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Faculdade Armando Álvares Penteado
Na exposição “Arte para crianças”, algumas propostas foram utilizadas pelos
educadores para as obras em cuja maneira de interação encontrava obstáculos quanto
a conservação ou mesmo sobre a maneira de interação que dialogava com o trabalho
do artista. Nesse momento, pode-se refletir sobre as maneiras de se interagir com as
obras, de acordo com elas mesmas, ou com o educador.
Aqui encontramos um ponto de extremidade a que podem chegar algumas
bem-intencionadas mediações: a de ultrapassar o sutil limite entre orientar e
direcionar.
É certo que muitas das obras interativas necessitavam de uma orientação
cuidadosa, pois abriam possibilidades para algumas formas de interação que se
desviavam completamente da proposta e do trabalho do artista. E, como veremos
adiante, é indispensável que a obra e seus signos estejam presentes e vinculados a
toda e qualquer forma de interação. Pelo público por si só, independente do educador,
essa idéia encontrou sua diferença no caso da atividade proposta para a obra de
Amílcar de Castro4, em que se disponibilizavam tesoura e papéis brancos e espessos
para um exercício de criação tridimensional – esculturas – por meio de cortes e
dobras. Sem a orientação do educador, o público era quase unânime em nem ao
menos perceber que ali havia uma enorme estante com centenas de esculturas de aço
feitas a partir de corte e dobra; e mesmo a escultura de maior tamanho que ocupava
o centro da mesa onde era desenvolvida a atividade muitas vezes passava
despercebida. Assim, as folhas de papel eram freqüentemente utilizadas para que as
mães recortassem corações e outras formas bidimensionais para os filhos
estimulando-os a fazer o mesmo, utilizando aquele material e aquele espaço como
uma área de descanso e distração com papel e tesoura.
O mesmo ocorria com os blocos de madeira que eram réplicas das esculturas
modulares de pau-ferro de Amílcar de Castro. O intuito, ali, era que o visitante
descobrisse as múltiplas possibilidades de se criar esculturas com poucas e simples
formas. Nem sempre isso acontecia, e por isso os educadores sentiam-se impelidos a
estabelecer um diálogo de orientação, que, assim como na obra com peças de encaixe
do artista Ernesto Neto, às vezes limitava a criação e anseios individuais de um
visitante que estivesse trabalhando de maneira diferente com as peças, e isso não
queria dizer exatamente que estavam equivocados como no caso dos papéis de
Amílcar. Por vezes estavam simplesmente subvertendo a maneira de utilizar as peças
de uma obra (encaixando-as nas que não eram seus pares, usando-as do “avesso” ou
sobrepostas) mas ainda sim criando uma composição em diálogo com a obra. Por
4
Amílcar de Castro se destacou por manipular o aço com a técnica de "corte e dobra" e, a partir dela, produzir
centenas de esculturas
outro lado, temos a contra-mão desse questionamento, pois aqui a problemática,
apesar de ser a mesma, tem origem no público e não no educador. E tal problemática
é muito bem explicitada nas palavras de um dos educadores da exposição, Felipe
Salem: “Uma pergunta freqüente dos visitantes era 'o que tem que fazer aqui?' –
como se cada obra dependesse de um comportamento específico do público. Então no
Athos Bulcão 'era para' colocar os imãs na parede, no Sued 'era para' trocar os panos
da estrutura, na Yoko 'era para' pendurar os desejos na árvore, e assim por diante...
Observar também é uma forma de interação com um objeto. Ninguém questiona 'o
que se tem que fazer' em uma exposição de pinturas. Talvez o público esteja mais
acostumado com trabalhos de arte que foram feitos para serem experimentados
através da visão. Mas, ao mesmo tempo, as obras que mais atraiam a curiosidade dos
visitantes eram exatamente as que proporcionavam diferentes formas de interação.
Quando trabalhei na exposição 'Arte para Crianças', essa foi uma questão na qual
pensava muito. No século XX, através de instalações participativas, diversos artistas
questionaram toda a relação tradicional (de suposta passividade) entre público e obra.
Mas me parece que hoje o que acontece é o inverso. O público acredita que para cada
obra existe uma ação 'correta' a ser realizada, e isso me parece ser uma relação
muito mais passiva do que ativa”.
“A obra dita os meios pelos quais você vai interpretá-la. Você não pode interpretar
Hamlet como se fosse uma comédia. Na obra há indícios de que é uma tragédia. O
mesmo acontece com uma pintura. Você tem de colocar na obra elementos que
justifiquem a sua interpretação. (...) A grande pergunta não é o que o artista quis dizer
com isso, mas sim, o que a obra diz. O leitor da obra atribui diferentes significados de
acordo com a sua experiência. Acontece que esse significado tem de estar confirmado
na obra.”
Outro ponto reside no próprio fazer artístico, que caracteriza a obra interativa e
sua idéia de co-autoria. Nele, a problemática encontra-se no fazer sem perceber, sem
se estar atento a cada movimento da experiência, como descreve Dewey:
“Porque em grande parte de nossa experiência não nos ocupamos da conexão de um
incidente com o que sucedeu antes ou com aquilo que há de suceder depois.(...)As
coisas acontecem, mas nem são definitivamente incluídas, nem decisivamente
excluídas; navegamos à deriva. Cedemos de acordo com a pressão externa, ou nos
evadimos e nos comprometemos. Há começos e cessações, mas não há genuínos inícios
e conclusões.
Uma coisa substitui outra, mas não a absorve nem a traz consigo. Há experiência, mas
tão lassa e digressiva que não é uma experiência. Nem é preciso dizer, tais experiências
não são estéticas.” (1974, p.250)
A mediação é essencial para que a obra de arte interativa seja arte para o
público?
Chegamos aqui a uma questão importante, que envolve não somente uma
problemática relacionada à arte-educação, mas também o próprio conceito e valor
artístico da obra interativa.
Nos relatos dos educadores essa questão tem opiniões que se aproximam de
um consenso: a arte interativa depende de mediação para que seja encontrada
verdadeiramente como arte pelo público.
Para além dessa questão de dependência, ou não, pode-se refletir se a
mediação está incluída – assim como sabemos estar a própria interação do público –
na co-autoria incitada pela obra de arte interativa.
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Obra “A nave e o imaginário” de Eduardo Sued: estrutura de metal colorida e vários tecidos de diversas cores e
tamanhos.
6
Obra de Athos Bulcão que reproduzia seus azulejos utilizados em mural no Memorial da América Latina:
reproduções em imã dos azulejos, em grande quantidade, em tamanho original e parede com tinta imantada.
Conclusão
7
Declaração de Ana Mae Barbosa ao final de sua palestra no Congresso de Arte Educação (Congresso Latino
Americano e Caribenho de Arte/Educação, 19º Congresso Nacional da Federação dos Arte/Educadores do Brasil –
CONFAEB e o Encontro Nacional de Arte/Educação, Cultura e Cidadania) ocorrido em Belo Horizonte em novembro
de 2009.
8
Ana Mae Barbosa em entrevista à revista “E” do portal SESC.