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DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA – EPUSP

PNV-2321 Termodinâmica e Transferência de Calor

1ª. Lei da Termodinâmica


1. A Equivalência entre Trabalho e Calor
A Termodinâmica é freqüentemente definida como a ciência da energia.
Conforme vimos anteriormente, o conceito de energia não é, por sua vez, de fácil
definição, o que comprometeria a própria definição de Termodinâmica acima
apresentada. De fato, entretanto, a propriedade termodinâmica Energia é bem
definida, no contexto da Termodinâmica, pela 1ª. Lei. A 1ª. Lei define energia em
Termodinâmica.

Historica e logicamente, a 1ª. Lei decorre da constatação experimental feita em


meados do século XIX por James Prescott Joule, fabricante de cerveja e cientista
amador, de que há uma equivalência fundamental entre trabalho mecânico e calor.
Joule mostrou em uma série de experimentos que trabalho mecânico pode ser usado
para elevar a temperatura de um corpo, da mesma forma que o calor. Mais do que isso,
ele mostrou que, na ausência de trocas de calor — processo adiabático, ou seja, bem
isolado termicamente —, a mesma quantidade de trabalho é necessária para produzir
uma certa elevação de temperatura, independente dos detalhes do processo de realização
de trabalho. Como uma certa quantidade de calor é necessária para elevar em um certo
valor a temperatura de um dado corpo, Joule concluiu que a uma dada quantidade de
trabalho, corresponde uma dada quantidade de calor.

Podemos expressar esse fato da seguinte maneira:

W12 = -J.Q12 (1)

• W12 — trabalho realizado sobre o sistema (corpo), negativo.

• Q12 — calor equivalente cedido ao corpo para produzir a mesma


mudança de estado (temperatura), positivo.

• †
J — fator de proporcionalidade que depende das unidades utilizadas para
trabalho e calor (como sabemos J @ 4,186 KJ/Kcal).

Uma forma elegante de expressar esses mesmos resultados é supor que, após o
recebimento de trabalho (adiabaticamente), o corpo retorna ao seu estado inicial
através da rejeição do calor equivalente ao trabalho recebido, completando desta
forma um ciclo (estado inicial = estado final). O resultado de Joule afirma, nesse caso,
que esse calor rejeitado é (a menos de uma constante de proporcionalidade)
numericamente igual ao trabalho recebido. Isso pode ser expresso por:
J Ú dQ = Ú dW (2)

Note que o sinal de menos não mais se aplica, pois o calor transferido (cedido)
pelo corpo é também negativo (como o trabalho recebido).

A notação dQ e dW para os infinitésimos de calor e trabalho reflete o fato de que


a integral destas grandezas depende do caminho seguido e não apenas dos estados
inicial e final (que, por sinal, são os mesmos na integral cíclica).

Através da escolha de uma mesma unidade para o calor e o trabalho (por
exemplo J=N.m), a constante de proporcionalidade por de ser feita igual a 1:

Ú dQ = Ú dW (3)

OBS: Esta é, de fato, a expressão do enunciado de Poincaré da 1ª. Lei.

Observe-se que, na realidade, nada impede que calor e trabalho sejam


transferidos simultaneamente ao sistema: o resultado acima continua sendo válido seja
qual for a série de processos que compõem o ciclo (inclusive processos irreversíveis ou

de não-equilíbrio). Pode-se, portanto, escrever que, para um ciclo qualquer:

Ú (dQ - dW ) = 0 (4)

Note-se, porém, que os estados iniciais e finais, para serem rigorosamente


definidos, devem corresponder a condições de equilíbrio.


2. A Propriedade Termodinâmica Energia
Vamos agora verificar que o resultado (4) permite definir uma propriedade
termodinâmica, a qual chamaremos Energia.

Consideremos três processos quaisquer A , B e C entre duas condições de


equilíbrio (estados) 1 e 2 tais que A + C e B + C são ciclos, conforme ilustrado abaixo:

Propriedade 2

2
C

A
1

Propriedade 1

A aplicação de (4) aos ciclos A + C e B + C resulta em:

2 2
Ú (dQ - dW )= 0 = Ú (dQ - dW ) + Ú (dQ - dW )
A+ C
1 A 1 C (5a)

2 2
Ú (dQ - dW )= 0 = Ú (dQ - dW ) + Ú (dQ - dW )
B +C
1 B 1 C
(5b)

De modo que:

2 2
Ú1 (dQ - dW )A = Ú1 (dQ - dW )B (6)

Como os processos A e B são arbitrários, conclui-se que a integral da diferença


(dQ – dW) independe do processo escolhido para partir de um estado 1 e chegar a um
estado 2 (também quaisquer). De fato, o resultado desta integral depende apenas dos
estados inicial e final e não do processo. Matematicamente, isso significa que o
integrando é uma grandeza que depende apenas dos estados 1 e 2. Mas, em
Termodinâmica, uma grandeza física que depende apenas dos estados e não dos
processos é uma propriedade. Deste modo, definimos a propriedade energia (E) de
modo que:

dE = dQ - dW (7)
Portanto, a variação de energia em um processo qualquer DE12 é dada por:

2 2
DE12 = E 2 - E1 = Ú dQ - Ú dW = Q12 - W12 (8)
1 1

Note-se que está implícita aqui a convenção de que o calor recebido pelo
sistema é positivo enquanto que o trabalho realizado sobre o sistema é negativo.
3. O Princípio da Conservação de Energia
Observemos agora que a 1ª. Lei é equivalente ao Princípio de Conservação da
Energia, o qual afirma que a energia do universo (sistema + meio) é constante e não
pode ser alterada por nenhum processo conhecido. Para tanto, basta verificar que as
transferências de calor e trabalho têm sinais opostos e mesmo módulo para o sistema e
para o meio (ou seja, o calor recebido ou cedido pelo meio; o mesmo ocorrendo com o
trabalho):

(DE12 )sistema = Q12 - W12 (9a)

(DE12 )meio = -Q12 + W12 (9b)

Somando (9a) e (9b), tem-se a variação total de energia do universo:

(DE12 )universo = (DE12 )sistema + (DE12 )meio (10a)

(DE12 )universo = Q12 - W12 - Q12 + W12 (10b)

(DE12 )universo = 0 (10c)

Note-se, por fim, que a energia de um sistema isolado (não há troca de calor ou
trabalho) é, conseqüentemente, constante.
4. A Energia Total de um Sistema
A energia E inclui todas as formas de energia de um sistema. Estas podem ser
divididas genericamente em três parcelas:

• A Energia Cinética (EC) é a energia que um corpo (sistema) tem em


virtude de seu movimento (velocidade). Como a velocidade de um corpo
é sempre relativa a um referencial, este deve ser explicitado no cálculo
da Energia Cinética. Note-se que se um sistema é composto por diversas
partes (sub-sistemas) com diferentes velocidades, o mesmo referencial
deve ser usado para expressar a Energia Cinética dos sub-sistemas em
uma equação.

1 r2
EC = m v (11)
2
• A Energia Potencial (EP) é a energia que o sistema tem em virtude de
sua posição em um campo de forças. Usualmente, os campos de forças
que podem ser de interesse são campos conservativos tais como o
gravitacional, o elétrico e o magnético. Forças de mola, hidrostáticas e de
tensão superficial também dão origem à Energia Potencial. O valor desta
parcela deve também ser calculado em relação a um referencial comum.

• A Energia Interna (U) é a energia que um corpo tem em virtude de seu


estado termodinâmico (por exemplo, pressão e temperatura).

Podemos assim escrever:

E = U + EC + EP (12)

Admitindo que a EP é devida somente ao campo gravitacional de constante g,


temos:

1
2
2 2
(
DE12 = U 2 - U1 + m v 2 - v1 + mg( z2 - z1 ) ) (13)

Desta forma, a equação genérica da variação de energia (8) pode ser escrita
como:

1
† 2 2
(
Q12 = U 2 - U1 + m v 2 - v1 + mg( z2 - z1 ) + W12
2
) (14)

que é a forma usual que toma a 1ª. Lei para um sistema termodinâmico no qual a
Energia Potencial é apenas de origem gravitacional.


Note-se que a atribuição de valores para a Energia Interna, para a Energia
Cinética e para a Energia Potencial depende da adoção de um referencial e de uma
origem arbitrária nele. Porém, desde que o referencial e a origem adotados sejam usados
consistentemente, as variações da Energia Interna, da Energia Cinética e da Energia
Potencial são sempre as mesmas. Isto é essencial para a correta aplicação da equação
(14), uma vez que o calor e o trabalho trocados não dependem de referenciais
arbitrários externos ao sistema.

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