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Gabriel Habib.

Leis Penais Especiais.

Lei 13.769/2018. Alteração do art. 2º, §2º da lei de Crimes


Hediondos.

Lei 13.641/2018. Inclusão do art. 24-A na lei de Violência


Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Atualização do livro Leis Penais Especiais, 11ª edição, 2019.


Ed. Juspodivm.

Lei 13.769/2018. Alteração do art. 2º, §2º da lei de Crimes


Hediondos.

A lei 13.769/2018 alterou a LEP e a lei de crimes hediondos. Na


LEP, ela inseriu os §§ 3º e 4º no art. 112, estabelecendo uma condição
especial de progressão de regimes para a mulher gestante ou que for
mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência. De outro
lado, na lei de Crimes Hediondos, essa lei alterou o art. 2º, §2º e inseriu a
determinação da observância do disposto na LEP. Em outras palavras,
para fins de progressão de regime de pena, em qualquer hipótese, em se
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tratando de crime não hediondo ou hediondo ou equiparado, deve ser
aplicada essa condição especial estabelecida para a mulher gestante ou
que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência.

A preocupação do legislador não foi primariamente com a


mulher, mas, sim com o feto, com a criança e com o portador de
deficiência, justamente por serem pessoas que dependem da mãe ou do
responsável para os seus desenvolvimentos. Esses são o foco de
proteção por parte do legislador. Isso porque na imensa maioria dos
casos, os estabelecimentos prisionais não possuem a estrutura mínima
para garantir um tratamento adequado à gestante, à criança e ao
portador de deficiência. Em nossa atuação prática tivemos a
oportunidade de nos depararmos com a situação de uma mãe estrangeira
que deu à luz um filho dentro da prisão e estava criando-o ali mesmo,
dentro da penitenciária, uma situação que não pode ser retratada em
palavras...

Eis a redação do §3º da LEP: “§ 3º No caso de mulher gestante


ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência,
os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: (Incluído
pela Lei nº 13.769, de 2018) I - não ter cometido crime com violência ou
grave ameaça a pessoa; II - não ter cometido o crime contra seu filho ou
dependente; III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no
regime anterior; IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário,
comprovado pelo diretor do estabelecimento; V - não ter integrado
organização criminosa. § 4º O cometimento de novo crime doloso ou
falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste

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artigo. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).” Passemos à análise dos
requisitos.

Inicialmente, destaque-se que o legislador foi claro ao exigir que


os requisitos sejam cumulativos. O primeiro requisito é que a condenada
seja mulher gestante ou mãe ou responsável por crianças ou pessoas
com deficiência. Trata-se, aqui, de três hipóteses: na primeira hipóteses a
mulher deve ser gestante, que é aquela que está no curso da sua
gestação, independentemente do seu estágio evolutivo, podendo ser no
início, no meio ou no final da gestação. Na segunda hipótese trata-se de
mulher que seja mãe ou responsável por crianças, entendendo-se como
crianças as pessoas que têm idade até 12 anos, nos moldes definidos no
art. 2º do ECA (lei 8.069/90). Note-se que o legislador entendeu por bem
não incluir os adolescente. Por fim, na terceira hipótese, tem-se a mulher
que seja mãe ou responsável por pessoas com deficiência. O legislador
não utilizou a expressão criança, razão pela qual, em caso de deficiência,
não há limite de idade, não se exigindo que se trate de criança. Além
disso, como o legislador não especificou qual o tipo de deficiência,
entendemos que está englobada qualquer tipo de deficiência, não
havendo qualquer restrição.

O segundo requisito reside no inciso I do § 3º: não ter cometido


crime com violência ou grave ameaça à pessoa. O crime a que o
legislador fez menção é o delito pelo qual a mulher foi condenada, do
qual está cumprindo pena e pretende a progressão de regime, não
podendo ter violência ou grave ameaça contra a pessoa como elemento
do tipo.

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O terceiro requisito está expresso no inciso II do § 3º: não ter
cometido o crime contra seu filho ou dependente. Mais uma vez, esse
crime mencionado é o delito praticado do qual a mulher está cumprindo
pena, e não um delito anterior, nem um delito posterior. Trata-se de
requisito que está de acordo com a finalidade protetiva do legislador, uma
vez que se a sua preocupação foi com o feto, com a criança e com o
portador de deficiência, a mulher que praticar um crime contra eles não
merece esse tratamento mais benéfico.

O quarto requisito vem no inciso III do § 3º: ter cumprido ao


menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior. Trata-se de requisito
temporal. É o menor prazo de progressão de regime contido na LEP e na
lei de crimes hediondos. Esse prazo menor demonstra a vontade do
legislador no sentido de que a mulher condenada realmente vai cumprir a
pena criminal no regime imposto na sentença. Contudo, cumprirá um
prazo menor para a progressão, o que irá acelerar a sua transferência
para o regime mais brando, facilitando a proteção, o convívio e o
desenvolvimento do feto, da criança e do portador de deficiência.

O quinto requisito está no inciso IV do § 3º: ser primária e ter


bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do
estabelecimento. O requisito da primariedade não existia na LEP, apenas
na lei de crimes hediondos. Já o requisito do bom comportamento
carcerário já estava previsto na LEP e se aplicava também aos crimes
hediondos, não sendo, portanto, novidade.

O sexto requisito reside no inciso V do § 3º: não ter integrado


organização criminosa. Por organização criminosa entenda-se aquela
prevista no art. 1º, §1º, da lei 12.850/2013. Note-se que o legislador não
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abarcou nesse requisito a associação criminosa (art. 288 do Código
Penal), razão pela qual, em homenagem ao princípio da legalidade penal,
caso a mulher tenha integrado associação criminosa, terá direito à
progressão nos moldes do §3º, do art. 112, da LEP.

É importante notar que essa condição especial de progressão de


regimes para a mulher gestante ou que for mãe ou responsável por
crianças ou pessoas com deficiência deve prevalecer em qualquer
hipótese, seja sobre as condições estabelecidas para os condenados por
delitos não hediondos (art. 112, caput, da LEP: cumprimento um sexto da
pena no regime anterior e ter bom comportamento carcerário), seja sobre
as condições estabelecidas para os condenados por crime hediondo ou
equiparado (art. 2º, §2º, da lei 8.072/90: cumprimento de 2/5 (dois
quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se
reincidente, associado ao bom comportamento carcerário). Assim, se a
condenada for mulher gestante ou mãe ou responsável por crianças ou
pessoas com deficiência, a progressão de regime para ela deve obedecer
aos requisitos contidos no art. 112, §3º, da LEP, independentemente de
ser o crime hediondo ou não hediondo. Isso porque o art. 2º, §2º, da lei
de crimes hediondos traz os requisitos para progressão de regime em se
tratando de crime hediondo ou equiparado e, na parte final, é claro a
todas as luzes ao dispor “observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112
da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal)”, ou
seja, devem ser aplicados esses parágrafos preferencialmente.

O §4º, do art. 112 da LEP determina que “o cometimento de


novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício
previsto no § 3º deste artigo.” A revogação do benefício a que o §4º faz

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menção nada mais é do que a regressão de regime. Isso não é novidade,
pois essas mesmas causas de regressão já constam do art. 118, I, da
LEP. Logo, trata-se de uma novidade meramente formal na Lei de
Execução Penal. Contudo, deve-se ter atenção para a seguinte questão:
uma vez revogada a progressão com base no §4º, gerando a
consequente regressão de regime, não poderá ser concedida nova
progressão ou poderá ser concedida de acordo com os requisitos do art.
112, caput, da LEP (em se tratando de crime não hediondo) ou então de
acordo com os requisitos do art. 2, §2º, da lei de Crimes Hediondos (em
crimes dessa natureza)? Pensamos que a revogação da progressão não
impede a concessão de nova progressão, mas nesse caso deverão ser
observados os requisitos do art. 112, caput, da LEP (em se tratando de
crime não hediondo) ou então de acordo com os requisitos do art. 2º, §2º,
da lei de Crimes Hediondos. Assim pensamos porque o legislador foi
claro ao dispor que a revogação é do benefício previsto no § 3º, e não da
progressão de regime, o que não impede, portanto, a concessão de nova
progressão de regime com base nos outros dispositivos legais.

Por fim, uma última questão sobre a natureza da alteração


legislativa. Será que podemos afirmar que se trata de nova lei mais
benéfica? Cremos que sim. Embora o legislador tenha trazido novos
requisitos até então não existentes na LEP e na lei de Crimes Hediondos
(o crime não ter violência ou grave ameaça à pessoa, a mulher não ter
cometido o crime contra seu filho ou dependente e não ter integrado
organização criminosa), o prazo para a progressão de cumprimento de,
ao menos, 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior torna essa lei mais
benéfica. Consequentemente, essa previsão deve retroagir para alcançar
as mulheres que já estavam condenadas quando do advento da novel lei,
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em homenagem ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica,
positivado no art. 5º, LX da CRFB/88 e no art. 2º, parágrafo único, do
Código Penal, cabendo ao Juízo da Execução Penal a sua aplicabilidade,
com fundamento no art. 66, I, da LEP, bem como na súmula 611 do STF
(“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das
execuções a aplicação de lei mais benigna.”) .

Lei 13.641/2018. Inclusão do art. 24-A na lei de Violência


Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência


Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas


protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

§ 1o A configuração do crime independe da competência civil ou


criminal do juiz que deferiu as medidas.

§ 2o Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial


poderá conceder fiança.

§ 3o O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções


cabíveis.
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1. Crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência. A
lei 13.641/2018 inseriu a seção IV, no capítulo II, da presente lei e
criou o delito de descumprimento de medidas protetivas de urgência.
Trata-se, na verdade, de um delito de desobediência, em que o
agressor descumpre a restrição imposta pelo Juízo a título de medida
protetiva de urgência fixada em favor da ofendida, prevista no art. 22
da presente lei. Trata-se de crime contra a Administração da Justiça,
justamente pelo descumprimento e pelo desprezo da autoridade da
decisão judicial por parte do autor do delito.

2. Sujeito ativo. O agressor destinatário da medida protetiva de urgência.


Trata-se de crime próprio.

3. Sujeito passivo. Em primeiro lugar a Administração da Justiça.


Secundariamente, a vítima.

4. Abrangência. A presente lei prevê duas espécies de medidas


protetivas de urgência, com destinatários diferentes. No art. 22 a lei
prevê as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor. De
outro lado, no art. 23, a lei estabelece as medidas protetivas de
urgência à ofendida. O presente delito tem por finalidade criminalizar a
conduta do agressor que descumpre a medida protetiva imposta a ele.
Não faria nenhum sentido criminalizar o descumprimento da medida
protetiva imposta à ofendida, tendo em vista que ela é a vítima do delito
anteriormente praticado e que gerou a imposição da medida protetiva.
Assim, esse delito abrange apenas o descumprimento das medidas
protetivas de urgência que obrigam o agressor, previstas no art. 22.

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5. Norma penal em branco. O presente tipo penal constitui norma penal
em branco, uma vez que se faz necessário complementar o seu
preceito primário para a verificação das medidas protetivas de urgência
previstas no art. 22 desta lei.

6. Princípio da especialidade. O presente tipo penal é especial em


relação ao delito de desobediência previsto no art. 330 do Código
Penal.

7. Princípio da irretroatividade da lei mais severa. Tendo em vista que


essa lei criou um novo tipo penal, trata-se de nova lei mais severa, não
sendo possível a sua retroatividade para alcançar as condutas
praticadas antes da sua entrada em vigor, em homenagem ao princípio
da irretroatividade da lei penal mais severa, positivado no art. 5º, XL, da
CRFB/88.
8. Consumação. Com a prática da conduta de descumprir a medida
imposta. Não é necessário que o agente cause algum dano à ofendida.
Trata-se de crime formal.
9. Classificação. Crime próprio; formal; doloso; comissivo; instantâneo;
admite a tentativa.
10. Infração penal de menor potencial ofensivo. Tendo em vista que a
pena máxima não é superior a dois anos, trata-se de infração penal de
menor potencial ofensivo (art. 61 da lei 9.099/95). No presente caso
não se aplica a restrição contida no art. 41 desta lei (que afasta a
incidência da lei 9.099/95), tendo em vista que esse delito é contra a
Administração da Justiça, e não um delito contra a mulher.
11. Suspensão condicional do processo. Cabível, pois a pena mínima
cominada não ultrapassa 1 ano (art. 89 da lei 9.099/95). No presente
caso não se aplica a restrição contida no art. 41 desta lei (que afasta a
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incidência da lei 9.099/95), tendo em vista que esse delito é contra a
Administração da Justiça, e não um delito contra a mulher.
12. §1º. Competência do Juízo que deferiu as medidas protetivas de
urgência. A própria lei prevê no art. 14 que o Juizado de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher tem competência mista. Assim,
como regra geral, as medidas protetivas de urgência serão sempre
fixadas pelo Juízo do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher, o que tornaria esse parágrafo sem nenhuma aplicabilidade.
Contudo, como alerta-nos o art. 33 desta lei, enquanto não
estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, as Varas Criminais acumularão as competências cível e
criminal para processar e julgar as causas decorrentes da prática de
violência doméstica e familiar contra a mulher, caso em que esse
parágrafo poderia ser aplicado. De qualquer forma, mesmo que as
medidas tenham sido fixadas por um Juízo diverso do Juizado de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o crime estará
configurado.
13. §2º. Concessão de fiança. Apenas a autoridade judiciária pode
arbitrar a fiança em caso de prisão em flagrante. Trata-se de norma
ligada ao instituto da fiança, diversa da regra geral contida no art. 322,
parágrafo único, do Código de Processo Penal (em que o Juiz concede
a fiança nas infrações penais com pena privativa de liberdade superior
a 4 anos). Na presente lei, somente o Juiz pode conceder a fiança,
independentemente da pena máxima cominada ou de qualquer outro
critério. Note-se que, nesse caso, somente o Juízo do Juizado de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher pode conceder a
fiança, por ser o Juízo competente para processar e julgar o delito pelo
qual o agente foi preso em flagrante. A prisão em flagrante deve ser
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comunicada ao Juízo competente (art. 306 do Código de Processo
Penal) e nesse caso só ele tem competência para conceder a fiança.
14. §3º. Aplicação de outras sanções cabíveis. O legislador não quis
que a sanção criminal afastasse outra sanção diversa, como uma
possível sanção administrativa, como na hipótese de o agressor ser
funcionário público. Nesse caso, não há bis in idem, tendo em vista que
as sanções possuem naturezas diversas.

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