Fernando Lincoln Mattos 15 de outubro é o Dia do Professor. E aqui, nesta Lista, tão carente de debates (embora, ultimamente, tão pródiga em notícias...) eu não poderia deixar de levantar algumas reflexões sobre a condição deste profissional do ensino, hoje tão esquecido (e tão necessário). Em Atenas, cerca de 2.500 anos atrás, surge um personagem chamado "mestre-escola", que, segundo documentos da época, era "reduzido pela miséria a ensinar". O mestre-escola, ampliado, era o escravo-pedagogo, que ao conduzir diariamente o estudante à escola, repetia as lições do mestre-escola e, de quebra, introduzia o aprendiz no fantástico mundo da polis grega. Mestres miseráveis, escravos. E, no entanto, desde então, tornaram-se imprescindíveis em todas as civilizações. Nas sociedades feudais, serviam aos interesses puramente intelectualóides de nobres; nas sociedades capitalistas atrasadas, ajudam a marcar a diferença entre classes, servindo à minoria burguesa, letrada; nos dez ou quinze países que desfrutam das maravilhas da criação humana, lá estão os mestres, preparando as novas gerações para o exercício do poder global. Que personagem singular é este? O que ele possui de tão importante à humanidade e porque motivo nunca foi bem remunerado, embora tão respeitado? O que fascina no professor e o que ele tem que pode meter medo em gente poderosa? Uma possível resposta: o professor representa e, em muitos casos, efetivamente possui, o tesouro mais importante da humanidade depois da Vida. O professor tem algo que pode, ao mesmo tempo, libertar e escravizar: o professor detém o segredo da sistematização do conhecimento. Não, ele não é o "dono" do conhecimento; tampouco possui poderes excepcionais de construi-lo. Porém, e hoje cada vez mais, ele proporciona a reflexão necessária para a construção, a desconstrução e a reconstrução do conhecimento. E isto não se trata de uma função meramente técnica. Envolve sensibilidade e compromisso com o aluno. Um professor não se fabrica como se fabricam pães. Por isto os professores são tão necessários. E por isto também, tão perigosos. Portanto, melhor mantê-los escravos. Melhor mantê-los miseráveis. Não podem perceber sua força. Melhor tratar, rapidamente, de redefinir a própria função do professor na sociedade. Assim, quem sabe, eles não assimilariam isto e evitariam qualquer movimento de rebelião. Professor é forte porque professor é povo. E professor é povo porque professor lida com cultura. E mexer com a cultura da humanidade é ir no mais íntimo do ser humano: sua capacidade de, no trabalho, produzir um novo mundo. Portanto, o professor é o profissional da (re)descoberta do trabalho, da (re)descoberta do mundo. Isto pode ser perigoso para quem não quer que a maioria saiba a força que têm. Por isto, melhor tê-los amansados. "Professor Nota 10", diz o prêmio; "sorteio de brindes em seu dia"; "jantar de confraternização"; "eu te amo, 'tia' ". Assumindo a carapuça de "bonzinhos", de "enérgicos quando houver traquinagem", de "sacerdotes", assim vão sendo os professores. Há 2.500 anos. E hoje é o dia do professor. O que fazer neste dia? Feriado? Não, foi antecipado, assim a gente passa o nosso dia trabalhando... Escravos? Miseráveis? A maioria, sim. Uma minoria, aquela que foi selecionada para preparar os filhos dos poderosos, é regiamente compensada (ma non troppo...) a fim de que se dedique com mais exclusividade e afinco. Quem precisa de professores, hoje? Por mais que se tente o contrário, todos. Um dia para pensar no professor. Um dia para pensar na Cultura. Um dia para pensar na Vida.