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EM REDE.

OS CABOS DE FIBRAS ÓPTICAS SUBMARINAS E A


CENTRALIDADE PORTUGUESA CRESCENTE NUM AUTÊNTICO MAR DE
CONECTIVIDADES
Armando Marques Guedes1

Os cabos submarinos de fibra óptica e os satélites de comunicações – representação


e desconstruções

Curiosamente, e apesar da sua enorme e crescente importância para


comunicações contemporâneas de inúmeros tipos, os cabos de fibras ópticas, e
sobretudo os cabos submarinos de entre os quais são de sublinhar os que ligam
entre si as costas litorais das bacias oceânicas e marítimas – e a partir daí os
interiores das massas continentais – não têm nem por sombras recebido a
atenção pública e/ou académica que merecem. Como tantas vezes é o caso ao
abordarmos questões tecnológicas, as representações espontâneas da
importância que lhes atribuímos são enganadoras: talvez em resposta à
publicitação das corridas ao espaço encetadas pelo Sputniks soviéticos, no
quadro de uma corrida espacial que se prolongou pela Guerra Fria adentro,
culiminando com a vitória norte-americana com o seu pico na alunagem do
módulo Eagle da Apollo 11, a 20 de Julho de 19692. Uma vitória acompanhada e
depois seguida por um número cada vez maior de objectos colocados em órbita
para garantir melhores comunicações bem como missões espaciais de todo o tipo
que vemos crescer vertiginosamente, levadas a cabo pela Rússia, pelo Japão, pela
União Europeia, pela Índia, pela China, entre vários outros, supostamente
criando redes físicas de suporte tecnológico que servem de garante para as
nossas comunicações.
No entanto, esse suporte tecnológico não está no espaço, acima, mas antes
nos fundos marítimos e oceânicos. Vários actos relevantes há que falam por si na
desconstrução deste mito. Segundo dados, relativos a 2016, fornecidos pela US
Federal Communications Commission, apenas 0,37% da capacidade norte-
americana para estabelecer comunicações com o exterior depende de satélites.
Ou seja, virtualmente toda essa capacidade corre nos cabos submarinos3. No
resto do mundo a situação não é muito diferente, com excepção, claro está, para
os Estados ditos “encravados”, a saber, sem costa (que também usam cabos de
fibra óptica, mas terrestre). Tem sido através deles que passam as comunicações
áudio e vídeo de telecoms variados, todo o tipo de operadores móveis, Estados e
1
Professor, NOVA Direito, e Instituto Universitário Militar.
2 O primeiro dos quais um objecto de 58 cm de diâmetro, lançado a 4 de Outubro de 1957 para
uma órbita elítica baixa a partir do que é hoje o Casaquistão, do Cosmódromo de Baikonur, então
parte da soft belly de uma União Soviética que assim entendeu demonstrar aos seus adversários e
apoiantes uma capacidade científica e militar global estonteante.
3 Como me sublinhou com argúcia o Comandante João Fonseca Ribeiro, os satélites que

importância noutros planos. Em termos tecnológicos, os satélites são sim fundamentais para as
comunicações entre entidades móveis (como navios e aeronaves) que não se podem deslocar
com cabos de fibra ótica presos à popa ou à cauda. São igualmente importantes para radiodifusão
(i.e. comunicação num único sentido, broadcasting), em que, teoricamente, um só satélite
geoestacionário pode cobrir um terço do planeta (e três poderão cobrir todo o planeta). A
comunicação entre satélites em órbita á volta da Terra criou, também, condições estratégicas
únicas no campo das comunicações, embora não constituam uma infraestrutura de massas que
como os cabos de fibra ótica o são efetivamente

1
empresas transnacionais, motores de busca, fornecedores de dados, bancos e
banca, i.e. informação e instruções relacionadas com investimentos públicos e
privados, movimentos financeiros de hedge funds, canais de televisão, o YouTube, o
Facebook e os Googles ou os pacotes de 140 ou 280 caractéres do Twitter, bem como
quase todos os dados, os esquissos, e os deliverables das instituições de
investigação e desenvolvimento4.
Os preços comparativos têm nisso um papel central, como o têm as
velocidades e redundâncias (e por conseguinte resiliências) comunicacionais
logradas e, bem assim, a sua amplitude: um cabo submarino, cuja secção vai de a
de uma mangueira de jardim à de uma de bombeiros. Cabos que servem de
“veículos”, ou criam “percursos”; cabos que contêm centenas de milhares de
filamentos de vidro com a espessura de uma cabelo, cuja capacidade alimentada
por transmissores ópticos não pára de crescer – o cabo MAREA, planeado hoje
com 906 Gbps, amanhã terá velocidades altíssimas de transporte de dados, que
chegarão aos 160 Tbps.
O que não é despiciendo – em consequência o “ciberespaço” tem uma
forte dimensão óptica e submarina que sustenta – e dá corpo e expressão – uma
espécie de sistema nervoso central das novas tecnologias de comunicação com
que contracenamos, e que tanto nos formatam; que assim nos redesenham e que
tão rápida quão inexoravelmente reconfiguram o mundo em que vivemos. A
geometria deste suporte tecnológico submarino para além de heterogénea é
bastante variável. Uns poucos destes cabos submarinos são curtos, como o
CeltixConnect, de 131 quilómetros a ligar a Irlanda ao Reino Unido, outros
muitíssimo longos, como o Asia America Gateway, que se estende ao longo de 20
mil. O número deles está sempre a crescer, mas no começo de 2017 eram já 428
(quatrocentos e vinte e oito) os cabos ópticos submarinos (open source, ou seja
não-classificados) em serviço um pouco por todo o mundo. Isto embora, como
iremos ver, a sua distribuição global tal como as localizações dos pontos que
conectam, as redes que tecem, ou até as suas características físicas e técnicas,
sejam tudo menos homogéneas.
O que, como também aqui iremos verificar, suscita, em diversos planos,
questões fascinantes que importa pelo menos equacionar. Neste breve texto
focarei primeiro apenas os lugares geográfico-espaciais dos seus “pontos
amarração” (a telegeografia, aqui os seus lugares, ou sítios, litorais de partida e
chegada) e a heterogeneidade dos clusters de percursos por que se estendem,
sublinhado a par e passo a sua alçada crescente nas suas diversas fases. O meu
ponto focal estará, sempre, no caso português.
Num ultimo passo, numa terceira breve secção final, teço algumas
considerações, que embora sejam apenas tentativas, são também mais
ambiciosas ao nível da interpretação.

4É interessante a constatação que esta dicotomia abaixo/acima não é estanque: desde há alguns
anos que se aventam meios de ligar as redes submarinas a comunicações no ar. Ver, por todos o
artigo de Seyed Nawaz et allia (2015) “Airborne Internet Access Through Submarine Optical
Fiber Cables”, IEEE Transactions on Aerospace and Electronic Systems, vol. 51, no.1, pp: 167-177.
A proposta é a de ter navios estacionados por cima dos nodos submarinos e a eles ligados por
cabo, dispostos ao longo de rotas aéras comerciais que poderão server de emissores wireless que
podem disponibilzar acesso rápido e barato à internet aos aviões que por cima passam.

2
O caso de Portugal: dos cabos telegráficos submarinos a partir de 1855 aos de fibra
óptica desde 1992: do telégrafo Morse e dos telefones à internet de banda larga

Alguns momentos importantes para Portugal5, no seguimento, aliás, do


que tinha acontecido desde o século XIX e até finais dos anos 60 do XX, com as
linhas telegráficas que por cá amarravam: o primeiro cabo submarino de fibra
óptica e digital foi o EURÁFRICA, lançado em Portugal em Agosto de 1992, e liga
a França a Portugal Continental (amarrando em Sesimbra), a Marrocos e à
Madeira, com uma extensão total de 3.110 quilómetros e capacidade global para
46.080 circuitos, tendo sido criada, na Madeira, um dos principais pontos de
amarração portugueses, o Centro de Telecomunicações da Madeira; depois de
desactivados os cabos axiais UK-POR, que desde 1969 ligava Sesimbra a Goonhill,
na Inglaterra, e o SAT-1 que desde o mesmo ano (e com 360 circuitos telefónicos
e uma extensão de 10.950 quilómetros) tinha sido estentido entre Portugal e a
África do Sul, com uma ligação à ilha do Sal, num Cabo Verde ainda portugês,
entrou em funcionamento o nessa altura terceiro maior cabo de fibra óptica do
mundo, o sistema crismado SAT-2; hoje está fora de funcionamento, mas ligava a
África do Sul a Portugal, na região Autónoma da Madeira, com uma extensão total
de 9.500 quilómetros e uma capacidade global de também 46.080 circuitos,
levando à desactivação do cabo coaxial CAM-1, de 1969, por insuficiente e
desnecessário; em Junho de 1996 foi promovido o lançamento do cabo TÁGIDE-
2, entre Portugal e França, um cabo mais tarde integrado como segmento do
sistema SEA-ME-WE 3.
Nesse mesmo ano, e com vista a alargar as conectividades potenciais da
rede portuguesa, tinha sido lançado o sistema BUGIO, a ligar Sesimbra a
Carcavelos, que se tornavam num hub nacional central, com uma curta extensão
de 73 quilométros e sem repetidores – a centralidade de Portugal na rede óptica
atlântica e global adensava-se a passos largos, na mesma lógica, aliás, tal ia ser o
caso dois anos depois, quando em 1998 foi implementado o sistema “doméstico”
óptico submarino apelidado SAGRES, a ligar Sesimbra a Burgau, estendido ao
longo de 303 quilómetros e com a capacidade de 202,5 Gbps; no mesmo ano de
1998 entrou em serviço o sistema ANEL AÇORES, ligando em anel o Grupo
Cenral ao Grupo Oriental de ilhas do arquipélago, numa extensão de 839
quilómetros e capacidade de 60 Gbps por segmento, com amarração nas ilhas de
S. Miguel, Terceira, Graciosa, S. Jorge, Pico, e S. Maria (na primeira, na segunda, e
na última com dois pontos de amarração).
Uma rede “doméstica” estava preparada para o grande salto, a entrada em
funcionamento do enorme sistema já referido, então alargado pelo SEA-ME-WE
3, a ligar a Alemanha, Portugal (Sesimbra), Macau, Austrália, e Japão; com um
comprimento total de 39.000 quilómetros e capacidade instalada nos terminais
de 980 Gbps, foram então, por ordem alfabética e para além dos já elencados, os

5 Informações recolhidas no excelente e imprescindível trabalho de José Vilela (2017), Datas e


Factos do Cabo Submariono em Portugal (1855-2015), Fundação Portuguesa das Comunicações. A
larga maioria da informação que se segue vem da notável cronologia aí compilada. As
interpretações dela aqui oferecidas são da minha inteira responsabilidade. Não posso deixar de
agradecer aos meus amigos Eng. Lino Santos e Cmdt. João Fonseca Ribeiro os muito úteis
comentários à primeira versão deste texto, bem como a colegialidade sempre demosntrada,
designadamente numa conferência a seis mãos que com eles tive a honra de levar a cabo na
Sociedade Histórica da Independêcia de Portugal (a SHIP) logo antes do Verão de 2017.

3
Estados onde amarraram os cabos do sistema amplado: Arábia Saudita, Bélgica,
Brunei, Chipre, Coreia do Sul, Djibouti, Egipto, Emiratos AU, Filipinas, França,
Grã-Bretanha, Grécia, Hong Kong (ainda não anexada), Índia, Indonésia, Itália,
Malásia, Marrocos, Myammar, Omâ, Paquistão, Singapura, Sri Lanka, Tailândia,
Turquia, e Vietnam. Um verdadeiro Leviatâ… e um Leviatâ que se viu num ápice
conectado nesse mesmo ano de 1999 ao sistema COLUMBUS III e ao WESC, o
primeiro com ligações ao Mediterrâneo e translatlântica aos EUA, e o segundo
articulando em rede Estados da Europa Ocidental, e depois integrado, no ano
2000, com o sistema PORTUGAL-AÇORES por um par de fibras ópticas
desenroladas entre as estações de Carcavelos e a de Ponta Delgada, com uma
extensão de 1.829 quilómetros e uma capacidade de 130 Gbps por segmento;
mais ainda, nesse mesmo ano de 2000 entraram em funcionamento os sistemas
ATLANTIS 2 e o 3/WAGS/SAFE, WDM, o primeiro ligando Portugal (Carcavelos e
Funchal, na Madeira) à Argentina, ao Brasil, às Canárias e à Espanha Continental,
e ao Senegal, uma rede de 13.000 quilómetros de cabos, e o segundo sistema,
com uma rede de 14.500 quilómetros de extensão total e capacidade de
920Gbps, ligando Portugal (Sesimbra) à África do Sul – com articulações para
Angola, Gabão, Camarões, Nigéria, Benim, Costa do Marfim, Senegal, Grande
Canária, e Espanha; bem como com uma secção conectada para oriente,
apelidada de SAFE a ligar a África do Sul às Ilhas Maurícias, às da Reunião, à ìndia
e à Malásia.

Imagem. Sesimbra, 2001, um imagem do processo do amarração do cabo SAT-3.

Uma verdadeira grand tour… e uma volta reforçada na primeira década


do século XXI, e mais ainda na segunda década do novo milénio, em que se deu o
grande boom português neste domínio por via de um adensamento das ligações e
um reforço das respectivas capacidades, entre Portugal e Espanha, a Madeira, os
Açores, e as Canárias. E uma série de ampliações nas quais se torna evidente que
para Portugal as ligações norte-sul têm tido mais importância do que as leste-

4
oeste, assim alinhado infraestruturas com potencias mercados. Por outras
palavras, a geografia da chamada CPLP e a telegeografia comunicacional
coincidem assim grosso modo, o que é tido pelos decisores politicos nacionais
como vital para os conteúdos em língua portuguesa – que tem sido sempre uma
preocupação central da nossa política externa, que considera, assim, conseguir
garantir o seu cresceminto e impacto global. Uma abrangência cada vez maior de
conectividades que nos ofereceu uma centralidade que Portugal e as empresas
portuguesas não tinham desde finais do século XVIII, e que culminou, em 2010,
com a entrada em funcionamento, a 1 de Julho, do sistema de cabos ópticos
designado como MAIN ONE, com 7.000 quilómetros e a capacidade de 1,92 Tbps;
um cabo que sai de Portugal (Seixal) e amarra noutros Estados do Golfo da Guiné
e da África Ocidental, com derivações para as Canárias, Marrocos, Senegal, Costa
do Marfim e Gana.
O boom teve uma repercussão geral no aumento de uma das
conectividades da Bacia do Atlântico, sobretudo no sul dela, na segunda década
do século XXI, que deu corpo a uma intensificação de tudo isto, com os 15,000
quilómetros e 1,3 Tbps do Europe India Gateway (EIG) logo em 2010, saindo da
Inglaterra para Portugal (Sesimbra) e daí para o Mediterrâneo, da Marrocos ao
Mónaco, à Líbia e o Egipto, e depois do Suez à Arábia Saudita, ao Djibouti, a
Muscat e aos Emiratos AE, até amarrar na Índia, em Bombaím; logo de seguida, a
11 de Maio de 2012, foi inaugurado o sistema WACS (DWDM com amplificação
óptica a sair de novo da Inglaterra para Portugal (Seixal) e daí para doze Estados
da África Ocidental, até à África do Sul, portanto incluindo a Namíbia, numa
extensão formidável de 14,916 quilómetros e uma capacidade instalada de 5,2
Tbps; e nesse mesmo ano de 2012, um segundo sistema, o ACE, de 17,000
quilómetros e capacidade potencial de 5,2 Tbps, a ligar a França a Portugal
(Carcavelos) e depois para sul, ligando às costas de catorze Estados da África
Ocidental, muitos quais osEstados lusófonos. Um feito. Muito há que nos indica
que o futuro promete. Embora ainda sem concretização práctica, foi em 2014
proposto o lançamento de um sistema de cabos ópticos submarinos, designado
ACSea, numa espécie de circuito a ligar Boca Ratton (Estados Unidos), o Seixal
(Portugal), Sangano (Angola), Fortaleza, S. Paulo (Brasil) e Maldanado (Uruguai),
com quatro pares de fibra óptica e um comprimento total notável de 27.000
quilómetros. Um circuito que será como que uma roda, ao mesmo tempo sul-sul e
norte-sul. Em termos técnicos tudo isto soletra que as lacunas existentes no
hemisfério sul, sobre tudo nas bacias do Atlântico e do Índico, se irão ver pelo
menos parcialmente colmatadas, visto as novas conexões prometerem uma
redução do tempo de latencia das comunicações, e por essa via um maior
potencial de desenvolvimento.
Como se pode verificar, têm sido três os pontos de amarração de cabos
submarinos em Portugal, a saber em Carcavelos, Seixal e Sesimbra. Esperemos que
esteja de facto em fase de conclusão de contrato de construção um novo ponto de
amarração, desta feita em Sines. Um ponto novo de uma amarração anunciada num
lugar estratégico, que irá receber o cabo Ella-Link que vai ligar a América Latina à
Europa. O cabo Monnet liga hoje Santos-Fortaleza-Boca Ratton; o SACS vai ligar a
partir de 2018 Sangano a Fortaleza, e o WACS através, dos respetivos segmentos, liga
Sangano a Portugal. E o Ella-Link poderá vir a ligar Sines a Fortaleza. Portugal outra

5
vez no centro de um novo Mare Nostrum atlântico, e comparativamente muitíssimo
bem conectado 6.
Em guisa de conclusão, irei agora virar-me para o que considero ser uma
muito bem-vinda, e a meu ver muitíssimo curiosa, surpresa.

A distribuição geográfica heterogénea dos clusters de pontos de amarração dos


cabos no Atlântico e a centralidade de Portugal num nexo marítimo renascido

É fascinante verificar que a retoma atlântica e global de uma centralidade


portuguesa foi confirmada há apenas alguns anos, na volta do milénio e no
princípio do século XXI. Com efeito, em 2009 poucos eram os cabos que cá
amarravam (ver Mapa 1., abaixo).

Mapa 1. A situação em 2009

Em 2017 partilhamos com o Reino Unido, a Holanda, a França, e a Dinamarca


uma centralidade curiosa. Uma esmagadora maioria dos cabos submarinos que
amarram na Europa e dela arrancam para o Novo Mundo saem de, ou amarram em,

6
O impacto deste sistema de cabos não é de subestimar. Para o caso das ligações telegráficas
submarinas criadas a partir da segunda metade do século XIX, ver o artigo, ainda não piublicado mas
disponibilizado já pelo autor em forma de draft no site-repositório academia.edu de Charles Jones
(2017), “The global telegraph network and the international system”. Para o caso dos cabos telegráficos
submarinos e da posição-localização de Portugal, em que Portugal é apelidado de “via de trãnsito do
tráfego telegráfico intenracional”, utilizada pelas potências coloniais europeias e depois pelo Estado
português com o intuito de lograr um controlo efectiva da África, ver a tese de doutoramento de Ana
Paula Silva (2007), A introdução das telecomunicações eleéctricas em Portugal: 1855-1939, pp. 73-
157, também disponivel no site academia.edu sob o onome da autora, e sob o título Locality in the
global world: facts and reflections on the Lusitanian land. Examples of the heritage of submarine
cables (sic, tradução da autora) . Para uma análise mais geral, ver o artigo de Timothy Walker (2005),,
“Lisbon as a strategic haven in the Atlantic World”, um capítulo de um livro editado por Wim Klooster
e Alfred Padula com o título de The Atlantic WorldEssays on slavery, migration, and imagination, pp.
60-76, Pearson Prentice-Hall, New Jersey.

6
Portugal e/ou destes outros cinco Estados europeus (ver o segundo mapa, abaixo deste
parágrafo). O que não é trivial. Pensar-se-ia que seria por mercê das posições
geográficas em que calhamos estar que formamos, em conjunto, um hub europeu que
se liga ao litoral leste norte-americano, articulando conectividades múltiplas entre os
dois maiores blocos comerciais do planeta, o Europa e a NAFTA. Mas tal não é o
caso.
De uma Noruega dotada de uma longa costa atlântica, não saem quase
nenhuns cabos submarinos; da França, cuja costa atlântica é bem mais extensa que a
mediterrânicsa, a maioria dos cabos saem para o Mediterrâneo – curioso, pois um
enorme número dos Estados nos quais a língua francesa é uma das línguas oficias (ou
pelo menos mais comum como língua franca) está no Atlântico e apenas alguns (a
Argélia, a Tunísia, e o Líbano) no Mediterrâneo. Mutatis mutandis, tal é também o
caso com a Espanha, cuja costa mediterrânica é bastante maior longa do que o seu
litoral atlântico – neste último exemplo, de novo interessante e à primeira vista
incongruente, note-se que a larga maioria dos Estados que falam castelhano, e que
com Espanha por via de regra mantêm relações privilegiadas. estão do outro lado do
Atlântico e não no Mediterrâneo.
Podemos ir mais longe. Nem o posicionamento geográfico, no sentido especial
e posicional são por isso diacríticos; como o não são, pelo menos de maneira linear,
os critérios politico-geográficos ou culturais, históricos ou linguísticos mais óbvios. A
contrario, também a geografia parece de ser descartável como factor determinante ou
sequer particularmente propiciador, uma vez que tanto a Holanda como a Dinamarca,
apesar do papel nodal que têm, estão espacial – e por isso inconvenientemente, para o
o efeito – posicionadas por detrás das ilhas britânicas, sem ligação em linha directa às
Américas ou a África…

Mapa 2. A situação em 2015-2016

Um momento de reflexão mostra-nos que os cabos ópticos submarinos que


saem para o Novo Mundo e a África a partir do litoral da Europa não são os mais

7
ricos, nem os mais desenvolvidos, nem os mais virados para o Mar-Oceano – ou, em
todo caso não o são no presente. A hesitação causal mantém-se assim…
Certo é que os Estados de onde partem os cabos submarinos transatlânticos
parecem ser aqueles onde há instalações portuárias de larga escala, que albergam
portos de águas profundas, ou nos quais grandes empresas públicas, privadas, ou
publico-privadas, estão também viradas para o outro lado da Bacia do Atlântico, o que
poderá levar ao uma coordenção especial de interesses económicos. Mas este racional
sabe a pouco, quanto mais não seja porque deixa de fora casos como os da Alemanha
e mais genericamente os das regiões, reinos. e cidades-Estado. onde desde os tempos
da Liga Hanseática o comércio marítimo foi, e tem desde então sido, sobretudo
atlântico, entidades agora localizadas na Alemanha, na Noruega, ou na Polónia e nos
Estados Bálticos, para só elencar alguns exemplos mais óbvios. Mais interessante
ainda se notarmos que são precisamente estes os Estados mais conectados à internet,
sobretudo os da parcela oriental da Bacia do Báltico… e não são pontos de amarração
particulaemtnete importantes, seguramente em larga medida pelo seu acantonamento
geográfico num cul-de-sac.
Quais serão, então, em última instância, os motivos para esta centralidade que
nos inclui, a nós portugueses? Uma resposta, embora decerto incompleta, emerge num
escrutínio mais cuidado: os cabos transatlânticos de fibras ópticas submarinas, que
depois se articulam em rede e por via de conectividades e derivações aos cabos
globais que servem de suporte à internet, saem, no que à Europa diz respeito, na sua
esmagadora maioria, dos antigos impérios marítimos que foram sendo criados a partir
do Renascimento e sobreviveram até à segunda metade do século XX: a saber, e por
ordem cronológica, Portugal, a Grã-Bretanha, a Holanda, a França, e, embora tão-só
residual ou marginalmente, a Dinamarca 7 . A Espanha foi sobretudo um império
terrestre – e esse terminou logo no início do século XIX, com pequenas embora
importantes excepçôes como Cuba e as Filipinas, ambas perdidas em 1898 (tal como
enormes partes do norte do México ainda espanhol, o foram) no quadro desastroso
para Madrid, da Guerra hispano-americana. Mesmo no passado distante, Toledo e
depois Madrid não tiveram a intenção de criar um verdadeiro império marítimo, antes
apostando numa colecção de fragmentos imperiais de natureza no essencial
continental, como o atestam o facto de a sua construção ter sido vista como actos de
conquistadores que se estabeleceram em capitais quase invariavelmente no centro dos
territórios ocupados.
No caso dos impérios marítimos, as capitais, quando as havia, tendiam a estar
posicionadas no litoral, e o facto dos pontos contemporaneous de amarração dos
cabos de fibras ópticas amarrarem nas antigas Metrópoles não deve de modo nenhum
ser encarado como a permanência de um mero resíduo histórico colonial ou imperial,
ou sequer apenas comercial, que teria permanecido através dos tempos – e não o são,
no caso português, visto que, em 2009, poucos eram os cabos ópticos submarinos
transatlânticos que não tivessem como ponto de amarração atlântica europeia Estados
outros que o Reino Unido, a França, e os Países Baixos (em boa verdade, a antiga
grande Flandres, a região anterior à criação pós-Napoleónica, pelos britânicos, da

7
A Presença dinamarquesa no Atlântico não foi pqueno, nem se resumiu ao Atlântico Norte,
designadamente à Islândia e à Greonelândia, ainda hoje (2017) uma sua parcela. Também foram
estabelecidas numerosas plantações dinamarquesas nas chamadas Índias Ocidentais Dinamarquesas
(hoje as Virgin Islands norte-americanas), e na costa da Guiné, nomeadamente no que é hoje o Gana. O
papel dos dinamarqueses na pirataria atlântica e no comércio de escravos não são também de desprezar.
Ver, por todos, o notável artigo de (2001), “The Danish ban on the Atlantic slave trade, and Denmark’s
African colonial ambitions, 1787-1897”, Itinerario, vol. 25, no. 3-4, pp.154-184.

8
Bélgica), cujas ligações a pontos do litoral português foram sendo criadas depois nos
últimos anos, depois de uma interrupção de algumas décadas relativamente aos
anteriores cabos telegráficos, cujos pontos de amarração não eram por norma os
mesmos.
A centralidade portuguesa, que penso ter feito sobressair, resultará de um
mero acaso? Julgo improvável que assim seja. A correlação é estreita demais para
excluir dedos politicos, dedos esses porventura ancorados numa União Europeia
apostada, tal como os grandes grupos económicos europeus – e apostada com maior
veemência desde a crise encetada em 2008 – em marcar posições numa bacia
oceânica e num quadro internacional nos quais, na ausência de um poder militar
próprio, as afirmações comunitárias (e as individuais dos Estados-membros), se
cingem a meros posicionamentos estratégicos de natureza comercial e política.
Acresce, também, uma desaceleração induzida de uma liberalização quantas vezes
adiada, e por conseguinte tardia, no sector das telecomunicações em Portugal, e um
acumular de erros estratégicos – a aposta da Portugal-TELECOM nas tecnologias
RDIS e ATM, quando em todo o redor os operadores se preparavam para o TCP/IP e
a internet8.
A centralidade portuguesa conseguida no final da primera década do século
XXI, que aqui tentei pôr em evidência, foi uma resultante de novas tecnologias e da
multiplicidade dos pontos de amarração, e é, nesta leitura, uma consequência da
interação de todos estes factores. Bem como da proactividade, embora tardia, de
actores nacionais portugueses como a Marconi, a Portugal-TELECOM, e a PT, entre
outras que, ao serem forçados a enfrentar uma situação proteccionista e pouco
abonatória para o processo imprescindível de liberalização, se foram aliando,
fundindo, e articulando em consórcios com equivalentes laterais europeus, norte-
americanos, e cada vez mais, também ainda com parceiros centro- e sul-atlânticos,
africanos orientais e asiáticos. Como tanta vezes foi o caso na nossa História, os
custos exorbitantes de pasaer por via terrestre os Pirinéus acabou por nos levar a
dirigir os nossos investimentos público-privados económico-tecnológicos e politicos
para o Atlântico.

8
Agradeço ao Engenheiro Lino Santos o ter repetidamente chamado a minha atenção para este ponto
crucial, tantas vezes ignorado.

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