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EDUCAÇÃO EM PROXIMIDADE

Gabriel Perissé *

Um dos maiores desafios da educação em proximidade (EeP) é que as pessoas precisam


estar presentes, ocupando espaços físicos e tendo contato visual com outros seres
humanos. Esta modalidade de ensino/aprendizagem, extremamente atual e revolucionária,
será decisiva para a construção do futuro educacional do nosso planeta.

A EeP exige de professores e alunos uma série de competências e habilidades, dentre as


quais destacam-se a arte de dialogar com clareza e a leitura gestual e facial.

A interação verbal requer o aperfeiçoamento constante do pensamento, bem como a


construção de um vocabulário capaz de abranger inúmeros temas. Na EeP, os alunos se
encontram juntos, no mesmo espaço físico, propiciando uma experiência social (e
linguística) que dificilmente seria possível realizar se estivessem em suas casas, longe uns
dos outros. Esta radical socialização se faz mediante a complexa linguagem verbal e outras
formas sutis de comunicação, como os gestos e olhares.

Um fenômeno que chama a atenção dos especialistas em EeP são as conversas paralelas,
entrecruzadas e simultâneas numa sala de aula presencial, o que permite a manifestação
de uma incrível pluralidade de opiniões sobre os mais diversos temas. O que parece, à
primeira vista, ser a reprodução moderna da Torre de Babel, analisada com atenção revela-
se um retrato vivo da nossa condição de seres loquentes.

Improvisar é humano

Como as aulas de EeP não foram gravadas anteriormente, todos os alunos terão acesso à
capacidade de improvisação dos professores e de seus colegas. A ausência de roteiros
rígidos e o fato de todas as cenas reais acontecerem segundo a lógica de um sofisticado
sistema real-time, predomina a sensação de que cada minuto é precioso: sua riqueza está
enraizada na criatividade de cada pessoa envolvida.

Na improvisação, o mestre pode vincular as ideias que surgirem naquele momento a outras
que, de modo geral, encontram-se arquivadas em sua memória (falível e limitada). O que
poderia ser visto como precariedade possui uma força de convencimento inusitada. A
espontaneidade só pode ser adquirida depois de longa experiência.

Dizia um escritor (cujo nome esqueci...) que é preciso treinar muito para chegar à maestria
da improvisação. Improvisar é humano. O improviso, que é por definição o não previsto,
tem o condão de maravilhar ouvintes. Ficamos impressionados com alguém que, expondo
o que sabe, sabe também reconhecer o muito que não sabe. Aulas perfeitas só existem no
cinema...

Ao improvisar, o professor se aproxima dos alunos, mostrando-lhes, na prática do discurso,


que todo e qualquer curso é bom na medida em que suscita a crítica, a pesquisa, a alegria
de pensar. Máquinas e aplicativos jamais conseguirão resolver o grande problema
pedagógico. Este grande problema é o pulo do gato...
O pulo do gato

Uma espertíssima onça ficou sabendo que o gato estava ministrando um curso sobre pulos.
A ementa era maravilhosa. Diversos tipos de pulos seriam ensinados ao longo de dez aulas
particulares. O discípulo iria aprender todos os pulos necessários para sobreviver na selva.
O gato, conhecido por suas sete vidas de experiência, tinha um currículo invejável, além de
ser um felino adorado por muitos povos desde o tempo dos egípcios.

Melhor professor não haveria, e a onça se matriculou naquele curso.

Durante dez intensas aulas, teóricas e práticas, a onça pulou de tudo quanto foi jeito. O
gato era um professor severo, mas não cruel. Toda vez que a onça se atrapalhava, o gato,
com paciência inigualável, mostrava o quanto era possível ganhar em agilidade e eficácia.

Finalmente, na última aula, o gato deu por encerrado o curso. Na breve cerimônia de
formatura, disse ele à aluna:

— Muito bem, dona Onça, a senhora concluiu o curso com nota máxima! Aqui está o seu
diploma!

— Quanta emoção, professor! Mas, me diga uma coisinha: o senhor realmente me ensinou
todos os pulos?

— Todos, dona Onça! A senhora pode considerar-se já uma expert em pulos. Não haverá,
em todo reino animal, onça com maior habilidade para executar os mais primorosos pulos!

— Que bom saber! Muito obrigada!

E tão logo recebeu das mãos do gato o seu diploma, a onça investiu contra o professor,
com a evidente intenção de devorá-lo!

Neste momento, porém, o gato escapou do ataque traiçoeiro, executando um salto


fantástico, e colocando-se, em dois segundos, no mais alto galho de uma árvore próxima.

A onça deu com os burros n’água! Pálida, gaguejante, perguntou então ao mestre gato:

— Como? Como foi? Mas... mas este salto o senhor não me ensinou?

— Pois é, dona Onça! Este eu não ensinei, porque este é exatamente o pulo do gato!

O pulo do aluno

As redes sociais que se criam entre os alunos permitem que, para além da sala de aula, e
para além do período em que transcorre o seu curso, continuem eles em contato, inclusive
virtualmente, graças aos recursos da mais avançada tecnologia.

O que faz da EeP uma ocasião insubstituível de aprendizado é que possamos assistir, no
calor da hora docente, aquele momento em que os professores nos deixam aprender com
total liberdade. Quando a performance de um professor, ao vivo e em cores, entusiasma os
alunos, a EeP demonstra todo o seu grande potencial.
Há e haverá sempre uma distância entre quem ensina e quem aprende.

Cada qual precisa desenvolver o seu próprio pulo do gato.

* Gabriel Perissé é professor da PUC-RS, escritor e palestrante – www.perisse.com.br

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