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Análise da Obra Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Personagens principais
Bentinho - Filho único, protegido pela mãe, inseguro e paranóico, o personagem principal deixa claro sempre o quanto ele é
influenciável. Toma para si com freqüência verdades ditas pelos outros. Tem ciúmes desde pequeno de Capitu e vai aos poucos
plantando, na mente do leitor, a desconfiança sobre a fidelidade da menina.
Capitu - Descrita pelo narrador como alguém que sabe lidar com situações difíceis e constrangedoras, Capitu é ambígua, tem
olhos de ressaca, de cigana oblíqua e dissimulada. Fica implícito que ela vislumbra, ao se aproximar de Bentinho, uma ascensão
social.
Dona Glória - Uma santa, para Bentinho. Mãe protetora, ficou viúva aos 31 anos de idade. Em 1857, aos 42 anos, vivia metida
em um vestido preto. "Teimava em esconder os saldos da juventude ", segundo 0 filho. Sofre o dilema entre o cumprimento da
promessa de mandar Bentinho para o seminário e a dor da separação do filho único.
José Dias - O agregado é uma figura típica da estrutura familiar brasileira: alguém que não é da família, mas que vive na mesma
casa por alguma razão que ninguém mais lembra. No caso de José Dias, ele veio bater à porta um dia, quando o pai de Bentinho ainda
estava vivo, fïngindo-se de médico homeopata. Acabou ficando por lá. Sempre muito prestativo, exerce grande influência sobre Dona
Glória e Bentinho. Com o tempo, foi adquirindo certa autoridade na família. "Sabia opinar obedecendo ", diz Bentinho. "José Dias
tratava-me com extremos de mãe e atenções de servo. " Foi ele quem denunciou a Bentinho o amor deste por Capitu; foi José Dias
quem primeiro deu a definição dos olhos de Capitu. O agregado foi figura central para que Bentinho saísse do seminário e casasse
com Capitu. Passou os últimos dias de sua vida servindo ao patrãozinho.
Tio Cosme - Advogado criminalista, nas horas vagas fica em casa jogando gamão. Gordo e pesado - Bentinho recorda a
dificuldade que o tio tinha para subir na besta que o levava ao trabalho -, acaba por não exercer papel importante na família.
Prima Justina - completa a "casa dos três viúvos". A prima parece que tudo observa e tudo sabe, mas também não se mete nas
questões familiares para não desgostar D. Glória. Extremamente franca, continuava a morar lá porque a mãe de Bentinho queria ter
uma senhora íntima por perto.
Escobar - É apresentado por Bentinho como sendo um amigo fiel, boa pessoa, sociável, bom
marido (apesar de que o narrador refere um possível caso amoroso que o amigo teria tido logo depois
de casado). O fato de Escobar ter sido uma pessoa legal, um grande amigo e agora um defunto faz
com Bentinho enxergue no conjunto as condições perfeitas para sua tragédia pessoal.
Sancha - De pouca presença na história, parece ter sido forte o suficiente para recusar o charme
de Bentinho. Sai da história depois da morte de Escobar, indo morar com familiares no Paraná.

O que observar em Dom Casmurro


a) Este livro mostra a história de um homem que supõe que sua esposa o traiu com o melhor amigo
do casal. O narrador primeiramente revira o passado em busca de provas que justifiquem urna
tendência à traição em sua futura esposa. No final, o adultério aparece, para ele, como urna
certeza.
b) Trata-se de uma história narrada em primeira pessoa por um personagem que, antes de mais.
nada, deve ser colocado Sob suspeita, pois conhecemos apenas o ponto de vista dele sobre os
fatos. Convém não esquecer que tudo o que aparece no livro é contado por ele, o protagonista, a
vítima. o implacável promotor e o juiz que aplica a sentença final, sem dar chances de defesa a
Capitu.
c) Em sua enunciação, c, narrador afirma o adultério, mas apresenta também tantos "contrastes e
paradoxos que cr história jamais se esclarece perfeitamente para o leitor". A principal "prova" de que ele
dispõe sobre o hipotético adultério de Capitu é a semelhança física entre o filho. Ezequiel, e o
amigo do casal, Escobar. No entanto, aquilo que poderia comprovar a traição também é
relativizado pela extraordinária parecença entre Capitu e a mãe de Sancha, que nem parentes
são. Isto é, todos os elementos que compõem a acusação possuem aspectos contraditórios,
escorregadios, nebulosos.
d) Aliás, o romance apresenta sempre este aspecto de duplicidade. Assim:

1) Bentinho revela alguma coisa sobre a sua convicção do adultério.


2) Há alguma referência -- anterior ou posterior na narrativa - que coloca em xeque a certeza do
narrador.

e) Outro exemplo desta relativização de todas as certezas é o encontro entre os casais amigos, na véspera da
morte de Escohar. Bentinho troca inesperados e intensos olhares com Sancha e na hora da despedida suas
mãos se apertam e demoram-se juntas muito mais do que o costume, causando no narrador —um instante de
vertigem e de pecado". Ou seja, a culpa que experimenta por se sentir fortemente atraído pela mulher do
amigo pode ser dissolvida. (solucionada - moralmente), no dia seguinte, pela desconfiança que passa a ter em
relação a Capitu.
f) É por causa desta estupenda complexidade narrativa (cada registro da traição remete à possibilidade
contrária); e também pela dubiedade da própria escrita de Bentinho (num texto ele condena a esposa, noutro -
mais subterrâneo - ele se mostra como um ciumento quase paranóico) que não há resposta à pergunta Capitu
traiu OU não traiu? Esta pergunta - típica de um romance policial - apesar de todo o fascínio contido no
enigma, não é o núcleo do livro, 0 núcleo do livro é o ciúme.
g) O crítico Flávio Loureiro Chaves, ao afirmar que o lema de Dom Casmurro não é o adultério, diz, também que
"este é apenas um pretexto para atingir - numa região mais profunda das des graças humanas, o problema
do ciúme, entrevista (como deformação patológica).
h) O mesmo crítico delimita Dom Casmurro como o romance da dúvida. Machado não se detém na análise de
uma traição, que nem sabemos se aconteceu. O que move o personagem a escrever sua história é uma
tentativa de esclarecimento dessa dúvida E emborra o mesmo expresse a convicção de que desvendou o
corrido. a profusão de ambigüidades do texto mantém a incerteza e o caráter nebuloso do acontecido.
i) O romance se configura também como um fascinante jogo de aparências e de ilusões. Aquilo que parece ser,
necessariamente não o é. O que se apresenta como a realidade verdadeira pode constituir se apenas em engano,
erro de visão e de análise. Quando Bento Santiago vai fazer a oração fúnebre, no enterro de Escobar, os
ciumes são tão fortes que ele não consegue ler as palavras de despedida. Todos aplaudem a comoção do
amigo, quando o que o mobiliza é o ódio ao morto e à Capitu. Portanto, as aparências são enganosas.
Se o fato real é tão somente o que parece ser real, tudo se torna movediço: onde está a verdade? Fica-nos,
pois, a impressão de uma descontinuidade (e às vezes até de uma ruptura) entre as aparências, exigidas pelo
mundo exterior, e a interioridade mai s profunda dos indivíduos.
j) Já o crítico Roberto Schwarz atenta para a oculta revelação da sociedade brasileira presente no romance. Bentinho
é o típico representante das elites patriarcais do II Império: culto, sofisticado e, especificamente quando adulto,
autoritário, prepotente, brutal e incapaz de dialogar com a mulher que ama.
Por seu turno, Capitu representa o avesso. Oriunda de uma família pobre, mostra clareza mental, independência
de espírito e compreensão dos obstáculos que precisa enfrentar. Por isso, com surpreendente determinação, luta
contra os preconceitos (A superstição religiosa de Dona Glória, que insiste em mandar o filho para o seminário; e
os tabus de classe que podem impedir o amor entre um jovem rico e uma moça de baixa extração social.) Desta
forma, ela poderia simbolizar tanto uma nova classe quanto uma nova mulher - ambas ainda embrionárias na
sociedade brasileira.
k) Ainda como registro da estrutura patriarcal brasileira temos o comportamento de Dona Glória, mãe de Bentinho.
Na falta do marido, ela o substitui ao exercer a autoridade absoluta (conforme a lógica do patriarcalismo), quer
impor a sua vontade ao destino existencial do filho, enviando-o para o seminário, em nome da superstição
religiosa. Só uma longa e complicada conspiração, envolvendo o rapaz, José Dias e Capitu, livra o pobre
apaixonado de um sacerdócio sem vocação.
1) Outro personagem que simboliza uma das figuras mais comuns da sociedade brasileira é o agregado José Dias. (O
agregado consiste num tipo que vivia de favor nas casas das famílias ricas, onde prestava
serviços diversos.) Ele mescla uma dignidade pedante - visível no uso abusivo de superlativos que encompridam
as idéias curtas - com um dedicação fiel de criado, que lhe garante a sobrevivência junto aos poderosos.
José Dias atende Bentinho, no dizer do próprio narrador, com "extremos de mãe e atenções de servo".
Enxerga rapidamente de que lado deve ficar e toma o partido do jovem enamorado, menos por simpatia à paixão e
mais por cálculo a respeito de seu futuro. Com suas "futricas" e suas poses de respeitabilidade e cultura ajuda o
patrão a escapar do seminário. Em regra geral, é um protagonista hilariante, mas a sua morte, condensada num
último superlativo, tem a comoção genuína da grande literatura. (ver capítulo CXLIII).
m) Talvez possamos entender melhor a dualidade de Bento Santiago se levarmos em consideração que toda a sua
inércia juvenil e incapacidade de ação parecem traduzir uma alma subjugada pela ordem familiar
tradicional. A ruptura - representada pelo casamento com Capitu - leva-o desastradamente à tentativa de comandar
a ligação afetiva. Suas ações, no entanto, são vis e sem grandeza.
Considere-se, por outro lado, que o narrador experimenta um sofrimento real. Sua melancolia é visível, mesmo quando ele se entrega à
ironia. Nada pode ser tão deprimente como a construção da réplica exata da casa em que viveu a paixão adolescente e a conclusão de que
aquilo não o devolvia a si próprio, restando apenas a saudade amarga do tempo passado.
Observe-se, por fim que toda a prepotência de Bentinho (gerada tanto pela doença do ciúme quanto pela mentalidade patriarcal) não o
torna feliz. Ao contrário, envolve sua vida em sombras, em lembranças doloridas, em impotência diante do presente. Como Capitu e
Ezequiel, também Bentinho é vítima. Não há vencedores entre os envolvidos no suposto adultério. Tudo se transforma em desencanto e
fracasso.
n) No caso de Capitu, frise-se o refinamento psicológico com que Machado a constrói. Desde as célebres metáfora, "olhos de ressaca” e
olhos deressaca cigana oblíqua e dissimulada " até o, de sua personalidade, que mais ocultam do que, revelam. vai se criando uma
personalidade de tamanha complexidade que é impopssível compreendê-la por inteiro. Fica difícil saber o que nela é sinceridade ou
fingimento, cálculo ou entrega generosa. amor desinteressado ou arrivismo social. Em parte porque ele vista sob a perspectiva de Benti-
nho. Em par te porque algumas das mulheres, de Machado possuem tantos véus a encobrir-lhes as almas que, por mais que esses véus se-
jam rasgados por diferentes nar radores, sempre resta nelas uma zona de impenetrável mistério e obscuridade. Há algo de indecifravel na
psicologia das mulheres machadìanas.
Ainda no caso da dissimulação, é preciso salientar que este procedimento correspondia a uma necessidade histórico-cultural da época,
ou seja, a uma estratégia de defesa feminina contra um mundo masculino, que a privava de todos os direitos.
o) Sublinhe-se ainda, em Capitu, a sua ânsia pela vida e pelo conhecimento da realidade, traduzida numa inesgotável curiosidade. (Reler- c>
capítulo XXXI). A paixão de existir, o gosto em descobrir a alegria do cotidiano - reler capítulo CV - contrastam corri a casmurrice de Bentinho.
Toda esta volúpia de viver e esta disposição existencial causam nele um misto de admiração e desconfiança, a tal ponto que ele atribui estes
predicados de Capitu a sua intensa feminilidade: "Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era
homem. "
p) Devemos atentar que o romance tem duas partes distintas, - que correspondem aos momentos básicos na vida dos personagens - a
adolescência e a fase adulta. Na primeira parte - mais poética e mais longa - quando os papéis sociais de homem e de mulher ainda não
estão bem definidos. Capitu toma toda a iniciativa do jogo amoroso. Na segunda - mais realista e amargurada - Bentinho, já investido da
função dominadora reservada aos homens na sociedade patriarcal, assume o controle do relacionamento afetivo, levando-o à destruição.

q) Em função disso as grandes passagens poéticas do livro (as quais você deve reler) localizam-se no espaço da adolescência. Entre elas
destacam-se a cena do primeiro beijo (capítulo XXXIII); a do segundo beijo (capítulo XXXVII); e a do duelo de ironias entre os namora-
dos ressentidos (capítulo XLIV). Já as cenas mais dramáticas e sofridas transcorrem quando Bentinho e Capitu estão casados. Por e-
xemplo, o brotar da suspeita (capítulo CXXIII); a percepção da semelhança entre Ezequiel e Escobar (capítulos CXXXI e CXXXII); a
idéia de envenenar o filho (capítulo CXXXVII); a notícia da morte de Ezequiel (capítulo CXLVI); e ainda o capítulo final (CXLVIII).
r) Do ponto de vista formal, Dom Casmurro culmina um processo de perfeição expressiva cujos principais elementos são:
1) A utilização de todas as possibilidades semânticas das palavras, que mais sugerem do que descrevem. Trata-se de um estilo de sutilezas
irônicas, de subtendidos, de súbitas elipses, de reticências. Longe de toda a ênfase e de toda a banalidade lingüística, este estilo tem
um sabor quase clássico, harmonioso e ligeiramente arcaico, quebrado por algumas metáforas ousadas e por certas passagens de
intensa carga poética.
2) Uma técnica de composição centrada no capítulo curto, a história várias vezes fragmentada por comentários paralelos e digressões do
narrador, com certos episódios aparentemente desconectados da intriga básica. Há também um gosto acentuado pelo pormenor, pelo
detalhe falsamente inútil, até que no conjunto todos estes elementos adquiram uma rica e multifacetada unidade, ampliando ao limite
máximo a caracterização psicológica dos personagens.
s) Apesar de Dom Casmurro se constituir como um sutil registro da mentalidade patriarcal do II Império, e apresentar mesmo alguns fla-
grantes específicos da sociedade fluminense (do Rio de Janeiro) há algo nele que ultrapassa a contingência brasileira. O tormento da
memória de Bentinho, a complexidade de Capitu, o belo canto da poesia amorosa da adolescência, as ressonâncias dramáticas do suposto
adultério e a excepcional forma de narração, articulada por Machado de Assis, remetem o romance por cima de seu caráter nacional,
transformando-o numa obra universal. Quer dizer, uma obra que interessa a todas as criaturas humanas, de todos os quadrantes,
independentemente de sua nacionalidade.

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