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Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Licenciatura em Administração Público-Privada


Ano Letivo 2015-2016

O Papel dos Governos Locais no Desenvolvimento e


Organização dos Centros Urbanos

Economia Urbana

Trabalho elaborado por:


Manuel Cardoso – 2013132011
O PAPEL DOS GOVERNOS LOCAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS CENTROS URBANOS

Índice

Introdução .................................................................................................................................. 3
As funções do Governo local ...................................................................................................... 4
Provisão de Bens Públicos Locais............................................................................................ 5
Externalidades ........................................................................................................................ 7
A Escolha Pública ........................................................................................................................ 8
Conclusão.................................................................................................................................. 12
Referências Bibliográficas ......................................................................................................... 13
MANUEL PEDRO DOS SANTOS CARDOSO

Introdução

O governo disponibiliza uma grande variedade de bens públicos como a


Defesa Nacional, educação, saúde, polícia, proteção civil, etc. Porém, alguns destes
bens, como a educação ou a saúde, podem ser providenciados por privados, ao
contrário de outros que são unicamente da responsabilidade do governo, como é o
caso da Defesa Nacional. Algumas questões surgem quando se fala desta
problemática, nomeadamente: quais são as propriedades económicas de tais bens?
De que forma diferem de bens disponibilizados essencialmente pelo mercado
privado, como pão, carros, etc.?
Num sistema de mercado os preços racionam os bens privados, no sentido em
que apenas os consumidores dispostos a pagar o preço solicitado poderão fruir esse
bem. Conduzindo à questão sobre o que distingue os bens tipicamente
disponibilizados pelo governo e o que os impede de serem facultados por privados.
Quando de facto estes bens são providenciados por privados de que forma pode
isso ser considerado inadequado?
A decisão sobre a provisão de bens deve muitas vezes refletir a decisão dos
eleitores. Neste sentido, importa refletir sobre a escolha pública, sobre os seus
mecanismos, vantagens ou limitações, uma vez que nem sempre a maioria tem em
mente as restantes minorias.
Tratando-se este trabalho de uma cogitação sobre os governos locais, torna-se
premente compreender que, por vezes, as políticas únicas levadas a cabo pelo
governo parecem insensíveis às especificidades de cada localidade. Por isso, em
algumas situações, uma maior eficiência passa por delegar certas decisões a órgãos
da administração local.

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O PAPEL DOS GOVERNOS LOCAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS CENTROS URBANOS

As funções do Governo local

As economias de mercado são por vezes afetadas por falhas de mercado, tais
como monopólios ou externalidades. Este tipo de economias incorre
tendencialmente em acessos de inflação e desemprego. Como podemos observar,
a insuficiente regulação dos mercados conduz à necessidade do Governo assumir
três funções económicas específicas: estabilização, equidade e eficiência. A função
de estabilização passa pelo uso de políticas monetárias e fiscais para controlar o
desemprego e inflação, promovendo o crescimento económico. Para a promoção
da equidade, os programas públicos recorrem a técnicas como a redistribuição dos
rendimentos, através da utilização de impostos e transferências para alterar a
distribuição de rendimentos e de riqueza. Por fim, como terceira função, a afetação
de recursos de forma eficiente, que implica a tomada de decisões sobre o que
produzir e como produzir (Musgrave & Musgrave, 1980; Samuelson & Nordhaus,
1988).
Este modelo tripartido, contudo, não é completamente aplicável à escala local
porque há certas funções que são desempenhadas pelo Estado de forma mais
eficiente (O'Sullivan, 2012).
A função de estabilização foi assumida pelo Estado por duas razões. Primeiro,
porque se cada governo local adotasse uma moeda e uma política monetária
próprias, o sistema seria caótico e impraticável. Em segundo lugar, as políticas
monetárias e fiscais locais seriam relativamente mais fracas e ineficazes, na medida
em que, grande parte dos rendimentos locais são alocados em bens produzidos
externamente. Assim, uma política fiscal é mais eficaz ao nível nacional devido à
relativa pequena fração dos rendimentos nacionais gastos nessas importações. A
função estabilizadora é considerada como competência primordial da esfera central
de governo, em razão dos requisitos necessários à obtenção de eficiência e eficácia
(Silva M. S., 2005).
Considerando agora a função redistribuição, pode observar-se que, no caso
português, a grande mobilidade entre cidades tornaria impraticável a execução de
medidas distributivas. Assim, um governo local que optasse por medidas fiscais
mais penalizantes para os contribuintes detentores de riqueza e/ou com
rendimentos elevados, tendo em vista a redistribuição das receitas para a população
mais desfavorecida, deparar-se-ia com a deslocação dessas famílias com mais
rendimentos para outras cidades com políticas fiscais mais brandas, enquanto
MANUEL PEDRO DOS SANTOS CARDOSO

famílias menos favorecidas de outros municípios deslocar-se-iam para este com


medidas mais protetoras, criando um desequilíbrio entre as receitas e as despesas,
entre outras consequências económicas, demográficas e sociais (O'Sullivan, 2012).
Uma política fiscal nacional apresenta-se então como uma solução mais adequada
- mesmo no contexto europeu, cuja proximidade geográfica entre os estados é
contrariada pela distância linguística - devido à menor mobilidade entre países.
Por fim, a terceira função económica do Estado é “contribuir para uma afetação
socialmente desejável dos recursos” (Samuelson & Nordhaus, 1988, p. 870). Esta
função é desempenhada por governos locais, por exemplo, na provisão de bens
públicos, na internalização de externalidades e ao lidar com os monopólios naturais
locais.
Concluímos, por isso, que o governo local tem como principal função
económica a afetação de recursos. Neste sentido, a provisão de bens públicos e a
diminuição de externalidades assumem particular relevância neste trabalho, como
iremos desenvolver de seguida.

Provisão de Bens Públicos Locais

Importa então refletir sobre a provisão de bens públicos, o que são bens
públicos, como se inserem no contexto dos governos locais, e de que forma a
quantidade dos bens fornecidos afeta a eficiência económica.
Um bem público tem duas características: é irrival e inexcluível. Irrival na
medida em que o benefício que alguém retira do bem não diminui o benefício para
outra pessoa, como acontece em bens como a Defesa Nacional ou a iluminação
pública. Há, contudo, bens que não são puramente irrivais por terem um certo nível
de congestionamento, ou seja, a partir de um número suficiente de utentes, o
benefício que uns retiram do bem diminui o benefício para outros, como acontece
por exemplo com as estradas que ficam congestionadas em horário de ponta
(Stiglitz, 2000). Inexcluível devido à impossibilidade ou impraticabilidade em
excluir o uso a quem não pagar pelo bem. Essa impossibilidade ou
impraticabilidade da exclusão pode dever-se a razões logísticas, de eficiência ou
até de justiça como é o caso de um parque público, no qual seria custoso fechar o
perímetro, instalar cancelas e manter um corpo de segurança, para além do facto
de que vedar o acesso gratuito a um espaço verde público traria consequências ao

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O PAPEL DOS GOVERNOS LOCAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS CENTROS URBANOS

nível da equidade social. Mesmo não sendo impossível, verifica-se a


impraticabilidade neste caso (O'Sullivan, 2012).
Após definir um bem público, resta-nos acrescentar outra característica, a da
“localidade”, relevante para a nossa discussão que se mantém no nível local e
municipal (O'Sullivan, 2012). Apesar de bens públicos como a Defesa Nacional
terem um alcance geral do território nacional, um bem público local tem um
alcance limitado, maior ou menor dependendo dos casos. Tomemos como
exemplos uma estação policial e uma estrada. Cada um representa um bem público
local com diferentes níveis de “localidade”: uma esquadra atua em todo o
município, incluindo as suas freguesias, ao passo que uma estrada beneficia os
utentes locais, ou por quem lá circula.
Para melhor entender a importância das duas características elementares dos
bens públicos para o tema, consideremos agora bens com uma propriedade e não a
outra. Há bens cujo consumo é irrival e a exclusão é possível, como acontece com
o serviço de televisão. O custo marginal de mais um indivíduo ligar a televisão e
ver um programa é zero (o número de vezes que eu vejo um programa não diminui
o número de vezes que eu o posso ver). Contudo, é possível excluir (apesar de ser
custoso) através da codificação de canais, como acontece na televisão paga
(Stiglitz, 2000).
Mesmo que a exclusão seja possível, quando um bem é irrival, não há volição
para a exclusão do ponto de vista da eficiência económica. Cobrar um preço por
um bem irrival exclui alguns indivíduos de usufruírem desse bem, apesar de não
apresentar nenhum custo marginal. Assim, é ineficiente cobrar o uso de um bem
irrival por resultar num consumo insuficiente. O baixo consumo é uma forma de
ineficiência. Se não se cobrar por um bem irrival, não há incentivo para o fornecer,
pelo que neste caso a ineficiência toma a forma de insuficiência da oferta do bem
(Stiglitz, 2000).
Em suma, há duas formas básicas de falha do mercado associadas aos bens
públicos: baixo consumo e uma oferta insuficiente. No caso dos bens irrivais, a
exclusão não é desejável porque resulta no baixo consumo, mas sem a exclusão
existe o problema da oferta insuficiente.1

1
Por vezes, os governos, perante bens excluíveis, ainda que irrivais, optam pela aplicação
de taxas aos utentes de determinados bens ou serviços. As taxas de utilização de um bem
ou serviço são vistas como uma forma equitativa de arrecadar receitas visto que quem usa
mais frequentemente um bem, paga mais na forma de taxas.
MANUEL PEDRO DOS SANTOS CARDOSO

O nível ótimo de um bem público é, então, a quantidade na qual o benefício


social marginal é igual ao custo marginal social (O'Sullivan, 2012).

Externalidades

Outra função que os governos locais desempenham é a contribuição para a


internalização das externalidades. As externalidades ocorrem quando o consumo
ou a produção de um determinado bem afetam os consumidores ou produtores
noutros mercados e esses impactos não são considerados no preço de mercado do
bem em questão. Por outras palavras, uma externalidade consiste no efeito do
comportamento de um agente económico sobre o bem-estar de outro agente
económico, tendo este efeito a particularidade de não se refletir nas transações
monetárias ou de mercado (Samuelson & Nordhaus, 1988; Stiglitz, 2000). Estas
podem ser positivas (economias externas) ou negativas (deseconomias externas),
representando benefícios ou custos externos. Um exemplo de uma externalidade
negativa é o caso de uma unidade industrial que ao produzir descargas tóxicas num
rio, está a diminuir a qualidade da água que outros usufruem, impondo-lhes custos
de purificação da água para a tornar própria para consumo (Stiglitz, 2000). O
investimento num serviço público de educação de qualidade, por outro lado,
garante uma redução do nível geral de criminalidade, assim como um aumento do
nível de saúde representando uma externalidade positiva visto que não só os
estudantes mas o resto da sociedade é beneficiado (O'Sullivan, 2012).
As consequências de ignorar as externalidades no preço dos bens passam pela
sobreprodução de bens geradores de externalidades negativas e oferta deficiente de
bens geradores de externalidades positivas, o que diminui a eficiência da produção
no mercado (Stiglitz, 2000).
Dois aspetos importantes para o desenvolvimento das comunidades urbanas são
a educação e a segurança pública. As externalidades associadas a estes domínios
são de tal forma vastas que a sua identificação ficará sempre aquém dos efeitos que
realmente produzem. Podemos observar o caso das externalidades da educação.
Uma boa educação gera benefícios na medida em que torna os cidadãos melhores
trabalhadores de equipa, propicia o processo democrático e reduz a criminalidade.
Um sistema de educação grátis compulsiva pode levar a um maior “consumo” de
educação aumentando o grau de literacia. Uma abordagem alternativa é também a
atribuição de bolsas para o ensino privado, como acontece fortemente nos Estados

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O PAPEL DOS GOVERNOS LOCAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS CENTROS URBANOS

Unidos, cujo sistema facilita a criação de créditos a estudantes, ou distribui


“vouchers escolares” que podem ser usados em despesas educacionais quer de
âmbito público como de privado. Para que as escolas pudessem ser submetidas a
este mecanismo dos vouchers teriam que aceitar estudantes sem prejuízo da raça,
sexo ou religião, sendo ainda obrigadas a lecionar um programa que desenvolvesse
as competências básicas aos níveis cognitivo e cívico. Os benefícios destes
vouchers ou até das bolsas não se esgota no acesso às escolas incluindo também a
melhoria dos mesmos, uma vez que as escolas públicas e privadas estariam a
competir entre si, tornando as escolas mais eficientes e mais atentas às
preocupações parentais. Uma das críticas apontadas a esta abordagem reside no
facto do poder da decisão estar incumbido aos pais, que muitas vezes decidem não
exercer essa escolha apesar de terem todas as ferramentas para o fazer. Geralmente
esta demissão da escolha da escola dos filhos surge nas classes socioeconómicas
mais baixas, onde o próprio nível educacional é inferior (O'Sullivan, 2012). Este
ciclo de educação - tomada de decisão – educação parece ser um exemplo claro de
como as externalidades se estendem a níveis que, perante um olhar desatento,
podem ser impercetíveis.

A Escolha Pública

A Teoria da Escolha Pública (TEP), cujo principal objetivo é o de aplicar um


método da ciência económica a um objeto que tradicionalmente tem sido
considerado no âmbito da ciência política (Pereira, 1997), é uma das principais
correntes do neoliberalismo, cuja maior crítica à social-democracia assenta no facto
de governos grandes e intervencionistas serem ineficientes e prejudicarem o
crescimento económico. Ao contrário da economia do bem-estar (welfare
economics), a Teoria da Escolha Pública veio clarificar os fracassos do governo e
os limites da intervenção do Estado. Esta crítica política, baseada numa análise
económica, ganha particular notoriedade com Buchanan (Borges, 2001), cuja visão
vê as intromissões do mercado como uma ameaça à liberdade individual e ao
progresso económico. Assim, a Teoria da Escolha Pública defende um “estado
liberal capaz de abrir espaço para o livre mercado, limitando a sua intervenção ao
mínimo necessário” (Borges, 2001, p. 160).
Entendendo-se, à luz da Teoria da Escolha Pública, que o comportamento dos
homens de governo é ditado por princípios utilitários (egoísmo, racionalidade e
MANUEL PEDRO DOS SANTOS CARDOSO

busca incessante do lucro próprio), como se no mercado se movimentassem, faz


sentido aplicar ao processo político os princípios de análise económica. Ou seja, ao
invés dos políticos surgirem como interessados no bem público e guiados pelo
altruísmo, surgem, segundo Downs (1957), como governantes que agem apenas
para conseguir rendas, poder ou prestígio derivados do exercício de cargos
públicos. Isto é, movimentam-se no mercado político como homo economicus.
Decorre, então, que o fim último dos políticos é apoderar-se do aparelho do Estado
através do processo eleitoral. Assim, ainda que por vezes os governantes atendam
ao interesse público, este é apenas um meio de realizar os seus objetivos pessoais,
a maximização dos votos e, em última análise, ganhar as eleições. Sobre a
democracia, e neste sentido, Schumpeter (1943) distingue a doutrina clássica da
democracia daquela que designa de “outra teoria da democracia”. Acerca da
primeira diz que “o método democrático é o arranjo institucional para elaborar
decisões políticas que refletem o bem comum, fazendo o povo decidir sobre
problemas através da eleição de indivíduos que se reúnam para exprimirem a
vontade do povo” (Schumpeter, 1943, p. 250), a esta opõe a segunda, “o método
democrático é o arranjo institucional para elaborar decisões políticas no qual os
indivíduos adquirem o poder de decidir através de uma luta competitiva, pelo voto
do povo” (Schumpeter, 1943, p. 269).
Da mesma forma, parece também existir uma intenção por parte dos eleitores
que ultrapassa a afinidade ideológica, na medida em que muitas vezes votam nos
partidos que apresentam propostas políticas capazes de maximizar as suas funções
utilidade individuais no futuro próximo (ex. serviços de educação e saúde,
subsídios, etc.) (Downs, 1957).
A escolha pública pode ter três tipos de resultados. Podem existir resultados
que pioram o bem-estar de todos, resultados através dos quais se verificam as falhas
da intervenção do Estado, como são os casos das guerras, das greves, etc.. Podem
existir resultados redistributivos, através da tributação a um grupo e a dádiva de
subsídios a outro. E, finalmente, resultados que aumentem o bem-estar de todos
sem piorar o de qualquer outro, ilustrando as melhorias de Pareto. Esta distinção
entre os três tipos de resultados revela-se pertinente, uma vez que nem sempre o
Estado pode propor regras que melhorem o bem-estar de todos (Samuelson &
Nordhaus, 1988).
Numa sociedade democrática, os mecanismos de votação procuram agregar –
através do Estado - as preferências individuais em decisões coletivas. Uma das
possíveis e mais apelativas abordagens consistiria em requerer o consentimento
unânime para todas as leis. Isto exigiria que todos os indivíduos estivessem de

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O PAPEL DOS GOVERNOS LOCAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS CENTROS URBANOS

acordo com qualquer alteração, tendo, por isso, poder de veto. É possível que este
sistema de votação esteja sujeito a tantas negociações e atrasos que não se
conseguiria tomar nenhuma decisão nem aprovar nenhuma lei, conduzindo a uma
inalteração do status quo do Estado (Samuelson & Nordhaus, 1988).
Devido aos grandes problemas a que está sujeita a regra da votação unânime,
a maioria dos regimes baseia-se no princípio da regra da maioria. Assim, uma lei é
aprovada quando reúne a seu favor mais de metade dos votantes. Importa refletir
sobre o facto desta modalidade de votação não garantir a melhoria no sentido de
Pareto, uma vez que certas decisões possam favorecer unicamente a maioria,
prejudicando minorias (Samuelson & Nordhaus, 1988). No entanto, através da
tomada de decisões assentes na vontade da maioria evitam-se as supramencionadas
falhas de mercado, na medida em que nunca piorará a situação de todos os eleitores.
Condorcet teceu de forma sistemática reflexões a propósito do princípio da
maioria. Kenneth Arrow, seguindo os passos de Condorcet, caracteriza a regra da
maioria como um processo decisional de natureza cíclica (Pereira, 1997).
Condorcet mostrou que indivíduos racionais que tenham preferências transitivas
sobre três opções (A, B e C) podem não conseguir escolher coletivamente sobre
qual a melhor alternativa, se elas forem votadas sucessivamente aos pares,
utilizando a regra da maioria (Samuelson & Nordhaus, 1988; Pereira, 1997). É
possível que a proposta A ganhe a B e B a C e C a A. A esta intransitividade da
escolha coletiva é dada o nome de “ciclo de votação” e a existência de ciclos
introduz a possibilidade de manipulação da agenda, ou seja, estabelecer a sequência
de duas votações de forma a que a proposta apoiada pelo manipulador da agenda
saia vencedora.
Arrow chegou à conclusão de que não existe nenhum sistema de votação
baseado no critério da maioria capaz de garantir a eficiência, de respeitar as
preferências individuais e não dependente da ordem pela qual se fazem as votações
(Pereira, 1997). O teorema da im(possibilidade) de Arrow introduziu, desta forma,
grande pessimismo na capacidade de se obterem escolhas coletivas a partir das
preferências de indivíduos sobre propostas alternativas.
Contudo, se as escolhas coletivas são de natureza unidimensional (ex.
montante da despesa pública em educação, ou número máximo de dias em que é
aceitável a interrupção voluntária da gravidez), torna-se possível prever a decisão
que irá resultar da regra da maioria, isto quando as preferências dos sujeitos têm
uma configuração normal (de acordo com a Curva Normal de Gauss). A proposta
apoiada pelo votante mediano, ou seja, aquele que divide a população de eleitores
em dois grupos de dimensão idêntica, nunca perde (Pereira, 1997).
MANUEL PEDRO DOS SANTOS CARDOSO

A teoria do eleitor médio foi um dos principais resultados da Teoria da


Escolha Pública, demonstrando que sob condições restritivas a regra da maioria
possibilita a obtenção de uma solução de equilíbrio e evita os ciclos de votação
descritos por Condorcet. Downs (1957) chega a demonstrar que, quando a
distribuição dos votantes é unimodal e assumindo a dicotomia tradicional
esquerda-direita, existe uma tendência a convergir para o centro da distribuição de
partidos que almejam o poder (Pereira, 1957).
Podemos até inferir que, a um nível local, a alocação de bens públicos que
satisfaça o eleitor médio quase garante uma reeleição de quem já se encontra numa
posição de poder2. Num contexto de informação imperfeita e considerada pouco
interessante para alguns eleitores, muitos votantes desconhecem os níveis de
utilidade associados às prestações futuras dos candidatos, raciocinando com base
em estimativas e experiências prévias. Os erros associados às estimativas dos
eleitores parecem ser esbatidos quando se trata de eleger um candidato que já
esteve na posição à qual se está novamente a candidatar (Silva, 2002). Não seria a
primeira vez que se observariam obras de melhoramento autárquico pouco tempo
antes das eleições, muitas vezes sem a devida visão altruísta do bem-público, mas
sim com o objetivo de deixar um efeito de recência de uma memória positiva no
final do mandato.

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Pela ótica da ciência da administração, Bilhim (2004) refere que os governos locais
podem ser classificados em três tipos: o modelo patrocinador, o modelo de crescimento
económico e o modelo de Estado-Providência. No modelo patrocinador (Sul Europeu), os
eleitos locais fazem uso das suas já estabelecidas “máquinas” para realizar trocas entre estes
e os seus eleitores. Assim, distribuem certos favores aos seus apoiantes, tais como empregos
ou outros benefícios e como retorno recebem destes apoiantes os seus votos. No modelo de
crescimento económico (América do Norte) é identificada como principal tarefa da
administração local para os governos locais a promoção do crescimento da riqueza nos
locais onde se encontram. Já no modelo Estado-Providência (Europa do Norte), cabe aos
governos locais o fornecimento de um vasto leque de bens públicos neste âmbito e ainda o
controlo do ordenamento do território. Esta classificação não é rígida, pelo que o modo em
que um governo local opera pode ter características de cada um dos modelos. No caso
português, Bilhim (2004) sugere que os governos locais operam em primeiro lugar como o
modelo patrocinador, em segundo lugar como o modelo de Estado-Providência e em
terceiro lugar sem características ainda, mas a caminho de um modelo de crescimento
económico.

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O PAPEL DOS GOVERNOS LOCAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS CENTROS URBANOS

Conclusão

O Enquadramento Legal Português, apesar de conferir alguma autonomia


administrativa aos Governos Locais, não lhes concede poder legislativo, limitando
a sua ação dentro do que lhes foi legalmente atribuído. Sendo o objetivo último de
um Governo Local a satisfação dos interesses próprios da respetiva comunidade, o
seu papel passa grandemente, numa perspetiva económica, pela afetação eficiente
de recursos concretizada na provisão de bens públicos locais e na internalização de
externalidades, essenciais num contexto tão multifacetado como o contexto urbano.
A forma como a afetação de recursos é feita, ou seja, a quantidade dos bens,
quem os produz e onde são disponibilizados é essencial para o desenvolvimento
dos centros urbanos.
MANUEL PEDRO DOS SANTOS CARDOSO

Referências Bibliográficas
Bilhim, J. (2004). A Governação Nas Autarquias Locais. Porto: SPI - Sociedade
Portuguesa de Inovação.

Borges, A. (2001). Democracia Vs. Eficiência: A Teoria da Escolha Pública. Lua Nova
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Downs, A. (1957). An Economic Theory of Democracy. New York: Harper and Row.

Musgrave, R. A., & Musgrave, P. B. (1980). Public Finance in Theory and Practice.
New York: McGraw-Hill.

O'Sullivan, A. (2012). Urban Economics. New York: McGraw-Hill.

Pereira, P. T. (1997). A Teoria da Escolha Pública (Public Choice): uma abordagem


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Samuelson, P. A., & Nordhaus, W. D. (1988). Economia. New York: McGraw-Hill.

Schumpeter, J. A. (1943). Capitalism, Socialism & Democracy. New York: Harper and
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Silva, E. G. (2002). Barreiras à Entrada no Mercado Político - As Eleições Autárquicas


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Porto, pp. 145-154.

Silva, M. S. (Janeiro-Abril de 2005). Teoria do federalismo fiscal: notas sobre as


contribuições de Oates, Musgrave, Shah e Ter-Minassian. Revista Nova
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Stiglitz, J. E. (2000). Economics of the Public Sector. New York: W. W. Norton &
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