Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro de Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
(excerto)
Linhas de Leitura
Importância do título
A palavra ode, de origem grega, significa cântico laudatório ou de exaltação de uma pessoa,
instituição ou acontecimento. Com o epíteto de Triunfal, pretendeu o poeta não só vincar, mas
também hiperbolizar o significado de ode, apontando para qualquer coisa de grandioso, não
apenas no conteúdo, mas também na forma, imprimindo-lhe uma sugestão de força ou
exagero, em nítida coerência com a estética do Futurismo / Sensacionismo.
Assunto
Sob influência de Marinetti e Walt Whitman, a Ode Triunfal canta o triunfo da técnica, as
máquinas, os motores, a velocidade, a civilização mecânica e industrial, o comércio, os
escândalos da contemporaneidade... Sentir tudo de todas as maneiras é o ideal
esfuziantemente revelado pelo sujeito poético, sentir tudo numa histeria de sensações, que
lhe permitam identificar-se com as coisas mais aberrantes («Ah, poder exprimir-me todo como
um motor se exprime!/ Ser completo como uma máquina!»).
Desenvolvimento do assunto
A exaltação da civilização moderna
A fábrica aparece então como motivo inspirador para a homenagem a esta civilização
moderna, que submerge o eu poético, nevrótico e fragilizado («tenho febre»; «fúria fora e
dentro de mim», «meus nervos», «arde-me a cabeça»). É este universo de «lâmpadas
eléctricas», «rodas», «engrenagens», «máquinas», «correias de transmissão», «êmbolos» e
«volantes» que o faz sentir-se simultaneamente incomodado e atraído pela ruidosa dinâmica
dos «maquinismos em fúria».
Estabelecendo com esta «flora estupenda, negra, artificial e insaciável» uma ligação eufórica e
exaltada, o sujeito poético deixa-se seduzir vertiginosamente por um excesso de sensações
que mal tem tempo de fixar na sua «mente turbulenta e encandescida». Sente-se arrebatado
por um universo, onde a velocidade, a força e o progresso têm expressão e, por isso, confessa:
«Nem sei se existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me. / Eia! sou o calor mecânico e a
electricidade!». A violência de sensações fá-lo desejar «ser toda a gente e toda a parte» e
limitar a si próprio e ao gozo do instante qualquer noção de temporalidade («O Momento
estridentemente ruidoso e mecânico....»).
A temporalidade unificada
Esta visão excessiva e intensa do real provoca no sujeito poético um estado de quase
alucinação, marcadamente sensual: «Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só
carícia à alma.»; «Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,/ Rasgar-me todo,
abrir-me completamente...»; «Amo-vos carnivoramente,/ Pervertidamente...»; «Possuo-vos
como a uma mulher bela...». Esta paixão quase erótica pelas máquinas e este entusiasmo pela
civilização moderna assume aspectos de um certo masoquismo sádico, que inspira no sujeito
poético sensações novas e violentas, experimentadas até ao histerismo: «Atirem-me para
dentro das fornalhas! / Metam-me debaixo dos comboios! / Espanquem-me a bordo de
navios! / Masoquismo através de maquinismos!». Não é estranha, por isso, não só a tendência
do sujeito poético para humanizar as máquinas («Forte espasmo retido dos maquinismos em
fúria!»; «Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força...»), como também a tentativa de
ele próprio se materializar, ou tornar-se parte delas: «Ah, poder exprimir-me todo como um
motor se exprime! / Ser completo como uma máquina!»; «Rugindo, rangendo, ciciando,
estrugindo, ferreando...».
A denúncia social
Convém registar ainda que a força e a agressividade do sujeito poético são permanentemente
quebradas pela evocação irónica do reverso da medalha da civilização industrial: a
desumanização («Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!»; «...injustiças,
violências...»), a hipocrisia e a futilidade («...ó grandes, banais, úteis, inúteis, / Ó coisas todas
modernas...»), a corrupção, os escândalos políticos e financeiros («Orçamentos falsificados!»;
«Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos...»), os falhanços da técnica («Eh-lá grandes
desastres de comboios! / Eh-lá desabamentos de galerias de minas!»), a miséria e a devassidão
das multidões («Maravilhosa gente humana que vive como cães, / Que está abaixo de todos os
sistemas morais...»). A aguda sensibilidade do sujeito poético revelada na denúncia do lado
negativo e desumano da civilização moderna é uma atitude literária, em que a perfeição e a
força das máquinas parecem ser, afinal, compensações para os seus próprios fracassos e para
a sua inadaptação, que irão marcar a última fase poética de Álvaro de Campos.
Recursos expressivos
As metáforas e as imagens deste texto evidenciam a íntima relação do sujeito poético com o
mundo mecânico e industrial, permitindo até a sua plena integração na civilização moderna
(«E arde-me a cabeça...»; «...Natureza tropical...»; «Pervertidamente enroscando a minha
vista...»; «Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força...»; «E há Platão e Virgílio dentro
das máquinas e das luzes eléctricas...»);
Os advérbios de modo evidenciam a atracção erótica e carnal do sujeito pelas máquinas e pela
modernidade («demasiadamente»; «carnivoramente»; «pervertidamente»);