Você está na página 1de 25

Linguística

1- O que é linguística

O termo “Linguística” pode ser definido como a ciência que estuda os


fatos da linguagem. Para que possamos compreender o porquê de ela ser
caracterizada como uma ciência, tomemos como exemplo o caso da gramática
normativa, uma vez que ela não descreve a língua como realmente se
evidencia, mas sim como deve ser materializada pelos falantes, constituída por
um conjunto de sinais (as palavras) e por um conjunto de regras, de modo a
realizar a combinação desses. Assim, a título de reforçarmos ainda mais a idéia
abordada, consideremos as palavras de André Martinet, acerca do conceito de
Linguística:

“A linguística é o estudo científico da linguagem humana. Diz-se que um


estudo é científico quando se baseia na observação dos fatos e se abstém de
propor qualquer escolha entre tais fatos, em nome de certos princípios
estéticos ou morais. ‘Científico’ opõe-se a ‘prescritivo’. No caso da linguística,
importa especialmente insistir no caráter científico e não prescritivo do estudo:
como o objeto desta ciência constitui uma atividade humana, é grande a
tentação de abandonar o domínio da observação imparcial para recomendar
determinado comportamento, de deixar de notar o que realmente se diz para
passar a recomendar o que deve dizer.

A tarefa da linguística

 Descreve uma língua e conta sua história.

 Estuda os fenômenos para deduzir as leis que os provocam.

 Limita-se como ciência, mas tem relações profundas com outras:


Fisiologia, Sociologia, Psicologia Social, etc.

1
O objeto da linguística

Para os linguistas fica difícil definir o objeto da linguística sem esbarrar em


outras ciências. Desta forma não se pode estudar a língua isolada da
linguagem. Então, a linguística toma a língua como norma de todas as
manifestações da linguagem. (há discussões sobre o fato de ser ou não natural
a função propriamente da linguagem). No entanto, Saussure vê a língua como
o real objeto da linguística.

* Psicolinguística – trata-se da parte da linguística que compreende as


relações entre linguagem e pensamentos humanos.

* Linguística aplicada – revela-se como a parte dessa ciência que aplica os


conceitos linguísticos no aperfeiçoamento da comunicação humana, como é o
caso do ensino das diferentes línguas.

* Sociolinguística – considerada a parte da linguística que trata das relações


existentes entre fatos linguísticos e fatos sociais.

2- ANÁLISE TEÓRICA

O ato de educar, na atualidade, tem se apresentado como um desafio aos


educadores, já que o papel fundamental da educação no desenvolvimento das
pessoas e das sociedades amplia-se cada vez mais no novo milênio e aponta
para a necessidade de se construir uma escola reflexiva voltada para a
formação de PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com
cidadãos, espaço de transformação onde seja permitido a todos o acesso de
conhecimento socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao
exercício da cidadania.

A população vive em uma era marcada pela competição e pela excelência,


em que progressos científicos e avanços tecnológicos definem exigências
novas para a sociedade. Tal influência do processo e modernização impõe uma
revisão dos métodos de ensinar e aprender, enfatizando o uso da língua como

2
instrumento de transformação social, através da educação. Para Soares
(1980), a transformação social através da educação será conseguido com uma
escola que leve a um bidialetalismo funcional, porém não com o objetivo de
substituir a variedade linguística do aluno pela variedade privilegiada, mas para
que o educando compreenda as relações de força que se estabelecem
socialmente e qual a posição de sua variedade na economia dessas relações.
Propondo-se ao aluno, assim, “um bidialetalismo não para sua adaptação, mas
para a transformação de suas condições de marginalidade” (SOARES,
1980:78).

A proposta pedagógica para uma escola transformadora baseada no


bidialetalismo pede que se observem diferenças entre o dialeto de prestígio e
os dialetos populares, rejeitando a qualificação destes como deficientes. Assim,
a apropriação do dialeto de prestígio pelas camadas populares se realiza não
com objetivo de substituição de seu dialeto de classe, mas para que se
acrescente a ele, como mais instrumento de comunicação. Em primeiro lugar,
uma escola transformadora não aceita a rejeição dos dialetos dos alunos
pertencentes às camadas populares, não apenas por eles serem tão
expressivos e lógicos quanto o dialeto de prestígio (argumento em que se
fundamenta a proposta da teoria das diferenças linguísticas), mas também, e
sobretudo, porque essa rejeição teria um caráter político inaceitável, pois
significaria uma rejeição da classe social, através da rejeição de sua
linguagem. Em segundo lugar, uma escola transformadora atribui ao
bidialetalismo a função não de adequação do aluno às exigências da estrutura
social, como faz a teoria das diferenças linguísticas, mas a de
instrumentalização do aluno, para que adquira condições de participação na
luta contra desigualdades inerentes a essa estrutura. (SOARES, 1980:74) Com
essa mudança de perspectiva, não mais se considera uma única variedade
linguística como a língua correta, com base na qual se julgam como erradas,
pobres, as demais variedades linguísticas. Desse modo, são considerados os
diversos fatores que contribuem para a diversidade linguística – econômicos,

3
sociais, culturais, políticos, ideológicos – de que a escola e as variedades
linguísticas são produto.

Um ensino de língua materna comprometido coma luta as desigualdades


sociais tem como objetivo levar os alunos pertencentes às camadas populares
a dominar o dialeto de prestígio. Isso implica na construção de uma
metodologia de ensino que, “a partir dos contrastes entre dialetos não-padrão e
o dialeto-padrão, possa conduzir eficazmente ao domínio deste”
(SOARES,1980: 79) e assim, o ensino por meio da língua, tornam-se não
apenas tarefas técnicas, mas também, e sobretudo, políticas.

3- ORIGENS E CONCEPÇÕES DO ESTRUTURALISMO LINGUÍSTICO

O estruturalismo linguístico nasceu quando Ferdinand de Saussure pretendeu


atingir leis gerais do funcionamento de uma língua. O estruturalismo etnológico nasceu
quando Claude Lévi-Strauss pretendeu atingir as leis gerais do funcionamento de
certas estruturas culturais, especificamente aquelas que regem os sistemas de
parentesco ou as que regem a produção dos mitos em culturas arcaicas.

Para Barthes, o objetivo da atividade estruturalista: “é reconstituir um


objeto, de modo a manifestar nessa reconstituição as regras de funcionamento
(as funções) desse objeto”.O estruturalista toma a estrutura pelo real.
Recompondo o objeto para fazer aparecer suas funções, pensa, na verdade,
estar encontrando as funções do real a que a estrutura pertence. Já para
Lepargneur, o trabalho do estruturalista consiste em “descobrir, por trás das
aparências, além da organização aparente do objeto, estruturas inteligíveis que
expliquem certo funcionamento, e isso num campo que se relaciona com a
atividade humana”. De acordo com Gregolin(2004, p.21) o estruturalismo chega
à França em consequência do encontro de Roman Jakobson com Lévi-Strauss
nos EUA. “A partir deles, deu-se a chegada das idéias estruturalistas na
França, no início dos anos 1950”.

(“...) Chamamos estruturalismos os esforços


de aplicação (ou de elaboração) de métodos

4
originalmente concebidos em linguística, e que
atingem hoje qualquer um dos campos das
ciências humanas”(LEPARGNEUR, 1973, p. 4)

O estruturalismo é uma abordagem que veio tornar um dos métodos mais


extensamente utilizados para analisar a língua,e a sociedade na segunda
metade de um dos pioneiros do pensamento estruturalista foi Saussure, ao
formular uma abordagem da Linguística onde a língua se apresenta como um
sistema estruturado. Esta linha foi m passou a ser chamado de Semiótica,
através de autores como Roland Barthes. Também se apoiando no caminho
aberto por Saussure e aplicando-o ao estudo dos mitos, Lévi-Strauss
apresenta-se como o grande nome associado à antropologia estrutural. Já no
século xx. Entretanto, "estruturalismo" não se refere a uma "escola" claramente
definida de autores, embora o trabalho de Ferdinand de Saussure seja
geralmente considerado um ponto de partida. O estruturalismo é mais bem
visto como uma abordagem geral com muitas variações diferentes. Como em
qualquer movimento cultural, as influências e os desenvolvimentos são
complexos. (...) a língua não é um conglomerado de elementos heterogêneos;
é um sistema articulado, onde tudo está ligado, onde tudo é solidário e onde
cada elemento tira seu valor de sua posição estrutural (SAUSSURE apud
LEROY, 1971, p. 91. Quando se refere à posição estrutural, fala-se da língua
culta, que precisa ser bem administrada, no qual Saussure organiza a
linguística verificando a importância da língua e da fala

4-VISÃO GERAL DA HISTÓRIA DA LINGUISTICA

Antes do surgimento da Linguística como ciência, os estudos da língua


passaram por três fases sucessivas e distintas: a Gramática, que visava
unicamente a formular regras para definir o que é certo e o que é errado; a
Filologia, que se preocupou em comparar textos de épocas diferentes para
determinar as peculiaridades de cada autor, antecedendo a Linguística
Histórica; e a Gramática Comparada, que, ao justapor línguas diferentes, como
o sânscrito, o grego e o latim, concluiu que todas pertenciam à mesma família,

5
sendo possível, por exemplo, explicar as formas de uma língua pelas formas de
outra. Essa última fase, a da Gramática Comparada, desenvolvida por Franz
Bopp, descobriu aspectos importantes para o desenvolvimento dos estudos
das línguas, como por exemplo, a existência de uma relação entre os
paradigmas gregos e latinos. Ele percebeu, também, que o paradigma
sânscrito deixa clara a noção de radical, elemento determinável e fixo numa
série de palavras da mesma família. Assim, o sânscrito ajudou muito as
pesquisas linguísticas, pois acabou esclarecendo outras línguas.

Desde o início dos estudos linguísticos, surgiram muitos linguistas


importantes como Jacob Grimm, Pott, Kuhn, Aufrecht, Max Muller, Curtius e
Schleicher. Alguns deles se aprofundaram nos estudos comparativos,
conciliando a Gramática Comparativa com a Filologia, fases que, como vimos,
antecederam a Linguística, fazendo surgir, assim, a escola comparatista.
Porém, tal escola nunca se preocupou em determinar a natureza das línguas.
Sem essa preocupação, ela não se constituiu em uma ciência, já que não
estabeleceu métodos. Nota-se que a condição básica para o surgimento de
uma ciência é o estabelecimento de métodos. Essa escola foi exclusivamente
comparativa, em vez de histórica. Além disso, ela nunca se questiona os
motivos de fazer tais comparações, portanto, dela nada se pode concluir. Esses
estudos comparativos acabaram por não corresponder à realidade e ser
estranhos às condições da linguagem, por isso foram considerados excêntricos
e errôneos. Porém, esses erros acabaram sendo importantes, pois originaram
as pesquisas científicas e os estudos de Linguística propriamente ditos. Isso
está bem claro: os erros de uma teoria levam ao surgimento de outras. A
comparação é apenas um método. Assim, tem início a Linguística como uma
ciência da linguagem. Ela nasceu do estudo das línguas românicas e das
germânicas. Esse estudo aproximou a ciência de seu objeto de estudo, ou seja,
a Linguística da linguagem.

As pesquisas linguísticas se tornaram concretas, já que contaram com a


ajuda de numerosos documentos que perduraram durante séculos. Tais

6
documentos permitiam acompanhar a evolução dos idiomas, em especial do
latim, protótipo das línguas românicas; e do germânico, protótipo das línguas
indo-européias. Logo após, formou-se uma nova escola, a dos neogramáticos,
fundada por alemães. Essa escola consistiu em colocar numa perspectiva
histórica todos os resultados do método comparativo. Graças a esses estudos,
não se considerou mais a língua como um organismo autônomo, mas sim
como um produto coletivo de grupos linguísticos. Esse fato acabou se
transformando em algo de grande importância para o campo da Linguística
Geral, embora esta ainda tenha algumas questões a serem esclarecidas. Sem
dúvida, esse campo é por demais abrangente, o que impede de se encerrarem
ou de se concluírem seus estudos.

5- PARA REVER E REFORMULAR CERTOS PARADIGMAS GRAMATICAIS

Em seu livro Preconceito Linguístico, Marcos Bagno faz o seguinte


comentário:Se dizer Cráudia, pranta, prastico é considerado " errado", e por
outro lado, dizer frouxo, escravo, branco, praga é considerado "certo" isso se
deve simplesmente a uma questão que não é linguística mas social e política
as pessoas que dizem Craudia, pranta, prastico pertecem a uma classe social
desprotegida, marginalizada, que não tem acesso à educação formal e aos
bens culturais da elite,e por isso, a língua que elas falam sofre o mesmo
preconceito que pesa sobre elas mesmas ou seja sua língua é considerada
"pobre,"feia," "carente" quando na verdade é apenas diferente da língua
ensinada na escola... Aprender a lidar com as diferentes formas de falar
português em nosso país, talvez seja, um dos fatores de maior dificuldade que
um professor de língua portuguesa venha a se deparar. Está preparado para
lidar com essas diferenças, será o diferencial, que tornará o professor um ótimo
profissional. Não basta só saber lidar com a norma-culta (claro que ter o
domínio do assunto é de suma importância), ou seja saber lidar com as regras
gramáticas, mas verificar em cada comunidade ,escola, cada aluno a
necessidade que cada um tem em expressar.

7
No livro Mudança Linguística em Tempo Real, de Maria da conceição de
Paiva e Mª Eugenia Lamoglia Duarte, as autoras afirmam que:"A forma mais
adequada de solucionar os problemas ligados à mudança linguística é através
da compreensão dos padrões de variação que caracterizam uma comunidade
de fala em um dado momento ser e dos padrões sócias a ela correlacionados"
Destaca-se o termo compreensão utilizado pelas autoras, porque acreditamos
que compreensão o que está faltando para trilhar um caminho que nos faça
perceber, que é absurdo crer no conceito de se é necessário ter poder
aquisitivo para estar enquadrado no meio gramaticalmente correto. Aceitar e
respeitar a forma que cada um tem de se expressar, está sendo muito mais
difícil, do que, aprender e saber lidar com todas as regras impostas pela
gramática. Regras essas, que são interpretadas por uma boa parte dos
brasileiros como "muito difícil aprender português".

Para Marcos Bagno,

Eles (gramáticos tradicionalistas) continuam insistindo em nos fazer


decorar coisas que ninguém mais usa (fosseis gramaticais) e a nos convencer
de que só eles, podem salvar a língua portuguesa da "decadência" e da
corrupção. O interessante para acabar com esse preconceito existente, e essa
lenda de que somente uma minoria (composta por gramáticos) sabe falar o
português correto, é a desmistificação da idéia e que o português difícil, ou até
mesmo a conscientização de que no Brasil, existe uma diferença entre o modo
de escrever e o jeito de falar. Um exemplo bem prático seria o uso da
concordância nominal do verbo ir, onde o " correto" gramaticalmente é dizer Fui
ao banheiro, mas na pratica, mesmo aquelas pessoas que têm um certo nível
de conhecimento gramatical, acaba utilizando da expressão (fui no banheiro)
mesmo sabendo que o verbo ir pede a preposição apara que sua concordância
seja certa gramaticalmente. Prefiro classificar esse fenômeno da seguinte
forma: Fui ao banheiro- forma gramaticalmente correta Fui no banheiro- forma
brasileiramente correta. Então é necessário rever e reformular certos
paradigmas gramaticais, e parar de impor a utilização de formas de expressões

8
que não são da realidade do seu dia-dia, para se enquadrar em um patamar de
conhecimento gramatical social elevado.

Uma visão linguística da gramática

Uma das principais causas de um ensino de língua maternal mal orientado,


na escola tradicional, é o pressuposto de que o aluno não sabe a língua.
Quando isso ocorre, professores recorrem à teoria gramatical como se
estivessem ensinado português a estrangeiros. Segundo Luft (1985), todo
falante nativo compreende sua língua materna e é sobre essa base que o
educador deverá construir sua aula, procurando descobrir que tipo de
gramática o aluno traz interiorizado, de onde ele vem, qual seu meio social e
quais são as características pessoais de sua fala. É necessário conhecer muito
bem o que a criança ou o adolescente “traz” consigo, qual é o seu equipamento
enquanto emissor e receptor e, também qual foi à evolução através da qual
chegou à idade escolar. Conforme Luft (1985), não se deve negligenciar os
hábitos linguísticos dos mesmos, pois estão determinados pelo fato de que
vivem numa certa área caracterizada por particularidades regionais ou
dialetais. Subentende-se, que o educador deverá explorar esse saber prévio da
língua coloquial do aluno a um outro saber mais formal. O aspecto do não
reconhecimento da diversidade do português falado é visto também na escola,
como déficit, pois apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade, isto
é, a língua falada não vem ao encontro da norma culta ensinada, sendo a
linguagem a principal culpada pelo fracasso escolar.

Para Bagno (1999), não é a grande extensão territorial do país que gera as
diferenças regionais e sim, as graves diferenças de “status” social que explicam
a existência, em nosso país, de um real abismo linguístico entre os falantes das
variedades não-padrão do português brasileiro e os falantes da variedade culta.
A escola geralmente não reconhece a verdadeira diversidade do português
falado no Brasil, impondo assim, sua linguística como se ela fosse, de fato, a
língua comum a todos 160 milhões de brasileiros, independentemente de sua

9
idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de grau de
escolarização. (BAGNO, 1999: 15).

O déficit é cultural e não linguístico porque irá depender do contexto


cultural do qual o aluno vive para definir seu fraco desempenho escolar. Lopes
apud Bernstein (1982) argumenta que não há nenhuma relação de causalidade
entre diferença linguística e diferenças cognitivas entre alunos de classe média
alta, que têm acesso a dois códigos diferentes, e os da classe trabalhadora,
que só utilizam o código restrito. O fato, de um discente usar uma outra
linguagem, não tem implicações sobre sua estrutura cognitiva. Outro fator
importantíssimo, muito comum e nosso meio é o mito de que “brasileiros não
sabem português”. Todo falante nativo sabe sua língua. Conforme PDF created
with pdfFactory trial version www.pdffactory.com

Bagno (1999), está provado e comprovado que uma criança entre os 3 e 4


anos de idade já domina perfeitamente as normas gramaticais de sua língua.
Então, o que está acontecendo? Será que o ensino tradicional da língua está
levando em conta o uso brasileiro do português? Provavelmente não, porque
se tivesse não haveria tantas pessoas sendo discriminadas, quase que
“apedrejadas” pelos professores tradicionais ou pela comunidade culta.
Portanto, cabe à escola e todas demais instituições voltadas para a educação e
a cultura, desmistificar a “unidade” do português no Brasil e assim, reconhecer
a imensa diversidade linguística do país, podendo melhorar o planejamento de
suas políticas de ação, bem como facilitar o ensino à norma culta na sala de
aula.

A variação social ou diastrática, por sua vez, relaciona-se a um conjunto


de fatores que tem a ver com a identidade dos falantes e também com as
variedades devidas à situação. Nesse sentido, pode-se apontar os seguintes
elementos relacionados às variações sociais do falante: idade, sexo, raça ou
cultura, profissão, posição social, grau de escolaridade, local em que reside na
localidade.

10
“ a língua é um sistema de valores que se opõem
uns aos outros e que está depositado como produto
social na mente de cada falante de uma
comunidade, possui homogeneidade e por isto é o
objeto da linguística propriamente dita. Diferente da
fala que é um ato individual e estão sujeito a fatores
externos, muitos desses não linguísticos e,
portanto, não passíveis de análise”. (SAUSSURE,
1999, p.27).

Dialeto pode ser considerado como a variedade de uma língua diferente de


acordo como o usuário a usa e divide-se em duas variedades: linguagem
subculta ou popular. Cada uma desempenha seu papel específico na
comunidade, fenômeno a que chamamos de doglossia. O dialeto culto serve
diretamente às intenções do ensino, no sentido de padronizar a língua, criando
condições ideais de comunicação entre as várias áreas geográficas e também
propiciando aos estudantes meios para a leitura incompreensão dos textos.

(PRETI, 1982:27) O autor apresenta um paralelo das características dos


dialetos sociais:Culto: padrão linguístico; maior prestígio; situações mais
formais; falantes cultos; literatura e linguagem escrita; sintaxe mais completa;
vocabulário mais amplo; vocabulário técnico; maior ligação com a gramática e
com a língua dos escritores.

.Comum: É a linguagem intermediária.

Popular: subpadrão linguístico; menor prestígio; situações menos formais;


falantes do povo menos culto; linguagem escrita popular; redução sintática;
vocabulário restrito;gíria, linguagem obscena; fora dos padrões da gramática
tradicional. Estas características tendem a evoluir, a modificar-se. A linguagem
popular, por exemplo, poderá chegar a um dialeto social vulgar, ligado aos
analfabetos. A linguagem comum é usada pelas pessoas que falam os dois
dialetos. Hoje, essa separação é quase impossível. Já, a culta poderá atingir
uma linguagem fora da realidade falada. Porém, essa subdivisão apenas
trazem mais problemas para variedade sócio-cultural da linguagem, pois não

11
se saberia mais onde começaria a linguagem popular comum. PDF created
with pdfFactory trial version www.pdffactory.com

A situação ou contexto social, também é um fato muito conhecido pois,


qualquer pessoa muda sua fala, de acordo com o(s) seu(s) interlocutor(es) – se
este é mais velho ou hierarquicamente superior, Poe exemplo – conforme o
lugar em quase encontra – em um bar, em uma conferência – e até mesmo
consoante, o tema da conversa – fofoca, assunto científico. Ou seja, todo
falante varia sua fala conforme a situação em que se encontra. Pode-se dizer
que uma situação é definida pela co-ocorrência de dois (ou mais) interlocutores
mutuamente relacionados de uma maneira determinada, comunicando sobre
um determinado tema, num contexto determinado. Uma definição desse tipo
possibilita descrever os padrões de uma certa sociedade com respeito ao uso
das variedades linguísticas. Isto é, o comportamento linguístico está adequado
às situações e que se encontram os falantes. Assim, por exemplo, o contexto
social de uma defesa de mestrado e a comemoração que se segue à
aprovação deste trabalho, envolve as mesmas pessoas.

As diferenças existentes entre as duas situações – tema das conversas,


local, estado emocional e o grau de intimidade entre os falantes, a essas
variações determinadas pelo uso da língua pelo falante, em espaços diferentes
dá-se o nome de níveis de fala ou registros. Segundo Preti (1982), os níveis de
fala podem ser divididos em espécies: Formal: situações de formalidade,
predomínio de linguagem culta,comportamento linguístico mais refletido, mais
tenso, vocabulário técnico, etc.

Comum: recebe contribuições de um e de outro.

Coloquial: situações familiares ou de menor formalidade, predomínio da


linguagem popular, comportamento linguístico mais distenso, gíria, linguagem
afetiva, expressões obscenas, etc.

12
6- VARIEDADES LINGUÍSTICA

05/03/2010 por Gaia Cultural

A língua configura-se como um complexo universo em que existem os


mais diferentes e curiosos planetas. A partir deste paralelo, podemos dizer que
os “planetas” que gravitam a imensidão da língua são as variantes linguísticas.

Desde tenra idade, entramos em contato com a linguagem verbal,


imitando-a, apropriando-nos de suas propriedades essenciais. Paulatinamente,
tornamo-nos confidentes da língua, que nos revela os seus mais íntimos
segredos.Observamos também que, como nós, os outros indivíduos acabam
por ligar-se à língua também. Em grande parte, é este o principal fator que
culmina no milagre da comunicação humana. As pessoas, contudo, utilizam
formas distintas da mesma língua. A estas mudanças no uso da língua,
explicadas devido uma rede interligada de informações, que determinam a
escolha de um determinado modo – tais como: região em que se vive, faixa
etária distinta, grupos sociais diferentes, etc. … – chamamos VARIEDADE
LINGUÍSTICA. Grosso modo, as variedades linguísticas constituem as
variações que um idioma qualquer apresenta, em função da condição social,
cultural, histórica e regional em que um indivíduo o utiliza. Constituindo-se
como parte integrante do universo língua, as variantes possuem o objetivo
principal de promover a comunicação interativa e verdadeiramente efetiva entre
as pessoas.

Não existe uma variante que sobrepuje outra; em verdade, todas as


variações linguísticas são consideradas corretas, se respeitadas suas
condições e adequações de uso. Apesar disso, a variedade padrão, também
chamada de norma culta, possui maior destaque e prestígio social.

A norma culta é aquela que se ensina nas escolas, largamente utilizada


na escrita oficial (livros, revistas, jornais, artigos científicos e acadêmicos …).
Às vezes, os meios televisivos também a utilizam. As outras variantes, que

13
incluem em seu grupo um enorme caudal de possibilidades, desde variações
regionais de fala (sotaque), de uso e de escolha vocabular e sintática, por
exemplo, até os jargões e as gírias… todas estas formas se configuram,
de maneira genérica, como variedades não padrão.

Uma velha dicotomia: língua x fala

Saussure, em seu Curso de Linguística Geral, fala a respeito da dicotomia


língua x fala. Relembramos das considerações do autor, em determinada
medida, quando percebemos que a língua, principalmente em sua faceta
escrita, demonstra-se fatalmente como um fenômeno estático, se comparada à
fala, “entidade” vertiginosamente dinâmica. Tanto língua quanto fala fazem
parte da linguagem verbal humana, que sabemos, transmite muito mais do que
nossas ideias. A linguagem e a língua-fala são capazes de mostrar o nosso
“eu” para os outros indivíduos. Por elas, as pessoas acessam um conjunto de
informações que passamos no ato da escrita ou da fala. Nossas escolhas
denunciam quem somos no plano social e interferem em nossa interação com
a sociedade. Um sotaque revela de onde somos; às vezes, a escolha de
palavras, nosso nível escolar, nossa formação; uma “ingênua” expressão diz
respeito aos nossos valores culturais, às nossas crenças, ao nosso círculo de
amizades; a omissão, esporadicamente, pode dar indício de uma mostra de
timidez, pode esclarecer a maneira pela qual passamos pelo processo de
adaptação a novas situações…

Enquanto seres sociais e sociáveis que somos, temos um poderoso


instrumento de ação: a língua. Ela pode nos auxiliar, bem como nos atrapalhar
na prática social… tudo depende de nossas escolhas.

14
Variação linguística... revelação de sua personalidade sócio-cultural.
Expressão: mostra de seu "eu"...

7- PRECONCEITO LINGUÍSTICO E ENSINO

Por Júlia Lourenço (DL-UFSCAR)

Neste texto, apoiados em alguns artigos publicados em revistas brasileiras


de divulgação científica, retomamos uma questão que, embora bastante
importante, anda um pouco esquecida na nossa sociedade. Trata-se de tentar
compreender de uma forma um pouco mais acurada como os especialistas que
refletem sobre as relações entre linguagem e sociedade compreendem as
implicações do preconceito linguístico para o ensino de língua. Assim como
qualquer outro elemento da humanidade, a linguagem também se modifica
através dos tempos, sendo denominada um organismo vivo dentro da
sociedade ela sofre as mais diversas transformações a partir do seu uso pelos
falantes e o consequente contato entre eles.

(...) A língua é um fato social, que faz parte da vida


da pessoa humana, e esta pautada na visão
estruturalista de vários, onde é importante
pesquisar que esse dinamismo deve inserir
significados e significantes (SAUSSURE, 1999,
p.24).

Desde o nascimento, o indivíduo possui formas internalizadas da linguagem, e


assim, escutando outras pessoas conversarem, consegue, com o tempo,

15
aprender a se comunicar através da fala. Quando esse sujeito é inserido no
ambiente escolar, inicia-se o processo de aprendizagem da língua padrão,
ensinada através das Gramáticas Tradicionais, a qual muitas vezes é
divergente da língua natural apreendida até então. Esse aluno ingressante, que
já possuía sua “própria língua”, na escola descobre que tudo o que aprendeu é
considerado errado e dessa forma, sua personalidade se perde abrindo espaço
para o preconceito em relação a outros modos de se falar.

Nesse processo, a língua padrão passa a ser considerada a forma


“correta” de se expressar, em detrimento de outras formas, que por sua vez,
passam a ser consideradas “feias”. Em conjunto com essas situações reais,
pode surgir o preconceito linguístico, que de acordo com o linguista brasileiro
Marcos Bagno, “é a atitude que consiste em discriminar uma pessoa devido ao
seu modo de falar”.

Sabemos que o ingresso na escola, infelizmente, não é democrático;


existem muitas crianças que ficam à margem desta inserção e que depois,
possivelmente, sofrerão algum tipo de preconceito linguístico por parte dos
privilegiados que a frequentaram.

Segundo o sociólogo Nelson Viana “a linguagem é um fenômeno social e


está ligada ao processo de dominação, tal como o sistema escolar, que é a
fonte da dominação linguística”. A linguagem então está intrinsecamente ligada
ao social, à dominação de classes, à manutenção do poder nas mãos da
classe dominante (aquela que teve acesso à cultura, é óbvio). O indivíduo que
frequentou uma escola, quando for à procura de um emprego, possivelmente,
conseguirá um cargo melhor que aquele que não teve esse privilégio, isso
ocorre porque a sociedade reforça o comportamento da escola, aceitando
somente aquele que se utiliza do português padrão.

Marcos Bagno, afirma que o “preconceito linguístico é somente uma


denominação ‘bonita’ para um profundo preconceito ‘social’: não é a maneira
de falar que sofre preconceito, mas a identidade social e individual do falante”.
Essa afirmação reforça o caráter social da linguagem e a exclusão social que

16
ocorre por meio dela, aquele que não teve acesso, dificilmente ascenderá
socialmente, ou seja, permanecerá excluído ao acesso à cultura e à sociedade
de maneira geral.
O papel das instituições escolares deveria ser o de ensinar o aluno que
existe uma norma padrão, mas que também existem suas variações e que
todos nós devemos identificar as situações nas quais utilizaremos uma em
detrimento da outra, o aluno deve saber que não existe certo e errado, apenas
siituações de uso, para que o aluno não ache que o dialeto caipira, por
exemplo é errado, ou que o jeito como seus pais se comunicam em casa
(provavelmente informalmente) também é errado. O aluno como indivíduo
inserido na sociedade deve sabe refletir, não só sobre o uso da língua, mas
sobre todas as questões que afetam a relação entre os seres humanos de
maneira geral.
O objetivo principal da linguagem é a comunicacão, o aluno deve saber
disso. Segundo Marcuschi “o principal não parece apenas dizer as coisas
adequadamente, como se os sentidos estivessem prontos em algum lugar
cabendo aos falantes identificá-los.(...) [a escola] deveria fazer o aluno exercitar
o espírito crítico e a capacidade de raciocínio desenvolvendo sua habilidade de
interagir criticamente com o meio e os indivíduos”. Até o próximo encontro.

8- MATÉRIA E TAREFA DA LINGUÍSTICA: SUAS RELAÇÕES COM AS


CIÊNCIAS CONEXAS

Todas as manifestações da linguagem humana, seja de povos selvagens


ou civilizados, arcaicos ou contemporâneos, constituem a matéria da
Linguística. Porém, a linguagem escapa, muitas vezes, da observação, por isso
os linguistas devem levar em conta apenas os textos escritos, que servirão de
base para seus estudos de idiomas antigos. A Linguística terá três tarefas
básicas: descrever a história das línguas, determinar as leis gerais a que
possam se referir os fenômenos da língua e definir a si própria. Ela tem,
também, uma estreita relação com outras ciências, como a Antropologia, a
Psicologia e a Sociologia.

17
(...) A Linguística nasceu da Filologia e dela não
pode prescindir. Só agora, depois dos
estruturalismos, vem reivindicando lugar à parte e
superior. Mas aqui e noutros países já se entendeu
por Filologia o estudo científico da língua, ficando o
texto em segundo plano. E filólogo era o
especialista que tratava da língua, um como
gramático mais categorizado, menos severo, mais
arejado, com nível, atitude e métodos científicos.
Hoje isto é matéria do linguista, quando maneja a
Linguística Aplicada. (MELO, 1981: p.10).

Ora, se a linguagem é social, obviamente a Linguística se relaciona com a


Sociologia. Pode-se afirmar, também, que tudo é psicológico na língua. Daí sua
relação com a Psicologia. E por fim, como a língua é objeto humano, a
Linguística se relaciona com a Antropologia. Convém deixar claro que, embora
se relacionem, há muitos pontos que diferem a Linguística dessas outras
ciências. É certo que tudo o que se refere ao estudo da linguagem desperta o
interesse de especialistas e estudiosos de outras áreas, como historiadores e
filólogos, pois eles precisam trabalhar com textos. Sem contar a importância
dada à Linguística para a cultura geral, tanto do indivíduo quanto da sociedade.
Por isso, o estudo da linguagem não é exclusividade de especialistas, todos se
interessam pelos estudos da língua, em maior ou menor proporção. Porém,
cabe ao linguista a tarefa de denunciar e dissipar os erros cometidos ao se
estudar uma determinada língua.

9- LINGUÍSTICA DA LÍNGUA E LINGUÍSTICA DA FALA

Saussure deixa clara a diferença entre língua e fala, sendo esta de caráter
individual e aquela, social. Ele também defende a idéia de que existe a ciência
da língua e a ciência da linguagem, esta denominada de Linguística. Os
elementos que se referem à fala subordinam-se à ciência da língua, como o
aparelho fonador, já que os órgãos vocais são exteriores à língua. O autor, para
argumentar, compara a língua a uma sinfonia. Se um músico errar, não estará

18
comprometendo a realidade em que ela está inserida. O mesmo acontece com
a língua e o falante. Separando-se a fonação da língua, percebe-se que as
alterações fonéticas exercem influência profunda nos destinos da própria
língua. Essa é a função da ciência da língua Já a atividade do falante deve ser
estudada pela ciência da linguagem. Assim, Saussure afirma que o estudo da
linguagem é composto de duas partes: uma essencial e outra secundária.

A linguagem essencial tem por objeto a língua, que é social e independe


do indivíduo, sendo assim um estudo psíquico. Já a secundária tem por objeto
a fala, que é de caráter individual e psicofísico. Mas essas duas partes estão,
sem dúvida, ligadas entre si e uma depende da outra. A fala depende da língua
para ser inteligível e a língua depende da fala para que se estabeleça
historicamente. Por outro lado, para se aprender uma língua, devemos ouvir
alguém falando, já que ela é depositada em nosso cérebro.

(...) a língua não é um conglomerado de elementos


heterogêneos; é um sistema articulado, onde tudo
está ligado, onde tudo é solidário e onde cada
elemento tira seu valor de sua posição estrutural
(SAUSSURE apud LEROY, 1971, p. 91).

A fala é responsável pela evolução de uma língua, no entanto, nada disso


impede que língua e fala sejam duas coisas absolutamente distintas. Uma
língua só existe dentro de uma coletividade, independente da vontade do
falante. Ela é a soma de tudo o que as pessoas dizem e envolve dois aspectos
importantes: as combinações individuais e voluntárias e os atos de fonação,
responsáveis pela execução de tais combinações. Por isso, nada há de coletivo
na fala, não sendo possível, assim, reunir, no mesmo ponto de vista, língua e
fala. Por essas razões, Saussure concebe a existência de duas Linguísticas: a
da língua, que estuda a coletividade; e a da fala, que estuda a individualidade.
A primeira é a preocupação do autor na obra em análise.

10- ELEMENTOS INTERNOS E ELEMENTOS EXTERNOS DA LÍNGUA

19
Não se pode estudar uma língua sem considerarem-se seus elementos
externos. Estes são muito importantes nos estudos linguísticos. Consideram-se
como elementos externos a história e os costumes de uma nação, pois esta é
constituída pela língua. Há de se ressaltarem as relações existentes entre a
língua e a história política. Grandes acontecimentos históricos, com as
conquistas e as colonizações, têm importância incalculável nos estudos dos
fatos de uma língua, uma vez que acarretam transformações nela. É também
de grande importância as relações da língua com as instituições, como a Igreja
e a escola. Nesta última, estuda-se, por exemplo, a língua literária, fenômeno

histórico, que ultrapassa os limites estabelecidos pela própria literatura. Um


linguista deve estudar as relações entre a língua literária e a língua corrente,
pois a primeira, produto de uma cultura, separa-se naturalmente da segunda.

Fica claro, assim, que os fatores históricos e geográficos estão


diretamente ligados à língua, embora na realidade não afetam seu organismo
interno, sendo, portanto, impossível, segundo o autor, separar os elementos
externos dos internos nos estudos linguísticos. Só se conhecem os fatores
internos de uma língua, conhecendo-se os externos. Como exemplo desse
fato, Saussure cita os empréstimos linguísticos, chamados de estrangeirismo.
Estes, ao se incorporarem a um determinado idioma, não devem ser
considerados como estrangeirismos, desde que sejam estudados dentro do
idioma. Dessa forma, a Linguística externa acumula fatos relativos à expansão
de uma língua fora de seu território, ordenando-os de modo mais ou menos
sistemático de acordo com a necessidade de clareza. Por outro lado, com a
Linguística interna, as coisas se passam de forma diferente, já que ela não
admite uma disposição qualquer, pois a língua é um sistema com uma ordem
própria. Aqui, Saussure estabelece a famosa comparação da língua a um jogo
de xadrez. Nesse jogo, se trocarmos, no tabuleiro, as peças de marfim por
peças de madeira, não haverá nenhuma interferência no jogo. Mas se
aumentarmos ou diminuirmos o número de peças, aí sim ocorrerão mudanças.
Assim é a língua: é interno tudo o que provoca mudanças no sistema.

20
11- REPRESENTAÇÃO DA LÍNGUA PELA ESCRITA

Necessidade de estudar este assunto Como a língua é o objeto concreto


de estudos linguísticos, torna-se necessário que o linguista conheça o maior
número possível de línguas para que, pelo método da observação e da
comparação, possa tirar delas o que existe de universal. As línguas são
conhecidas através da escrita, sendo essa a forma mais adequada para
estudá-la. Porém, a escrita é estranha ao sistema interno da língua, é
impossível fazer abstrações de um processo por meio do qual a língua é
representada. Ainda assim, é necessário sempre recorrer à escrita para estudar
uma determinada língua.

Prestígio da escrita: causas de seu predomínio sobre as formas faladas

Língua e escrita são considerados dois sistemas diferentes de signos. A


escrita serve apenas como representação de uma língua. Ambas combinadas
não representam absolutamente o objeto linguístico, que é representado
apenas pela palavra falada. Porém esses dois sistemas se misturam tão
intimamente que se tem a ilusão de que conhecendo um já se conhece o outro.
Outra ilusão que por muito existiu é a de que pela fala se conhece muito mais
uma língua e de que um idioma evolua muito mais enquanto não existir a
escrita. Sem dúvida, isso pode ocorrer, mas a conservação de uma língua não
é determinada pela ausência ou presença da escrita. Por isso, uma língua
independe da escrita. É certo que a língua tem uma característica importante:
não depende da escrita. A tradição oral existe, independentemente da palavra
escrita. Os primeiros estudiosos das línguas não percebiam isso. Bopp é um
exemplo. Ele acreditava que não havia diferença entre letra e som, que a
língua fosse inseparável do alfabeto. Seus sucessores pensavam da mesma
forma. É provável que ainda hoje haja estudiosos que confundem língua com
ortografia. Ao longo da história, a escrita ganhou enorme prestígio por vários
motivos. Primeiramente, porque a imagem gráfica das palavras impressiona
por ter a característica de objeto concreto e fixo. Além disso, as impressões
visuais, que são ligadas à escrita, são mais nítidas e duradouras do que as

21
impressões acústicas, que são ligadas ao som. A língua literária também
contribuiu para essa visão, pois, nesse caso, a língua aparece regulada por um
código, já que é um registro histórico e fixo, é a ortografia que confere esse
valor à escrita. Saussure observa, de forma bastante interessante, que muitos
estudiosos conferem maior importância à escrita porque se esquecem de que
primeiro aprendemos a falar, depois a escrever. Por fim, quando há
divergências entre a fala e a escrita, há uma tendência natural de prevalecer a
escrita. Ela se dá, nesse caso, uma importância a que não tem direito.

Os sistemas de escrita

O autor destaca a existência de dois sistemas de escrita: o ideográfico,


que se relaciona com o significado da palavra; e o fonético, que se relaciona
com o som, tanto no aspecto silábico quanto no alfabético. O sistema
ideográfico pode ser misto, já que certas palavras se distanciam do seu valor
inicial e representam sons isolados. Saussure cita como exemplo o chinês.
Nesse idioma, a palavra escrita e a palavra falada são bem distintas. É como
se a escrita correspondesse a uma segunda língua. Quando uma palavra
falada tem o mesmo som de outra, o chinês recorre à escrita para explicar seu
significado. Mas essa aparente harmonia entre som e escrita não dura muito.

Causas do desacordo entre a escrita e a pronúncia.

Muitas são as causas que motivaram o desacordo entre a fala e a escrita.


Em primeiro lugar está a evolução da língua.

Há uma tendência natural a que o falante vá mudando a pronúncia de uma


palavra com o passar do tempo. Mudança essa que, muitas vezes, não é
acompanhada pela escrita. Há casos, como no francês, em que se muda a
grafia, adequando-a à fala e, em seguida, renuncia-se a isso. Saussure
destaca o século XIV como um marco para esse fato, pois foi a partir de lá que
a escrita começou a estacionar, enquanto a língua prosseguia em evolução. A
partir dessa época, o desacordo entre fala e escrita passa a acentuar mais.
Outra causa a se destacar é o fato de que muitos idiomas tomam palavras

22
emprestadas de outros idiomas e não têm um sistema gráfico para representar
a nova palavra, recorrendo, assim, a outros expedientes. Há, ainda, a
preocupação com a etimologia. Em alguns casos, como no francês, um erro
etimológico impõe uma determinada grafia. Por fim, há casos que acabam por
escapar de uma análise devido à sua excentricidade.

Efeitos desse desacordo A escrita é incoerente.

Basta vermos a multiplicidade de signos para representar um som. No


português, por exemplo, o fonema /s/ pode ser representado por S, C, SS, Ç,
SC, X ou XC. Por outro lado, ocorre também o fato de um signo representar
apenas um som, como a letra T que representa apenas o fonema /t/. há, ainda,
as “grafias indiretas”, como no alemão, que dobra algumas consoantes para
indicar que a vogal antecedente é breve e aberta; e no inglês, que acrescenta
um e mudo no final para alongar a consoante que o antecede. Saussure chama
isso de “aberrações” e de “grafias irracionais”, embora ele afirme que algumas
dessas grafias correspondem a algo na língua, ou seja, têm um significado.
Existem, também, casos de ortografia vacilante, que são tentativas de figurar
os sons, como a dupla grafia de algumas palavras para uma mesma forma,
sendo difícil saber se se trata de duas pronúncias diferentes ou não. O autor
fica em dúvida, por exemplo, quanto ao inglês.

A mudança de kwat para what foi gráfica ou fonética? Ele aponta para o
fato de que tudo isso obscurece a visão que se tem de língua, é como um
disfarce. Os gramáticos valorizam apenas a forma escrita, reforçando a
tendência a tomá-la como base de uma língua, pois define como a palavra
deve ser pronunciada. Na verdade, tudo o que se relaciona á escrita é como se
fosse norma. Saussure afirma que o que fixa a pronúncia de uma palavra não é
sua grafia, mas sua história.

O que mais se esquece é a etimologia da palavra. Esta, quando evolui, vê-


se forçada a seguir uma lei precisa e fixa. A tirania da grafia vai mais longe
ainda. Por impor-se à massa, ela influi e modifica a língua, principalmente nos
chamados “idiomas literários”, em que o texto escrito desempenha papel

23
histórico primordial. O autor conclui chamando esses problemas de
“deformações fônicas” e que elas não resultam de um funcionamento natural,
mas pertencem verdadeiramente à língua, por isso a Linguística deve colocá-
las em destaque.

REFERÊNCIAS

24
Revista Eletrônica de Divulgação Científica em Língua Portuguesa,
Linguística e Literatura - Ano 01- n.01 - 2º Semestre de 2004

Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Preconceito linguístico e cânone


literário, no 36, p. 27-44, 2008 43

ORLANDI, Eni. A língua brasileira. In Línguas do Brasil. Revista Ciência e


Cultura da SBPC. Ano 57, numero 2. São Paulo, SBPC & Imprensa Oficial,
2005.

Constituições brasileiras. Volume 1, 1824. Coleção Constituições Brasileiras.


Brasília, Senado

MARIANI, Bethania. Entre a evidência e o absurdo: sobre o preconceito


linguístico

GUIMARAES, Eduardo. A língua portuguesa no Brasil. In: Línguas do Brasil.


Revista ciência e Cultura da SBPC. Ano 57, numero 2. São Paulo, SBPC &
Imprensa Oficial, 2005, p. 24 a 28.

ORLANDI, Eni. Língua e conhecimento linguístico; para uma historia das Idéias
no Brasil.

AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas, Ed.


Da Unicamp, 1992.15 Gandavo, (1576) 1965, p. 181-183.

25

Você também pode gostar