturais e os volumes elaborados para todos os Estados e o Anuário brasileiro de desastres
naturais (volumes para os anos 2011 e 2012), dentre outros documentos.

BANCO DE DADOS DE DESASTRES NATURAIS

O United Nations Office for Disaster Risk Reduction (UNISDR) conceitua desastres
como o resultado de eventos adversos, naturais e provocados pelo homem, sobre um
cenário vulnerável, causando grave perturbação ao funcionamento de uma comunidade ou
sociedade. Envolve extensivas perdas e danos humanos, materiais, econômicos ou
ambientais, que excedem a capacidade da sociedade de lidar com o problema usando meios
próprios.
Os desastres podem ser divididos em dois grupos: os tecnológicos e os naturais, no
entanto, serão aqui expostos somente os desastres naturais. Esses últimos, por sua vez, são
divididos em cinco grupos: geofísicos, meteorológicos, hidrológicos, climatológicos e
biológicos (BELOW; WIRTZ; GUHA-SAPIR, 2009).
Os desastres meteorológicos, hidrológicos e climatológicos estão normalmente
relacionados a eventos considerados extremos. Esses eventos extremos podem atingir de
forma diferenciada determinados lugares, por estarem associados a outros fatores como a
vulnerabilidade. Assim, O Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC, 2012), em seu
relatório especial denominado Managing the risks of extreme events and disasters to
advance climate change adaptation, traz algumas ressalvas sobre os eventos climáticos
extremos. Alguns eventos climáticos e hidrológicos extremos, por exemplo, secas e
inundações, podem ser o resultado de uma acumulação de eventos meteorológicos ou
climáticos que, individualmente, não seriam considerados como extremos, entretanto, o
acumulado pode ser. Assim como eventos meteorológicos ou climáticos, mesmo não sendo
estatisticamente extremos, podem levar a condições ou a impactos extremos, quer seja por
atravessar um limiar social, ecológico ou físico crítico, quer pela ocorrência simultânea de
dois eventos. Por outro lado, nem todos os extremos conduzem necessariamente a um
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 33

impacto grave, haja vista o local onde ocorreu o fenômeno, por exemplo, em um ambiente
natural onde não há ocupação (DUARTE, 2016).
Com a intenção de tentar padronizar os diferentes conceitos sobre desastres, tipos
e formas de coleta de informações para elaboração de banco de dados e estudos
estatísticos, o Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) da Universidade
de Louvain, criou o EM-DAT: The International Disaster Database. Esse banco visa à coleta
sistemática e análise de dados sobre desastres, fornecendo informações para governos e
agências encarregados de atividades de socorro e recuperação das áreas afetadas, além de
fornecer subsídios às análises estatísticas e elaboração de relatórios anuais de desastres
elaborados pela UNISDR (DUARTE, 2016).
O Ministério da Integração Nacional do Governo Federal do Brasil (BRASIL, 2012)
adota o mesmo conceito proposto pela UNISDR e segue a Classificação Brasileira de
Desastres (COBRADE) baseada na classificação utilizada pelo EM-DAT, com adaptações à
realidade brasileira (Quadro 1).

Quadro 1: Síntese da Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (COBRADE),


destacando somente os desastres naturais
GRUPO DE
SUBGRUPO TIPOS
DESASTRES
Terremoto Tremores de terra, tsunamis
Emanação vulcânica
Quedas, tombamentos e rolamentos (blocos, lascas, matacões e lajes);
Movimentos
Geológico deslizamentos (solo e/ou rocha); corridas de massa (solo/lama ou
de Massa
rocha/detritos); subsidências e colapsos
Erosão costeira/marinha; erosão de margem fluvial; erosão continental
Erosão
(laminar, ravinas e boçorocas)
Inundações
Hidrológico Enxurradas ou inundações bruscas
Alagamentos
Sistemas de
grande Ciclones (ventos costeiros e marés de tempestades – ressaca); frentes
escala/escala frias/zonas de convergência
regional
Tempestade local/concectiva (tornados, tempestades de raios, granizo,
Meteorológi Tempestades
chuvas intensas e vendaval)
co
Temperaturas
Onda de calor; onda de frio (friagem e geadas)
extremas
Estiagem; seca; incêndio florestal (incêndios de parques e áreas de proteção
Seca
ambiental e incêndios em áreas não protegidas)
Baixa umidade do ar
Doenças infecciosas virais; doenças infecciosas bacterianas; doenças
Epidemias
infecciosas parasíticas; doenças infecciosas fúngicas)
Biológicos
Infestações / Infestações de animais; infestações de algas (marés vermelhas,
pragas cianobactérias em reservatórios)
Fonte: BRASIL (2012).
34 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Para que os desastres sejam registrados no banco de dados do EM-DAT, um dos


critérios a seguir deve ser atingido: dez ou mais casos de morte; cem ou mais pessoas
afetadas; declaração de estado de emergência e solicitação de assistência internacional.
No Brasil, criou-se o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) da
Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC) em 2012, com o objetivo de qualificar
e dar transparência à gestão de riscos e desastres no Brasil. Além desse banco de dados para
consulta na internet, o Ministério da Integração Nacional/Secretaria Nacional de Proteção e
Defesa Civil/Centro Nacional de Gerenciamento de Desastres elaboraram documentos como
o Atlas brasileiro de desastres naturais, também com volumes para todos os Estados e o
Anuário brasileiro de desastres naturais (volumes para os anos 2011 e 2012).
Os dados contidos e consolidados da ocorrência de desastres, no banco de dados e
nos referidos anuários, são oriundos de documentos oficiais como os extintos Formulários
de Avaliação de Danos (AVADAN), de Notificação Preliminar de Desastres (NOPRED), e o
atual documento para informar ocorrência de desastres – Formulário de Informação de
Desastres (FIDE). Utilizam-se, também, Decretos de Declaração de Estado de Calamidade
Pública (ECP) ou de Situação de Emergência (SE) e Portarias de Reconhecimento Federal,
além de informações coletadas junto às Coordenadorias de Defesas Civis (CDEC).
De acordo com o Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres
(CEPED) (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2012), a classificação de desastres é
importante, primeiramente, por motivo de ordem legal, visto que as situações de
anormalidade só podem ser decretadas em função de um desastre. Assim, para que seja
considerado um desastre, no Brasil, determinado evento tem de estar catalogado na
Cobrade. A descrição de cada desastre pode ser visualizada na Cobrade completa
disponibilizada no site do Ministério da Integração Nacional (www.integração.gov.br).
Torna-se mister não se deter apenas nas ocorrências que constam nos documentos
expostos, visto que, como afirmam os autores desses documentos, houve limitações nas
pesquisas realizadas nos Atlas de Desastres do Brasil, em Pernambuco, bem como nos
demais Estados brasileiros pelas condições de acesso ao banco de imagens e referencial
teórico para a caracterização geográfica de cada Estado, pelas lacunas de informações por
mau preenchimento, além da armazenagem inadequada dos formulários, muitos guardados
em locais sujeitos a fungos e umidade.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 35

OCORRÊNCIA DE DESASTRES NATURAIS NO MUNDO NO ANO DE 2013

Guha-Sapir, Hoyois e Below (2014) apresentam o Annual Disaster Statistical Review


2013: the numbers and trends. De acordo com esse anuário de 2013, os desastres naturais,
mais uma vez, causaram impactos devastadores para a sociedade humana. Foram
registrados no mundo 330 desastres naturais, causando a morte de mais de 21.610 pessoas,
fazendo 95,5 milhões de vítimas e registrando danos econômicos de U$ 118,6 bilhões. Um
total de 108 países sofreu com esses desastres.
Em relação ao total de ocorrências, em 2013, o número de desastres foi menor que
a frequência média anual observada entre 2003 e 2012, que foi de 288. Foi o menor valor
dos últimos dezesseis anos. O baixo número de desastres relatados no referido ano, quando
comparado com a média de ocorrência entre 2003 e 2012, foi por um menor número de
desastres hidrológicos (inundações e movimentos de massa) e climatológicos (18% e 45%
menor que a média de 2003 e 2012, respectivamente). Os desastres hidrológicos (159 no
total) ainda foram, de longe, os que mais ocorreram em 2013 (48,2%), seguidos de desastres
meteorológicos (106; 32,1%), desastres climatológicos (33; 10%) e desastres geofísicos (32;
9,7%).
China, Estados Unidos, Indonésia e Filipinas foram os países que mais sofreram com
os desastres naturais em 2013. Dois desastres que ocorreram nesse ano foram mais
significativos, matando mais de mil pessoas, o furacão Haiyan, nas Filipinas, em novembro,
onde foram registradas 7.354 mortes, e a grande inundação no mês de junho, na Índia, com
6.054 mortes registradas.
Em 2013, o número de mortes provocadas pelos desastres naturais foi menor
(21.610 casos de morte), se comparado com a média anual entre 2003 e 2012 (106.654), o
que pode ser explicado, principalmente, pela análise da média entre três anos, 2004, 2008 e
2010, com mais de 200 casos de morte registrados e dois anos 2003 e 2005 com registro
médio em torno de 100 mil mortes, muito desses casos por terremotos (GUHA-SAPIR;
HOYOIS; BELOW, 2014). A Figura 1 apresenta os dez países com maior número de eventos
registrados em 2013. Percebe-se o Brasil na oitava colocação do ranking, com maior
ocorrência de eventos hidrológicos.
36 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Figura 1: Gráfico representativo dos dez países com o maior número de eventos registrados em 2013

Fonte: Guha-Sapir, Hoyois e Below (2014).

OCORRÊNCIA DE DESASTRES NATURAIS NO BRASIL DE 1991 A 2010 E NOS ANOS DE 2011 E


2012

No Brasil, de acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais 1991 a 2010:


volume Brasil (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2012), contabiliza-se
anualmente um aumento do número de ocorrências de desastres registrados desde a
década de 2000. Os dados são comprovados também quando se observam os seguintes
números: total de desastres entre 1990 a 2010 (31.909), década de 1990 (8.671/27%) e
década de 2000 (23.238/73%).
Entretanto, é importante chamar a atenção para o fato de que as diferenças entre
os registros também podem estar ligadas à dificuldade histórica de a Defesa Civil manter os
registros atualizados. Como tendência, é possível apenas afirmar que tanto os desastres têm
potencial crescimento como o fortalecimento do sistema, a fidelidade aos números e o
compromisso no registro também crescem com o passar dos anos (UNIVERSIDADE FEDERAL
DE SANTA CATARINA, 2012).
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 37

A partir do total de afetados por tipo de desastres no Brasil (96.220.879 pessoas), a


estiagem/seca é o desastre que mais afetou a população brasileira, por ser mais recorrente
(50 ocorrências e 34% do total de afetados), mas as inundações bruscas, com 29 ocorrências,
afetaram 56% dos brasileiros e causaram o maior número de mortes (43 casos de morte,
sendo 19% do total).
De acordo com o Anuário Brasileiro de Desastres Naturais (BRASIL, 2012), em 2011,
os desastres tiveram impactos significativos na sociedade brasileira. Relatou-se a ocorrência
de 795 desastres naturais, que causaram 1.094 óbitos e afetaram 12.535.401 pessoas.
Foram 2.370 municípios afetados, sendo 65,44% deles por eventos hidrológicos. A região
mais afetada nesse ano foi a Região Sul (6.855.449 afetados), no entanto, a que sofreu o
maior impacto pelo poder de destruição deles foi a Região Sudeste. O número de óbitos
verificados nesta última região foi 7,29 vezes maior que a verificada nas outras quatro
juntas, isso justificado pelo evento que ocorreu na Região Serrana do Rio de Janeiro,
representando 87,95% do total de óbitos em 2011 no Brasil, tendo como maior contribuição
para o número de óbitos os deslizamentos; todavia, eles contribuíram apenas com 5,40% do
total de afetados por desastre em todo o Brasil.
Já em 2012 (BRASIL, 2013) relatou-se, oficialmente, a ocorrência de 376 desastres
naturais, causando 93 óbitos e afetando 16.977.614 pessoas. Os municípios afetados foram
3.781, maior número do que em 2011, e 65,06% deles pela seca/estiagem. A Região
Nordeste teve o maior percentual de municípios atingidos pela seca (47,16% do total de
municípios), porém, os desastres que causaram maior número de mortes foram os
movimentos de massa e enxurradas, ambos correspondendo a 27,96% dos óbitos. Os
movimentos de massa apresentaram maior predominância nesse ano, foram 92% dos casos
registrados.
Em relação à erosão dos solos, classificadas pela Cobrade de Erosão
Costeira/Marinha, Erosão da Margem Fluvial e Erosão Continental, quase 82% dos desastres
desse tipo ocorreram nas Regiões Centro-Oeste, Norte e Sul. O Nordeste teve uma
proporção de 27,27% das ocorrências totais, com 150 desalojados e um total de 14.722
afetados (BRASIL, 2012).
38 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Em 2012, a maioria dos casos de erosão ocorreu no Nordeste e Norte, com 38,46%
e 46,15% dos casos, respectivamente. Predominando a erosão marinha costeira no Nordeste
e erosão das margens fluviais no Norte (BRASIL, 2013).
Os eventos de seca/estiagem são os que afetam o maior número de pessoas,
afetando, em 2011, nas Regiões Norte, Sul/Sudeste e semiárido nordestino 1.308.873
pessoas. Em 2012, por sua vez, o número de pessoas afetadas por seca/estiagem foi de
8.956.853. Na região do semiárido nordestino foi onde os impactos foram mais perceptíveis.
Esse número foi bem acima do observado em 2011 (1.308.873).
Em relação aos alagamentos, em 2011, as Regiões Sudeste e Sul foram as que
apresentaram o maior número de ocorrências, com 29.198 e 112.031 afetados,
respectivamente. A Região Nordeste, principalmente no Estado da Bahia, teve um total de
37.904 afetados. Em 2012, ocorreram 17 desastres provocados por alagamento no Brasil,
prevalecendo na Região Sudeste, seguida do Sul e Nordeste. No entanto, na totalidade do
Brasil, observou-se menor frequência de alagamentos. Tal fato pode ser explicado pelo
déficit de precipitação desse ano, principalmente na Região Nordeste, onde os impactos
foram sentidos inclusive fora do semiárido. Mesmo assim, na Região Nordeste contaram-se
10 desabrigados, 255 desalojados e um total de 1.552 afetados.
As enxurradas afetaram 7.043.989 pessoas no Brasil, em 2011, além de 518 óbitos e
mais de 600 feridos. Contudo, danos humanos decorrentes de enxurradas estão
relacionados, na maioria das vezes, às ocupações desordenadas nas margens dos rios ou
outras áreas com alta suscetibilidade a esse tipo de desastre. O maior número de
desabrigados por enxurrada foi na Região Nordeste (23.118), mas com apenas 6 casos de
óbito, enquanto na Região Sudeste foram 492 casos.
Em 2012, o número de ocorrências de enxurradas foi muito reduzido, se comparado
com 2011 (total de 93 ocorrências), sendo a Região Sudeste a mais afetada. A Região
Nordeste, por sua vez, apresentou somente 4 ocorrências.
As inundações, geralmente ocasionadas por chuvas prolongadas em áreas de
planícies tiveram as maiores ocorrências, em 2011, registradas nas Regiões Sul e Sudeste. O
Nordeste também apresentou significativos registros, com uma distribuição esparsa desses
ao longo dos meses, tendo um maior número de inundações em maio, que é um dos meses
de maior precipitação na porção leste do Nordeste, onde foram afetadas 308.928 pessoas.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 39

As macrorregiões Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil são aquelas de maior


suscetibilidade às inundações; no entanto, em 2012, alterou significativamente essa
predominância, já que a Região Norte foi a que contabilizou a maior parte desses desastres.
Esse fato está associado ao evento extremo ocorrido na Região Norte, em que a Bacia
Amazônica, como um todo, registrou cheias recordes nesse ano, provavelmente influenciado
por um evento de El Niño, que está relacionado com a diminuição das chuvas no Nordeste
do Brasil e aumento das chuvas na Região Norte (BRASIL, 2013).

OCORRÊNCIA DE DESASTRES NATURAIS EM PERNAMBUCO

De acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais: volume Pernambuco


(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2013), esse Estado tem 70% do seu território
no polígono das secas. Os fenômenos desse tipo passaram a ocorrer com mais frequência
depois de 2001, o que se pode explicar pelo aumento da população ou atividades em áreas
vulneráveis, aumentando a exposição a esse tipo de adversidade. Outro fator importante a
ser levado em consideração é a ação do homem, pois a constante destruição da vegetação
natural por meio de queimadas acarreta a expansão do clima semiárido para as áreas onde
anteriormente não existiam (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2013).
Ainda em Pernambuco, as inundações bruscas (enxurradas) e os alagamentos
decorrentes das fortes chuvas ocasionaram 345 registros oficiais de desastres, entre os anos
de 1991 a 2010. As regiões mais atingidas foram a Região Metropolitana do Recife (RMR) e a
Zona da Mata. O município de Camaragibe, na RMR, registrou o maior número de desastres
no período, totalizando 7 ocorrências. Houve um aumento nos registros a partir do ano 2000
que pode estar relacionado com o aumento do nível do risco da população às inundações
em razão do crescimento urbano do Estado.
Outro fator importante para o aumento dos desastres a partir do ano de 2000 parte
do princípio de que para a RMR, apresentou para as décadas de 2000 e 2010,
predominantemente, anos normais a extremamente chuvosos com destaque para os anos
de 2000, 2004 que foram considerados como anos extremamente chuvosos e 2011 como
ano muito chuvoso, de acordo com Duarte (2016). Já na década de 1990, predominaram os
anos secos, com anomalias negativas de precipitação pluvial. Os anos de 2005 e 2010,
40 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

segundo a autora, foram anos que apresentaram chuvas anuais dentro da normalidade,
entretanto, as chuvas ocorreram de forma intensa e concentrada no mês de junho.
O ano de maior número de ocorrência de enxurradas foi 2004 (95 registros),
principalmente nos municípios da região semiárida. Em 2010, foram registradas 74
ocorrências, em que 65 ocorreram no mês de junho, apresentando um acumulado de 219,01
mm em 111 dias de chuva. Outro ano significativo foi o mês de junho de 2005, com 37 do
total de 41 ocorrências.
No ano de 2010, as fortes chuvas que ocorreram nos dias 17 e 18 de junho, que
representaram 70% das chuvas esperadas para todo o mês, atingiram diretamente desde a
cabeceira dos rios Una, Jaboatão e Ipojuca, até a foz, provocando enxurradas violentas,
destruindo cidades inteiras como os municípios Palmares e Barreiros, afetando 67
municípios pernambucanos, dentre os quais 12 decretaram situação de calamidade pública e
30 entraram em situação de emergência. Foram registradas 20 mortes em decorrência desse
evento. O referido número de mortes ainda foi menor que o esperado devido à rápida
atuação do Estado, com a emissão de alertas a população, minimizando os danos humanos
(BANCO MUNDIAL, 2012).
Em relação aos movimentos gravitacionais de massa, a RMR é a mais atingida. Esses
desastres ocorrem nas áreas de morro, onde a ocupação se deu de modo desordenado
ainda havendo atributos naturais para a suscetibilidade à instabilização de encostas, como a
geologia da área. Nos municípios de Recife, Olinda e Camaragibe, os principais locais de
deslizamentos estão sobre a Formação Barreiras (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA, 2013). Já nos municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, por exemplo, os
deslizamentos ocorrem, predominantemente, nas áreas do embasamento cristalino
ocupadas pelo cultivo da cana-de-açúcar ou por ocupação desordenada.
Entre 1990 e 2010, contabilizaram-se 14 registros oficiais de movimentos de massa
em Pernambuco, registrados em oito municípios na porção leste do Estado. Dentre esses,
estão: Recife, Olinda, Camaragibe e Jaboatão dos Guararapes na RMR; Goiana, Ribeirão e
Quipapá na Zona da Mata e Gravatá no Agreste de Pernambuco (UNIVERSIDADE FEDERAL DE
SANTA CATARINA, 2013).
Vale ressaltar que a magnitude dos movimentos de massa que ocorrem no Estado
de Pernambuco não é tão significativa para serem classificados como desastres naturais e
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 41

cadastrados nos referidos bancos de dados, mas dados das Coordenadorias de Defesas Civis
do Estado e dos municípios trazem informações mais detalhadas e problemas acarretados
por esses processos, como perda de residências e, em casos mais localizados, a existência de
óbitos.
Na Região Metropolitana do Recife, conforme foi visto, é constante a ocorrência de
desastres geológicos (movimentos de massa e erosão – continental e costeira), hidrológicos
(enxurradas ou inundações bruscas, inundações e alagamentos) e meteorológicos
(tempestades locais/convectiva promovendo chuvas intensas e ventos fortes). Os desastres
climatológicos estão relacionados à seca, representadas pelas estiagens, as quais se referem
a um período prolongado de baixa ou nenhuma pluviosidade, em que a perda da umidade
do solo é superior à sua reposição. Esses eventos de estiagens acarretaram em uma escassez
de água nos reservatórios levando a longos períodos de racionamento de água em toda a
RMR.
Quando ocorre um evento de chuva de elevada magnitude na RMR, destacam-se a
ocorrência de vários pontos de alagamentos, enxurradas e vários deslizamentos são
contabilizados. Esses últimos são intensificados pela vulnerabilidade da população que
ocupa as áreas de morros e pelas intervenções antrópicas.
De acordo com Coutinho e Bandeira (2012) é muito comum identificar nas áreas de
morro da RMR cortes verticalizados, aterros mal compactados, taludes desprovidos de
cobertura superficial, lançamento de águas servidas, fossas nas bordas dos taludes,
vazamento de tubulações e acúmulo de lixo. Esses são exemplos de intervenções antrópicas
que funcionam como agentes preparatório ou imediato de um deslizamento. A ocorrência
desses, no entanto, são intensificados quando da ocorrência de um evento de chuva de alta
magnitude, uma vez que a erosão hídrica pluvial e os escorregamentos planares são os
principais processos de instabilização de encosta na RMR.
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (2005) contabilizou um total de 1.572 mortes
por deslizamentos no Brasil no período de 1988 a 2005. O que representa um número
aproximado, já que algumas ocorrências conhecidas na RMR não constam entre esses dados.
Bandeira e Coutinho (2015) apresentaram um total de 214 mortes provocadas por
deslizamentos entre 1984 e 2012 nessa região. Em 2011, nove vítimas fatais foram
contabilizadas após as chuvas intensas que ocorreram em junho (120,3 mm/24 h).
42 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Infelizmente, aumentando esse total de mortes que ocorreram na RMR, em 2015, houve um
registro de morte no Recife depois do acumulado apenas de 30 mm/24 h no mês de março.
Com as fortes chuvas que ocorreram nos dias 24 e 25 de junho e no dia 28 de junho, houve
mais dois óbitos nesse último dia.
Na Região Metropolitana do Recife, a ocorrência de tempestades locais provocadas
por chuvas convectivas, gerando chuvas localizadas e intensas, bem como erosão
costeira/marinha e ressacas, nas porções litorâneas de municípios como Recife, Olinda e,
principalmente, Jaboatão dos Guararapes. O número de pessoas afetadas nestas áreas é
elevado, devido ao adensamento urbano e à forma de ocupação em toda a costa, não
respeitando as margens necessárias sugeridas pela legislação, atingindo também edifícios de
alto padrão.

CONCLUSÃO

Os desastres hidrológicos (alagamentos, inundações e enxurradas), geológicos


(movimentos de massa e erosão) e meteorológicos (tempestades e chuvas fortes) são os que
ocorrem com maior frequência no Brasil, Pernambuco e na Região Metropolitana do Recife.
Tal fato é agravado pelo rápido crescimento populacional e à expansão das ocupações nos
municípios, principalmente em áreas de suscetibilidade a tais eventos naturais, promovendo
uma maior exposição e vulnerabilidade da população.
Diante do exposto ao longo deste artigo, percebe-se a importância da realização de
trabalhos que analisam o histórico dos principais desastres que ocorrem no mundo e no
Brasil, identificando os tipos de desastres, sua magnitude e impactos associados, bem como
a elaboração de banco de dados. Entretanto, as exigências estabelecidas para que
determinado fenômeno seja considerado como desastre e cadastrado nos bancos de dados
internacionais e nacional de desastres naturais estão relacionadas a eventos de grande
magnitude. Os eventos de movimentos de massa (erosão e deslizamentos), por exemplo,
são mais localizados e, às vezes, de pequena magnitude, a depender da intensidade das
chuvas e dos eventos de chuvas antecedentes, mas que podem gerar perda de vidas ou
danos às construções, estradas, etc., porém, não são cadastrados nos bancos de dados
citados.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 43

Torna-se, portanto, essencial para um bom planejamento de áreas de risco e um


melhor ordenamento territorial, um treinamento das defesas civis para tornar os cadastros
de ocorrências mais homogêneos e recorrentes, haja vista que muitos municípios não
atualizaram suas ocorrências após o ano de 2010 e outros municípios, como é o caso de
Abreu e Lima, localizado na Região Metropolitana do Recife, que sofreu mais danos do que
está cadastrado nesse sistema. Assim, todas as ocorrências devem ser registradas e
armazenadas em um banco de dados, visando tanto à continuidade de trabalhos do nível
desta pesquisa como à identificação de áreas críticas e melhor conhecimento da
problemática da área para subsidiar as futuras intervenções.

REFERÊNCIAS

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de 2010. Relatório elaborado pelo Banco Mundial com parceria com o Governo do Estado de
Pernambuco, 2012.

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44 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

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A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 45

Capítulo 4

LUGARES INOVATIVOS: CIDADE DO CONHECIMENTO E


DIMENSÕES BALIZADORAS

Roberta Medeiros de Souza5

Acredite que você pode, assim você já está no meio do caminho.


(THEODORE ROOSEVELT)

Alcançar um desenvolvimento sustentável é um desafio constante das cidades,


tanto as cidades consideradas menores quanto outras com status de megalópole vivenciam
tal desafio, independente do seu tamanho, certo é que, seja qual for a estratégia utilizada
pela cidade para vencer os obstáculos e explorar as oportunidades, a mesma deve sustentar-
se harmonicamente nas dimensões econômica, social e ambiental. Além dessas já
conhecidas dimensões de desenvolvimento, as cidades estão se defrontando com uma
estrutura produtiva, migrando da manufatura para os serviços, tal mudança trouxe ao
debate urbano um movimento das cidades em direção a um desenvolvimento através da
inovação resultante na chamada cidade do conhecimento.
A cidade do conhecimento pode ser entendida como uma cidade cujo
desenvolvimento se alicerça em sistemas produtivos baseados no conhecimento, e não na
manufatura, consequentemente, a governança urbana deve prover um conjunto de
condições e infraestrutura (PENCO, 2015) capaz de subsidiar tais sistemas produtivos.
Cidade do conhecimento pode ainda ser vista como o capital estrutural que circunda o
capital humano, mas também o capital relacional que conecta os capitais estruturais e
humanos para prover um alto valor agregado para os profissionais do conhecimento
(EDVINSSON, 2006).

5
Professora Doutora em Geografia da UFRPE, Campus Garanhuns.
46 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

A inovação, por sua vez, pode ser entendida, conforme Katz e Wagner (2014), como
a criação de novas demandas de mercado ou de soluções mais adequadas aos desafios
econômicos, sociais e ambientais, através de ideias, produtos, serviços, tecnologias ou
processos, novos ou melhorados.
Os arranjos institucionais e as estruturas físicas existentes para apoiar a inovação
têm passado por alterações ao longo do tempo e, mais recentemente, os lugares
começaram a ser destacados como fundamentais para o estabelecimento da dinâmica
inovativa.
De forma a ilustrar a tendência dessa abordagem de valorização dos lugares, Katz e
Wagner (2014) definem tais lugares como innovation districts, os quais são áreas geográficas
onde se ancoram instituições líderes e cluster de empresas e conexões com startups,
incubadoras de negócios e aceleradoras, com estrutura física compacta, trânsito acessível e
tecnicamente ligadas, e, ainda, com oferta de múltiplos usos de moradia, escritórios e
amenidades. Vale mencionar que esta abordagem é possível tanto para cidades maiores
quanto menores uma vez que os componentes essenciais para nutrir os innovation districts
são os recursos econômicos, mais os recursos físicos, mais os recursos relacionais, ou seja,
uma sinergia entre empresas, lugar e pessoas.
Na busca por resultados econômicos positivos, as indústrias e empresas da
economia tradicional buscam lugares onde os custos de suas instalações são menores, o que
naturalmente as levam para cidades onde o valor da terra, da mão de obra, dos insumos e
demais fatores de produção são mais baratos, fato que geralmente não ocorre em cidades
do conhecimento. No âmbito da economia do conhecimento, as cidades do conhecimento
competem por firmas e pessoas criativas e inovadoras, consumidoras de produtos e serviços
diferenciados dentro de uma dinâmica socialmente justa e ambientalmente sustentável.
Nesse cenário de diferentes ambientes para a economia tradicional e para a
economia do conhecimento, ao mesmo tempo em que a competitividade dos agentes
econômicos em ambas as economias demanda constante postura empreendedora e
inovadora, percebe-se que lugares mais inovativos decorrem de uma rede de estruturas
físicas e fluxos intangíveis mantidos por uma governança cuja estratégia de desenvolvimento
se baseia em elementos que, quando aglomerados, favorecem a novidade.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 47

Não é atraente às firmas e aos trabalhadores empreendedores e inovadores se


estabelecerem num lugar com degradação ambiental e desigualdade social. Portanto, a
postura estratégica do agente público é essencial para a construção da cidade do
conhecimento, seja explorando os recursos intrínsecos ao lugar, facilitadores dessa
construção, seja direcionando a dinâmica de seus elementos constituintes de tal construção.
Estudos internacionais demonstram que firmas de alta tecnologia escolheram locais
onde as amenidades e qualidade de vida são abundantes e elevada (MALECKY; BRADBURY,
1992 apud PENCO, 2015; FRENKELL; BENDIT; KAPLAN, 2013). Uma vez que este tipo de firma
necessita de trabalhadores diferenciados, é compreensível que tais trabalhadores escolham
lugares onde encontrem diferenciados serviços e produtos, de modo que o lugar também se
torna diferenciado ao ativar um círculo virtuoso de atração de talentos (EDVINSSON, 2006
apud PENCO, 2015), ao ser a escolha de muitos trabalhadores com esse perfil.
Embora cidades com mais histórico de aglomeração de serviços fortemente
baseados em conhecimento já detenham importantes empresas/negócios nesta área,
também cidades em crescimento podem explorar as oportunidades deste novo ambiente
como forma de alcançar um desenvolvimento sustentável. As cidades onde empresas
baseadas em conhecimento buscam se estabelecer oferecem tanto oportunidades para
produção de conhecimento quanto para consumo de conhecimento (PENCO, 2015), então é
uma via de mão dupla que atrai talentos, ou seja, pessoas com perfil para este mundo de
trabalho, sem perder de vista todo o conjunto de serviços agregados atrelados a esta
dinâmica econômica, tais como serviços financeiros, logísticos, entretenimento, educação,
moradia, lazer, etc.
As preocupações relativas à melhoria da qualidade de vida em ambientes urbanos
incluem uma gama de proposições tais como direcionamentos científicos e inovação
tecnológica, construção de uma sociedade com informação acessível e inteligente,
estabelecimento de comunidades amigáveis e boas para se viver, promoção de um equilíbrio
entre o desenvolvimento urbano e rural (JONG et al., 2015) dentre outros. Alinhados a esta
perspectiva, os discursos dos gestores políticos passaram a incorporar diversos termos, tais
como cidades sustentáveis, cidades verdes, cidades digitais, cidades inteligentes, cidades do
conhecimento, cidades da informação, cidades resilientes, eco cidades, cidades de baixo
carbono, ou até algumas combinações de dois ou mais termos (JONG et al., 2015).
48 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Enquanto academicamente os conceitos e abordagens utilizadas nas diferentes


tipologias de cidade façam menção à tríade social-econômico-ambiental, uma questão
permanece pairando alguns debates: Como este conjunto de conhecimento está sendo
traduzido em políticas públicas de tal forma que tais teorias cheguem ao dia a dia dos
cidadãos?
Independente de qual seja a categoria em que uma cidade se disponha a conduzir,
seu progresso às questões ambientais precisam ser explicitadas bem como a inovação não
pode ficar subentendida. Jong et al. (2015) analisaram seis categorias de cidades (knowledge
city, smart city, resilient city, low carbon city, eco city e sustainable city) selecionadas em
vários estudos e todas elas, em maior ou menor grau de influência em suas abordagens,
consideram as variáveis ambientais e inovativas fundamentos em suas estratégias de
desenvolvimento para a cidade.
Ainda no estudo de Jong et al. (2015), cidade do conhecimento congrega
fundamentos tais como capital humano, diversidade sociocultural, equidade social e
conservação do ambiente natural, dentre outros, visando a um desenvolvimento sustentável
através de um processo inovativo coletivo, sobretudo entre o público e o privado, dando
maior ênfase à inovação. A cidade, portanto, é o meio através do qual a sociedade alcançará
seu bem-estar, daí a importância de planejar seu crescimento e desenvolvimento. Para
Edvinsson (2006), cidade do conhecimento é propositalmente desenhada para encorajar e
florescer o conhecimento coletivo, ou seja, o capital intelectual, as capacidades para esculpir
ações eficientes e sustentáveis de bem-estar ao longo do tempo. E isso se alcança com
trabalho conjunto de diferentes condutores da cidade, tais como, sociedade
empreendedora, universidades, infraestrutura para trocas de conhecimento, dentre outros.
A Figura 1 ilustra as relações consideradas importantes para Edvinsson (2006).
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 49

Figura 1: Relações importantes para a construção da cidade do conhecimento

Fonte: Da autora, adaptado de Edvinsson (2014).

Embora a evolução dos meios de comunicação tenha permitido o contato virtual


entre pessoas distantes geograficamente, o contato pessoal é essencial para a transferência
de conhecimento (PENCO, 2015). Os encontros não programados, os trabalhos conjuntos
oriundos das dificuldades inesperadas, a aprendizagem por observação, dentre outras
características dos contatos pessoais, favorecem maior intensidade das relações pessoais e,
em consequência, seus conhecimentos e experiências.
Há que se considerar os recursos necessários para alcançar os objetivos de uma
cidade do conhecimento, mais ainda os recursos já existentes ou aqueles que precisam ser
obtidos ou melhorados. Porumb e Ivanova (2014) contribuem para este olhar sobre as
pessoas ao considerarem a tipologia de smart city como uma complexa rede de conexões
em constante movimento e evolução influenciada pelo fluxo de um conjunto de capitais
para atender necessidades de uma comunidade inovativa, cujo desenvolvimento ampara-se
no conhecimento de seus recursos humanos e criatividade de sua população.
Porumb e Ivanova (2014) alertam que o conhecimento precisa ser efetivamente um
recurso circulante, ou seja, é necessário que ele seja repassado de um ponto a outro. Às
vezes, essa circulação não acontece nem entre os atores desejados nem num tempo
desejado, consequentemente, a figura de um facilitador nesse processo é bastante útil, daí a
proposição do modelo Knowledge Broker Intervention Model (KBIM) para implementação
50 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

de uma cidade mais sustentável, focando o desenvolvimento das relações entre seus
componentes. A Figura 2 ilustra o modelo de Porumb e Ivanova (2014).

Figura 2: Modelo Knowledge Broker Intervention Model (KBIM)

Fonte: Da autora, adaptado de Porumb e Ivanova (2014).

Lugares inovativos possuem uma relação direta com sua capacidade de usufruir do
conhecimento que as pessoas, bem como as organizações ali instaladas (públicas, privadas,
com fins lucrativos, sem fins lucrativos, empresariais ou governamentais) possuem. Além
disso, lugares inovativos também contam com diversificação econômica e atração de
investimentos externos, ambas mantenedoras de processos inovadores, resultando em um
clima de negócios mais vibrante (YIGITCANLAR; LÖNNQVIST, 2013). Cidade do conhecimento
pode ser tomada como a institucionalização dos processos de crescimento e
desenvolvimento de uma cidade, ou seja, a orientação para todos os seus componentes é de
que, majoritariamente, o conhecimento será o combustível que abastecerá as relações dos
seus atores sociais, cujos resultados devem refletir uma cultura de inovação embasada em
sustentabilidade social, econômica e ambiental.
Desde os anos 1960, muitos esforços têm sido empregados por vários países em
favor de um melhor ambiente urbano, porém seus resultados e impactos não ocorreram na
mesma proporção e suas limitações ainda se constituem desafios para o desenvolvimento
sustentável das cidades. Diversos projetos de demonstração de desenvolvimento urbano
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 51

foram postos em marcha especialmente a partir dos anos 1990 sob termos como eco-town,
eco-cities, smart cities, dentre outros, que integram um conjunto de múltiplos usos a fim de
proporcionar melhor qualidade de vida aos cidadãos por meio de planejamento e
implementação ambiental com introdução de sistemas urbanos inovativos, tecnologias e
governança mais adequadas. Não apenas os usos dos termos, mas principalmente seus
significados, variam de acordo com os contextos geográficos e culturais, e,
consequentemente, sua integração com políticas, iniciativas e programas de cada lugar
(BAYULKEN; HUISINGH, 2015).
Uma visão mais sistêmica na qual um conjunto de aspectos devem ser observados e
trabalhados em prol do desenvolvimento urbano parece ser unânime entre os diversos
estudos realizados sobre esta temática.
Mais uma contribuição neste sentido é a de Yigitcanlar e Lönnqvist (2013), que
estudaram as performances de nove cidades (Helsinki, Boston, San Francisco, Birmingham,
Manchester, Melburne, Sydney, Toronto e Vancouver) tendo como modelo o Knowledge
Based Urban Development (KBUD) (Figura 3). Neste modelo o objetivo é obter prosperidade
econômica, ordem socioespacial, sustentabilidade ambiental e boa governança para as
cidades, para tal consideram-se quatro dimensões:
(i) Desenvolvimento econômico, enfatiza os recursos de conhecimento endógeno
como o coração das atividades econômicas;
(ii) Desenvolvimento sociocultural, focado na valorização das habilidades e
conhecimentos dos cidadãos para incrementar a evolução individual e coletiva de
suas conquistas;
(iii) Desenvolvimento urbano e ambiental, visa à conservação, desenvolvimento e
integração dos ambientes naturais e construídos com vistas à construção de
relações espaciais entre eles e os aglomerados de conhecimento de modo que suas
consequências sejam ecologicamente adequadas, de alta qualidade, únicas e
sustentáveis;
(iv) Desenvolvimento institucional, voltado para os processos de aprendizagem
coletiva interdisciplinar das organizações, bem como união dos atores da sociedade
em prol de um planejamento que organize e facilite as bases e atividades intensivas
em conhecimento.
52 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Figura 3: Modelo Knowledge Based Urban Development

Fonte: Da autora, adaptado de Yigitcanlar e Lönnqvist (2013).

Campbell (2009) apresenta também uma abordagem sobre estratégia de


desenvolvimento para as cidades baseadas em conhecimento, qual seja, as learning cities. A
capacidade de aprendizagem das cidades reside em duas principais formas, uma delas é a
informação organizada em repositórios formais acessíveis publicamente, a outra é a
informação circulante contida nas relações sociais e profissionais dos atores constituintes da
cidade. Destaque deve ser dado ao processo de aprendizagem, que, segundo o autor, é tão
importante quanto o produto final de competitividade, e complementarmente, também
merece destaque o papel do governo ao estabelecer políticas que facilitem a aprendizagem.
Características associadas a lugares inovativos, tais como conhecimento,
aprendizagem e criatividade, compõem uma estrutura chamada soft infrastructure (PINCH et
al., 2003), atrelada também a relações de confiança, colaboração e cooperação, essas por
sua vez, também se apresentam como elementos encontrados em ambientes inovativos.
Segundo Campbell (2009), cidades consideradas learning cities possuem em comum a
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 53

valorização do conhecimento e informação, por isso tais cidades criam mecanismos capazes
de obtê-los para alimentar internamente seu planejamento de desenvolvimento.
Diante desse contexto, cabe a todos nós pensarmos sobre o lugar onde vivemos,
trabalhamos, relaxamos, enfim, nos relacionamos, tanto com os outros indivíduos quanto
com o ambiente físico, e então escolhermos e estabelecermos os caminhos para nosso
desenvolvimento sustentável.
Todos esses estudos e debates mostram que lugares inovativos são fortemente
subsidiados por sociedades intensivas em conhecimento, que, por sua vez, possuem
dimensões balizadoras de múltiplos usos, tais como a econômica, a social e a ambiental, mas
que também encontram alicerces mais aderentes a esta abordagem em aspectos como sua
história, cultura, geografia, crenças religiosas, etnias, dentre outros. Esse conjunto
delineador das características próprias do lugar proporciona maior ou menor facilidade para
o que Jong et al. (2015) chamam de compreensão baseada no ser humano, nas intervenções
tecnológicas beneficiadoras do bem-estar social, no crescimento econômico e na
regeneração ecológica do lugar.

REFERÊNCIAS

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effective progress in transforming cities into sustainable urban systems: a literature review
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role of amenities, workplace and lifestyle. Cities, n. 35, p. 33-41, 2013.

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PENCO, L. The development of the successful city in the knowledge economy: toward the
dual role of consumer hub and knowledge hub. Journal of Knowledge Economy, n. 6, p. 818-
837, Springer 2015.

PINCH, S., HENRY, N., Jenkins, M. et al. From ‘industrial districts’ to ‘knowledge clusters’: a
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european smart city. Management Dynamics in the Knowledge Economy, v. 2, n. 3, p. 453-
461, 2014.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 55

Capítulo 5

A PAISAGEM NA ESCALA DO LUGAR

Rodrigo de Freitas Amorim6


Danielle Gomes da Silva7

Toda a variedade de formas da paisagem é dependente de três variáveis


quantitativas: estrutura, processo e tempo. (DAVIS, 1899).

INTRODUÇÃO

A busca pela individualização e entendimento dos arranjos naturais tem sua origem
vinculada ao naturalista russo Dokuchaev no final do século XIX, passando, posteriormente,
a ser tratada em diversos trabalhos com terminologias distintas (CAVALCANTI, 2013). No
decorrer do século XX, a introdução da perspectiva dinâmica no entendimento dos
processos naturais, notadamente, na Geomorfologia, passa a introduzir uma nova
concepção de entendimento da unidade paisagem. Esta agora passa a ser compreendida
como o resultado de um conjunto de processos ao longo de um intervalo de tempo.
Sem querer adentrar em detalhes na teoria e método da Geografia, ao mesmo
tempo buscando situar a presente discussão, percebe-se que quando se examinam as
categorias de análises é consenso que a paisagem é uma delas e esta é a única que abrange
a Geografia física. Portanto, é indispensável posicionar o estudo dos processos físicos e os
ramos científicos que os examinam dentro de uma categoria de análise, tendo como base
uma visão integrada.
Seguindo essa linha de raciocínio, a paisagem constitui, por essência, uma categoria
de análise da geografia, permitindo uma visão sistêmica da relação sociedade-natureza, seja
pela intervenção humana no meio natural, seja na própria leitura e interpretação da
representação dos arranjos naturais, por sobre a superfície terrestre em seus processos

6
Professor Doutor do Departamento de Geografia, UFRN, Brasil
7
Professora Doutora do Departamento de Ciências Geográficas, UFPE, Brasil
56 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

dinâmicos. Todavia, a compreensão do conceito de paisagem não é consenso e diverge


conforme a abordagem geográfica (SCHIER, 2003).
Uma das primeiras atividades que se imputa a um iniciante na ciência geográfica, ou
nas ciências ambientais de forma geral, é a leitura – dentro de parâmetros científicos – dos
arranjos espaciais que estruturam a paisagem. Entretanto, para que a compreensão seja
bem executada, exige-se uma base de conhecimento da estrutura física, incluindo o meio
abiótico e biótico dos lugares, tendo como referência delineações espaciais e temporais,
visualizando os processos que atuaram para a edificação da paisagem.
Por ser uma ciência escalar, a Geografia está sempre exigindo o emprego da escala
na leitura e compreensão de seus objetos de análises, sendo necessária a definição da escala
de análise para o entendimento da paisagem. Ao pensar as paisagens como indivíduos
geográficos, elas “agregam elementos e processos com diferentes naturezas, dimensões e
durações que, relacionando-se numa determinada área da superfície terrestre, dão origem a
uma unidade visível” (CAVALCANTI, 2014).
Aplicando a perspectiva da escala na compreensão da paisagem, pode-se pensar
desde de o global até o local. Apesar de ser um conceito basilar para o estudo da Geografia,
o conceito de lugar só passou a ter relevância para os geógrafos após a década de 1980
(HOLZER, 1999). Essa conjuntura pode estar relacionada à grande influência dos estudos
regionais, já consolidados na Geografia.
A sociedade cria laços com o lugar através da apropriação e identidade, sendo a
paisagem um dos principais componentes de referência dessa relação de pertencimento que
as pessoas têm com o meio natural. Essa relação é principalmente expressa pela
denominação dos lugares, em uma leitura direta do arranjo natural, devendo ser
compreendida sempre de forma não unívoca, uma vez que a sociedade também cria
modificações no meio natural, especialmente na escala do lugar.
Não se pretende discutir aqui o conceito de lugar tal como ele é teorizado e
percebido no âmbito da Geografia humana, mas sim compreendê-lo dentro da perspectiva
da Geografia física, especialmente tendo a paisagem como a categoria a ser apreendida e
individualizada. Ao mesmo tempo, não constitui mister deste texto discutir a epistemologia
das sínteses naturalistas conforme trabalhado por Cavalcanti (2013). Mas busca-se refletir
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 57

sobre a forma geográfica de leitura da paisagem, tendo como critério basilar as unidades de
relevo, os processos morfogenéticos e as formas de apropriação por parte da sociedade.
Na mesma direção, não se busca aqui realizar uma análise em torno dos diferentes
termos usados nas ciências da natureza, como fizeram Bertrand (1971) e Cavalcanti (2013),
uma vez que o objetivo proposto é tentar compreender como é possível visualmente em
campo tentar compreender a paisagem na escala do lugar, enfatizando seus processos
genéticos e as escalas de tempo envolvidas. Ao mesmo tempo, tenta-se estabelecer uma
estrutura lógica de análise visual básica para, em campo, identificar os compartimentos que
não são percebidos se compreendidos no contexto regional.
Para tanto, tem-se na compartimentação geomorfológica um critério-chave para a
individualização da paisagem na escala do lugar, uma vez que esses compartimentos
apresentam histórias de evolução particulares no que tange à sua formação como um todo
no contexto regional, bem como são usados de forma diferenciada pela sociedade.
Assim, almeja-se uma compreensão do lugar dentro de uma perspectiva da
dinâmica geomorfológica, vista dentro da ideia de estabilidade e instabilidade da paisagem,
empregando-se as escalas de espaço e tempo. Se a paisagem muda dentro de intervalos de
tempo e a magnitude dos processos está associada à dimensão espacial (AMORIM et al.,
2016), o lugar vai apresentar perspectivas de evolução condizentes com os processos que
atuam no contexto regional.
Nesse contexto, o foco deste capítulo é discutir como a paisagem pode ser
compreendida na escala do lugar, tendo a compartimentação das unidades de relevo como a
condicionante basilar para delimitação do critério de lugar. Para se chegar aos objetivos
discutir-se-ão as dinâmicas geomorfológicas que atuam nas unidades na escala do lugar,
bem como se faz uma análise rápida da importância do emprego das escalas de tempo e
espaço no entendimento da discussão. Concomitantemente, vão sendo agregadas as
classificações que o senso comum tem nos arranjos naturais.

A ESCALA NA ANÁLISE DA PAISAGEM

Para Castro (2010, p. 118), “a abordagem geográfica do real enfrenta o problema


básico do tamanho, que varia do espaço local ao planetário”. A autora destaca que para
58 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

resolver esse problema é necessário lançar uso do conceito de escala, não apenas como
medida de proporção entre o real e sua representação, mas sim como um conceito que
proporciona visibilidade ao fenômeno.
Seguindo essa mesma perspectiva, toda paisagem é o resultado da atuação de
diferentes processos morfodinâmicos ao longo do tempo, entretanto, sua compreensão só é
possível se forem visualizadas as diferentes escalas de tempo que envolve os processos
geomorfológicos. Ou seja, o que se observa é fruto de processos de esculturação do relevo
que atuaram com intensidade em múltiplos intervalos de tempo. O tempo passa a ser uma
variável dependente quando se pretende compreender a noção de equilíbrio nos balanços
de trocas de massa e energia entre os compartimentos da paisagem (BRUNSDEN, 2001;
BRACKEN, 2008).
A escolha da escala é fundamental quando se faz uma ponte com o conceito de
unidade-área proposto por Hartshorne, onde essa seria uma porção do território, com
características próprias, cabendo ao pesquisador demarcar o melhor recorte em função do
objetivo em estudo e temática analisada (FERREIRA, 2010). Esse viés demonstra bem os
modelados agradacionais de encostas na região do semiárido brasileiro, onde o contexto
local, morfoestrutural e microclimático, controlam a existência ou não de depósitos
sedimentares.
O tempo prevalece em todos os campos da geomorfologia (THORNES; BRUNSDEN,
1977) sendo responsável por obliterar e edificar novas paisagens em diferentes escalas de
tempo. Por sua vez, considera-se que na escala do lugar, tomando como base formação de
colúvios na região do Maciço da Baixa Verde-PE/PB, o intervalo de elaboração dos
modelados de encosta opere na escala de milhares de anos e menores (CORRÊA, 2001;
AMORIM, 2015).

O HOLOCENO E A EDIFICAÇÃO DE PAISAGEM NA ESCALA DO LUGAR

Dentre todos os períodos geológicos o Quaternário, e dentro deste o Holoceno, tem


uma importância singular na construção de paisagens na escala local, uma vez que após o
fim da última era glacial, tem-se o clima passando a se estabilizar para condições médias
bem próximas da que se tem hodiernamente. É durante o Quaternário que as mudanças
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 59

climáticas vão imprimir na superfície da terra um conjunto de modificação as quais estão


hoje em evidência, as quais são apropriadas das mais diferentes formas pela sociedade.
O Holoceno compreende a atual época iniciada com o fim da última era glacial, ou
seja, a passagem de uma condição climática global mais fria para uma condição interglacial
(mais quente). As mudanças dessa época promoveram uma significativa alteração na
estrutura superficial da paisagem no planeta como um todo, especialmente no que tange ao
aprofundamento dos mantos de intemperismo, erosão e formação de depósitos de encosta
e planícies aluviais na região intertropical.
Em diferentes regiões do Brasil é possível encontrar evidências que, ao se tentar
compreender a evolução da paisagem na escala do lugar, é necessário aprofundar os
estudos sobre o Holoceno. Dias e Perez Filho (2015) demonstraram que a compartimentação
e a evolução dos níveis de terraços fluviais encontrados na bacia hidrográfica do rio
Corumbataí/SP é o resultado de oscilações climáticas do Holoceno, evidenciando a
importância dessa época para edificação da paisagem na escala do lugar.
Buscando compreender melhor os eventos desencadeadores das dinâmicas
geomorfológicas em escala local, Amorim (2015) agrupou as mudanças climáticas na escala
1ka como sendo de curto prazo. Para tanto, o autor identificou no Maciço da Serra da Baixa
Verde, região do semiárido brasileiro, que desde o início do Holoceno, sedimentos têm sido
gerados e evacuados das encostas, gerando depósitos coluviais e aluviais, desde finas
camadas a pacotes de 5 m de espessura, por vezes intercalados por cascalheiras matriz
suportadas.

UMA APLICAÇÃO DO CONCEITO

Partindo de uma perspectiva da geografia regional, buscar-se-á enquadrar a


concepção da paisagem na escala do lugar de forma prática. E para se chegar a resultados
satisfatórios, começa-se pelo entendimento do semiárido nordestino, marcado por uma
estação seca dilatada e precipitações espasmódicas, com alta magnitude e baixa recorrência;
em um quadro natural com grande variedade de feições geomorfológicas que se justificam
pela atuação do binômio dos fatores estrutura-clima.
60 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Em toda a região, maciços cristalinos se ressaltam na superfície quebrando a


monotonia da paisagem. Destacadamente o Planalto da Borborema – constituído de maciços
arqueanos remobilizados, sistemas de dobramentos brasilianos e intrusões ígneas
neoproterozaicassin-tardie pós-orogênicas (CORRÊA et al., 2010), configura-se como o
principal compartimento geomorfológico do Nordeste brasileiro.
Dentro do Planalto da Borborema, os maciços residuais apresentam uma condição
microclimática diferenciada, criando pequenos espaços com precipitações mais elevadas e
uma diminuição da temperatura, destoando do entorno semiárido. Dentre as áreas mais
elevadas destaca-se o Maciço da Serra da Baixa Verde (Figura 1) entre os Estados de
Pernambuco e Paraíba, configurando-se como uma superfície topograficamente elevada
cujos componentes naturais mantêm uma relação mútua muito característica do clima
tropical subúmido. Trata-se de uma área com níveis superiores a 850 m onde a altitude,
conjugada com os ventos alísios do anticiclone subtropical do Atlântico Sul, resultam em
núcleos de temperaturas mais baixas (CORRÊA, 2001; AMORIM, 2015).

Figura 1: Localização do maciço da Baixa Verde PE/PB

Fonte: Autores.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 61

As áreas elevadas do domínio da Borborema e cimeiras dos maciços antigos,


formam uma paisagem de exceção, também conhecida como brejos de altitude, na forma de
ilhas de umidade que se inserem no conjunto do semiárido nordestino (AB’SÁBER, 1974). A
exceção se dá pelo aumento da pluviosidade e temperaturas mais baixas que o entorno,
cobertura vegetal mais desenvolvida e nos usos do solo.
A partir do exposto, foi elaborado um transecto A-B (Figura 2) abrangendo os
principais compartimentos geomorfológicos do Maciço da Serra da Baixa Verde, com o
propósito de especificar quais os compartimentos podem ser discernidos na escala do lugar.
Ao todo foram identificados seis compartimentos geomorfológicos, os quais apresentam
uma morfodinâmica superficial própria, distinta das unidades lindeiras.

Figura 2: Transecto do Maciço da Baixa Verde representando seus principais compartimentos geomorfológicos

A) Pedimentos; B) Encostas sem cobertura coluvial; C) e D) Cimeira; E) Encosta rochosa com inclinação acima de 40%, e F)
Encostas com cobertura coluvial e planícies.
Fonte: Autores.
62 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Utilizando o perfil topográfico (Figura 2) dividiu-se o mesmo em diferentes


compartimentos, empregando o conceito de paisagem na escala do lugar. No primeiro
compartimento (Figura 2A), tem-se a visualização bem delimitada entre o pedimento e as
encostas com cobertura coluvial, cujo jargão sertanejo classifica como “pé da serra”. Essa é
uma unidade muito utilizada para agricultura de sequeiro, onde os pequenos agricultores
aproveitam o manto de intemperismo mais aprofundo e uma amenização das temperaturas
para o plantio de milho e feijão, principalmente. À medida que se afasta do maciço há uma
diminuição na profundidade das coberturas intempéricas e, ao mesmo tempo, vai ocorrendo
a aridificação do clima.
O pedimento caracteriza-se pela presença de solos do tipo Neossolos Litólicos, por
vezes recobertos por mantos detrítico intercalados por afloramentos de rochas. Apresenta
baixa variação topográfica com interflúvios, de feições predominantemente colinosas e
truncamentos indistintos de origem litoestrutural, retrabalhados pela erosão aerolar, com
desenvolvimento de superfícies pediplanisadas (AMORIM, 2015). As encostas variam de
retas a convexas e em menor número côncavas, com processos erosivos do tipo laminar e
linear, porém, as feições lineares são pouco significativas em razão da baixa profundidade do
solo.
No segundo compartimento (Figura 2B) tem-se a unidade encosta sem cobertura
coluvial, nela a junção entre o clima semiárido e a elevada declividade não possibilita o
desenvolvimento do manto de intemperismo. Predominam os processos erosionais, com
queda de blocos e remoção contínua do material desagregado. Como consequência, a
cobertura vegetal é dominada pelas gramíneas, com presenças isoladas de arbustos e
algumas árvores, onde o controle estrutural permite maior retenção dos sedimentos.
Regionalmente utiliza-se o termo “aba da serra” para denominar esse compartimento. A
origem do termo muito provavelmente é vinculada a uma analogia com a aba de um chapéu,
uma alusão direta entre os formatos da serra e do chapéu.
Entre a cimeira e as encostas sem cobertura coluvial a declividade do terreno
diminui e as encostas passam a ser recobertas por mantos de intemperismo mais espessos,
por vezes é possível encontrar depósitos de colúvio (Figura 2C). Essa unidade comporta uma
vegetação mais densa, com a presença de árvores bem desenvolvidas. O processo de
ocupação do maciço tem influenciado na construção de residências nessa unidade,
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 63

especialmente aproveitando a vista da paisagem e a ventilação direta dos ventos alísios. O


sertanejo designa essa parte como sendo a “aba da serra”, tal como na unidade anterior.
O quarto compartimento, a cimeira (Figura 2D), compreende o topo do maciço,
nele há uma diversidade de compartimento menores especialmente controlados pela
estrutura de falhas do maciço. Situada acima dos 900 m de altitude, apresenta uma
superfície variando de suavemente ondulada a ondulada, com topos concordantes e blocos
rochosos formando matacões, o que causa a falsa impressão da existência de uma superfície
plana. As encostas são, em sua maioria, desprovidas de cobertura sedimentar, e apresentam
formato convexo (AMORIM, 2015). Para Corrêa et al. (2010), as cimeiras são classificadas
com unidades micromorfoestruturas, enquadrando-se nessa classe também os grábens de
expressão local.
Trata-se de uma superfície que tem passado por intenso processo de dissecação nas
diferentes épocas do cenozoico. Popularmente conhecida como “chã” ou “topo da serra”,
apresenta o maior volume de precipitação e as menores temperaturas, favorecendo o
desenvolvimento de atividades agrícolas que não são possíveis no entorno, tais como
plantações de café.
No que tange aos usos, as cimeiras são as áreas onde se encontra maior
complexidade, típica do ambiente serrano do “brejo” com predomínio das propriedades
produtoras de subsistência, construção de moradias e segunda residência (AMORIM, 2015).
Os interflúvios tabulares estão genericamente recobertos pela cana-de-açúcar e os estreitos
vales que os separam, às vezes com encostas recobertas pelos preenchimentos coluvionares,
são intensamente ocupados por sítios policultores. Como forma de barrar a acelerada perda
de solo, os agricultores têm construído muros de pedras acompanhando as curvas de nível
na tentativa reter os sedimentos e conter a erosão.
A Figura 2E mostra uma quebra abrupta entre a cimeira e as encostas com
cobertura coluvial. Popularmente esse compartimento é conhecido como “quebrada da
serra”, é nele que se localizam as incisões verticais da drenagem que vão dissecando o
maciço. Esses canais de primeira ordem, hollows, ocorrem principalmente em falhas o que
promove um aumento do aprofundamento vertical. As incisões da drenagem são conhecidas
regionalmente como “grotas”.
64 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

O último compartimento, as encostas com cobertura coluvial (Figura 2F), ocorrem


circundando a unidade de cimeira, apresentando modelado variando de retilíneo a convexo,
resultando em superfícies transitando de suaves a onduladas. A presença de cobertura
sedimentar está relacionada à influência da pluviometria das áreas de cimeira, contudo, os
depósitos de colúvios apresentam-se mais delgados do que os depósitos existentes na
unidade imediatamente superior.
Na base dessa unidade ocorrem áreas rebaixadas por onde corre a drenagem.
Tavares (2015) destaca que o rebaixamento dessa área está compreendido em uma
depressão interplanáltica, cuja origem tectônica é apresentada devido à presença de uma
falha transcorrente dextral. Popularmente esse compartimento é conhecido como “área de
brejo”, especialmente pela existência de nascente que vertem água ao longo do período
seco. A substituição da vegetação natural por plantios de cana-de-açúcar tem promovido um
intenso processo de voçorocamento e secagem das nascentes.
As unidades geomorfológicas acima descritas fornecem uma ideia dos processos
funcionais que ocorrem em áreas elevadas do Planalto da Borborema no semiárido
nordestino. Cada unidade identificada apresenta um conjunto de relações entre os
componentes da paisagem, mas isso não significa que os limites entre os regimes climáticos
semiárido e subúmido atuais são limites para os processos naturais de superfície terrestre,
tendo em vista que as interações entre as mudanças temporais de longo e curto prazo nos
processos geomorfológicos no Quaternário tardio na região são visíveis ainda hoje na
paisagem.
Cada unidade apresenta processos morfodinâmicos distintos que as individualizam
e por sua vez são apropriadas de formas distintas pela sociedade. Essas formas de
apropriação criam vínculos os quais são principalmente expressados nas formas de
denominação dessas unidades. Ou seja, o conhecimento popular também individualiza a
paisagem criando laços afetivos, que estão na base da construção do lugar. Esse é agora
social, uma vez que os processos físicos passam a ser vistos dentro de uma perspectiva de
uso e apropriação simbólica.
Ressalta-se ainda que há necessidade dos textos que versam sobre a discussão
ambiental apresentarem uma percepção maior da leitura da compartimentação
geomorfológica na escala do lugar, e consequentemente, quando inseridos os demais
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 65

componentes da paisagem, uma leitura dos arranjos naturais e sociais em uma escala
adequada.

POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS DA DISCUSSÃO

Quando se busca compreender os arranjos naturais em escalas adequadas aos


diferentes tipos de uso, empregando a relação entre os conceitos de lugar, paisagem e
escala, observa-se que só quando dominamos esses conceitos é possível perceber as
sensíveis nuances na estrutura da paisagem na escala do lugar.
É imprescindível perceber que as formas e estrutura que compõem a paisagem são
resultados de processos, e esses têm, obrigatoriamente, de serem interpretados, sob pena
de se estar trabalhando dentro de uma perspectiva meramente descritiva. Ou seja, a simples
descrição de um compartimento geomorfológico: forma, textura e profundidade dos
sedimentos não permite identificar qual unidade está sujeita aos tipos de processos
morfodinâmicos, tais como erosão e deposição.
A leitura da paisagem na escala do lugar se aplica perfeitamente no zoneamento
ecológico-econômico, o qual muitas vezes ressente-se de uma discussão teórica mais
aprofundada dos critérios que foram empregados na individualização das unidades
estabelecidas. Não apenas no que tange às variáveis que foram agrupadas para se chegar a
determinada unidade, mas em compreender dentro de uma perspectiva geomorfológica que
tipo de dinâmica atuou e tem atuado naquele compartimento, sempre destacando as
escalas dos processos envolvidos.
A leitura e compreensão da paisagem na escala do lugar atende a um conjunto de
finalidades, seja na gestão do território (dentre as suas várias modalidades, notadamente a
de caráter ambiental), bem como na docência, a partir da percepção e integração de um
conjunto de elementos, que juntos criam uma unidade passível de individualização,
possibilitando infinitas aplicações práticas de ensino, como a identificação de como a
sociedade se apropria de forma diferenciada dos compartimentos do relevo.
Para um professor de Geografia, que leva os seus alunos a conhecer determinada
região, ter um conjunto de parâmetros estabelecidos voltados ao reconhecimento das
diferentes escalas espaço-temporais, que formam a paisagem, possibilita estabelecer uma
66 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

estratégia de ensino mais didática aos alunos. Ou seja, sempre que ouvimos uma história
bem contada com início meio e fim, temos maior capacidade de compreender todos os fatos
narrados, ao passo que nos afastamos das meras descrições de personagens na aludida
história.
É importante que a leitura que se faz da paisagem na escala do lugar não seja
centrada em uma análise per se, é preciso ir além e estabelecer relações hierárquicas
crescentes de decrescentes com o contexto maior, até se chegar a uma compreensão da
forma atual, buscando identificar o encadeamento de processos que concorreram para
construção do que hoje está em evidência, deixando de lado análises meramente
classificatórias da paisagem.

REFERÊNCIAS

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São Paulo, n. 43, 1974.

AMORIM, R. de F. Integração entre dinâmicas geomorfológicas multitemporais no Planalto


da Borborema, semiárido do NE do Brasil. Tese (doutorado), Universidade Federal do
Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em Geografia, Recife, 2015.

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geomorfológicos. GEOGRAFIA, Rio Claro, v. 41, n. 1, p. 17-31, jan./abr. 2016.

BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global: esboço metodológico. Cadernos de


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CASTRO, I. E. de. O problema da escala. In: CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R.
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CAVALCANTI, L. C. de S. Da descrição de áreas à teoria dos geossistemas: uma abordagem


epistemológica sobre sínteses naturalistas. 218 f. Tese (Doutorado), Geografia, Programa de
Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 67

CORRÊA, A. C. de B. Dinâmica geomorfológica dos compartimentos elevados do Planalto da


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THORNES, J. B.; BRUNSDEN, D. Geomorphology and time. Londres: Methuen, 1977.


68 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Capítulo 6

ONDE E QUANDO: O LUGAR DO ESPAÇO E DO TEMPO NO ESPAÇO-TEMPO

Irami Buarque do Amazonas8

O idioma da natureza é a matemática. As letras desta língua são


círculos, triângulos e outras figuras geométricas. (GALILEU GALILEI).

Clouds are not spheres, mountains are not cones, coastlines are not
circles, and bark is not smooth, nor does lightning travel in a straight
line. (MANDELBROT, 1982).

INTRODUÇÃO

Os dois pensamentos que iniciam esse capítulo refletem três características básicas
da evolução do pensamento científico no campo das ciências ditas naturais, quanto à forma
correta de descrever o espaço e às formas que nos rodeiam: a primeira é que a matemática
sempre esteve presente na tentativa de compreender e/ou descrever a natureza. A segunda
é que a matemática, apesar de historicamente já ter sido considerada distinta da geometria,
não prescinde desta a ponto de confundirem-se uma com a outra. Não há geometria sem
matemática e matemática é uma geometria. Finalmente, como seria de esperar, mostram
que as ideias evoluem. Não necessariamente se contradizendo, senão se complementando
ou aprimorando.
A geometria utilizada no século XIV pelo filósofo (Filosofia da Natureza era como se
chamava a Física à época) italiano Galileu Galilei, para representar seu sistema de mundo, foi
a geometria euclidiana.
O curioso, então, é observarmos como um dos maiores matemáticos do século XX,
principal criador da Geometria Fractal, uma das vertentes das ditas geometrias não
euclidianas, faz referência claramente discordante ao pensamento galileano ao sugerir que
na natureza não existem as figuras geométricas “perfeitas” de que Euclides falava.

8
Professor Doutor em Tecnologias Energéticas e Nucleares da UPE / Campus Garanhuns
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 69

Neste capítulo pretendemos discorrer brevemente sobre as diversas formas pelas


quais o homem tem entendido e mensurado o espaço desde suas concepções mais
mecanicistas explicitadas pela visão aristotélica de mundo.
Evoluímos para uma concepção filosófica de implicações científico-tecnológicas, no
que se convencionou chamar de continuum espaço-tempo, passando por aplicações
práticas, como nas curvas geodésicas que motivaram a definição de coordenadas geográficas
e no sistema de localização no globo terrestre, o GPS (Global Positioning Sistem).
Finalmente, discorreremos sobre o papel holístico que exercemos enquanto espécie
topo da cadeia alimentar, frente à presença e ocupação humana do meio ambiente de todos
os ecossistemas deste planeta vivo Gaia, o único até agora descoberto, nossa aldeia global,
nosso lugar, nosso lar, mas também o hábitat de incontáveis espécies de seres cuja real
interdependência talvez ainda não tenhamos tomado a devida e completa consciência.
O grande desafio aqui consiste, portanto, em expressar essas ideias de forma
compreensível e sem perda de rigor conceitual, ou com alguma limitação tolerável, sem
lançar mão da linguagem mais correta para tal, que é a linguagem matemática.
Por outro lado, tratando-se de um texto de caráter geral e assumindo-se uma
abordagem inicial do tema, podemos prescindir das equações, ficando apenas com as ideias
que, apesar da não matematização, podem e devem ser abordadas a título de informação,
erudição e motivação para aprofundamentos ulteriores.
Nesse sentido, cremos lograr êxito em dialogar com o leitor sobre o tema do espaço
(e do tempo) que, a despeito da aparência de trivialidade, dado estar intuitivamente
presente em nosso quotidiano, está muito longe do lugar comum, tendo profundas
implicações filosóficas, científicas e tecnológicas, o que gera dificuldades conceituais
contundentes, haja vista que certas situações práticas decorrentes da tecnologia atual, a
noção de espaço-tempo mostra-se completamente contraintuitiva.
Eis que o desafio está posto à mesa! Sirvamo-nos e degustemos deste prato de
entrada, na convicção que o leitor seja despertado (se já não o foi) para estudos mais
avançados rumo a outras dimensões.
70 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

O ONDE E O QUANDO INTER-RELACIONADOS

É bem provável que, anteriormente à questão da forma do meio ambiente, o


interesse do pensamento humano tenha recaído sobre a noção do lócus, um dos primeiros
problemas de sobrevivência de nossa espécie e um dos conceitos fundamentais da ciência
do movimento, a Mecânica.
A filosofia grega tem nos legado contribuições em todos os ramos do saber, mesmo
quando suas concepções foram superadas por estarem incorretas. É o caso da concepção
aristotélica de mundo, a respeito do lugar natural das coisas. Segundo sua filosofia natural,
haveria duas físicas ou mecânicas: a terrestre e a celeste. Assim, explicava que o lugar
natural dos graves (corpos pesados) era a terra, por isso caíam. E também que os corpos
mais pesados eram mais propensos a cair mais rápido, a fim de voltar ao seu lugar natural,
pois tinham maior propensão devido à massa maior.
Essas concepções foram refutadas com os experimentos de Galileu sobre a queda
dos corpos, inaugurando o chamado método científico, do qual o método experimental
constitui uma parte expressiva.
A velha concepção grega dos quatro elementos: terra, fogo, água e o ar como
constituintes de todas as substâncias do universo, estão no bojo da noção de lugar dos
gregos. A água e a terra, por serem elementos telúricos, tinham seu lugar natural na terra. Já
o fogo e o ar, por serem elementos celestes, etéreos, tinham como lugar natural na esfera
celeste e, por isso, tenderiam a subir para ocupar essas instâncias.
Foram necessários séculos para que a humanidade conseguisse acabar com essa
distinção entre o lugar celeste e o lugar telúrico, tendo o católico italiano Galileu Galilei e o
protestante anglicano Isaac Newton contribuído decisivamente para unificar as mecânicas
celeste e terrestre, de modo que as leis da natureza pudessem ser compreendidas como as
mesmas em todo o universo.
Portanto, segundo a nova visão não aristotélica de mundo, o lugar celeste e o lugar
terrestre poderiam ser pensados, tratados e mensurados pelos mesmos métodos, quer
fossem medidos sob o ponto de vista de um observador na Terra, quer observados de algum
outro lugar, mesmo no céu.
Como as leis da mecânica, que descrevem as posições, os deslocamentos e
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 71

durações dos eventos são as mesmas, independente dos observadores, dizemos que tais leis
da mecânica são invariantes por uma transformação de coordenadas.
Aqui devemos avaliar que a localização é algo que não está, como à primeira vista
possa parecer, restrito apenas à uma referência espacial; a localização deve se referir
também ao momento temporal em que o posicionamento de um corpo é identificado. Saber
onde estamos (o lócus) é a informação mais básica para saber para onde vamos e,
subjacente à problemática de estabelecer o lugar, implicitamente estão postas as questões
relativas ao quando (o cronos).
Mas o fato é que estamos não apenas onde, mas também quando estamos, quando
vamos e quando chegaremos. Atrelada a essas questões de ordem mais prática, está uma
problemática teórico-metodológica, que é a descoberta ou criação de um método capaz de
resolver o problema da localização e, posteriormente, da demarcação dos espaços. Dado um
espaço temporal, como reconhecer formas e mensurar espaços é a questão central no bojo
da presença humana no meio ambiente do qual faz parte, exercendo o papel de ator e
expectador, simultaneamente.
Assim, com ajuda da Física Clássica, galileana/newtoniana, o problema de se
especificar o lugar e posteriormente os deslocamentos, ocupações e delimitações espaciais e
temporais, foi bem resolvido até o século XIX, considerando, para isso, a métrica do espaço
euclidiano, cuja Geometria serviu de base para toda nossa Geografia, Engenharia e diversas
outras áreas do conhecimento.
Com auxílio da ciência das medidas da Terra, cujas leis foram axiomatizadas na
famosa obra Os Elementos, de Euclides, legado de dois milênios, foi equacionado o problema
de localizar os corpos em algum lugar no espaço, feito que teve grande influência no
desenvolvimento da chamada Mecânica Newtoniana, que considera o tempo como um ente
absoluto, invariável, transcorrendo sempre em um único sentido, do passado para o futuro.
Foi utilizando este conceito de tempo absoluto que Newton acabou por formalizar o que
matematicamente é conhecido por transformações de Galileu, que permitem localizar,
deterministicamente, a posição de um corpo em um sistema de referência (S’), comparando-
o a outro referencial (S), em repouso ou em movimento, relativo a este, em linha reta e com
velocidade de magnitude constante. Tais referenciais, nos quais os eventos mecânicos
ocorrem no espaço e no tempo absoluto e nos quais são válidas as leis da mecânica, são
72 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

chamados de inerciais ou galileanos.


No final do século XIX para o começo do século XX a humanidade vivenciou um
verdadeiro renascimento de ideias, crenças, evoluções e amadurecimento em uma escala
global, de tal magnitude que muitos dogmas solidamente estabelecidos, até os de natureza
científica, foram postos à prova.
Assim também ocorreu com os métodos de mensuração dos espaços por meio das
transformações de Galileu. Nomes com o do famoso físico alemão, naturalizado americano,
Albert Einstein entram em cena, ao questionar alguns desses “dogmas” e ajudar a criar a
chamada Teoria da Relatividade, em dois momentos: a relatividade restrita, em 1905, e a
relatividade geral, em 1915.
Na ciência em geral ninguém faz tudo sozinho, de modo que o postulado
einsteiniano, nada intuitivo, de que a luz viaja com a mesma velocidade em qualquer
direção, independentemente do referencial adotado e, portanto, contrariando o princípio da
relatividade de Galileu expresso pelas suas famosas transformações de Galileu, era um fato
experimental que já havia sido descoberto de maneira independente e anteriormente, pelos
americanos Michelson e Morley.
Um resultado impactante neste contexto foram as chamadas transformações de
Lorentz que substituem as transformações de Galileu como as formas corrigidas de
mensurar os espaços e os tempos, agora ditos relativísticos, quando do domínio das grandes
velocidades, comparáveis à da luz. Aqui nascem as ideias acerca do chamado espaço
quadridimensional. A Física clássica, de Galileu e Newton, concebe o espaço como sendo
tridimensional, no sentido de que são necessárias três coordenadas espaciais, comprimento,
largura e altura, para descrevê-lo completamente. Independentemente destas, existe o
tempo absoluto que transcorre simultaneamente em todos os lugares e constitui a quarta
dimensão.
Entretanto, as pesquisas que culminaram com a proposição, e ulteriores
comprovações experimentais diretas e indiretas, da teoria da relatividade levaram a crer que
o que entendemos por espaço é uma entidade quadridimensional, do qual o tempo, a quarta
dimensão, não apenas está relacionado, mas faz parte íntima e indissociável deste tecido
contínuo quadridimensional chamado, então, de espaço-tempo.
Assim é que, a partir do estabelecimento das transformações de Lorentz
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 73

verificaram-se fenômenos estranhos à experiência intuitiva da contagem da passagem do


tempo e da localização e medida dos espaços.
O tempo e o espaço absolutos newtonianos são apenas boas aproximações quando
mensurados em referenciais inerciais (galileanos) no domínio das baixas velocidades
relativas. Porém, quando essas grandezas são tomadas em referenciais que se movem a
grandes velocidades relativas um ao outro, não há simultaneidade dos relógios em ambos os
referenciais, os comprimentos sofrem contração (de Lorentz) quando medidos na mesma
direção do movimento, o tempo se dilata...
Apesar de estranhas, essas ideias encontraram rapidamente, desde os primórdios
de seu nascimento, fartas comprovações experimentais diretas e embasamento lógico-
teórico consistentes, além das comprovações indiretas decorrentes dos resultados
tecnológicos, alguns já comuns em nossos dias, que se baseiam nas chamadas correções
relativísticas do espaço e do tempo. Tanto que produtos tecnológicos, como, por exemplo, o
chamado relógio atômico, que é usado para definir a hora universal, só foi possível a partir
da correção relativística do atraso decorrente do seu movimento relativo, haja vista os
espaços serem relativos e sua medida dependente das velocidades.
Outra aplicação do conceito de um espaço-tempo contínuo e acoplado que afeta o
nosso cotidiano é a precisão do GPS, Sistema de Posicionamento Global, que necessita além
de três coordenadas espaciais de mais uma temporal, todas corrigidas pela contração dos
espaços e dilatação dos tempos relativísticos.
E a aventura humana no campo do saber não para por aí, de modo que novas
incursões existem, procurando entender como se dá a própria criação do espaço (e do
tempo), à medida que o Universo se expande! Qual é o nosso lugar no espaço (e no tempo)?
O quando é, portanto, imprescindível para entendermos o onde, o nosso lugar no espaço-
tempo.

GEOMETRIAS PARA NATUREZA

Talvez o leitor já tenha conhecimento do clássico problema da “cor do urso”.


Consiste na seguinte descrição de uma viajem hipotética, que versa sobre os conceitos de
localização, georreferenciamento, coordenadas esféricas, geodésicas.
74 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Um urso saiu de sua casa e caminhou 1000 km ao sul. Depois virou ao oeste e
caminhou por 1000 km. Então virou novamente e caminhou 1000 km ao norte.
Qual não foi a sua surpresa quando achou que voltara novamente para a sua casa.
Qual é a cor do urso?

Imaginando como poderia ser possível ao urso retornar à sua casa (local de partida
= local de chegada) seguindo os movimentos descritos no problema, chegamos a um
impasse na Geometria Euclidiana. O problema em questão é insolúvel nos moldes do
pensamento cartesiano e está em desacordo com o 5º postulado de Euclides, também
chamado de axioma das retas paralelas que, dentre outras formas, pode ser enunciado em
linguagem mais fiel à original e de outra forma mais atual como (AMAZONAS, 2011).

Se uma reta cortar duas outras retas de modo que a soma dos dois ângulos
o
internos de um mesmo lado seja menor do que dois ângulos retos (180 ), então os
prolongamentos dessas duas retas cruzam-se do mesmo lado em que estão esses
dois ângulos.

Ou, ainda,
Por um dado ponto do plano, fora de uma reta, passa uma única reta paralela a
essa reta dada (ou, retas paralelas em um plano são tais que seus prolongamentos
não se cruzam). (Idem).

Uma consequência desse postulado é que em um triângulo, a soma dos ângulos


internos dá exatamente 180o. Como no caso do problema da cor do urso a trajetória sugere
que a área percorrida é triangular, temos a seguinte incompatibilidade: Se ele saiu de um
lugar mais ao norte, desceu para um ponto mais ao sul quando tornou para o oeste, então
essas duas trajetórias são perpendiculares, ou seja, suas direções formam um ângulo de 90 o
entre si.
Ora, neste caso, temos duas conclusões possíveis: (i) ou ele volta ao ponto de
partida, formando a trajetória triangular, por uma direção não perpendicular à leste-oeste
ou, (ii) ele tenta (mas não consegue) voltar por um trajeto sul-norte e, neste caso não volta
ao ponto de partida, pois os caminhos de ida e de volta são paralelos, conforme ilustrado na
Figura 1a.
A parte b da Figura 1 mostra que, se o urso volta ao ponto de partida, em uma
geometria plana o caminho de volta não pode ser para o Norte, mas na direção nordeste.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 75

Haveria uma forma de contornar este problema? Como se poderia modificar o


postulado das paralelas, de tal maneira que o problema do urso tivesse solução? Em um
contexto real isto poderia ocorrer. Então, a que “geometria” devemos nos reportar para
explicar este fato? Qual a representação geometricamente mais correta para a trajetória do
urso?

Figura 1: Ilustração do problema do urso

N N
N
Chegada Partida N

Partida = Chegada

O S

O S O
a) S c)
b)

Fonte: Autor, 2016.

Finalmente, a solução correta exige a adoção de uma geometria esférica, como


ilustrado na Figura 1c. Ou seja, se o urso realmente volta para casa, é um urso polar e sua
cor é branca. Essa seria a solução da charada, mas persiste o problema de como é possível o
urso ter voltado ao ponto de partida (desconsiderando tanto as questões biológicas da
resistência real do animal e as escalas de medida!) seguindo a trajetória proposta.
A única solução para resolver tal impasse é nos desvencilharmos das amarras da
geometria plana, vinculada ao clássico postulado, e pensarmos em termos de uma
Geometria não-euclidiana ou pseudo-euclidiana, como fez Bernhard Riemann (1826-1866).
Fundador da chamada Geometria Elíptica, Riemann contraria o axioma das paralelas ao
estabelecer a não existência de retas paralelas a uma reta dada.
A nova geometria riemanniana parte da superfície de uma esfera como plano e
define os pontos como as posições nesta superfície em que se cruzam as “retas”, que são os
círculos máximos chamados geodésicas sobre a esfera e a dividem em duas partes iguais, o
que equivale às coordenadas de latitude e longitude.
76 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Tais círculos máximos traçados na esfera são os caminhos de menor curvatura


possível e comparam-se às retas do plano euclidiano, onde a menor distância entre é uma
reta.
A história da matemática demonstra que é devida à Gauss (1777-1855) a primazia
de registrar a não universalidade do postulado das paralelas segundo o qual, dado um ponto
(lugar) não pertencente (fora de) a uma reta (trajetória), existe única reta paralela à reta
dada.
Este fato, segundo observado por Gauss, é restrito às superfícies planas, enquanto
para o espaço tridimensional pode não existir nenhuma (Superfície de Riemann) ou infinitas
paralelas (geometria de Lobachevisky).

GEOMETRIA FRACTAL: A VERDADEIRA MEDIDA DA NATUREZA?

Vimos que o entendimento humano acerca do lugar e das formas corretas de


caracterizá-lo evoluiu desde a concepção filosófica aristotélica de lugar telúrico e lugar
celeste, passando pela axiomatização euclidiana e sofrendo, desde então, uma ruptura com
as geometrias as geometrias elíptica (de Gauss-Riemann) e hiperbólica (de Lobatchevski-
Bolyai), inaugurando o que se convencionou denominar de geometrias não euclidianas.
Acontece que há outras formas de pensar forma e lugar, sendo que a geometria
euclidiana não é a mais próxima da representação das reais nuances das formas geográficas,
biológicas, enfim naturais.
Como podemos, então, caracterizar a geometria real, dos objetos encontrados na
natureza? Na Geometria (a euclidiana), com a qual estamos familiarizados, temos formas
simples e bem conhecidas, como: retas, quadrados, círculos, cones, paralelepípedos,
pirâmides, sólidos poliédricos de diversas formas e propriedades.
Calculamos suas medidas de comprimento, área e volume, diversas propriedades e
relações entre suas partes constituintes. Mas ela completa-se em si própria e permite uma
real descrição do espaço em nossa volta?
Desde a publicação da obra Elementos, os matemáticos procuraram, sempre
frustrados, demonstrar o quinto postulado por meio dos quatro anteriores, transformando-o
em teorema, sob argumentação de não ser intuitivo, por exemplo.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 77

Apenas sob a negação deste postulado foi que se chegou ao desenvolvimento da


primeira Geometria não euclidiana, uma nova geometria cuja descoberta é atribuída
principalmente a três grandes matemáticos: ao alemão Carl Friedrich Gauss (1777-1855), o
russo Nicola Ivanovich Lobachevsky (1793-1853) e ao húngaro, Janos Bolyai (1802-1860).
Entretanto, muitos problemas tanto do cotidiano quanto do mundo científico e
tecnológico não podem ser resolvidos pela geometria euclidiana, apenas com o uso de
geometrias que não satisfazem um ou mais dos postulados de Euclides.
Dentre as chamadas geometrias não euclidianas, podemos citar a Hiperbólica, a
Elíptica, a Geometria Projetiva, a Topologia e a Geometria dos Fractais, esta última baseada
não na questão das paralelas, mas na ideia de dimensão já bastante sedimentada em nossas
mentes devido ao modo euclidiano/cartesiano de pensar o espaço e sua caracterização.
As formas de dimensão fracionária ou fractais apresentam características especiais que
as definem e distinguem das formas euclidianas, como a autossimilaridade em diferentes
níveis de escala (embora não aplicável a todos os fractais).
Atualmente, a ideia de dimensão fractal vem sendo utilizada em diversas áreas do
conhecimento, em especial no estudo de sistemas caóticos (padrão de formações de nuvens,
p. ex.); representação de lugares geográficos, como montanhas e contornos de continentes
e até análise e reconhecimento de padrões em imagens (e rostos) etc.
Como mencionado no início deste capítulo, não há como chegar a qualquer forma
de descrever a natureza sem lançar mão da matemática e, como não poderia deixar de ser,
no estudo dos fractais surgem nomes de grandes matemáticos como Cantor, Koch,
Sierpinski, Menger, Júlia e, é claro, o próprio Mandelbrot, principal expoente dessa nova
geometria.
As representações de lugar, forma, interações sociais e ecológicas podem seguir
diversos modelos, desde imagens nascidas puramente na psique humana, traduzidas em
conceitos e ideias filosóficas até as pictóricas materializações de modelos matemáticos que
pretendem representar o lócus ambiental da forma o mais fidedigna e realística possível.
Assim ocorre, por exemplo, com a chamada geometria fractal, de Mandelbrot, como
ilustrada na Figura 2.
78 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Figura 2: Ilustração de um mapa e uma ilha fractais

Em a) temos um conjunto de Julia, e na parte b) Mandelbrot, construídos com o software Fractive.


Fonte: Autor, 2016.

A Figura 2a) ilustra uma aplicação do Conjunto Fractal tipo Julia com parâmetros X=
0,1 Y=0,7, na variante normal de expoente real = 2,6. Observe a verossimilhança com um
mapa de uma possível ilha real, com seus contornos, tonalidades e acidentes geográficos.
Trata-se de uma modelagem realizada pelo autor com auxílio de um código de computador.
A parte 2b) mostra o correspondente fractal tipo Mandelbrot na variante absoluta de
expoente Real = 1,9, reproduzindo uma ilha ou um banco de areia.

O ESPAÇO E O TEMPO COMO UM CONTINUUM INDISSOCIÁVEL

O filósofo Immanuel Kant justificou que o espaço que podemos investigar por meio
de experiências não metafísicas tem apenas três dimensões espaciais basicamente devido à
lei da gravitação universal que prevê um campo de forças central atrativo entre os corpos,
cuja magnitude é proporcional ao inverso do quadrado da distância que os separa.
Apesar da importância histórica, tal argumento troca a causa pelo efeito, à medida
que é lei da gravitação que resulta da tridimensionalidade do espaço e não o contrário.
Assim, de uma forma mais genérica, um espaço quadridimensional teria uma
atração gravitacional variando com o inverso do cubo da distância. É claro que o modo
cartesiano de entender e mensurar o espaço, tridimensional, continua válido e é de uso
corrente em nosso dia a dia, como um paradigma que, a despeito de talvez não poder ser
quebrado, poderá ser aprimorado, evoluído. E essa evolução pressupõe o reconhecimento
da dimensão temporal como integrante do lócus das nossas experiências em termos de
realidade objetiva.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 79

Com efeito, define-se o continuum espaço-tempo como um ente que é constituído


pelas três dimensões do espaço juntamente com a única dimensão temporal tendo,
portanto, uma estrutura quadridimensional. Este novo e surpreendente conceito de espaço
e do tempo como duas propriedades físicas unificadas é devido ao físico Hermann
Minkowski (1908), surgido após apresentação da teoria da relatividade restrita por Poincaré
e Einstein em 1905.
Aqui é importante salientar que a nossa experiência imediata não parece
gritantemente afetada por essa característica fundamental da natureza, que se torna
evidente apenas no domínio de grande velocidade (relatividade restrita) ou numa escala
espacial perceptível em termos astronômicos (relatividade geral). Nesses casos, não é
possível distinguir o espaço do tempo como ocorre na teoria galileana e newtoniana.

O HOMEM, SEU PAPEL E SEU LUGAR NO ESPAÇO E NO TEMPO

Neste tópico, para além dos conceitos e definições técnico-científicas de espaço (e


tempo), pretendemos discutir um pouco acerca do significado de lugar numa perspectiva
mais holística, integrada, apontando que a relação homem-natureza, assim como a
concepção moderna de espaço-tempo, é algo altamente interdependente e, como tal, deve
ser entendida de maneira integrada.
Existe um texto indiano do 5º século chamado Vissudhimagga que ilustra bem a
ideia de que todas as partes são, em seu conjunto localizado e funcional, efetivamente o
todo. O texto propõe o seguinte enigma: "Onde, exatamente, fica aquilo que chamamos de
'carruagem'? Nos eixos, nas rodas, na estrutura? Ou seria nas hastes que a conectam ao
cavalo?" É claro que não é necessário muito tempo para perceber que a resposta é que a
“carruagem” não está em lugar algum, no sentido de que não está localizada em algum
ponto ou parte específica, mas é o conjunto de elementos harmonicamente ajustados em
determinados lugares específicos, a partir de e durante certo tempo.
Trata-se de uma metáfora aplicável não apenas às coisas, mas também às pessoas e
suas relações, tanto interpessoais quanto entre nós e a natureza de uma maneira mais
global. A compreensão holística desta completude, de que o que chamamos de “natureza”
não reside em algum lugar lá fora, na floresta, no oceano ou nas montanhas, mas em todos
80 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

os lugares tomados em seu conjunto, é fundamental para a tomada de consciência ecológica


do nosso próprio lugar e papel na “carruagem” da qual fazemos parte como uma peça das
mais importantes.
A existência de inteligências múltiplas, proposta por Howard Gardner, revolucionou
a velha forma de quantificar a inteligência por meio do QI (Quociente de Inteligência).
Segundo seu modelo, as múltiplas formas de inteligência comum a todos os seres humanos,
estando uma forma ou outra mais ou menos desenvolvida neste ou naquele indivíduo, são
responsáveis pela expressão das habilidades adaptativas que sempre estiveram presentes ao
logo da nossa história evolutiva o que nos permite ainda nos dias atuais, encontrar soluções
otimizadas para todos os tipos de problemas que enfrentamos ontológico (do indivíduo)
quanto filológico (da espécie).
Assim, devido à nossa grande capacidade de nos adaptar, sobreviver e progredir
praticamente em todos os ecossistemas da Terra, independentemente dos rigores extremos
do clima e da geografia do lugar, podemos pensar que a tomada de consciência ecológica e a
mudança de estilo de vida dela decorrente pode constituir-se em uma forma de inteligência
ou consciência ecológica.
Ao pensamento cartesiano, analítico deve-se somar, portanto, essa capacidade
intelectiva inata no ser humano de perceber as inter-relações de tudo com o todo, a
capacidade de reconhecer a existência, tanto sob o ponto de vista micro e local como macro
global, do acoplamento ecológico dos fenômenos estudados de forma estanque pelas
ciências naturais, a física, a química, a biologia.
Desse modo, podemos pensar que o papel do ser humano, uma vez parte
integrante e funcional em cada mecanismo da nossa “carruagem”, consiste em alcançar esse
entendimento global da funcionalidade da natureza (“carruagem”), entendida como as
interações entre os seus diversos sistemas constituintes.
É essa tal consciência ecológica, integrante de nossas múltiplas inteligências, que
nos permite tomar nosso lugar em meio a todas as formas de vida do planeta, perceber as
interconexões entre nosso modo de vida e os impactos causados nos ecossistemas, bem
como esse acoplamento retroage e influencia nossa própria sociedade.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 81

Nossos pais viveram aqui, tiveram seu tempo. Nossos filhos, do futuro, terão seu
tempo e espaço, deixarmos algo para eles. Nós somos a bola da vez. A culpa não é de nossos
ancestrais e, talvez, nossos descendentes não tenham do que serem culpados.
Eis uma boa hora e lugar para fazermos um mea culpa! O aqui-agora, o espaço-
tempo, este continuum presente-localizado é a nossa realidade objetiva e as nossas atitudes
não modificarão o passado, que não existe mais, nem (talvez) definirão o futuro, que não
existe ainda. Mas é o que temos, o que somos, onde e quando é o imperativo moral acerca
de nosso papel nas engrenagens desta carruagem. E os frutos, bons ou ruins, serão (estão)
sentidos por nós mesmos. E temos sim consciência, não verbal, da realidade e “a mesa está
posta”. Qual lugar escolhemos?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diversas percepções do lugar, não apenas sob o ponto de vista geográfico ou


ambiental, mas sob o ponto de vista físico-matemático, biológico, antropológico, filosófico e
até metafísico, dão conta de uma tal complexidade que transcende à mera análise
materialista-mecanicista do pensamento cartesiano.
O lugar, numa cosmovisão espaço-temporal, está sujeito à uma abordagem
holística, ecológica, de tal completude, que evidencia um caráter transcendente, espiritual
até, da nossa intuição do lugar em que existimos no espaço e no tempo. Nossa relação com
o lugar espaço-tempo geográfico, espaço-tempo ecológico, antropológico, pressupõe um
importante e nem sempre aceito, embora claro, papel de protagonista ator-espectador de
seu status quo e de sua mudança, para o bem e para o mal.
O imperativo moral que temos, devido ao nosso lugar no topo dos ecossistemas,
nos leva a uma reflexão sobre como vivemos e nos movemos em Gaia, este
planeta/organismo vivo, que encontra ressonância até nos ensinamentos religiosos, como
na cultura judaico-cristã, ilustrada nos versículos da Bíblia a seguir.

1. Senhor, tu me sondas, e me conheces. [...] 3. [...] conheces todos os meus


caminhos. [...] 5. Tu me cercaste em volta [...] 7. Para onde me irei do teu
Espírito [...]? 8. Se subir ao céu [...] ali estás também. [...] 16. [...] no teu
livro foram escritos os dias [...] que foram ordenados para mim, quando
82 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

ainda não havia nem um deles. (Bíblia JFA Offline Versão 5.7.5. Salmos 139,
v. 1, 3, 5,7-8,16 – fragmentos).

Estamos todos envolvidos em atividades que inexoravelmente ameaçam o nicho


ecológico que abriga a vida humana. O momentum contínuo de nossas ações passadas se
desdobrará ao longo de décadas ou séculos; substâncias químicas tóxicas que permeiam
nossa água e nosso solo e o acúmulo de gases de efeito estufa cobrarão seu preço nos
próximos anos.
Esse cenário catastrófico pode gerar em nós uma sensação de desesperança, até
mesmo de desespero. Afinal, como reverter o gigantesco tsunami da atividade humana?

REFERÊNCIAS

AMAZONAS, I. B. do. Tópicos de geometria. Recife: EDUPE, 2011.

BRENNAN, R. Gigantes da física: uma história da física moderna através de oito biografias.
São Paulo: Jorge Zahar, 2000.

CREASE, R. P. A medida do mundo: a busca por um sistema mundial de pesos e medidas.


São Paulo: Jorge Zahar, 2013.

GOLEMAN, D. Inteligência ecológica: o impacto do que consumimos e as mudanças que


podem melhorar o planeta. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

HAWKING, S.; MLODINOW, L. Uma nova história do tempo. Rio de Janeiro: Pocket, 2008.

LIGHTMAN, A. As descobertas: os grandes avanços da ciência no século XX. São Paulo: Cia
das Letras, 2005.

MANDELBROT, B. The fractal geometry of nature. Nova York: W. H. Freeman, 1982.

POINCARÉ, H. O valor da ciência. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.

STEWART, I. Em busca do infinito: uma história da matemática dos primeiros números à


teoria do caos. São Paulo: Jorge Zahar, 2014.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 83

Capítulo 7

SIGNIFICADO E IMPORTÂNCIA AMBIENTAL DOS ESPAÇOS LIVRES URBANOS9

Carlos Sait P. de Andrade10

A consciência e o sentimento de pertencermos à Terra e de nossa identidade são


vitais atualmente. A progressão e o enraizamento desta consciência de pertencer a
nossa pátria terrena é que permitirão o desenvolvimento, por múltiplos canais e
em diversas regiões do globo, de um sentimento de religação e intersolidariedade,
imprescindível para civilizar as relações humanas. (MORIN, 2004).

INTRODUÇÃO: PENSANDO A CIDADE, O TEMPO E OUTROS NEXOS

O homem, ao longo de sua trajetória evolutiva, sempre procurou contornar os


efeitos adversos do clima em favor de suas necessidades físicas e biológicas. De maneira
geral, as formas e características dos abrigos humanos, em cada tempo da história, sempre
estiveram ligadas às necessidades biológicas, às necessidades de defesa e à capacidade
técnica de auto-organização do homem. Em 1956, Landsberg (2006) escreveu que “um dos
principais propósitos dos abrigos humanos é a proteção contra as influências climáticas
biologicamente adversas”.
Os abrigos humanos organizados de maneira aglomerada, nas diversas experiências
culturais distribuídas pelo planeta, são resultantes das suas necessidades de defesa e de
sobrevivência frente às adversidades naturais, econômicas e culturais. As práticas da
organização da habitação em aglomerados levaram ao nascimento das cidades e, muitas,
por sua vez, se impuseram ao clima e o transformaram – na escala local – à medida que seus
contingentes populacionais foram sendo ampliados e as superfícies naturais transformadas
em nome do desenvolvimento e do progresso das mesmas.
O estudo da cidade e relações com a natureza deve ser concebido a partir das
ligações complexas que compõem a realidade urbana como construção humana, e a
realidade da natureza nas formas do relevo, da hidrografia, da vegetação e demais

9
Texto retirado e adaptado da tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação da UFPE.
10
Professor Doutor em Geografia da UFPI, Brasil .
84 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

características geoecológicas manifestas no seu sítio. Muitas são as possibilidades de análise


e essas “exigem que o investigador assuma como inevitável a necessidade de decompor
analiticamente as partes da cidade”, para, em seguida “articular cada parte em si, e com o
todo do processo histórico sobre a qual se consolidou” (GOMES, 2002). O tempo é, assim,
um aspecto importante a ser considerado.
No âmbito da climatologia, as discussões acerca da importância do tempo têm sido
tradicionalmente valorizadas. Nas suas diversas subdivisões, a categoria tempo se configura
como uma condição relevante no momento da abordagem do clima de um dado lugar. O
tempo, inclusive, está no cerne de um grande debate desenvolvido no âmbito da
climatologia: tempo como duração e tempo como estado médio da atmosfera.
Essas duas perspectivas de abordagem do tempo, no campo da climatologia,
desdobram questões fundamentais. A primeira reside na necessidade de diferenciação entre
clima e tempo; e a segunda, na diferenciação entre tempo atmosférico e tempo cronológico
e a importância dessas duas perspectivas para a climatologia.
Sorre, em seu Traité de Climatologie Biologique et Médicae, escrito em 1934, utiliza
expressões como interações e conexões, para tratar dos estudos sobre clima. Defendia, já
nessa época, que “os elementos climáticos devem ser considerados em suas interações”
(SORRE, 2006) entre si e com as características do lugar, do ambiente onde se realizam.
Para Sorre (2006), a ideia de clima não pode ser concebida sem as suas conexões
necessárias entre os seus elementos. Aqui, complementa-se aludindo para a questão de que
o clima não pode ser concebido sem as conexões necessárias com o tempo e com o espaço.
A duração da cidade contemporânea que se transforma fugazmente com o
assentamento de elevados índices populacionais, comandados pelos ditames da técnica e do
consumo não pode ser considerada sob o mesmo ângulo e “olhar” de tempos mais
longínquos. Como no sítio urbano, clima e cidade não se separam, exceto quando tratados
com esse objetivo, a duração do clima acompanha uma trajetória similar à duração da
cidade, ainda que possuam tempos distintos.
Dessa forma, alguns conceitos básicos devem ser repensados. Um dos conceitos
mais emblemáticos e reveladores da ausência do tempo e do espaço no estudo do clima é o
de atmosfera. As concepções predominantes para o termo a definem “como uma camada
fina de gases, sem cheiro, sem cor, e sem gosto, presa à Terra pela força da gravidade”
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 85

(AYOADE, 1986). Esta ideia de atmosfera propõe uma condição de imutabilidade, desprovida
de conexões com os modos de vida das populações atuais, que são marcadas pela
urbanidade e, assim, pelas transformações da natureza e da atmosfera sobre as cidades.
Como pode ser pensada, hoje, uma atmosfera isenta de cheiro, de cor e de gosto se
não a relativizamos no tempo e no espaço? As atmosferas urbanas, por exemplo, são
dotadas de cores, cheiros e gostos particulares ao tamanho, padrão e tipo de urbanização.
Assim, não se deve generalizar um conceito em que sua compreensão passa pelas
características, particularidades dos lugares em que está sendo considerado e suas conexões
com os lugares imediatos e mais distantes.
O conceito de clima não é menos polêmico, tampouco menos emblemático no
estudo da climatologia, seja urbana ou não. Uma das definições mais clássicas é a do
meteorologista austríaco Julius Hann, que considera clima como “o conjunto dos fenômenos
meteorológicos que caracterizam a condição média da atmosfera em cada lugar da terra”
(SORRE, 2006). Essa concepção, tradicional como é, apresenta o clima como uma condição
estática determinada pelas médias de seus elementos, desprovidos de interações com o
meio.
A ideia de Hann, distante da climatologia contemporânea, deve ser compreendida e
rebatida no tempo de sua formulação. Por muitas décadas, essa concepção serviu como
fundamento para as formulações conceituais em climatologia e para fomentar a obtenção
de arranjos de climas e de diversas classificações climáticas formuladas e apresentadas à
comunidade científica.
No entanto, como a natureza climática é muito dinâmica, as formulações de Hann
logo se tornaram obsoletas para os objetivos de uma ciência e de uma climatologia mais
preocupada com os nexos entre os elementos do clima, fatores do clima e, seguramente, o
papel do homem como agente de modificação do conteúdo e da forma da atmosfera nas
diversas escalas do planeta. Como exemplos, tem-se a problemática do aumento dos gases
do efeito estufa na atmosfera, do aquecimento global e da consequente mudança climática
no Globo.
Um grande avanço em relação à importância do tempo na definição do clima de um
dado lugar pode ser observado a partir das contribuições de Sorre (2006), quando o mesmo
se propôs a discutir tal temática e a considerar clima como “à série de estados atmosféricos
86 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

sobre um determinado lugar em sua sucessão habitual”. A “série de estados atmosféricos”


citada corresponde aos sucessivos tempos meteorológicos em um determinado lugar da
Terra. Essa concepção de clima proporcionou um salto significativo nas reflexões conceituais
da climatologia e impulsionou o desenvolvimento da climatologia dinâmica. Contudo, as
formulações de Sorre (2006) estão contextualizadas em uma temporalidade caracterizada
por uma organização social, no globo, muito distinta da que encontramos no cenário da
atualidade. Isso implica dizer que o critério das séries temporais ou estatísticas, e
convencionais, de dados meteorológicos utilizados na climatologia para definir a ocorrência
do clima em uma dada região ou lugar não deve ser necessariamente a mesma para todos os
casos – a série de trinta anos.
Entende-se, dessa forma, que há uma necessidade de hierarquização das ordens de
grandeza dos dados espaciais e temporais no estudo da climatologia, e que esta
hierarquização deve ser determinada a partir dos objetivos do pesquisador e do tipo de
informações que esta pretenda levantar. Mesmo assim, insiste-se na ideia de que a
convencionalização da série de trinta anos para determinar a ocorrência de um determinado
tipo de clima em um dado lugar deve ser ponderada em razão da velocidade com a qual a
técnica e a exploração da natureza chegaram ao início do século XXI, propiciando
(re)definições no âmago da realidade climática, nas diversas escalas do globo.
Assim, melhor será entender o clima como “a soma de todas as condições
meteorológicas ao longo de certo período, para uma região ou para o planeta como um
todo” (FLANNERY, 2007), observando as dinâmicas, a velocidade das séries dos estados
atmosféricos e as leis termodinâmicas que regem esses fragmentos. Esta compreensão deve
encontrar seus fundamentos na ideia de que este, o clima, deve ser entendido como um
todo dotado de propriedades que nenhuma das suas partes, tomadas isoladamente, possui.
Isso porque o todo é resultado da interação e das relações recíprocas existentes entre ele e
as suas partes.
Essa maneira de compreender o clima pressupõe a substituição de um pensamento
fundado nos princípios de uma ciência cartesiana, que marcou a ciência moderna, para uma
outra que valoriza uma nova maneira de pensar e refletir a realidade, pautada nos
fundamentos da conexidade, das relações, do contexto e chamada de sistêmica.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 87

A discussão sobre cidade, tempo e clima levanta a importância também da reflexão


sobre a durabilidade das cidades associada às manifestações da natureza sobre a mesma. Na
cidade, encontramos em todos os seus ângulos as marcas da natureza da força do seu clima.
A cidade dura, em parte, até o momento em que as forças da natureza permitem. O
caráter de imutabilidade da cidade e/ou irreversibilidade do tempo assumem, assim, uma
nova ordem. Como afirma Morin (2003), “a eternidade das Leis da Natureza foi assim
liquidada”. O que nos propõe entender à luz do mesmo autor que não há cidade, clima e
tempo congelados. “Tudo nasceu, tudo apareceu, tudo surgiu, uma vez. A matéria tem uma
história” (MORIN, 2003). A cidade como artífice humano não se encontra isolada, tampouco
pode ser entendida fora do contexto ou do sistema natural e cultural que se encontra.
Assim, os produtos resultantes do trabalho humano – a cidade por exemplo – não estão
isentos das intempéries e das dinâmicas produzidas, no tempo, pelo conjunto das forças
naturais sobre os mesmos.
A cidade dura até o momento em que a resistência do que fora construído torna-se
inferior às forças atuantes sobre a mesma. O clima, por sua vez, consubstancia-se como um
fator de grande impacto sobre as “obras” humanas no sítio da cidade. No entanto, o que é
mais significativo explicitar é que a lógica da durabilidade é a mesma tanto para a cidade
quanto para o clima, quando analisados a partir de suas relações e interconexidade. Se a
cidade é movida, em parte, pelas forças da natureza e do clima, para este, a realidade em
tela não é menos verdadeira. Assim, o que é pertinente avaliar, em relação às diferenças de
duração do clima e da cidade, talvez sejam as escalas de grandeza das modificações e suas
velocidades correspondentes da mutabilidade atribuída a cada um.

CIDADE, ESPAÇOS LIVRES E COMPLEXIDADE

Pensar a espacialidade da cidade, na perspectiva da complexidade com a qual se


apresenta, exige o estabelecimento de critérios e recortes apriorísticos de análise para tal
finalidade. Cada parte da cidade está composta por um conjunto de características, de
papéis e significados próprios, mas devido às relações de reciprocidade que desenvolvem
com as demais partes, cada uma reflete na sua unidade a realidade total do sistema.
88 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

A cidade, caracteriza-se por uma teia complexa de espaços urbanos que, no âmbito
da análise, tem nos espaços livres uma das variadas opções de seu entendimento. Espaços
livres, expressão amplamente utilizada nas pesquisas e projetos de intervenções sobre os
espaços urbanos, comporta uma diversidade de entendimentos. Assim, não existe uma
padronização consensual sobre a classificação dos espaços livres. Classificação e tipos devem
ser definidos a partir dos diferentes parâmetros – econômicos, sociais, ambientais e culturais
– assumidos e tornados benefícios para cada cidade. Dessa forma, os significados e as
classificações de espaços livres variam de acordo com a materialidade e com a
funcionalidade dos mesmos, assim como de acordo com os objetivos de cada investigador e
os critérios de tratamento, que cada espaço livre necessita, no contexto da cidade onde está
inscrito.
Para Cavalheiro e Del Picchia (1992), um espaço livre deve ser entendido como
espaços livres de construções urbanas e dotados de funções ecológica, estética e de lazer.
Assim, espaços livres como realidade objetiva devem possuir rebatimento na espacialidade
urbana, configurando-se como uma realidade mais abrangente que uma área verde, porque
contemplam, também, as águas superficiais.
Preocupados com a polêmica derivada do entendimento múltiplo dos termos
“espaço livre, área verde, parque urbano e praça, dentre outros, Cavalheiro et al. (1994)
levantaram uma importante discussão a partir de consultas feitas a órgãos e pesquisadores
ligados à Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, Regional Sudeste. O objetivo da
consulta foi o de estabelecer uma proposta de classificação e conceitualização dos referidos
termos, e sugerir o uso uma linguagem comum no âmbito da Sociedade Brasileira de
Arborização.
Os resultados obtidos com a referida pesquisa indicaram que o conceito de espaços
livres é o mais abrangente, deve ser compreendido através da contraposição ao espaço
construído na cidade e integra os demais, tais como: área verde, parque urbano, praça e
arborização urbana (CAVALHEIRO et al., 1994). Para os autores, o conceito de espaço livre
deve, ainda, ser concebido a partir do uso, escala e da função que o mesmo possui, devendo
também satisfazer os objetivos ecológicos, estético e de lazer.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 89

Espaços livres, conceitos e problemas na definição dos índices

Barbin et al. (2008) discutem o significado de espaços livres a partir da necessidade


de uma definição de parâmetros ambientais e sociais para subsidiar o planejamento urbano.
Através da aplicação de índices de espaços livres, fundamentais e capazes de sintetizarem a
“diversidade de características urbanísticas” derivadas do padrão de ocupação do solo
urbano, propuseram três índices de espaços livres: Índice de Espaços Livres de Uso Público
(IELUP), Índice de Cobertura Vegetal em Área Urbana (ICVAU) e Índice de Verde por
Habitante (IVH). Esses índices foram aplicados em um bairro da cidade de Piracicaba-SP,
sendo que, para os autores, os resultados propiciaram práticas de otimização do verde no
bairro em relação aos bairros adjacentes.
Quanto a esta prática – o da definição de índices de espaços livres como espaços de
proporção entre área verde e população – muitas discussões, polêmicas e dissonâncias têm
sido aventadas. “É importante que se ressalte que os índices existentes não são receitas a
serem seguidas, antes eles servem como apoio científico para o planejamento”
(CAVALHEIRO; DEL PICCHIA, 1992).
A importância do estabelecimento desses índices está, assim, ligada às necessidades
de cada cidade, especialmente, para efeito de planejamento dos espaços livres públicos
existentes na malha urbana. Esses índices, inscritos como indicadores socioambientais,
devem ser ponderados a partir das singularidades urbanas e das necessidades populacionais
da cidade e dos bairros onde estão espacializados.
Guzzo e Cavalheiro (2000), tratando dos índices de espaços livres de uso público na
cidade de Ribeirão Preto-SP, apresentaram importante tabela com as terminologias
empregadas para espaços livres, a partir de diferentes autores em diferentes cidades
brasileiras (Quadro 1). No quadro em questão, os índices de espaços livres obtidos por cada
autor são díspares e revelam as especificidades de cada lugar, determinadas em grande
parte pelas práticas ligadas ao planejamento e gestão urbanos.
90 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Quadro 1: Espaços livres públicos: terminologias e índices para algumas cidades brasileiras
Cidade Autor Ano da Terminologia empregada Índice
Publicação
2
São J. dos Campos – SP Escada 1987 Espaços Livres Urbanos 1,89 m /hab

2
Bauru – SP Goya 1990 Áreas Públicas Livres de 1,94 m /hab
Edificação
2
Porto Alegre – RS Sanchotene 1990 Áreas Verdes Públicas 3,08 m /hab
2
Maringá – PR Milano 1992 Áreas Verdes Públicas 6,70 m /hab
2
São Carlos – SP Henke-Oliveira 1996 Áreas Verdes Coletivas 2,65 m /hab
2
Santa Cecília – Distrito de Nucci 1996 Espaços Livres de Uso 0,92 m /hab
São Paulo Público
2
Porto Alegre – RS Prefeitura 1998 Área verde para lazer 13,62 m /hab
Municipal público
2
Ribeirão Preto – SP Guzzo e 1998 Espaços Livres de Uso 2,38 m /hab
Cavalheiro Público
Fonte: Guzzo e Cavalheiro (1998; 2000).

Para Macedo (1995), os espaços livres, entendidos no contexto da cidade e da


urbanização, são “aqueles não contidos entre as paredes e tetos dos edifícios construídos
pela sociedade para sua moradia e trabalho”. Esse conceito, apesar de amplamente aceito
por geógrafos, arquitetos e demais estudiosos da cidade, deve ser refletido com as
necessárias observações que o termo exige. Uma primeira questão a considerar deve ser a
de que os espaços livres podem ocorrer para além das fronteiras espaciais da urbanização.
Esta ideia fundamenta uma classificação genérica para os espaços livres. Esses
podem ser livres de edificação e/ou livres de urbanização, segundo Macedo (1995). Contudo,
a condição de ser livre propõe uma reflexão importante para este contexto. Livre para que,
para quem? Para circulação humana? Para o desenvolvimento variado de fluxos de matérias
e de energia? Liberdade de acesso e de uso? Eis algumas das interrogações que o termo
sugere e impõe reflexão.

POLÊMICAS E DISSONÂNCIAS CONCEITUAIS SOBRE ESPAÇOS LIVRES

Este conceito, portanto, carrega consigo polêmicas, dissonâncias e ambiguidades


apresentadas em razão, principalmente, de sugerir liberdade de acesso e de uso, o que
implica um outro aspecto importante: o adjetivo livre propõe ao espaço a existência do
sentido do público. Os espaços livres devem ser, assim, pensados a partir das esferas do
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 91

público e do privado. Aliás, Costa (2008) discute o significado de espaços livres e suas
tipologias a partir do estatuto da propriedade em público e privado, como pode ser
conferido no Quadro 2.
O termo público que parece tão simples, carrega, por sua vez, incompreensões que
calcadas em um uso cotidiano, sedimentam incongruências e esconde, na espacialidade da
cidade, o papel de igualdade, de liberdade e de isonomia entre as pessoas que coabitam o
mesmo espaço.

Quadro 2: Conceitos e classificações de espaços livres

Autor (es) Significado de espaço Critério de Classificação


livre classificação
Cavalheiro e Del Espaços livres de Função ecológica, Área verde, parque urbano, praça e
Picchia construções urbanas estética e de lazer arborização urbana, águas superficiais
Costa, Carlos Espaços livres urbanos A propriedade Público, privado, cívico
Smaniotto conforme a propriedade,
as atividades e os tipos As atividades exercidas Necessárias, opcionais
sociais
Tipologia de espaços Sistema viário, áreas de recreação e
esportes, praças, áreas verdes, cursos de
água, áreas de preservação ambiental
Macedo, Silvio Espaços não contidos Urbanização Livre de edificação
Soares entre as paredes e tetos Livre de urbanização
dos edifícios construídos
pela sociedade para sua
moradia e trabalho.
Sá Carneiro e Áreas parcialmente Regime Jurídico Espaços livres públicos (nacional,
Mesquita edificadas com nula ou estadual e municipal)
mínima proporção de De equilíbrio ambiental
elementos construídos De recreação
e/ou de vegetação [...] De circulação
ou com presença efetiva Espaços livres privados
de vegetação [...] com Espaços livres públicos e/ou privados
funções primordiais de Espaços livres potenciais: de valor
circulação, recreação, paisagístico, campos de pelada,
composição paisagística recantos, margens de rios e canais,
e de equilíbrio terrenos vazios.
ambiental.
Fonte: Elaboração do autor.

Algumas dessas incompreensões foram discutidas por Gomes (2002) e será


oportuno expô-las como balizamento para as reflexões que aqui prosseguem. Para ele, “a
forma negativa de definição largamente utilizada, ou seja, é público aquilo que não é
privado, não parece ser muito apropriada” (GOMES, 2002), isso porque essa significação
acompanha ambiguidades acerca do estatuto espacial e de seu uso comum.
92 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Outra incompreensão observada pelo autor está relacionada à consideração do


espaço público a partir do seu status jurídico. Para Gomes (2002) “apelar para o texto legal
que regulamenta a existência desses espaços, significa inverter os procedimentos”, pois a
fenomenalidade estabelecida neles não deve ser demarcada exclusivamente pela
perspectiva jurídica. Por fim, uma terceira concepção de espaço público que obstaculiza a
sua real compreensão está ligada à ideia do termo definido simplesmente pela qualidade de
livre acesso (GOMES, 2002). Esse significado é limitado, segundo o autor, porque o fato de
ser público não garante o acesso irrestrito e livre.
Para Gomes (2002), “o espaço público é simultaneamente o lugar onde os
problemas se apresentam tomam forma, ganham uma dimensão pública e,
simultaneamente, são resolvidos”. Esta concepção assume um caráter mais aprofundado
para o termo porque implica uma base territorial que é também física, para o espaço
público, e uma teia de relações demarcadas por conflitos e acertos sociais nesse espaço.
O pensamento de valorização do espaço público, a partir da sua concepção como
base física onde os eventos e relações se desenvolvem, é muito importante para esta
pesquisa porque o viés de análise caminha pelas coordenadas da ciência geográfica, que têm
no espaço, também físico, a sua grande orientação para desvendá-lo, da fenomenalidade da
realidade e de sua complexidade. As palavras de Gomes (2002) desenham com mais
objetividade esta ideia, como pode ser observado a seguir:

O lugar físico orienta as práticas, guia os comportamentos, e estes por sua vez
reafirmam o estatuto público desse espaço, e dessa dinâmica surge uma forma-
conteúdo, núcleo de uma sociabilidade normatizada, o espaço público. Ele também
é lugar de conflitos, de problematização da vida social, mas sobretudo é o terreno
onde esses problemas são assinalados e significados. (GOMES, 2002).

Insistir na importância da imbricação da natureza física e social do espaço público e


no status outorgado a ele pela ciência geográfica, a partir dessas relações, não significa
abster-se de reafirmar que a compreensão do espaço, como espaço público, interessa à
medida que esta noção possa ser qualificada a partir dos atributos anteriormente
mencionados. Assim, “um olhar geográfico sobre o espaço público deve considerar, por um
lado, sua configuração física e, por outro, o tipo de práticas e dinâmicas sociais que aí se
desenvolvem” (GOMES, 2002).
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 93

Para Bustos Romero (2001), fundamentada no pensamento de Muret (1987), os


espaços livres são espaços abertos exteriores – Open spaces, que são “os espaços não
construídos, não afetados pelas grandes infraestruturas no interior ou nas proximidades dos
setores reservados das construções”. Segundo a mesma autora, “eles podem ser pequenos
ou grandes, urbanos ou rurais, permanentes ou temporários, públicos ou privados” (BUSTOS
ROMERO, 2001).
No contexto urbano, os espaços livres quase sempre estiveram associados às ruas
de pedestres, praças e vias de circulação automotora, os quais são concebidos como espaços
monofuncionais. Bustos Romero (2001) afirma que esses são denominados de espaços
livres/exteriores, diferentemente dos espaços livres/abertos que possuem caracterizações
diferentes.
O debate sobre as diversas concepções de espaços livres é polêmico, devido às
múltiplas significações impostas a eles. Moura (2002), por exemplo, tratando dos espaços
livres afirma que são “entidades urbanísticas receptoras de mobilidade, o que possibilita o
uso coletivo da cidade construída”. Dando continuidade à reflexão do significado de espaços
livres, o referido autor entende como sendo aqueles espaços

[...] não-construídos’, cuja lógica interna determina a presença de uma vasta


estrutura que se estende à toda a cidade dispondo de capacidade de organizar o
que representa seu aspecto mais especifico e mais concreto: a existência do fato
público. (MOURA, 2002).

Os recortes preferenciais para o entendimento do conceito de espaços livres,


conforme o referido autor, passam pelos critérios da dimensão do uso coletivo e público,
destes, no cenário das cidades. No entanto, a cidade com seus espaços livres, seus climas e
tantos outros recortes é, assim, caleidoscópica, repleta de complexidades, visto que
elementos naturais versus elementos construídos se relacionam em uma trama que só é
possível de ser lida se o “olhar” estiver atento a tais complexidades.
Por isso, em nossas reflexões, elegeu-se o conceito de espaços livres. Esses,
compreendidos como espaços que, dotados de características naturais, relacionam-se,
muitas vezes, a características de construções humanas, no atendimento às demandas
variadas de funções, tais como ecológica, estética e de lazer.
94 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Como a natureza é uma realidade complexa e os fenômenos atmosféricos não


menos, as condições do clima de uma cidade e dos espaços livres, em particular, só podem
ser bem compreendidas e explicadas se a abordagem primar por um viés que considere
importante as interações, ligações e nexos entre todos os fatores de intervenção na
qualidade ambiental e climatológica daqueles espaços.
Em se tratando do clima da cidade, a condição para seu entendimento com o aporte
da teoria da complexidade se fortalece, pois o mesmo “é a maior expressão do poder de
decisão do homem sobre a atmosfera e a ecologia de um determinado local” (MONTEIRO,
1977) e, assim, resultante das mais variadas facetas da realidade, das ações humanas às
ações e respostas da natureza.
Por isso, o clima, para ser abarcado pelo conhecimento, precisa ser decomposto
através de um método que busque o entendimento e explicação, para as interrogações
necessárias através de uma postura interdisciplinar. Nesse sentido, “a pesquisa científica
dirigida, interdisciplinarmente, a esses problemas, oferece os subsídios sob formas de
soluções alternativas apresentadas ao poder público, a quem competem as decisões e
mudança deliberada” (MONTEIRO, 1976). Assim, a interdisciplinaridade está sendo aqui
considerada importante porque comunga com os princípios que valorizam a explicação da
cidade através dos nexos existentes entre as dimensões da natureza e os da realidade
urbana.
A questão climática, por exemplo, local ou global, é sempre algo complexo e exige
uma postura interdisciplinar para a sua análise. Isso porque “o mundo torna-se cada vez
mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um
todo, está cada vez mais presente em cada uma de suas partes” (MORIN, 2004).
A complexidade da análise da mudança climática se justifica também porque o que
ocorre, tanto em relação ao local quanto ao global, tem “profundas implicações políticas e
industriais e porque surge dos processos que estão no âmago do sucesso de nossa
civilização” (FLLANERY, 2007). Esses imperativos são reais em todas as escalas espaciais e,
por isso, as medidas deverão ser pensadas também nas diversas escalas.
No âmbito do clima da cidade, a imparcialidade da análise não deve ser menos
difícil e complexa. As forças que movem a realidade urbana caminham sempre na direção do
“progresso” e do desenvolvimento que, por sua vez, são movidas pela lógica da reprodução
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 95

e acumulação do capital. Assim sendo, a possibilidade de desenvolvimento das cidades e da


produção de um ambiente ecologicamente mais equilibrado “chega a um ponto
insustentável, inclusive o chamado desenvolvimento sustentável” (MORIN, 2004).
A cidade brasileira que cresce e se movimenta sob a impulsão de uma ordem
chamada progresso substitui, fugazmente, as superfícies naturais de seu sítio pelas
coberturas densas e compactas de concreto e outros atributos urbanos fomentadores do
desequilíbrio ambiental e climático.

CONCLUSÃO

As reflexões aqui desenvolvidas sobre a cidade e a complexidade de seus espaços –


espaços livres –, apontaram para a importância da leitura da cidade a partir de três ideias
fundamentais, que guardam entre si importantes aproximações conceituais. A primeira, nos
remete à necessidade de compreensão da cidade e sua ambiência fundada na perspectiva
sistêmica e complexa propugnada por Morin em seu método, especialmente no Método 1 –
a natureza da natureza. Isso porque, cada espaço livre considerado, corresponde a um jogo
complexo de ligações e interações existentes entre tudo o que compõe e caracteriza
simultaneamente cada espaço, em cada escala e as ligações interescalares. Os espaços livres
estão, assim, interconectados na cidade através dos fluxos de energia e de matéria
existentes na ambiência citadina.
A segunda ideia, advinda da anterior, considera que os espaços livres se apresentam
como importantes ecossistemas urbanos capazes de gerar, por exemplo, amenidades
térmicas. Nesse caso, tanto a matéria quanto a energia fluem em ciclos através desses
ecossistemas urbanos, ligando o ar, o solo, a água e todos os organismos vivos em forma de
rede (SPIRN, 1995, p. 269). Esses fluxos ligam todos os subsistemas do sistema urbano.
Assim, a energia em trânsito na cidade é constantemente transformada pelas influências das
características naturais, tais como as de vegetação, de relevo e dos corpos d’água devido às
particulares propriedades térmicas. A transferência horizontal, por advecção, dessas
propriedades dos elementos naturais de cada espaço livre, como os parques ambientais,
poderá, por sua vez, aquecer ou resfriar as superfícies do seu entorno, conforme sejam suas
características originais.
96 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

A terceira ideia está ligada aos princípios sistêmicos presentes na realidade urbana
e a ausência da consideração dos mesmos no tratamento da gestão urbana. As
transformações do sítio da cidade associadas ao processo de urbanização têm levado, na
maioria dos casos, ao enfrentamento humano de severos problemas de ordem ambiental
como resposta às suas práticas de impermeabilização das superfícies. A supressão da
vegetação nativa do espaço da cidade, o aplainamentos das superfícies e a substituição das
coberturas naturais pelas pavimentadas e, ainda, a ausência de investimentos no
planejamento urbano e na engenharia de drenagem têm produzido problemas relacionados
às inundações frequentes no interior das cidades, desabamentos de encostas e formação de
ilhas de calor urbanas, dentre outros. Considerando, então, que os espaços da cidade,
incluindo aí os espaços livres, estão todos conectados pelos fluxos de matéria e energia, não
podemos tratá-los senão como espaços holísticos e integrados. Assim, todas as intervenções
urbanas precisam considerar os princípios sistêmicos que regem a vida da cidade.

REFERÊNCIAS

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SPIRN, A. W. O jardim de granito. São Paulo: EDUSP, 1995.


98 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Capítulo 8

O LUGAR DE TODOS NÓS COMO POSSIBILIDADE

Alcindo José de Sá11

O homem contemporâneo saiu de um quadro natural limitado e personalizado e,


ao mesmo tempo, de uma sociedade fechada e hierarquizada. Adquiriu a liberdade,
perdendo as vantagens da solidariedade. Está só no espaço fechado dos quadros
orgânicos multidimensionais, o prédio, o bairro, a cidade ou o aglomerado, a aldeia
de férias, a estrada, os transportes públicos, a fábrica, o grande armazém. E,
institivamente, é aí que busca o significado do mundo e, ao mesmo tempo, o
sentido da vida. (GEORGE, 1993, p. 173).

Muito se fala de lugar, pois essa terminologia é polissêmica, dota-se de inúmeras


significações abrangentes de todas as áreas do conhecimento humano. Todavia,
geograficamente é um termo de grande valia, já que baliza, digamos, muitas categorias
analíticas dos fenômenos socioespaciais ou socioterritoriais de nossa disciplina (a Geografia).
Assim, indagamos, como aflora o seu sentido, ou o seu peso analítico, na existência “dos
homens na terra e a Geografia em ação” (GEORGE, 1993).
Inicialmente, cremos que se torna pertinente resgatarmos a sua etimologia, já que
este termo lugar tem as suas raízes no latim, traduzida como localis, relativo a lugar e de
lócus, como o mesmo sentido. Assim, evidencia-se que a sociedade em seu processo
histórico e os indivíduos constituintes desse processo, as materialidades animadas e
inanimadas, ou seja, todas as matérias que são permutadas em objetos socialmente
transformados, ocupam um determinado lugar. Mas para irmos além dessa “tautologia”,
dessa obviedade redundante, geograficamente se exige, como destacado no início, situar “o
lugar de todos nós”, nas diversas categorias analíticas da Geografia.
Nesse sentido, é pertinente levantarmos algumas assertivas
“filosóficas/geográficas” básicas: Quem eu sou, onde estou e para onde vou? No quem eu
sou permeiam-se elementos existenciais/históricos, visto que a Geografia em ação abarca
processos sociais em que “o eu” é por demais mutante. Porém, este eu sempre demandou

11
Professor Doutor em Geografia da UFPE, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 99

um lugar que lhe propiciasse um senso de pertencimento ao mesmo, bem como de direção,
frente a um mundo complexo e diverso. Daí ser quase que natural para todas as civilizações,
das mais remotas até o mundo presente, a necessidade de confecção e uso de mapas, de
pontos referenciais, desembocando hoje, nesta sociedade da informação e das redes
digitais, nos mais sofisticados aparelhos de localização, como os famosos GPS. Ou seja,
independente dos estágios históricos vivenciados pelas mais diversas civilizações, o sentido
de lugar, de “situação” e direção são elementos fundamentais para a mobilidade dos seus
seres em suas diversas atividades produtivas ou não.
Tratando do senso comum, não há nada mais desesperador do que se sentir
“perdido no espaço”; viajar e não saber situar minimamente o lugar buscado. Portanto, o
aporte racional/matemático embutido nas diversas escalas de mapas, bem como dos
instrumentos informacionais geoprocessadores de diversas representações cartográficas,
nos propiciam uma escala de mundo extremamente macro, que nos ajudam permutar do
macro mundo ao micro e vice-versa. Assim, nesta escala, hoje virtual, o lugar pode ser o
mundo, mas apenas virtualmente. Um dos elementos mais representativos é o sistema de
imagens terrestres propiciadas pelo google earth pro, uma mediação de representativa do
mundo, na qual podemos navegar em todas as escalas, de acordo com as demanda do nosso
objeto a ser estudado.
Nos assevera P. George (1993, p. 156),

[...] o objetivo do mapa é dar, uma escala acessível ao olhar, uma imagem
geográfica que os homens desejam conhecer, quer a título de curiosidade, que a
título de utilidade. Curiosidade filosófica: o conhecimento do espaço do humano
que se identifica com o planeta no seu universo estelar; curiosidade prática, a
representação das costas nos portulanos ou o traçado das fronteiras e os limites
das províncias no mapa do ´reino´, o plano da sociedade fortificada com a projeção
das suas obras, predominando sobre o país humilde.

Já no mundo moderno,

[...] a leitura das mensagens por teledetecção, compara-se a uma radiografia, cuja
interpretação pressupõe o conhecimento do funcionamento dos órgãos [lugares].
Terá de ser decodificada para se tornar num documento geográfico. O interesse
deste documento está na sua riqueza enciclopédica, respeitante, quer aos dados
perenes, quer aos estados temporários da atmosfera, da vegetação, etc. (GEORGE,
1993, p. 157).
100 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Enfim, a cartografia é um elemento indispensável ao entendimento do mundo


“enciclopédico” nas suas diversas geografias em ação pelas ações humanas manifestas nos
lugares, quer nos seus estados de perenidade ou de grandes mutações.
Mas a Geografia em ação pelo trabalho e vivência do homem, molda configurações
espaciais/territoriais concretas e abstratas que transcendem o “mero” situar matemático.
Sob o peso da fenomenologia, uma corrente de pensamento que é marcada pela percepção
dos lugares, das coisas e dos objetos que os constituem, significativos dos fenômenos da
consciência, devendo os mesmos serem estudados em si, como objetos ideais, desponta a
Geografia da percepção. Neste viés, o sentir e viver paisagístico do lugar, é algo marcante
para o eu subjetivo, pois nele ficam depositados lembranças, sentimentos de apego ou não,
cheiros, amores, carinhos, somente existentes como objetos ideais. Daí não ser estranho
contemplarmos lugares paisagísticos e marcarmos como deslumbrantes; vivermos os nossos
territórios de nascimento, muitas vezes apenas em fotografias ou lembranças, como algo
eterno e de pertencimento ao nosso cotidiano; lugares que estão muito marcados nas
profundezas das nossas almas. Todavia, não é incomum nos depararmos com pessoas que,
por diversos motivos, idealizam, enxergam e não vivenciam, ou vivenciam à força lugares
como feios, hostis, repugnantes, repelentes, a ponto de muitas vezes evitarem olhares e
passagens pelos mesmos. Lugares que estão muito distantes ou inexistentes dos seus mapas
mentais e espirituais; lugares idealizados como deprimentes e, portanto, longe de serem
partilhados por todos os homens numa “Geografia Ideal” em ação.
Reforçando esses princípios fenomenológicos, Gaston Bachelart, no livro A Poética
do Espaço, assevera que

[...] a metafísica consciente que toma seu lugar no momento em que o ser é
‘atirado no mundo’, é uma metafísica de segunda categoria. Ela passa
superficialmente pelas preliminares onde o ser é o estar-bem, onde o ser humano
é colocado num estar-bem no bem-estar associado primitivamente ao ser. Para
ilustrar a metafísica da consciência, será preciso esperar as experiências em que o
ser é atirado fora, isto é, no estilo de imagem que estudávamos: posto na porta,
fora do ser da casa, circunstância em que se acumulam a hostilidade dos homens e
a hostilidade do universo. Mas uma metafísica completa, que englobe a consciência
e o inconsciente, deve deixar no interior o privilégio de seus valores. No interior do
ser, no ser interior, um calor acolhe o ser, envolve o ser. O ser reina numa espécie
de paraíso terrestre da matéria, fundido na doçura de uma matéria adequada.
Parece que, nesse paraíso material, o ser mergulha na fartura, é cumulado de todos
os bens essenciais. Quando se sonha com a casa natal, na profundidade extrema do
devaneio, participa-se desse calor primeiro, dessa matéria bem temperada do
paraíso material. É nesse ambiente que vivem os seres protetores. Teremos que
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 101

voltar a falar sobre a maternidade da casa. No momento, gostaríamos de indicar a


plenitude essencial do ser da casa. Nossos devaneios nos levam até aí. E o poeta
bem sabe que a casa mantém a infância imóvel 'em seus braços´... Bem entendido,
é graças à casa que um grande número de nossas lembranças estão guardadas e se
a casa se complica um pouco, se tem porão e sótão, cantos e corredores, nossas
lembranças têm refúgios cada vez mais bem caracterizados. (BACHELART, 2013, p.
202).

Subentende-se, assim, que a metafísica primeira, “ideal”, ainda não totalmente


consciente, tem a sua maternidade calcada na casa primeva, nessa matéria cheia de fartura
“de bens essenciais”, onde nossas “lembranças estão guardadas”, das mais leves às mais
complexas. Não devemos esquecer que por influência G. Bachelart (francês e
fenomenólogo), Carl Sauer (americano estudioso das culturas paisagísticas), Yi-Fi Tuan
(japonês) “propõe uma geografia dedicada ao estudo do amor do homem pela natureza,
denominado por ele de topofilia. A geografia se dedicaria ao estudo das vivências, que se
expandem do lar para paisagens mais amplas, da paisagem humanizada para os cenários
mais selvagens”, aliás, bases conceituais para o que chamamos de Geografia Humanista,
“Geografia Cultural”). Enfim, uma Geografia que, de certa forma, foge dos grandes enredos
históricos/sociais de transformação revolucionária do mundo, para um eu interior, subjetivo
e existencial, também moldadores dos seus habitats e formatadores de novos mundos.
Evidencia-se, assim, que tratarmos de lugares, é atinarmos sempre a escalas micros
e macros. Nesse sentido, tanto como ponto de referência, ou sítio perceptivo idealizado, os
mesmos carregam também muito embasamento sócio-histórico, objetivo, bem como
acumulação de tempos longos naturais imprescindíveis à vivência humana na Terra. Assim,
em um tempo mais curto, não meramente naturalizado, poderíamos considerar que no
medievo, os feudos constituíam lugares de fazeres e viveres sob a égide de relações sociais
de suserania e vassalagem; o relógio do tempo natural a monitorar os processos produtivos
lastreados no campo, e os ritos tradicionais da nobreza e do catolicismo a disciplinar esses
lócus de vivência. Com a ascensão “do dinheiro e da razão” (SÁBATO, 1993) desponta a base
do capitalismo que, por sua vez, “destroça” o lugar feudal, pois o mesmo passou a
demandar, por intermédio da abstração do dinheiro como meio de troca, de escalas
produtivas maiores e mais racionais, ou seja, o uso intensivo de técnicas absorvedoras de
ciência, tornando o espaço “desacoplado” dos saberes e viveres tradicionais e novo lucus
monitorado pelo relógio maquínico, assim como doutrinado e gerenciado pelo Estado
racional e todas as suas instituições concretas e simbólicas; isto é, dos exércitos, dos poderes
102 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

judiciais, reis absolutistas ou não, com suas bandeiras, hinos, moedas, enfim, um lugar
funcional de uma nação. Nessa perspectiva, cremos que não há contradição em encaramos a
escala nacional como um lugar portador de sentido de pertencimento, tanto quanto a uma
escala menor, seja o Estado Federado, o Município, uma fazenda, ou mesmo o interior
profundo de uma casa.
Para Milton Santos (2004, p. 315),

[...] a história concreta do nosso tempo repõe a questão do lugar numa posição
central, conforme, aliás, assinalado por diversos geógrafos. A. Fischer (1994, p. 73),
por exemplo, refere-se ´a redescoberta da dimensão local´...impõe-se, ao mesmo
tempo, a necessidade de, revisitando o lugar no mundo atual, encontrar os seus
novos significados. Uma possibilidade nos é dada através da consideração do
cotidiano (BUTTTIMER, 1976; GARCIA, 1992; DAMIANI, 1994). Esta categoria da
existência presta-se a um tratamento geográfico do mundo vivido que leve em
conta as variáveis de que nos estamos ocupando...: os objetos, as ações, a técnica,
o tempo.

Reforçando as supracitadas premissas, numa assertiva provocante – pelo menos


para nós geógrafos, Bauman (2006, p. 100) diz que uma “insólita aventura aconteceu com o
espaço geográfico: ele perdeu importância, mas ganhou significação”. Ou seja, mesmo
deixando de ser essencial, indispensável, de apreço às forças hegemônicas produtivas e
especulativas do capital dominante, o espaço, seus lugares e suas coisas passam a significar
mais; dizer mais. Ou seja, por não ser valorizado na sua plenitude pelo mundo das trocas (ele
ainda carrega o privilégio de ser ente de mero valor de uso e não somente de troca), pelo
escorregadio e líquido mundo da economia software globalizada (BAUMAN, 2001), o espaço
banal, geográfico, adquire, ascende em significância, justamente porque abarca outros
valores,

[...] pois como as instituições cambiantes da economia diminuem a experiência de


pertencer a algum lugar especial...os compromissos das pessoas com os lugares
geográficos como nações, cidades e localidades, aumentam...O sentido de lugar se
baseia na necessidade de pertencer não a uma ´sociedade´ em abstrato, mas a
algum lugar em particular; satisfazendo essa necessidade, as pessoas desenvolvem
o compromisso de lealdade. (BAUMAN, 2006, p. 100).

Como a sociedade se torna um dado cada vez mais “abstrato” nesta era do
“semiocapitalismo” (BIFO, 2008) sem lógica espacial, os territórios situados locacionalmente,
de maneira dialética, parecem convidar a referida sociedade a um exercício constante de
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 103

resgate de uma razão histórica concreta e abstrata (onde estou, quem sou e para onde vou,
como ressaltado no início do texto).
Outro elemento importante a caracterizar e concretar a noção de lugar, segundo
Raffestan (1993, p. 186), é “o poder”, pois

[...] antes de se difundir e antes de se esgotar, se cristaliza num lugar, em lugares


que com frequência ele marca profundamente, às vezes até de uma forma
indelével: ‘há por que pensar que a verdade está inscrita na própria estrutura das
comunidades, nos lugares centrais, a partir dos quais tudo se irradia e que quase
sempre constituem locais simbólicos de uma unidade coletiva cujo caráter original
não devemos suspeitar a priori, pois em geral é confirmado, ao menos em parte,
pelas escavações arqueológicas’.

O referido autor indaga se não seriam os lugares “momentos sagrados de um


plano” constituidor que funda a diferenciação dos espaços. E buscando reforçar essa tese,
ele menciona a cidade como elemento quase religioso, bem como certos lugares sagrados
inerentes à própria cidade. “Na Grécia, esses lugares são o túmulo de certos heróis, o ônfalo,
a pedra da ara e, enfim, o símbolo por excelência da pólis, do centro comum, da Hertia”
(GIRARD, in C. RAFFESTIN, p. 186). Nesses espaços sob o peso da política, segundo Raffestin
(1993, p. 187), os lugares não se tornavam privilegiados a priori, mas centros de “reunião,
nodosidades”, condensadores de temporalidades históricas diversas e, por conseguinte,
fatores de diferentes densidades populacionais e de poder. E se tem poder a monitorar
essas nodosidades localistas, tem-se, além do simbólico e do político, as bases econômicas
dissimétricas na infraestrutura produtiva, bem como nas supraestruturas políticas e jurídicas
que municiam as bases do capital.
Portanto, fica evidente os diferenciais de lugar como um dado a posteriori, como
uma instrumentalização intencional dos objetos pelas ações sociais diferenciadas, na lógica
de um desenvolvimento sempre desigual e combinado, hoje, de um capitalismo globalizado.
Por isso, ainda segundo Raffestin (1993, p. 187), assinalar que

[...] apesar de a teoria dos lugares centrais em geral ser expressa por outros
conceitos, não deixa de se fundamentar nos mesmos dados: um sistema de lugares
e um sistema de relações, sendo que as últimas não têm a mesma probabilidade de
realização no espaço. A aparente geometria de Chistaller e Lösch não passa de uma
modalidade que permite uma formulação facilitada de uma realidade complexa.
Entretanto, essa geometria é uma ilusão que dissimula a ligação fundamental que
se estabelece entre um lugar e uma relação ou, se preferirmos, uma função. Os
lugares centrais, tais como são definidos pela geometria, escondem uma realidade
104 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

mais profunda: resultam da probabilidade diferencial das nodosidades humanas


que fazem emergir uma relação de poder com o local.

Ora, a teoria dos lugares centrais foi de grande validade, digamos, quando da
ascensão do capitalismo fordista/keinesiano, quando, como bem afirma Harvey (2002),
predominou uma economia de escala e não como hoje, uma economia de escopo. Ou seja,
numa economia de escala, havia grandes conglomerados produtivos, nodosidades, com
fortes atividades complementares bem concentradas. Já numa economia de escopo, os
lugares centrais, as nodosidades, são resultados de “uma probabilidade diferencial” em que
as atividades humanas “fazem uma relação de poder com o local”, mas a mando de grandes
corporações globais produtivas espraiadas pelo mundo, pois nesse novo capitalismo em
rede, as gigantes corporações produtivas, de serviços, e do capital financeiro, apesar de bem
concentradas, não demandam mais atividades complementares locais, e sim locais que
demandam produtos complementares também locais, mas na escala do mundo. Ou seja, as
novas nodosidades humanas fazem emergir uma relação de poder “com o local”, mas a
reboque, digamos, do lugar mundo (grifo nosso), visto que na economia de escopo, grandes
centros produtivos dependem dos lotes de equipamentos e informações produzidos em
outras nodosidades, outros locais, nos quais as vantagens comparativas ou competitivas são
mais vantajosas, a serem remontados nos lugares probabilísticos desvantajosos. É assim que
parece se configurar essa globalização que Milton Santos (2004), de uma maneira perspicaz,
atribui de perversa, já que tem levado os lugares cada vez mais a se submeterem aos
poderes globalistas cada vez mais dissimétricos e socialmente injustos, ou seja, “um sistema
de lugares e um sistema de relações, sendo que as últimas não têm a mesma probabilidade
de realização no espaço” (RAFFESTIN, 1993, p. 137).
Daí ser pertinente asseverarmos algumas assertivas de M. Santos (2004, p. 337),
quando ele frisa: “a utilização pelas empresas, sobretudo das firmas gigantes, depende
desses dois lados e não apenas de um deles. Formas e normas, pois trabalham como um
conjunto indissociável”. Em suma, nos sistemas relacionais dissimétricos (as normas) não há
as mesmas probabilidades do espaço, ou seja, nos lugares territorialmente com
funcionalidades e possibilidades diferenciadas. Ainda, segundo Santos (2004, p. 337), “não
existe um espaço global, mas espaços da globalização”, ou melhor, numa economia flexível
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 105

de escopo, de lotes produzidos em diversos lugares, o espaço global pode existir como
possibilidade de um dia as normas e formas serem simétricas.
Já os espaços da globalização, acata as normas globais dissimétricas imbuídas de
probabilidades de realização localmente desiguais. Seguindo suas assertivas (SANTOS, 2004,
p. 337), “o mundo se dá, sobretudo como norma, ensejando a espacialização, em diversos
pontos, dos seus vetores técnicos, informacionais, econômicos, sociais, políticos e culturais.
São ações ´desterritorializadas´, no sentido de teleguiadas, separando, geograficamente, a
causa eficiente e o efeito final”, isto é, no bojo dos sistemas de relações de lugares
sobressai-se a norma como regulação dominante, lastreando a técnica, a informação, a
economia, as relações sociais, políticas e culturais, enfim, as normas diferenciam
probabilisticamente a realização funcional do espaço como lugar do viver, fazer e acontecer.
Ainda segundo M. Santos (2004, p. 337),

[...] o mundo é um conjunto de possibilidades, cuja efetivação depende das oportunidades


pelos lugares. Esse dado, hoje, é fundamental, já que o imperativo da competitividade exige
que os lugares da ação sejam global e previamente escolhidos entre aqueles capazes de
atribuir a uma dada produção uma produtividade maior. Nesse sentido, o exercício desta ou
daquela ação passa a depender da existência, neste ou naquele lugar, das condições locais
que garantam eficácia aos respectivos processos.

Neste prisma, fica patente, no contexto de uma sociedade em rede, que os lugares
(que para muitos antropólogos, são não lugares) adquirem uma proeminência geográfica, ou
de uma geografia econômica de grade valia, pois são os lugares do fazer acontecer a
dinâmica produtiva ou não das incidências das flechas das ações, das normatividades, sobre
e com os objetos inteligentes fixados nos mesmos, ou seus imperativos materiais passíveis
de se tornarem objetos de troca. Assim, em um prisma no campo da geografia, jamais
existirá um não lugar, pois nos mesmos as formas e as normas serão sempre dissimétricas, já
que cada lugar responde às demandas probabilísticas relacionais com outros lugares, de
acordo com as suas potencialidades.
Desse modo, poderíamos ousar asseverar que, economicamente, os lugares são um
conjunto de possibilidades para a efetivação das oportunidades que o capital desigual e
combinado demanda para suas realizações várias: produtivas, financeiras, de serviços
variados, etc. Todavia, ao mirarmos o mapa terrestre, as diversas escalas de lugares, em
especial das cidades, do campo, dos municípios, das províncias, das federações, dos Estados,
nunca foram tão dissimétricas e as fronteiras cada vez mais fortes, visíveis e vivíveis. No
106 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Brasil, se lançarmos mão das estatísticas, os desníveis de inclusão e exclusão social são
gritantes. Paisagens estampam, em um mesmo bairro, favelas e condomínios de luxo, com
indicadores de perspectiva de vida gritantemente desiguais; lugares insalubres versus
lugares assépticos a qualquer lixo, inclusive o humano, barrados pelos muros e guaritas,
como fala Z. Bauman (2005). É neste prisma que o lugar densifica sentidos: ele é um espaço
do fazer e do viver; potencial de possibilidades e de oportunidades; de sentir e de amar; de
atrair e de repelir, porém e acima de tudo, um campo de forças a ser um espaço de todos
nós, não mais como possibilidades várias, mas um nó que irmane verdadeiramente um
mundo de todos nós, em um contexto de diferenças locacionais. Verdadeiramente o todo na
parte e a parte no todo, dentro de uma consciência humana universal diferenciada.
Para finalizar este artigo, ressaltamos mais uma assertiva de Santos (2004, p. 338),
quando afirma:

[...] o universal é o Mundo como Norma, uma situação não-espacial, mas que cria e
recria espaços locais; particular é dado pelo país, isto é, o território normado; e o
individual é o lugar, o território como norma. A situação intermediária entre o
mundo e o país é dada pelas regiões supranacionais, e a situação intermediária
entre o país e lugar são as regiões infranacionais, subespaços legais e históricos
[...].

Enfim, é nos lugares que se comungam, se entrelaçam todas categorias ou


subcategorias de análise dos fenômenos socioespaciais que se espraiam na horizontalidade
do espaço: as normas do mundo, do país, das regiões supranacionais (blocos econômicos),
mas, e acima de tudo, os seus valores identitários e históricos.

REFERÊNCIAS

BACHELARD, G. A poética do espaço. Traduçao de Antônio da Costa Leal e Lídia do Valle


Santos Leal. Disponível em:
<https://bibliotecadafilo.files.wordpress.com/2013/11/bachelard-a-poc3a9tica-do-
espaco.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2016.

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.


________. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

________. Europa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.


A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 107

BIFO, F. B. A fábrica da infelicidade. Rio de janeiro: DP&A, 2005.

GEORGE, P. O homem na terra. A geografia em ação. Lisboa: Edições 70, 1993.

HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.

RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

SÁBATO, E. Homens e engrenagens. Campinas-SP: Papirus, 1993.

SANTOS, M. A natureza do espaço. Razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2004. (Coleção
Milton Santos; 1)
108 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Capítulo 9

O LUGAR COMO CONSTRUTO DE INTERPRETAÇÃO SOCIO-ESPACIAL:


UM OLHAR PARA O MUNICÍPIO DE HORIZONTE, ESTADO DO CEARÁ

Emanuel Lindemberg Silva Albuquerque12


Daniel Dantas Moreira Gomes13

O espaço que se estende sobre um reticulado de pontos cardeais torna nítida a


idéia de lugar, porém não transforma nenhuma determinada localidade geográfica
no lugar. (TUAN).

INTRODUÇÃO

Em virtude de ser o lugar um construto que é derivado de ações indissociáveis entre


a natureza e a sociedade, na percepção de espaço/tempo, torna-se necessário compreender
que o pensamento geográfico que materializou o conceito de lugar vincula-se
essencialmente à geografia humana, da qual derivaram dois ramos de pesquisa, ou seja, a
geografia humanista e a geografia radical (FERREIRA, 2000).
Na perspectiva de corroborar esta assertiva, Lopes menciona que,

é consenso que as concepções da categoria lugar para a ciência geográfica estão


atreladas com as discussões travadas pela Geografia humana, sendo que essa
categoria tem dois lastros de acepção principais: a geografia
fenomênica/humanista (geografia cultural) e a geografia crítica (marxista –
materialismo/histórico/dialético). (LOPES, 2012, p. 26).

Nesse sentido, destaca-se que o cerne da Geografia (como ciência) é abordar de


forma pormenorizada a espacialidade social e os condicionantes ambientais de forma
integrada, independentemente do conceito e/ou categoria a ser adotada, tendo em vista

12
Professor Doutor em Geografia da UFPI, Brasil
13
Professor Doutor em Geologia da UPE / Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 109

que o espaço geográfico é concebido por realidades inseparáveis entre a sociedade e a


natureza (ALBUQUERQUE, 2014).
Portanto, partindo deste viés de análise e reflexão, objetiva-se delimitar o escopo
da categoria geográfica lugar, no presente estudo, como um constructo de interpretação
socioespacial, tendo como recorte espacial o município de Horizonte, localizado no Estado
do Ceará, a partir do viés e da percepção ambiental.
Ao considerar o exposto, adota-se no estudo em pauta uma postura tanto
fenomênica/humanista quanto marxista (por meio de uma reflexão epistemológica), em
virtude de que o cenário concebido e percebido para o recorte espacial adotado é fruto de
um construto socioespacial que permeia, de forma imbricada, a relação sociedade/natureza.
Por sua vez, esta é resultante de um conjunto de fatores que são estruturadas pelo homem
e que são condicionadas pelos fatores naturais.
Portanto, este estudo visa a contribuir com reflexões salutares para a temática em
epígrafe, na perspectiva de perceber o lugar como uma categoria que materializa no espaço
concreto da vivência à realidade socioespacial presente na sociedade.
Salienta-se que não é pretensão dos autores a extinção dos debates, tampouco a
definição categórica/verdadeira do lugar como construto de interpretação socioespacial,
mas apenas um elo de discussão e pensamento a respeito da categoria espacial que delimita
o assunto em mote no presente texto.

LUGAR: ESPAÇO CONCRETO DE VIVÊNCIA

Na perspectiva de identificar e apreender a realidade socioespacial (geográfico-


ambiental) a partir do conceito de lugar, torna-se necessário a utilização de categorias
espaciais auxiliares que perpassam o espaço concreto de vivência, tendo em vista que
“trabalhar com conceito é bem mais complexo que cravar um sentido único para o mesmo,
visto que dependendo da posição epistemológica com que se trate o conceito, o mesmo terá
esse ou aquele maior destaque” (LOPES, 2012, p. 24).
De acordo com Tuan (1983), o espaço e o lugar são expressões interligadas em que
atribuímos alguma importância, sendo que os lugares encontram-se em articulações com o
espaço. Portanto, “[...] o sentido de lugar não está limitado ao nível pragmático da ação e da
110 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

percepção e que sua experiência (direta ou simbólica) se constitui em diversas escalas [...]”
(CABRAL, 2007). Dentre esses níveis escalares encontra-se o município como recorte
espacial.
Santos (1997) corrobora que o lugar constitui a dimensão da existência que se
manifesta através do cotidiano entre as mais diversas pessoas e instituições em diversos
níveis escalares. Não obstante, esta categoria espacial, a nosso ver, materializa as ações
interligadas entre sociedade e natureza, pois é neste nível de análise que se constrói a noção
de identidade e de pertencimento.
De acordo com Holzer (2003), o lugar encontra-se para além do espaço cartesiano
ou euclidiano, tendo em vista que o mesmo se traduz em experiência contínua, egocêntrica
e social, num espaço de movimento (espaço-tempo vivido), ou seja, uma categoria que não
se reduz, exclusivamente, ao espaço delimitado territorialmente, mas também se refere à
categoria do afetivo, do mágico e do imaginário.
Destarte, o espaço e o lugar são conceitos importantes não só para sabermos “mais
sobre a nossa própria natureza – nossa potencialidade para experimentar – mas também
como arrendatários da Terra, preocupados na prática com o projeto de um habitat mais
humano” (TUAN, 1983, p. 8).
Conforme pontua Santos (2010), é no lugar que a história é socialmente construída,
pois os sujeitos (sociedade) são elementos vivos que, por meio de suas mais diversas
atividades e relações, entram diretamente na dinâmica da (re)produção do lugar onde vivem
(natureza).
Portanto, a prática cotidiana dá sentido aos lugares, produzindo no indivíduo o
sentimento de pertencimento, referência e identidade, pois o lugar.

[...] é a base de reprodução da vida [...]. É o espaço passível de ser sentido,


pensado, apropriado e vivido através do corpo [...]. As relações que os indivíduos
mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos de uso,
nas condições mais banais, no secundário, no acidental [...]. São os lugares que o
homem habita dentro da cidade que dizem respeito a seu cotidiano, e a seu modo
de vida onde se locomove, passeia, flana, isto é, pelas formas através das quais o
homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo uso [...]. Os
percursos realizados pelos habitantes ligam o lugar de domicílio aos lugares de
lazer, de comunicação, mas o importante é que essas mediações espaciais são
ordenadas segundo as propriedades do tempo vivido. (CARLOS, 2007, p. 20-22).
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 111

Diante deste aporte teórico, menciona-se que o caminho metodológico do conceito


de lugar é adotado no presente estudo como uma categoria operacional de percepção do
espaço geográfico, tendo em vista que o lugar é produto das atividades e das relações dos
sujeitos sociais entre si e entre estes e o meio (sociedade/natureza).

ANÁLISE SOCIOESPACIAL DO MUNICÍPIO DE HORIZONTE/CE: O LUGAR NA PERSPECTIVA


AMBIENTAL

A importância de se compreender o lugar em que se habita e de como se dão as


relações socioespaciais, por meio do viés ambiental, faz o homem efetivamente participar
do espaço social, ou seja, aquele habitado e transformado pelo homem. Por sua vez, o lugar
pode trazer reveladoras informações sobre a sociedade que nele habita, como, por exemplo,
sua formação histórica, cultural e econômica (SANTOS, 2010), incluindo aqui o viés
ambiental.
Nessa perspectiva, o recorte espacial adotado no estudo em epígrafe compreende o
município de Horizonte (FIGURA 1), localizado na Região Metropolitana de Fortaleza – RMF,
Estado do Ceará, Região Nordeste do Brasil. Possui extensão territorial de aproximadamente
160,77 km² e dista 40 km de Fortaleza. O acesso principal à cidade se dá pela BR-116
(Rodovia Federal Santos Dumont).
112 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Figura 1: Mapa de localização do município de Horizonte, Estado do Ceará

Fonte: Elaboração dos autores (2016).

Ao compreender que o lugar encontra-se para além do espaço cartesiano ou


euclidiano (HOLZER, 2003), conforme apresentado acima, o lugar é também espaço concreto
de vivência, em que há a predominância da identidade, tendo em vista que o mesmo se
traduz em experiência em sociedade, pois.

Um lugar não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de


experiência sempre renovada, o que permite ao mesmo tempo, a reavaliação das
heranças e a indagação sobre o presente e o futuro. A existência naquele espaço
exerce um papel revelador sobre o mundo. (SANTOS, 2000, p. 114).

Não obstante, para alcançar este nível de análise e reflexão, não se pode
desconsiderar, de forma alguma, o fator histórico, cultural, econômico e ambiental do lugar.
No caso específico em questão, o município de Horizonte merece destaque, pois em virtude
de sua localização geográfica (proximidade da capital cearense), de seus condicionantes
ambientais favoráveis e atrelada a uma lógica mercadológica (econômica) inserida numa
região metropolitana, transformou à realidade local num curto intervalo de espaço/tempo.
De acordo com Albuquerque (2012), o município de Horizonte teve um acréscimo
significativo em sua população, principalmente, no perímetro urbano, onde não houve, por
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 113

parte dos gestores públicos e dos atores sociais, nenhuma e/ou escassa preocupação com as
características geoambientais do local frente às suas potencialidades e limitações de uso.
Todavia, o sentido de lugar, na perspectiva retromencionada, não está circunscrito
apenas ao espaço nucleado (área urbana), podendo também estar associado a espaços
maiores e distantes do núcleo sede, com o qual não mantém laços afetivos e de identidade.
No entanto, não é foco do presente trabalho constatar as nuanças entre urbano e rural.
Por sua vez, o estudo visualiza o lugar por meio da experiência e do conhecimento
dos indivíduos, pois, de acordo com Albuquerque (2012), mais de 80% da população
horizontina é migrante, o que corrobora a existência de uma miscelânea de culturas e
identidades que são (re)construídas a partir da vivência cotidiana no lugar (origem/destino).
Do ponto de vista demográfico, a taxa geométrica de crescimento populacional do
município nas últimas décadas (1991-2000) e (2000-2010) alcançou um crescimento da
ordem de 7,06% e de 5,02%, respectivamente, sendo a maior taxa de crescimento
populacional entre os municípios cearenses, e bem superior à registrada para o Estado, que
foi de 1,3% (ALBUQUERQUE, 2012).
Dessa forma, verifica-se ainda que a população deste município vem crescendo
notadamente na área urbana. Em termos percentuais, no ano de 1991, a população urbana
correspondia a 58,99%, passando para 59,30% no ano de 1996 e alcançando 83,23% no ano
2000. Destaca-se que na última década (2000-2010), diagnosticou-se um aumento ainda
mais expressivo, apresentando um somatório de 92,49% da população horizontina inserida
no perímetro urbano, conforme pode ser visualizado na Tabela 1.

Tabela 1: Evolução da população do município de Horizonte, Ceará: 1991-2010


População
Ano Urbana Rural
Total
Nº % Nº %
1991 18.283 10.786 58,99 7.497 41,01
1996 25.382 15.051 59,30 10.331 40,70
2000 33.790 28.122 83,23 5.668 16,77
2007 48.660 42.457 87,25 6.203 12,75
2010 55.187 51.016 92,49 4.138 7,51
Fonte: IBGE/IPECE, 2010.
114 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Diante desse cenário, constata-se que a taxa de crescimento populacional urbana


foi igual a 11,24% no período (1991/2000) e de 6,14% na década (2000/2010). Por
conseguinte, a taxa de crescimento geométrica da população rural alcança a marca de
-3,10%. Este valor negativo evidencia a migração da população rural do município para a
área urbana, em virtude essencialmente do fator econômico.
Como resultado deste processo, tem-se que a urbanização tem tido um papel
fundamental nos impactos socioambientais, que causam agudas transformações no meio
ambiente geográfico e, particularmente, no lugar, seja ao nível da rua, do bairro ou do
município como um todo.
Vale destacar que os processos de urbanização e industrialização têm uma
contribuição significativa nos impactos socioambientais ocorridos nas mais diversas cidades,
tendo em vista que a lógica da industrialização encontra-se atrelada aos lugares mais
propícios à sua instalação, implementação e, consequentemente, na geração de riquezas, ou
seja, o maior lucro e/ou acúmulo de capital em detrimento da conservação/preservação
ambiental, como é o caso do município de Horizonte.
Ao considerar a análise socioespacial do lugar por meio do viés ambiental (tendo o
lugar como categoria espacial), constata-se que a percepção humanista, por meio da relação
homem-natureza/ambiente ganha vulto, tendo em vista que é fundamental conceber o
lugar enquanto base da existência humana (LOPES, 2012).
Desse modo, há uma miríade de abordagens a respeito desta temática, em que o
viés epistemológico dos conceitos e categorias são engendrados, muitas vezes, de forma
forçada as configurações estruturais/conjunturais convenientes à realidade local. Por sua
vez, há um distanciamento entre o ver e o perceber, como é o caso do lugar na perspectiva
ambiental.
Por ser o lugar uma categoria espacial, é neste contexto que o homem se insere
como parte integrante da natureza, tendo em vista que é neste espaço que ele vive e
interage, em que ele pode desenvolver ou não a noção de identidade e de pertencimento,
ou seja, o lugar é o espaço vivido em que proporciona ao cidadão uma identidade com o
espaço.
Portanto, são nesses lugares que o homem habita dentro da cidade e que dizem
respeito ao seu cotidiano (CARLOS, 2007), dando forma e se apropriando do espaço das mais
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 115

diversas formas, incluindo, nestes usos, os processos degradacionais do ambiente natural,


que são potencializados pelas desigualdades socioeconômicas.
A partir do conjunto integralizado das relações sociedade e natureza, materializadas
no lugar, Corrêa (1986) delineia que as obras do homem são as marcas que apresentam um
padrão de localização próprio de cada sociedade, constituindo o espaço do homem, a
organização espacial da sociedade ou, simplesmente, o espaço geográfico, que é construído
e reconstruído de acordo com um jogo de interesses.
Nesse sentido, tem-se que os problemas socioambientais imperam no lugar
enquanto conceito operacional de um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas,
firmas e instituições-cooperação (SANTOS, 1997), enfatizando-se para o lugar em pauta as
seguintes características que permeiam: o desmatamento indiscriminado das matas ciliares
que revestem as planícies fluviais tanto a montante quanto à jusante dos canais fluviais,
ocasionando, consequentemente, a diminuição da biodiversidade local; o manejo
inadequado dos solos e dos recursos hídricos, resultando na aceleração dos processos
erosivos com o consequente adelgaçamento dos solos e, a intensificação do assoreamento
dos riachos, rios e lagoas.
Nesse mesmo contexto, destaca-se o desaparecimento de fontes perenes e
sazonais, em virtude, principalmente, do aterramento desses ambientes com vistas à
expansão urbana e ao desenvolvimento econômico a qualquer custo, fruto da expansão
imobiliária e/ou industrial; aumento do escoamento superficial e da diminuição da
infiltração da água devido aos processos de urbanização e impermeabilização do solo; além
da contaminação e poluição dos corpos hídricos a partir de esgotos industriais e residenciais
que são lançados na natureza sem nenhum tipo de tratamento prévio.
Percebe-se, a partir desses exemplos, que a construção do sentido de lugar implica,
essencialmente em vivência, tendo a dimensão temporal um papel crucial para as relações
do indivíduo com o espaço e, consequentemente, para desenvolver suas identidades. O
tempo confere valores às experiências do vivido, pois a sensação do tempo afeta a sensação
de lugar (TUAN, 1983). Ou seja, o lugar é construído constantemente e é fruto da relação
indissociável entre sociedade e natureza.

Isto implica em compreender o lugar através de nossas necessidades existenciais


quais sejam, localização, posição, mobilidade, interação com os objetos e/ou com
116 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

as pessoas. Identifica-se esta perspectiva com a nossa corporeidade e, a partir dela,


o nosso estar no mundo, no caso, a partir do lugar como espaço de existência e
coexistência. (SUERTEGARAY, 2001, p. 6).

Em síntese, o município de Horizonte, neste contexto, insere-se nas feições da


reestruturação urbana, contidas na (re)produção do espaço metropolitano de Fortaleza,
consolidada e materializada no emprego, na migração, nas moradias e, consequentemente,
nos aspectos sociais, ambientais e espaciais que se (re)formam e se (re)transformam de
acordo com um jogo de interesse que moldam o lugar.

CONCLUSÃO

Ao considerar que o lugar é um construto que deriva de ações indissociáveis entre a


natureza e a sociedade, é notório constatar que o espaço geográfico é concebido por
realidades inseparáveis no tempo e espaço, tendo em vista que o lugar constitui a dimensão
da existência que se manifesta através do cotidiano entre as mais diversas pessoas e
instituições.
Portanto, o lugar se materializa por meio da experiência contínua, egocêntrica e
social do ser humano, perpassando, consequentemente, pelo viés do afetivo, do imaginário,
da vivência e da identidade, e não estando restrito, somente, ao caráter do espaço
cartesiano ou euclidiano, que é representado no mapa.
Nesse sentido, a prática cotidiana dá sentido aos lugares, produzindo no indivíduo o
sentimento de pertencimento, referência e identidade. Por sua vez, constata-se que o lugar
é produto das atividades e das relações dos sujeitos sociais entre si e entre estes e o meio
(sociedade/natureza).
Na perspectiva de contemplar tal assertiva, apresentou-se como exemplo o
município de Horizonte, localizado no estado do Ceará, tendo em vista que neste recorte
espacial foi possível contemplar reveladoras informações sobre a sociedade que nele habita,
dando ênfase na formação histórica, cultural, econômica e ambiental.
À guisa de uma conclusão, corrobora-se que o lugar é uma categoria espacial e que
representa um conceito operacional na Geografia, pois é neste contexto que o homem se
insere como parte integrante da natureza e é neste espaço que ele vive e interage,
desenvolvendo a noção de identidade e de pertencimento através do espaço vivido.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 117

REFERÊNCIAS

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município de Horizonte – Ceará. 131 p. Dissertação (Mestrado), Geografia. Universidade
Estadual do Ceará, Fortaleza, 2012.

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Casa da Geografia de Sobral (RCGS), v. 16, n. 1, p. 9-18, 2014.

CABRAL, L. O. Revisitando as noções de espaço, lugar, paisagem e território, sob uma


perspectiva geográfica. Revista de Ciências Humanas, v. 41, n. 1 e 2, p. 141-155, abr./out.
2007.

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CORRÊA, A. R. L. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1986.

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geografia contemporânea. GEOgraphia, ano v, n. 10, 2003.

LOPES, J. G. As especificidades de análise do espaço, lugar, paisagem e território na


geográfica. Geografia Ensino & Pesquisa, v. 16, n. 2, p. 23-30, maio/ago. 2012.

SANTOS, L. P. O estudo do lugar no ensino de geografia: os espaços cotidianos na geografia


escolar. 158 p. Dissertação (Mestrado), Geografia. Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, Rio Claro, 2010.

SANTOS, M. Natureza do espaço. Técnica e tempo. razão e emoção. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 1997.

_______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São
Paulo: Record, 2000.

SUERTEGARAY, D. M. A. Espaço geográfico uno e múltiplo. Revista Electrónica de Geografía


y Ciencias Sociales, n. 93, p. 1-11, julho, 2001.

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Tradução de Lívia de Oliveira. São
Paulo: DIFEL, 1983.
118 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Capítulo 10

O LUGAR GEOGRÁFICO COMO METÁFORA CONSCIÊNCIA

Luciano Lins14

A Consciência sendo a alma do Ser é a presença que mesmo em estado hipnótico é


a grande observadora que toma as decisões existenciais. Também representa os vários
níveis da realidade que pode ser alcançada pela existência humana. Nos sonhos, a
Consciência aparece como o observador que assiste as peripécias dos personagens oníricos
que estão envolvidos com o drama daquela realidade. Na existência do quotidiano é o
mesmo observador-participante que aprecia os fatos existenciais se desenrolarem como
num palco, no qual os personagens são os atores, o diretor e a plateia.
A Consciência também é o veículo luminoso do Ser Cósmico que se faz invadir
nossas existenciais com ou sem a permissão do Ego. Nos desperta para a realidade pura,
descontaminada de nossa hipnose singular ou coletiva. A única coisa que podemos saber é
que não abemos nada. Esse é o mais alto voo da Consciência. É a grande presença
descontaminada pela mente e suas ilusões. As ilusões são os supostos lugares que ocupamos
e nos identificamos, como sendo o nosso lugar. Daí tem início a toda sorte de divisão e
conflito, no qual demarca a separação entre a humanidade brotada a natureza e a suposta
separação dos humanos com ecologia profunda.
Há um conto judaico que diz que:

[...] Quando Henoc completou sessenta e cinco anos, gerou Matusalém. Henoc
andou com Deus. Depois do nascimento de Matusalém, Henoc viveu trezentos
anos e gerou filhos e filhas. Toda duração da vida de Henoc foi de trezentos e
sessenta e cinco anos. Henoc andou com Deus, depois desapareceu, pois Deus o
arrebatou. (Gn 5,21-24).

Ela chama atenção porque, enquanto a morte dos outros personagens está
registrada neste contexto, Henoc foi arrebatado para um outro lugar, além da morte e da
existência. Isso significa que a Consciência nesse nível não passa mais pela morte e é iniciada

14
Professor Doutor em Ciências da Educação da UPE / Campus Garanhuns, Brasil
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 119

em outro contraponto do oculto. Afinal de contas, a palavra Henoc significa o Iniciado.


Aquela que foi para outra esfera do Divino. Vale ressaltar que 65 é o número relacionado a
Adonai, O Eterno e 300, se refere à letra shim em hebraico, símbolo do todo poderoso.
Essa passagem aponta para a luminosidade radiante que está à espera que tiremos
nossas persianas para que a luz da consciência pode adentrar em nosso Ser. Não precisamos
de esforços externos para o despertar da consciência, precisamos apenas remover os
obstáculos (redes de crenças virtuais), nos quais são os obstáculos que nos deixam na
escuridão de nossa hipnose singular e coletiva, geradora de tanta confusão e violência.
Jiddu Krishnamurti foi um sábio que nasceu na Índia em maio de 1895, foi solicitado
pela condessa Annie Besant para viver em seu castelo na Inglaterra, onde o menino seria
educado para ser o novo instrutor do mundo, segundo a ordem da Teosofia. Chamada
estrela do Oriente. Em 1922, no vale do Ojai, o jovem Krishnamurti encontrou um paraíso
natural e uma felicidade e liberdade entre os jovens americanos. Em agosto do mesmo ano
de 1922, passou por uma profunda experiência espiritual que lhe deu pela primeira vez, a
certeza de sua missão.
Em 3 de agosto de 1926, no acampamento da Estrela, em Ommem, em presença da
Sra. Annie Besant e de uns dois mil membros da Estrela, ele dissolveu a Ordem, que existia
havia dezoito anos. No seu célebre discurso, disse Krishnamurti (1997, p 12): “Eu sustento
que a verdade é uma terra não trilhada e que não a alcançareis por nenhum caminho,
nenhuma religião, nenhuma seita… não quero Seguidores. Digo-o a sério”.
A partir de então, Jiddu Krishnamurti proferiu diversas palestras e participou de
vários encontros, com o único objetivo de dar pistas para a humanidade acessar a
consciência pura (luminosa), por si próprio sem ajudar do outro, pois esse outro também é
um sujeito condicionado pela mente e somente através da observação interna, poderá haver
mudança radical da singularidade, mergulhada na Consciência Cósmica.
Enquanto isso não acontece, buscamos causas e explicações para tudo, como se as
causas e explicações fosse verdadeiras buscas. Assim, continua-se vivendo na falácia de que
as causas e explicações são solução para algum tipo de problema. A divisão, a imposição de
opiniões e a certeza da verdade de cada um, constitui umas mais graves violências
praticadas pela humanidade. Jesus diz que um cego guiando outro cego, levará ambos para
o buraco.
120 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Os grandes Mestres da humanidade passaram pelo nosso planeta para dizer não
suas verdades, mas para despertar o ser dos seus condicionamentos e de sua ignorância.
Metaforicamente os cegos que enxergaram e os aleijados que passaram a andar,
compreenderam e despertaram para a consciência luminosa e percorreram novos caminhos.
Os caminhos são metáforas geográficas, nos quais apontam não para lugares físicas,
mas dimensões mentais da consciência. Este olhar não implica uma negação do lugar físico,
mas, antes, uma ampliação do território da alma, no qual é parte integrante do Ser,
carregando significando estados existenciais, implicando em ordem que aponta para um
sujeito desprovido parcialmente da hipnose e condicionamento coletivo de que a base da
existência emerge da materialidade dos objetos e dos lugares de significação apenas física.
Os símbolos estão presentes nas nossas narrativas sequenciais, oníricas, nos contos,
nas lendas, nos mitos e nas nossas crenças. O ente humano, é sobretudo um ser simbólico
por sua natureza e condição. Nossa capacidade de atribuir significado a tudo, talvez nos
diferencie de outros animais. Os referidos símbolos nos remetem a lugares não-literais, mas
o vislumbramento da consciência, na qual mesmo está inserido num contexto das
localizações, transcende-os, conotando uma qualidade de vigor e fluxo vital.
Porém, vale ressaltar que o campo simbólico faz parte também de saúde física,
mental e espiritual e que perder essa conexão pode deixar o indivíduo e a coletividade um
tanto que sem rumo, fragmentada e caótica. O símbolo nos confere um norte, e a qualidade
de perceber integralmente uma orientação fundamental para que nossa existência se torne
vigorosa e dinâmica. Escreve determinado autor:
Citando o autor da obra Ego e Arquétipo:

Uso a palavra significado de modo particular. Em geral é possível distinguir dois


usos diferentes dessa palavra. Comumente, o termo indica o conhecimento
abstrato e objetivo veiculado por um signo ou representação. Assim, por exemplo,
a palavra “cavalo” significa uma espécie particular de animal quadrúpede; e a luz
vermelha num semáforo significa “pare”. Esses significados são abstratos e
objetivos, veiculados por signos. Todavia, há um outro tipo de significado vivo que
não se refere ao conhecimento abstrato, mas sim a um estado psicológico que
pode iluminar a vida. Refiro-me a ele quando descrevo uma experiência
profundamente tocante como sendo uma experiência significativa. Uma
experiência desse tipo não veicula significado abstrato, ao menos basicamente; ela
traz consigo, na realidade, um significado vivo que carregado de afeto, nos põe em
relação orgânica com a vida como um todo. O significado está na subjetividade.
(EDINGER, 1976, p. 156).
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 121

O simbólico é revestido por significados que confere ao humano não somente


sentido existência, mas uma forma de interpretar o mundo que o cerca. Quanto maior nossa
conexão com outros graus de percepção, maior nossa capacidade de estar pleno. Toda e
qualquer atividade humana é circundada e permeada por significados, embora os
significados possam ser unilaterais ou integrais e integrativos. Não acessamos diretamente a
realidade que é filtrada pela percepção e por outros estados simbólicos, como o mito por
exemplo.
Toda mitologia em funcionamento é uma organização de visões, dessa ordem,
tornadas conhecidas por meio de obras de artes visuais e narrativas verbais
(escritas ou orais) e aplicadas à vida comunal por meio de um calendário de ritos
simbólicos, festas e hábitos, classificações sociais, iniciações pedagógicas e
cerimoniais de investidura, em virtude das quais a comunidade é ela própria,
mitologizada, tornando-se uma metáfora da transcendência, participando com seu
universo na eternidade. Assim, a mitologia é um sistema de controle, por um lado
estruturando a comunidade onde atua dentro de uma ordem intuída da natureza e,
do outro lado, por meio de seus ritos simbólicos e pedagógicos, conduzindo os
indivíduos através de inelutáveis fases Psicopatológicas da transformação de uma
existência humana – nascimento, infância e adolescência, maturidade, velhice e a
liberação da morte – num acordo ininterrupto com as exigências, ao mesmo tempo
deste mundo e o êxtase da participação numa maneira de ser além do tempo.
Essas coisas são realmente os pensamentos de todos os homens em todas as eras e
terras, não se originam em mim, observar-se com relação à linguagem metafórica
da mitologia e metafísica, que seus “mundos” e “deuses” são níveis de referência e
entidades simbólicas que não constituem lugares nem indivíduos, mas estados do
ser perceptíveis em nós uma mitologia é, neste sentido, uma organização de figuras
metafóricas, conotativas de estado de espírito que não são específicas deste, ou
daquele lugar e tempo, não obstante essas figuras, inicialmente, sugerirem tal
localização. (CAMPBELL. 1983. p. 12-13).

Tais significados estão anteriormente codificados no inconsciente coletivo e


ressoam em formações culturais, imbuídas de valores, crenças, rituais de passagens,
formulações de normas e regras que organiza uma sociedade. Essas significações conferem
valor e formas de perceber e interagir com a realidade. Os mitos ancoram os valores que
determinada comunidade confere ao real e à realidade, que se definem pelas formas
estruturadas e inscritas no inconsciente coletivo, cuja forma de leitura perceptual do mundo
é ao mesmo tempo singularizada pelo sentido que se estabelece nesta forma de
compreensão.
Então é possível indagar um lugar para a Alma humana para além dos lugares
indicados pela educação formal e pelos modelos de industrialização. Essa é uma geografia
das metáforas que estão além da objetividade equivocada da percepção individual e
coletiva. Todos os níveis estruturais do Arquétipo humano têm sua importância e função
122 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

para se desenvolver, evoluir e se manifestar durante a jornada da alma no mundo


existencial. Saúde implica no equilíbrio e nas conexões de todos os níveis sob a coordenação
da Realidade Única. Uma educação de qualidade pode auxiliar a subir gradativamente a
Escada de Jacó, no qual implica em outros lugares dimensionalmente metafóricos, no qual a
simples formação acadêmica é insuficiente e, na maioria das vezes, completamente inútil.
A mente, diferentemente da consciência, é o lugar ocupado pelo sujeito dentro dos
alicerces pedagogicamente aceitos e induzidos, nos quais vamos percorrer caminhos de
referências, os quais impulsionam o indivíduo e a sociedade para os condicionamentos
hipnóticos delineados pela política enquanto conjunto e ações pautadas em interesses
extremamente individualistas e ilusórios, mas aparentemente sedutores por oferecer
facilidades imediatistas, mas que no final de contas, constituem um poderoso ópio que
deixam sequelas e efeitos colaterais para todos.
Diz um autor: “Crer é ver” (DYER, 2007), comenta outro estudioso: “Como você se
sente não é o resultado do que está acontecendo em sua vida – é a sua interpretação do que
está acontecendo” (ROBINS, 1987). Nada tem significado algum, exceto o que nós lhe
atribuímos. Tudo isso é atribuição da mente ou da nossa rede virtual de crenças e que tem
um grande poder de afetação e construção do que chamamos de realidade. Aquilo que você
acreditar como verdadeiro, formará o contexto no qual você e eu, estamos inseridos. No
entanto, como função da Consciência, não nos diz de coisa alguma, a não ser como
indicadores conhecidos, distorcidos pela natureza vital.
Podemos dizer que a mente funciona como um sensor e sentido poderosíssimo que
perpassa tanto pela percepção de mundo como no modo de organização funcional do
organismo como um todo. No seu livro O Universo Holográfico, o autor Michael Talbot
(1991), cita Bernie S. Siegel, cirurgião de Yale e autor do livro Amor, Medicina e Milagres,
afirma que “Somos viciados em nossas crenças e agimos como viciados quando alguém
tentar arrancar de nós o poderoso ópio de nossos dogmas”. Portanto, criamos a realidade
baseada em nossas crenças e nos nossos dogmas. A Consciência Desperta representada pela
figura arquetípica de Buda, representa uma radical mudança na qualidade da percepção,
cujo vetor principal é a possibilidade de enxergar a realidade para além de todas as crenças.
O dilema reside em continuar ou não na incerteza em busca do além-lugar ou continuar
emergido no ponto sombrio dos conflitos vividos pela divisão, na qual nos rouba a vitalidade.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 123

Todavia, não podemos nos esquecer de que a Mente é o espelho que reflete outros
níveis da realidade do Ser. A mente é o Ser alienado ou hipnotizado aos campos mórficos de
sua espécie. O que chamamos de evolução é o despertar para a consciência desses padrões
e libertar a Consciência para o Ser Cósmico. No entanto, vale ponderarmos que a Mente não
é mentirosa. Ela capta dentro de suas possibilidades o seu contexto, no qual a realidade é
percebida e filtrada para esse nível de sobrevivência. E que a autenticidade faz parte do
movimento mental e que suas várias facetas e papéis estão sincronizadas neste contexto das
várias potencialidades que estão espelhadas no campo mental. Somos vários de acordo com
o contexto vivido e nem por isso somos faltos ou singularidades esquizofrenizadas. O
problema apenas consiste quando nos identificamos com uns poucos personagens
colapsados e nos tornamos divididos, gerando o conflito, que é a base do sofrimento.
A Alma busca outros significados através de mitos, contos, lendas, sonhos e mesmo
as experiências do quotidiano passam a ser metáforas para outro nível de compreensão e
realização. Aqui compreendemos os personagens criados no nível do ego como programas
que tolhem a liberdade da alma humana. Com a Consciência Desperta somos livres e
responsáveis pelas nossas ações.
A geografia da Consciência também pode ser metaforizada com os seus supostos
lugares anatômicos espirituais, no qual o sujeito forma um todo integrado, capaz de
transitar pela ordem da natureza, revisto com uma boa dosagem do caos.

ANATOMIA DA ALMA

Configuração morfogênica
E me farão um santuário,
E morarei entre eles.
(ÊXODO, 25:8)

Nível anatomofisiológico

O nível anatomofisiológico se refere à construção da forma humana, que desde a


formação a constituição unicelular, diversidade celular, organização do nível biomolecular,
formação dos tecidos e órgãos. Acrescentamos o nível bioquântico, tão caro ao biológico e
124 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

pesquisador Rupert Sheldrake, que estudou durante anos os campos mórficos, campos
magnéticos invisíveis, que criam e reproduzem as formas vivas.
A organização da forma humana não é de modo algum aleatória, existe uma ordem
subatômica, que organiza cada célula, cada tecido e cada órgão para os seus devidos lugares
específicos. A confecção da forma humana é programada por diversos fatores visíveis e
invisíveis, que não pode ser comparado a uma máquina fria como dizem alguns cientistas. As
redes causais estão entrelaçadas com as redes acausais, formando uma grande unidade.
Cérebro, coração, fígado, pâncreas, intestino, braços pernas e demais órgãos e glândulas,
estão maravilhosamente sincronizadas pelo poder criador.

Nível emocional

Felicidade, alegria, amor, ou qualquer outra coisa


É o resultado direto de como você se comunica
Consigo mesmo.
(ROBBINS, 1987).

O campo emocional está evidentemente tanto situado no hipocampo, como faz


conexão a percepção interna, fisiológica, com a percepção externa que vem do ambiente e é
representado pela mente humana. As emoções são os temperos que nos dão a qualidade do
humor e ajuda a programar o significado que atribuímos a nós, ao outro e ao mundo.
Estamos tratando de conexões causais e acausais que estão vinculadas ao nível
anatomofisiológico, vinculando a mente, na qual produz crenças e significados. O amor, a
raiva, a inveja, a compaixão, a indiferença, a alegria, a tristeza, o êxtase e outros estados
emocionais como qualidade peculiar, nas quais fornecem vigor a existência. Colocamos
também as diversas sensações, como calor, pressão, vibrações sonoras, propriocepção,
percepção visual, dor, desejo, impulsos, e tantas outras, no mesmo campo do emocional,
pois elas também a qualidade de modificar nossa condição existencial num determinado
momento.

Nível mental

Nada tem significado algum, exceto


Aquele que nós lhe damos
(ROBBINS, 1987)
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 125

Como você se sente não é o resultado


Do que está acontecendo em sua vida.
é a sua interpretação do que está acontecendo.
(ROBBINS, 1987)

O nível mental está diretamente vinculado as representações que fazemos de nós


mesmos e do ambiente que nos cerca. Essas representações vêm tanto do dos padrões
psicofisiológicos, de padrões afetivos, dos padrões que são representados pelo ambiente e
dos metaprogramas que acontecem em um nível submental e que não está nem relacionado
com padrões psicofisiológicos nem representações do ambiente. Estamos no nascedouro da
percepção, que estão intimamente com nossa fisiologia emocional, psicologia e formas de
representações sociais. Esse processo acontece simultaneamente num verdadeiro enlace
cibernético e sinergético.
Nada tem significado algum, exceto o que nós lhe atribuímos. Tudo isso é atribuição
da mente ou da nossa rede virtual de crenças e que tem um grande poder de afetação e
construção do que chamamos de realidade. Aquilo que você acreditar como verdadeiro,
formará o contexto no qual você e eu, estamos inseridos.
Podemos dizer que a mente funciona como um sensor e sentido poderosíssimo que
perpassa tanto pela percepção de mundo como no modo de organização funcional do
organismo como um todo. No seu livro O Universo Holográfico, o autor Michael Talbot
(1991), cita Bernie S. Siegel, cirurgião de Yale e autor do livro Amor, Medicina e Milagres,
afirma que “Somos viciados em nossas crenças e agimos como viciados quando alguém
tentar arrancar de nós o poderoso ópio de nossos dogmas”. Portanto, criamos a realidade
baseada em nossas crenças e nos nossos dogmas. A Consciência Desperta representada pela
figura arquetípica de Buda, representa uma radical mudança na qualidade da percepção,
cujo vetor principal é a possibilidade de enxergar a realidade para além de todas as crenças.
No budismo a mente é chamada de Maya, a deusa da ilusão que faz da crença um
poderoso hipnótico na formação do contexto (singular, familiar, social e cultural). Os
especialistas em programação neurolinguística sabem muito bem como a mente funciona e
como reprogramá-la.
Todavia, não podemos esquecer que a Mente é o espelho que reflete outros níveis
da realidade do Ser. A mente é o Ser alienado ou hipnotizado aos campos mórficos de sua
espécie. O que chamamos de evolução é o despertar para a consciência desses padrões e
126 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

libertar a Consciência para o Ser Cósmico. No entanto, vale ponderarmos que a Mente não é
mentirosa. Ela capta dentro de suas possibilidades o seu contexto, no qual a realidade é
percebida e filtrada para esse nível de sobrevivência. E que a autenticidade faz parte do
movimento mental e que suas várias facetas e papéis estão sincronizadas neste contexto das
várias potencialidades que estão espelhadas no campo mental. Somos vários de acordo com
o contexto vivido e nem por isso somos faltos ou singularidades esquizofrenizadas. O
problema apenas consiste quando nos identificamos com uns poucos personagens
colapsados e nos tornamos divididos, gerando o conflito, que é a base do sofrimento.

PLANO EXISTENCIAL

Consciência: A consciência é o “cérebro e o coração” da Alma. É o plano e propósito de todas


as nossas realizações em diferentes graus.

O EGO E SUAS REALIZAÇÕES

O Ego, como processo evolutivo, é o vaso para todas as realizações e o primeiro


degrau na escada de Jacó. O Ego busca a sobrevivência física, psicológica e social. Além do
mais, o sucesso é seu propósito que se realiza neste nível. Não há problema nenhum em se
buscar dinheiro para se obter o conforto e uma existência equilibrada. Cada sujeito busca, a
partir de suas vocações e tendências, uma vida de abundância é prosperidade.
O grande desfio é a percepção que tende ao narcisismo, prosperar sem explorar o
outro ou mesmo acreditar que se está isolado e somente aquele indivíduo tem necessidades
de realização para o sucesso. Quando isso ocorre, dizemos que o desequilíbrio gera
compulsão e repressão. A busca pelo sucesso deixa de ser um meio para se evoluir para ser
um fim em si mesmo. Então é criado todo tipo de distorção, gerando violência e uma eterna
insatisfação, pois o propósito fica reprimido. Assim, vários ídolos são fabricados por conta da
compulsão do Ego. Dinheiro, poder, fama, culto a aparência e tantas outras situações, que
criam os mais diversos de tipos de patologias.
Os padrões de crenças, são características do Ego que conferem sentido existencial
parcial, posto que as crenças desempenham papel importante na significação do sujeito em
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 127

relação a sim e ao ambiente. Podemos ter as crenças de efeito placebo, que criam condições
favoráveis para a boa qualidade de vida e objetivos positivos para serem alcançados, assim
como as crenças de efeito nocebo, que criam condições desfavoráveis de sobrevivência e as
realizações para o sucesso. No entanto, os significados podem ser alterados pelo sujeito para
mudar suas condições existenciais.

PLANO SIMBÓLICO

A mitologia reflete os vários processos psicológicos e espirituais que se desenrolam


na psique humana.
(JOHNSON, 1988).

Por que tagarelas tanto a respeito de Deus?


Tudo o que dizeis de Deus é falso. A verdade
Nunca foi pregada por Cristo, Buda ou quem
Quer que seja, porque temos de descobri-la
Dentro de nós mesmos.
(LAO-TSE, 2009).

O SI-MESMO

O Si-Mesmo é o campo ou grau da Consciência que tem a capacidade de enxergar a


si mesma, tendo a qualidade de mudar as programações do Ego, tornando-se livre para
decidir com responsabilidade. O Si-Mesmo se manifesta a partir de metáforas e símbolos
que o qualifica a ampliar o campo de percepção. Podemos mesmo falar numa
supraconsciência com qualificações para despertar a Alma para sua interioridade,
independente do sistema de crenças do ego.
Enquanto o Ego busca normalmente o sucesso, o Si-Mesmo, além de perceber os
limites dessa busca, começa a compreender que o próprio sucesso é um meio para outros
fins e as possíveis obsessões perdem o vigor indevido e o sentido que o acompanha.
A Alma busca outros significados através de mitos, contos, lendas, sonhos e mesmo
as experiências do quotidiano passam a ser metáforas para outro nível de compreensão e
realização. Aqui compreendemos os personagens criados no nível do ego como programas
que tolhem a liberdade da alma humana. Com a Consciência Desperta somos livres e
responsáveis pelas nossas ações.
128 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

PLANO CÓSMICO
O universo não tem preferências,
Todas as coisas lhe são iguais.
Assim, o sábio não conhece preferências,
Como os homens as conhecem.
O universo é como um fole de uma forja,
Que, embora vazio, fornece força,
E tanto mais alimenta a chama quanto mais
O acionamos.
Quanto mais falamos do universo,
Menos o compreendemos.
O melhor é auscultá-lo em silêncio.
(LAO-TSÉ, 2009)

Morremos e não morremos


(SHUNRRYU SUZUKI, 2005)

ANOCHI

A palavra Anochi em hebraico, significa “Eu Sou”, e não é uma referência a


individualidade, muito menos ao Ego. Mas se refere à Realidade Única, a Unidade
indissolúvel do universo, que habita todos nós. Todos os seres vivos fazem parte da Grande
Realidade, mas estamos limitados pelos nossos filtros perceptivos e nossa forma existencial.
Porém, não significa que o mundo das formas não é influenciado pela Realidade Única.
Muito pelo contrário, acontece muitas situações em nossas existências, nas quais não
compreendemos, apenas intuímos. O processo da Experiência Mística ou Iluminação dá a
convicção aos que experimentaram da unidade indissolúvel do Universo e esse novo
significado muda radicalmente suas vidas, sua relação como o semelhante, com resto da
natureza e com o universo. Essa é, para nossa concepção, a verdadeira meditação. As
experiências de quase morte também pode ter essa qualidade existencial, assim como como
outras experiências inusitadas.
O termo Cósmico é referido pelo percepção e consciência, de não ser o sujeito que
modifique sua realidade, mas, que é a Realidade Única que transforma o sujeito e sua
percepção.
O que importa é o grau de significado que se atribui a esse tipo de experiência do
Eu Sou (na Bíblia, Sou o que Sou, uma referência a Realidade Única). Não importa o que
esteja lá, mas seu significado revolucionário carregado com convicções inabaláveis. E ao
contrário do nível do Ego, (o grau de certeza pode ser perfeitamente abalado e modificado,
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 129

além do discurso de que outro tem que seguir o mesmo caminho encontrado pelo
indivíduo), o grau de Anochi, além de configurar convicções inabaláveis, o sujeito que
experimenta esse portal, não tem qualquer necessidade de convencer o outro a acreditar na
sua experienciação nem seguir algum tipo de orientação.
Chamamos, então, Realidade ou Grande Realidade, A Unidade de todas as coisas e
que formam a base de tudo o que existe. A Realidade não tem forma, no entanto, todas as
formas são criadas a partir dela. Os minerais, as plantas, os humanos, os Budas, os Crísticos,
são obras da Realidade única. A Grande Realidade permeia tudo, mas não está identificado
como nada. Os seres humanos estão mergulhados no grande oceano da Realidade, porém
são limitados pela forma na qual estão configurados.

AINSOF

Tao é a fonte do profundo silêncio.


Que o uso jamais desgasta.
É como uma vacuidade,
Origem de todas as plenitudes do mundo.
Desafia as inteligências aguçadas.
Desfaz as coisas emaranhadas,
Funde, em uma só, todas as cores,
Unifica todas as diversidades.
Tao é a fonte do profundo silêncio.
Atua pelo não agir.
Ninguém lhe conhece a origem,
Mas é o gerador de todos os deuses.
(LAO-TSÉ, 2009)

A palavra Ainsof em hebraico que dizer, “O Nada Infinito, Luiz Infinita, O Ilimitado”.
De forma mágica a palavra transliterada para nada no hebraico é Ain, e podemos entender
como a fase oculta, da qual não temos registros sociais e simbólicos, por isso mesmo
tememos o que para nós é desconhecido, a palavra Ani, composta pelas mesmas letras,
forma a palavra Eu, a face manifesta, na qual podemos acessar pela simbologia ou
experiência direta.
Ainsof (O Nada Infinito) cria a Realidade Única, que produz toda a diversidade da
criação. A palavra nada tem basicamente dois significados diversos. O primeiro diz respeito
ao nada niilista, que implica numa cessação da vida e de suas possibilidades de nada existir
além do plano materialmente percebido. Esse é campo da ciência predominante. A outra
130 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

maneira de significar o nada é não poder atribuir valores de referências em relação ao que
podemos atribuir significados nem registros simbólicos, que nos faça viver tal experiência.
Na minha juventude tive um sonho com um amigo que falecera. Perguntei algumas
vezes como é a vida depois da morte, e depois de alguma insistência, obtive como resposta,
que não poderia nada ser me dito a respeito, pois eu fazia parte do mundo dos vivos, e ainda
para resolver a questão, meu amigo, me disse que mesmo se me dissesse, eu não
compreenderia nada. Sinto isso como uma informação altamente preciosa. Temos um limite
de compreensão e nada podemos entender além desse limite, então criamos as mais
diversas representações ou ídolos para explicar o que estão fora do alcance da compreensão
humana. Ani é a face na qual podemos acessar por meios de experiências, simbologias e
metáforas. Mas isso é tudo. O resto faz parte de nossas pretensões e até mesmo arrogância.

REFERÊNCIAS

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ÊXODO. A Bíblia. Tradução de João de Almeida Ferreira. São Paulo: Geográfica, 1984.
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KRISHNAMURTI, J. A rede do pensamento. São Paulo: Cultrix, 1997.

LINS, L. da F. O mito do significado. Olinda: Livrorápido, 2008.

______. A religiosidade como caminho na busca da consciência integral. Olinda:


Livrorápido, 2008.

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MALACHI, Tau. Cristo cósmico. São Paulo: Pensamento.

OUSPENSKY, P. D. Psicologia da evolução possível ao homem. São Paulo: Pensamento,


2000.

ROBIINS, A. Poder sem limites. São Paulo: Best Seller, 1987.


A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 131

Capítulo 11

PESQUISAS SOBRE PERFIS LONGITUDINAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO:


ESTADO DA ARTE E PERSPECTIVAS FUTURAS

Maurício Costa Goldfarb15

Na paisagem do rio, difícil é saber onde começa o rio;


onde a lama começa do rio;
onde a terra começa da lama;
onde o homem, onde a pele começa da lama;
onde começa o homem naquele homem.
(JOÃO CABRAL DE MELO NETO, 1950)

INTRODUÇÃO

O perfil longitudinal de um rio consiste na representação gráfica, no plano


cartesiano, da relação entre comprimento, no eixo das abcissas, e altura do leito, no eixo das
ordenadas, desde a nascente até a foz ou ponto de confluência. Conforme Guedes (2006),
complementado por Silva et al. (2016), diversos autores têm realizado pesquisas sobre
determinação e análise de perfis longitudinais, a exemplo dos trabalhos desenvolvidos na
bacia hidrográfica do rio do Peixe por Etchebehere e Saad (1999); na região amazônica por
Rodriguez e Suguio (1992); na bacia do rio Santo Anastácio por Santoni et al. (2004).
Inclusive em bacias do Estado de Pernambuco, a exemplo dos trabalhos de Souza et al.
(2011) e Melo e Goldfarb (2012), na bacia do rio Una; os trabalhos de Miranda e Goldfarb
(2014), na bacia do rio Mundaú; e os de Silva et al. (2016), na bacia do rio Capibaribe.
As aplicações de pesquisas sobre perfis longitudinais compreendem questões de
navegação fluvial, estudos para localização de barramentos, investigações no campo das
geociências denominado neotectônica, pesquisas sobre transporte de sedimentos, avaliação
de risco de enchente, entre outros. Dessa forma, a análise do perfil longitudinal de um rio,

15
Professor Doutor em Engenharia Mecânica do UPE / Campus Garanhuns, Brasil
132 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

especialmente quando associada a demais elementos da hidrologia e geomorfologia, pode


ser uma importante ferramenta para estudos de uma bacia hidrográfica.
Este texto busca apresentar, de forma resumida, pesquisas sobre determinação e
análise de perfis longitudinais de unidades hidrográficas do Estado de Pernambuco; estudos
desenvolvidos, em nível de iniciação científica, pelo Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos
Socioambientais do Agreste Meridional, da Universidade de Pernambuco, campus
Garanhuns. Nesse sentido, são apresentados especificamente os trabalhos de Souza et al.
(2011) e Melo e Goldfarb (2012), na bacia do rio Una; Miranda e Goldfarb (2014), na bacia
do rio Mundaú; e Silva et al. (2016), na bacia do rio Capibaribe. A partir da reflexão sobre
esses trabalhos, busca-se ainda apresentar questionamentos sobre pesquisas futuras
envolvendo perfis longitudinais a ser desenvolvidas neste grupo de pesquisa.

 DETERMINAÇÃO E ANÁLISE DE PERFIS LONGITUDINAIS

Para determinação de perfis longitudinais de unidades hidrográficas faz-se


necessária a obtenção de dados referentes às coordenadas cartesianas do leito do rio,
(comprimento, altura), desde a nascente até a foz ou ponto de confluência com outro rio.
Esses dados podem ser obtidos de forma direta, ou seja, a partir de um levantamento
altimétrico do seu leito; ou, de forma mais rápida e econômica, a partir de meios indiretos
como as cartas topográficas, fazendo-se a leitura das curvas de nível e, mais recentemente,
por técnicas de geoprocessamento com utilização de diversos softwares a exemplo do
Google Earth®.
A análise do perfil longitudinal de um rio, quando aliada a outros fatores
morfológicos da bacia, possibilita importante conhecimento para tomada de decisão no que
se refere à gestão da bacia hidrográfica; entre outros, por permitir a detecção da presença
de anomalias de drenagem no percurso do rio. Pesquisadores como Hack (1973),
Christofoletti (1980) e Snow e Slingerland (1987), ao discorrerem sobre anomalias de
drenagem, observam que um perfil em equilíbrio fluvial tem característica de curva côncava
suave, com declividades que diminuem de montante para jusante. Observam ainda que um
mesmo rio pode conter trechos em equilíbrio e trechos em desajuste fluvial e, ainda, que os
desajustes ocorrem quando o leito do rio está acima de uma cota do perfil idealizado,
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 133

caracterizando zona de soerguimento, ou abaixo, em zonas de subsidência. A Figura 1 ilustra


perfis longitudinais em equilíbrio (a) e em desajuste (b), com trechos em soerguimento e
subsidência.

Figura 1: Perfis longitudinais

Fonte: Do autor.

De forma geral, conforme observado por Silva (2016), diversos elementos podem
contribuir para formação de anomalias de drenagem, a exemplo da composição geológica,
de movimentos neotectônicos, da confluência com rios tributários, e até elementos
antrópicos que alterem a condição natural de transporte de sedimentos como a presença de
barragens ou o desmatamento ciliar.
Para detecção e classificação de anomalias de drenagem a partir da análise de perfis
longitudinais, Hack (1973) estabeleceu o índice denominado RDE (Relação de Declividade vs
extensão) também chamado de Índice de Gradiente do Rio (Stream – Gradient Índex) ou
simplesmente SL (Slope vs Lenght), referindo-se à relação entre a declividade do rio e a
distância do mesmo à nascente. Este índice pode ainda ser calculado por trecho, RDEs, ou
total, RDEt, conforme as equações seguintes:

RDE trecho = (△H / △L) . L (1)

RDE total = (△H / Ln(n)) (2)

Onde: △H é a diferença altimétrica do trecho calculado, △L é a projeção horizontal da


extensão do referido segmento, L é a extensão acumulada do rio até o ponto final do trecho
onde o índice RDE está sendo calculado. Ln(n) é o logaritmo natural da extensão total do
canal.
134 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Conforme sugerido por Etchebehere (1999), também usado por Melo et al. (2009),
os trabalhos apresentados neste artigo consideraram os valores seguintes da razão entre
RDE trecho/RDE total, para detecção de anomalias de drenagem: no intervalo 0 a 2 –
equilibrado, ou seja, inexistência de anomalias de drenagem, de 2 a 10 – anomalias de
segunda ordem e, os valores de RDE acima de 10 correspondem à anomalias de primeira
ordem, ou seja, as mais severas.

 TRABALHOS DESENVOLVIDOS

Os trabalhos apresentados a seguir foram desenvolvidos em pesquisas de Iniciação


Científica de alunos da Universidade de Pernambuco, campus Garanhuns, vinculados ao
Grupo de Pesquisa Núcleo de Estudos Socioambientais do Agreste Meridional. São eles:
Souza et al. (2011) e Melo e Goldfarb (2012) na bacia do rio Una; Miranda e Goldfarb (2014)
na bacia do rio Mundaú, e Silva et al. (2016) na bacia do rio Capibaribe.

 O rio Una

Conforme APAC (2013), bacia hidrográfica do rio Una é considerada uma das mais
importantes do Estado de Pernambuco apresentando uma área de aproximadamente
6.740,31 km². O curso principal do rio una tem uma extensão de aproximadamente 271
quilômetros, tendo sua nascente no município de Capoeiras mostrando-se intermitente até
o município de Altinho onde torna-se perene desembocando no mar em Várzea do Una,
distrito de São José da Coroa Grande.
No trabalho apresentado por Melo e Goldfarb (2012), o perfil longitudinal do rio
Una foi construído com uso do curvímetro para determinação do comprimento do canal
principal. As altitudes foram obtidas pelos cruzamentos com as curvas de nível, ou por
processo de interpolação, em cartas topográficas da Superintendência do Desenvolvimento
do Nordeste (SUDENE) e do Ministério do Exército (Diretoria de Engenharia e
Comunicações), na escala de 1:100.000.
De forma alternativa, Souza et al. (2011) obtêm o perfil do Una sem uso de cartas
topográficas, com ferramentas do software Google Earth®. Para tanto, foi necessária uma
visão geral do percurso do rio Una desde sua nascente, em Serra da Boa Vista, município de
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 135

Capoeiras, de todos os demais municípios transpostos, até a sua foz, em Várzea do Una,
município de São José da Coroa Grande. A figura compreendeu uma área de
aproximadamente 27.550 km², aprestada em escala de 1:100.000.
O trabalho de Melo e Goldfarb (2012) foi importante, além da determinação e
análise do perfil do Una, por indicar a validação da construção do perfil longitudinal através
do Google Earth®, conforme feito por Souza et al. (2011). Para tanto, os perfis obtidos pelos
dois pesquisadores apresentaram grande semelhança em comparação feita posteriormente.
A Figura 2, apresentada a seguir, apresenta o perfil do Una.

Figura 2: Perfil longitudinal do rio Una

Fonte: Souza et al., 2011.

Com relação à análise do índice RDE, tanto Souza et al. (2011) como Melo e
Goldfarb (2012) observaram que a maior parte do rio Una apresenta anomalias de drenagem
de primeira e segunda ordens, associadas a trechos de subsidência e soerguimento,
especialmente no percurso que compreende a passagem do médio para o baixo curso do rio.
Essas anomalias estão, nesse sentido, principalmente associadas à geologia da Zona de
Cisalhamento de Pernambuco, ZCPE, relacionada à porção leste da Formação Borborema no
Estado de Pernambuco.

 Rio Mundaú

O rio Mundaú, com nascente no município de Garanhuns, banha os Estados de


Pernambuco e Alagoas. Possui uma extensão de aproximadamente 172 km. Sua bacia
136 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

apresenta uma área de aproximadamente 4.090 km², dos quais, 2.154 km² inseridos no
Estado de Pernambuco. Conforme APAC (2013), a área de drenagem do Mundaú em
Pernambuco envolve 15 municípios, sendo quatro inseridos em sua totalidade: Angelim,
Correntes, Palmeirina e São João. E onze parcialmente: Brejão, Calçado, Capoeiras, Caetés,
Canhotinho, Garanhuns, Jucati, Jurema, Jupi, Lagoa do Ouro e Lajedo.
Para construção do Perfil Longitudinal, Miranda e Goldfarb (2014) citam Amaral e
Rosalen (2009), que observam que o software Google Earth® é mais exato e preciso que o
GPS e o eclímetro na determinação da declividade. Nesse sentido, assim como Souza et al.
(2011) constroem o perfil a partir de ferramentas disponíveis no Google Earth®. O resultado
obtido por esses pesquisadores é apresentado na Figura 3.

Figura 3: Perfil longitudinal do rio Mundaú

Fonte: Miranda e Goldfarb, 2014.

Para aplicação do índice RDE, Miranda e Goldfarb (2014) dividem o curso principal
do rio Mundaú em 45 trechos de aproximadamente 3,89 km cada, e calculam o RDE por
trecho. Segundo os autores, a maior parte do rio Mundaú apresenta anomalias de drenagem
de primeira ordem; existindo também trechos com anomalias de drenagem de segunda
ordem. Observam ainda que essas anomalias podem estar associadas a movimentos
neotectônicos assim como ao transporte de sedimentos, relacionado por sua vez, a fatores
antrópicos que devem ainda ser pesquisados.
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 137

Para análise de trechos em soerguimento e subsidência, esses autores utilizam


como referência um ajuste linear em uma escala não logarítmica no eixo das abcissas,
conforme apresentado na figura anterior. Isso ocasiona dessa forma um erro para análise da
localização dos trechos em soerguimento e subsidência, apesar da correta determinação do
Perfil Longitudinal e sua análise com o índice RDE.

 Rio Capibaribe

Silva et al. (2016) ressaltam a importância do Capibaribe, inclusive para o


abastecimento de água da população pernambucana. Citando APAC (2014), observam que o
curso principal tem regime fluvial intermitente no alto e médio curso; tornando-se perene a
partir do município de Limoeiro, já no seu baixo curso. Da sua nascente, situada entre os
municípios de Poção e Jataúba, até sua foz, no município de Recife, o rio tem extensão total
de aproximadamente 290 km e transpõe 42 municípios.
Para determinação do perfil longitudinal, a partir do software Google Earth®, Silva
et al. (2016) dividem o percurso total do rio em trechos de 4 km, com exceção do último
trecho com 4,9 km. Dessa forma, o gráfico do perfil longitudinal do rio Capibaribe foi
construído com dados de comprimento e altitude de 75 pontos ou pares ordenados. A Figura
4 apresenta o perfil longitudinal do rio Capibaribe.

Figura 4: Perfil longitudinal do rio Capibaribe

Fonte: Silva et al., 2016.


138 - Maria Betânia Moreira Amador e Sandra Medina Benini (Orgs.)

Apesar de não apresentar a linha de melhor ajuste para determinação de trechos de


subsidência e soerguimento, Silva et al. (2016) aplicam o índice RDE e comparam os seus
resultados com os valores de referência apresentados por Etchebehere (2000 apud Melo et
al., 2009). A partir desta análise, observam que o rio Capibaribe possui 36 trechos em
equilíbrio, correspondendo a aproximadamente 49% do seu percurso total; 35 trechos com
anomalias de segunda ordem, relacionados a 47%; e apenas 3 trechos com anomalias de
primeira ordem, ou seja, aproximadamente 4% do percurso total.
Finalmente, Silva et al. (2016) observam que tais anomalias podem estar associadas
a movimentos neotectônicos, resistência do substrato rochoso, confluência com rios
tributários, ou, ainda, a alterações do regime de transporte de sedimentos, relacionadas por
sua vez a fatores antrópicos como desmatamento da mata ciliar, barramentos no curso do
rio, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os trabalhos aqui apresentados, assim como, principalmente, a literatura sobre o


tema, permitem prognósticos sobre tendências na forma de determinação, de análise e
ainda de aplicação dos estudos relacionados a perfis longitudinais de unidades hidrográficas.
Sobre a determinação de perfis longitudinais, a semelhança entre os resultados
obtidos por Souza et al. (2011) e Melo e Goldfarb (2012), justificam a tendência do uso de
técnicas de geoprocessamento com utilização de diversos softwares a exemplo do Google
Earth®. Nesse sentido, Souza et al. (2011) apresentam os resultados de Amaral e Rosalen
(2009) que concluem que o software Google Earth® pode ser mais exato e preciso que o GPS
e eclímetro para determinação de declividade do terreno, entre outras aplicações. Um
desafio que deve ainda ser levado em consideração ocorre pela forma de apresentação da
imagem de um mesmo rio que pode ser feita pela composição de várias imagens através do
Google Earth®. Essa composição, na forma de mosaico, pode ocasionar níveis de precisão
distintos em diferentes trechos do rio analisados, comprometendo a precisão do perfil
construído.
Sobre a análise de perfis longitudinais, já existem pesquisas no sentido de utilização
de métodos alternativos ao índice RDE; ou seja, que, de forma idealizada, represente melhor
A complexidade do “lugar” e do “não lugar” numa abordagem geográfico-ambiental - 139

que a curva logarítmica um perfil longitudinal equilibrado. A curva relacionada à equação


braquistócrona, que descreve a trajetória mais rápida de uma partícula sujeita à ação da
gravidade, entre dois pontos contidos em um mesmo plano vertical, entre outras, pode ser
uma possibilidade nesse sentido.
Com relação às aplicações dos estudos sobre perfis longitudinais, estes variam de
questões mais práticas, como os primeiros estudos destinados a questões de navegação
fluvial ou para localização de barramentos, até investigações no campo das ciências puras,
como é caso da neotectônica, campo das geociências relacionado à teoria das placas.
Pesquisas sobre questões ambientais também têm sido um importante campo para
aplicação dos perfis, a exemplo de estudos sobre transporte de sedimentos, avaliação de
risco de enchente, entre outros. Com a facilidade advinda das técnicas de
geoprocessamento, inclusive com melhora da precisão das imagens disponíveis, é natural
que cada vez mais estudos se utilizem de análises de perfis longitudinais de unidades
hidrográficas.

REFERÊNCIAS

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