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CAPÍTULO

13
Direito e economia

Fernando Muniz Santos1

São inúmera as possibilidades de diálogo entre o direito e a economia. Afinal, ambos tratam
do fenômeno da escassez, embora cada qual à sua maneira: a economia, como foi observado, estuda
as escolas que as pessoas fazem em face da escassez; o direito, por sua vez, visa a prevenir ou
remediar conflitos que, na grande maioria das vezes, ocorrem exatamente em consequência da
escassez de bens aptos a suprir as necessidades das pessoas.
Como bem apontam Cooter e Ulen (1999, p. 13), a economia pode auxiliar os operadores do
direito (advogados, juízes, promotores, legisladores, administradores públicos) em sua busca por
respostas a questionamentos acerca de como determinada pena irá ou não efetivamente coibir a
prática de um delito, de como a responsabilização de uma empresa por um produto ou serviço
defeituoso terá ou não reflexos duradouros no preço final do produto (ou na garantia de sua
qualidade para o consumo) ou, ainda, de como determinado incentivo fiscal contribui para reduzir a
sonegação fiscal (ou se a promove), entre vários outros aspectos que se manifestam no cotidiano das
atividades dos tribunais, da estruturação de negócios jurídicos, da elaboração de leis e da promoção
de políticas públicas.
Entre os vários pontos de contato possíveis, é fato que, a partir do momento em que se
considera a sanção legal como um preço a ser pago pelo indivíduo pela prática de ato ilícito, ou
mesmo uma recompensa pela prática de ato incentivado por meio de leis, o binômio sanção =
preço aproxima a economia do direito, e vice-versa, tornando possível o diálogo entre esses campos
do conhecimento.
Cooter e Ulen (1998, p. 13) expõem que a economia conta com teorias matematicamente
precisas (teoria dos preços e teoria dos jogos), bem como com métodos empiricamente razoáveis
(estatística e econometria), para analisar os efeitos dos preços sobre o comportamento.
O fato de um indivíduo optar pela prática de uma conduta ilícita em detrimento de outra,
considerada ilícita, está relacionado, muitas vezes às vantagens que ele obterá em face do
comportamento alternativo. Ora, uma vez que o indivíduo aceite o risco de sofrer a sanção pelo ato
ilícito, permite-se toda espécie de análises, não só a respeito da aplicabilidade de dispositivos legais
à conduta submetida a julgamento, mas também a respeito de quais foram os fundamentos para o
indivíduo efetuar a escolha.

1. Este capítulo foi escrito pelo professor Fernando Muniz Santos, doutor em direito pela
UFPR e professor da FAE Business School, de Curitiba.
A economia, nesse caso, encontra fácil recepção, visto que oferece ao operador do direito
uma teoria do comportamento humano apta a prognosticar (ou compreender) como os indivíduos
respondem ante o preço ou, em outras palavras, ante a expectativa de sanção ou de recompensa.
Assim, diversos conceitos como valor, custo, oferta, demanda, utilidade, maximização, eficiência,
entre muitos outros fornecidos pelas teoria econômicas, servem como ferramentas analíticas que
conferem alto rigos à investigação dos fatos sujeitos aos dispositivos legais.
Direito e economia ainda dialogam cotidianamente em situações como as que envolvem a
elaboração e execução de contratos. A celebração de um contrato sem prévia investigação dos riscos
a que se submetem as partes, dos custos decorrentes da adversidade esperada e das garantias que
podem ser licitamente exigidas para mitigar ou afastar os riscos identificados é fato mais do que
usual na rotina de trabalho de operadores jurídicos, como os advogados. O que tais operadores
aprendem, muitas vezes, por meio da experiência (e de reveses que podem significar a ruína de seus
clientes) encontraria maior respaldo, caso fosse utilizado com maior frequência o arsenal teórico das
denominadas análises de custos ou análises de risco, por exemplo.
Os raciocínios econômicos, aliás, auxiliam não só a aplicação de lei, mas também sua
elaboração. Uma vez que a análise econômica centraliza suas atenções nos comportamentos antes
de eles ocorrerem, as consequências possíveis da aplicação de sanções podem ser avaliadas no
momento em que se está debatendo a respeito da viabilidade (ou não) da promulgação de
determinada lei. Os debates legislativos, portando, teriam muito a ganhar, caso os projetos de lei em
tramitação nos parlamentos fossem submetidos com frequência a uma avaliação dos potenciais
efeitos das sanções neles previstas sobre os comportamentos que se pretende normatizar por meio
das leis.
Mas as possibilidades de diálogo entre direito e economia não se resumem ao que foi
exposto. O acentuado apuro terminológico das construções teórico jurídicas pode auxiliar a
atividade cotidiana do economista, de diversas maneiras. É plausível afirmar que as palavras, a
matéria-prima dos operadores do direito, recebem deste um tratamento rigoroso. Isso porque as
palavras comportam distintos significados possíveis, e a incerteza quanto ao significado de termos
pode potencializar, muito mais do que diminuir, os conflitos sociais.
Assim, as elaborações teóricas do direito a respeito de institutos como propriedade, família,
empresa, contrato, responsabilidade, dano, vício, entre muitos outros, além de auxiliar os
operadores do direito a resolverem conflitos, são de grande valia ao economista, que, muitas vezes,
não se preocupa com a precisão terminológica desses conceitos. O emprego de termos como
contrato, por exemplo, de modo pouco técnico pode prejudicar a construção de modelos e cenários
econômicos, distanciando-os da realidade (Cooter e Ulen, 1998, p. 19).
Apesar de tais possibilidades, até o início da década de 60, a utilização da economia pelos
operadores do direito estava circunscrita à compreensão do funcionamento dos mercados e da
formação de monopólios e oligopólios, no âmbito do direito antitruste (Posner, 1999, p. 25). Os
casos levados a julgamento pelas cortes norte-americanas serviam como uma fonte valiosa de
informação para os economistas compreenderem as razões e consequências legais das práticas
monopolísticas, e, uma vez compreendidas, as conclusões dos economistas frequentemente
influenciavam a elaboração de leis ou menos a elaboração teórica, pelos juristas, do direito
antitruste.
O turning point no que se refere às especulações econômicas no campo de direito se deu a
partir de um trabalho de Ronald Coase (Prêmio Nobel de Economia em 1991), o qual, no texto The
problem of social cost (O problema do custo social), de 1960, discutiu as implicações econômicas
da condenação de uma fábrica poluidora a ressarcir os seus vizinhos dos danos que causou. Suas
conclusões nesse trabalho acabaram por se tornar conhecidas como o teorema de Coase, objeto de
intensas discussões dese então.
A partir do trabalho de Coase (1998), o estudo de institutos jurídicos à luz da economia
estendeu-se para a prática de delitos, discriminação racial, casamento e divórcio, falências e
concordatas etc., tornando-se disciplina comum nas faculdades norte-americanas, sob o nome de
“Direito e Economia” ou “Análise Econômica do Direito”.
Aliás, o sucesso dessa especulação multidisciplinar nos Estados Unidos deve-se
precisamente à qualidade “prognosticadora” da economia no tocante às consequências da aplicação
do direito, que faz todo sentido em um sistema do direito como o norte-americano, com base em
precedentes judiciais, sentenças que servem como diretrizes para a tomada de decisões judiciais
futuras.
Uma vez que o juiz deve considerar muito seriamente o provável impacto de decisões
judiciais no comportamento das pessoas – pois uma sentença leviano pode, às vezes, servir como
incentivadora, muito mais que repressora, de comportamentos lesivos –, a economia e o rigor de
suas construções teóricas auxiliam quem vai decidir o caso concreto a optar por uma decisão com a
menor probabilidade de gerar efeitos negativos, especialmente em casos altamente complexo
(Posner, 1999, p. 28).
Mas isso não significa que o diálogo entre direito e economia não seja possível em países
filiados ao sistema de direito romano-germânico (como o Brasil), que se baseia na lei como fonte
primordial do direito. Tendo em vista que os diplomas legais são elaborados com palavras, não
com fórmulas matemáticas, as distintas interpretações dadas ao texto legal e construídas por juízes,
advogados ou promotores podem ou não acarretar consequências desastrosas, comprováveis em
termos econômicos.
Uma vez que a economia trata de estudar a escassez e o modo pelo qual os indivíduos se
comportam ante seu espectro, é extremamente profícuo o diálogo entre direito e economia,
especialmente no momento em que, a pretexto de se solucionar determinado conflito, diversas
interpretações possíveis podem ser dadas aos dispositivos legais aplicáveis ao caso. A economia e
seu instrumental teórico transcendem o papel de investigar a sanção enquanto preço e permitem ao
operador do direito vislumbrar as consequências da adoção de determinada interpretação em
detrimento das outras, o que amplifica o papel do operador do direito de mero aplicador das leis
para alguém que opta, consciente e consistentemente, por uma solução em vista dos resultados
esperáveis.
Assim, a análise econômica pode servir como baliza, parâmetro e auxílio na tarefa de
formação dos argumentos jurídicos, mesmo em um sistema jurídico com base na lei, não no
precedente judicial, como o brasileiro. Todavia, apesar do rigor teórico ofertado pela economia, não
se pode esquecer de que o direito está construído sobre premissas distintas das que animam a
economia.
O operador do direito, ao elaborar seus argumentos em face de um caso concreto, muitas
vezes efetua considerações valorativas ou distributivas, de cunho ético e moral, frequentemente sob
o manto da justiça ou equidade, as quais encontram respaldo em leis e na própria Constituição do
país, mas que podem se afastar de premissas como utilidade ou eficiência, invocadas em geral pelos
economistas para justificar seus raciocínios (Salomão, F. 2001, p. 11-12).
Em outras palavras, para o juiz, nem sempre é eticamente justificável (ou mesmo justo) o
que é eficiente ou útil para o economista, levando-se em consideração o caso concreto. Tal
peculiaridade do pensamento jurídico não pode ser suprimida, sob pena de se submeter,
literalmente, o raciocínio jurídico a premissas divorciadas da própria função social que o direito
cumpre. Premissas essas que, muitas vezes, significam proteger determinado agente econômico
mesmo à custa da maximização geral da riqueza. Afinal, a satisfação da escassez não se despede (e
não é justificável que se despeça) da investigação ética a respeito de como essa escassez é satisfeita.
Em última análise, a relação entre direito e economia se torna frutífera caso seja
complementar, com um campo do conhecimento suprindo o outro em suas eventuais limitações,
sem reduzir uma disciplina em benefício da outra.

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