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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


GUARULHOS (EFLCH)

RECOMPONDO FRAGMENTOS DE UMA HISTÓRIA DE


RESISTÊNCIA E DE RELIGIOSIDADE: AS IRMANDADES NEGRAS
DAS IGREJAS DO ROSÁRIO EM SÃO PAULO.

Autora: Aline Leão do Nascimento


Matrícula: 75.281
Curso: Letras
UC: Cultura afro-brasileira –
Ciências Sociais
Prof° José Carlos

GUARULHOS
2016
Considerações iniciais

Os processos de resistência, preservação da ancestralidade e organização das


irmandades negras no contexto da escravidão na cidade de São Paulo é o tema escolhido para
ser desenvolvido neste trabalho de conclusão da disciplina Cultura afro-brasileira.
Serão estudadas duas igrejas do Rosário: Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos do Paissandu (SP) e Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha (SP). O
objetivo geral é compreender como as irmandades negras pertencentes às igrejas acima
mencionadas, aos seus modos, interviram politicamente no contexto de escravidão no espaço
citadino. Apresentar as práticas de resistência das irmandades e as tensões imbricadas neste
processo de preservação da cultura e da comunidade negra escravizada mediante um
engajamento religioso e, sobretudo, político das referidas instituições.
Esse trabalho é resultado de observações, conversas, leituras acerca das irmandades do
Rosário e das Igrejas do Rosário em São Paulo. O interesse em recompor os fragmentos dessa
(mais uma) história de resistência se intensificou quando participei em Junho do roteiro
promovido pelo coletivo Angana1, "Contas de um Rosário negro: da diáspora a
contemporaneidade". Por meio do qual pudemos visitar três igrejas do Rosário: na Penha,
Paissandu e Guarulhos. Sendo duas escolhidas como eixo deste trabalho: a Igreja Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Paissandu e Nossa Senhora do Rosário dos
Homens Pretos da Penha.

O que fundamenta este trabalho?

Há uma escassez bibliográfica sobre o tema, salvo algumas aparições em capítulos de


livros de história especializados no assunto. Dentre as poucas referências que existem sobre as
irmandades do Rosário, em especial as de São Paulo do largo do Paissandu, a obra de Joviano
figura como um dos mais genuínos estudos.
Os Pretos do Rosário de São Paulo: subsídios históricos, de Raul Joviano Amaral foi
originalmente publicado em 1954. Foi utilizada para esse trabalho a 2º edição, de 1991, de
natureza póstuma. A obra foi republicada pela própria Irmandade da Nossa Senhora dos
Homens Pretos de São Paulo, da qual Joviano fez parte como mesário, secretário e juiz
provedor até a 1988, ano de sua morte.

1
Núcleo de Pesquisa e Educação Patrimonial em Territórios Negros em São Paulo atuante desde 2014.
2
Contudo, além de estar disponível em apenas três bibliotecas segundo a busca no
sistema municipal de bibliotecas de SP, tem uma acessibilidade bastante restrita. Tal fator,
somado a minha rotina - incompatibilidade de horários devido ao emprego e etc – tornou o
contato com essa obra ainda mais difícil.
Realizar empréstimo na Mário de Andrade e no Acervo Histórico de São Paulo é
inviável, no máximo uma consulta local em dias e horários bem delimitados. Na biblioteca do
Centro Cultural de São Paulo o único exemplar estava emprestado, cuja devolução estava
prevista para agosto, todavia, por sorte, essa devolução ocorreu antes do prazo, o que tornou
possível meu contato com a obra.
Como texto fundamental para me introduzir à pesquisa sobre a Igreja do Rosário do
Rosário dos Homens Pretos da Penha optei pela obra Recados aos nossos ancestrais:
memória das relações entre comunidade e o patrimônio. Trata-se de um livro de autoria
coletiva, fruto de parcerias com escolas, coletivos culturais, professores/as, historiadores e
jornalistas do Estado de São Paulo, e discorre sobre os patrimônios remanescentes do Brasil
colonial. Porém, a mesma insuficiência bibliografia observada em relação às Irmandades
Negras do Rosário do Paissandu, é também verificada em relação às Irmandades que atuaram
na Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha, obtive mais informações acerca da história
da Igreja do que a respeito da atuação das irmandades que pertenciam ao local.
Contemplando o assunto num âmbito geral, foi utilizado para esse trabalho o sucinto
livro “Professora, existem santos negros? Histórias de identidade religiosa negra” da
historiadora Antonia Aparecida Quintão que integra a coleção “Percepções da Diferença –
Negros e Brancos na Escola” lançada em 2009.

O que eram (o que são) as irmandades negras?

As irmandades negras eram e são uma das importantes instituições religiosas que no
contexto de escravidão no Brasil desempenhou papel fundamental na preservação da
cosmologia dos povos africanos aqui chegados e escravizados, inclusive na preservação do
corpo negro, garantindo na hora da morte um enterro adequado, assegurando a prática dos
rituais em respeito aos ancestrais. Se a comunidade negra escravizada em vida não tinha sua
integridade física e moral respeitada, e sim agredida, restava-se, portanto, o consolo de na
hora morte ter seu corpo preservado.

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As irmandades negras cumpriam essa função de assegurar a sobrevivência do povo
escravizado, a sobrevivência dos princípios fundantes de uma cultura bantu para além-mar.
Constituídas no seio do catolicismo negro, essa instituição religiosa propiciou uma condição
de aceitação dos elementos da cultura negra no contexto brasileiro, submetendo-os a um
processo de adaptação, transformação e ressignificação diante da imposição de uma cultura
ocidental.
Constituíam-se por mulheres e homens negros integrantes da Igreja do Rosário, cuja
santa homenageada é reconhecida há tempos como padroeira dos escravizados. A lenda que
justifica a associação da santa branca aos negros e negras escravizadas possui diversas
versões. Acredita-se que o culto dedicado a Rosário pela comunidade negra originou-se no
contexto de colonização dos africanos pelos portugueses.
A igreja no contexto do Novo Mundo abriga, além do catolicismo, os cultos e rituais
da comunidade negra, recuperando as matrizes da tradição bantu; é lugar de valor sacro e
também político, por configurar-se como um dos espaços sociais de resistência do/a
negro/a. Como bem define Joviano (1991) os papeis das irmandades no contexto paulistano
do século XIX constitua no

estímulo maior a solidariedade; fortalecimento do sentimento religioso pela


devoção em conjunto; possibilidade do desenvolvimento do culto dos
mortos; incremento do desejo de ser alforriado, pela adoção dos princípios
de liberdade e da compra cooperativista da respectiva carta; o ensejo das
festas coletivas sem a incômoda fiscalização do “sinhô” (JOVIANO, 1991,
p.33-34)

Contudo, vale deixar claro que nem todas as igrejas do Rosário estão associadas ao
exercício religioso, cultural e político das irmandades negras. De passagem por Embu das
Artes fui informada de que por lá havia uma Igreja do Rosário. A expectativa de entrar em
contato com mais um patrimônio da resistência negra naquele lugar logo se esvaiu ao saber
que se tratava, na realidade, de uma igreja erguida no século XVII a pedido da Sra. Catarina
Camacha, dona de terra, por sua vez branca e devota de Nossa Senhora do Rosário. Segundo
informação dada pela funcionária do local, a construção ficou a cargo dos índios escravizados
que Catarina doara aos jesuítas instalados na região para serem mãos de obras e convertidos à
fé católica. A igreja integra o Museu dos Jesuítas e fica localizada no Largo dos Jesuítas,
centro comercial e histórico de Embu das Artes.
Como será percebido no decorrer desse trabalho, o processo de consolidação das
irmandades negras, bem como a manutenção da igreja do Rosário do espaço citadino, é
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repleto de conflitos e negociações, o que nos aproxima do conceito de cultura enquanto algo
dinâmico, antagônico, resultante de tensões. Ao mesmo tempo em que se mantiveram alguns
sentidos cosmológicos da cultura de origem, bem como a tradição de coroação de reis e
rainhas – deixando de ser hereditária para ser eletiva – o culto aos ancestrais na hora da morte
e etc. problemas de ordem política, social e cultural tentaram cercear o campo de atuação das
igrejas do Rosário e das irmandades. Com a propagação da cultura romana e as pressões
decorrentes disso a configuração administrativa das irmandades e da igreja do Rosário foram
perdendo sua caracterização inicial, sobretudo, o critério de cor que se tornou menos
determinante na composição do corpo da instituição, entre outras mudanças estruturais.
Importante também sublinhar o papel nada passivo das mulheres da irmandade negra,
que indo no contra fluxo do papel social da mulher branca na época, tinham como espaço de
atuação a esfera pública, as ruas, as igrejas. As mulheres que pertenciam às irmandades negras
ocupavam cargos de relevâncias e se responsabilizavam por diversas alçadas, sobretudo pelas
festividades. Embora algumas dessas mulheres, como nos informa Quintão (2009, p.36)
mantiveram-se anônimas, diversas foram as aparições do nome da irmã Rufina Maria do Ó,
por exemplo, o que leva a constatar o grau de atuação dessa irmã na irmandade,
transcendendo sua atividade para além do que fora lhe atribuído.

é muito provável que Rufina Maria do Ó, como tantas outras irmãs que
permanecem anônimas, tenha feito pelas irmandades muito mais que
arrecadar esmolas e vestir um anjo para acompanhar a procissão no dia da
festa da padroeira. Podemos levantar hipótese de que, além do sentimento
religioso, outros objetivos motivaram essas negras escravizadas ou libertas a
participar tão ativamente dessas irmandades. (QUINTÃO, 2009, p.36)

As irmandades se mantinham economicamente a custa de doações, esmolas pedidas


por pessoas autorizadas pela igreja, alugueis de propriedades e etc. As rendas se convertiam
em despesas direcionadas à preservação do espaço, ajuda aos doentes, presos e necessitados,
com alimentos, vestimentas e demais auxílios. As taxas de admissão também entravam como
renda à igreja, cujo valor variava conforme a aparência de “cor” do/a contribuinte. Brancos
pagavam mais do que os negros e “pardos”. Homens e mulheres, ambos negros, pagavam a
mesma quantia.

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Igreja Nossa Senhora dos Homens Pretos – Paissandu

Reconstruir a história da Igreja do Rosário do Paysandu é trabalhar com fragmentos


dispersos, contas de um rosário que se encontram esquecidas no território do centro de São
Paulo.
Refazendo os passos históricos que nos conduzem ao lugar de origem da Igreja do
Rosário, chegamos a uma Rua, hoje conhecida como 15 de Novembro, que abriga um Banco
e que dá acesso a Rua Bela Vista, cuja toponímia nos comunica informações acerca dos
processos históricos que operaram naquela região no século XVIII. O que era o centro da
cidade de São Paulo naquele tempo?

Nessa época que a bruma do tempo tem esmaecido e da qual as gerações


mais modernas sequer tomam conhecimento, olvidando suas coisas e suas
verdadeiras realidades –, nessa época era São Paulo um núcleo incipiente
contando a sua população cerca de “4.000 almas, muitos índios e muitos
escravos”.
Nessa vila provinciana, a irmandade levantou o seu templo,
caprichosamente, devotadamente, o verdadeiro espírito cristão, onde os
“pobres prettos e as pobres prettas” pudessem dedicar algumas horas a Deus
ou aos seus deuses, aí cuidando dos seus mortos, enterrando-os na última
morada, aí tramando suas revoltas e defecções, aí sonhando suas liberdades,
aí buscando lenitivo para as suas desventuras, aí exercitando a fé,
vislumbrante a alforria total, disfarçando aí seus anseios libertários, aí
buscando proteção e auxílio, compreensão e Amor, aí rudimentarmente
usando os princípios de solidariedade, aí curtindo a nostalgia do “banzo”, aí
humildemente crendo e aguardando o socorro espiritual para a desdita dos
seus destinos.
(...) Quanto ao ponto em que “abriu o Largo do Rosário (atual Antônio
Prado) não passava de um campo inculto, onde se iam erguendo pequenas
edificações. E exatamente me frente ao caminho que é hoje a Rua Quinze de
Novembro, havia um terreno devoluto, obtido pelos pretos do Rosário, para
a edificação do templo que durante 170 anos, iria, como uma sentinela de fé
e centro irradiador de bondade cristã, bafejando as gerações setecentistas,
vendo e ajudando a crescer a cidade em todas as direções”. (JOVIANO,
1991, 67-68)

O local, definido como “sítio ermo e soturno”, recebia toda leva de doentes,
bexigosos... era uma região distante, nada aprazível. Em torno da igreja, construída por
escravizados nos dias de domingo e santificados, iam se acomodando a população negra,
formada por africanos livres, casais de negros libertos de cativeiros, comerciantes,
quitandeiras, e diversos casebres pertencentes às irmandades que abrigavam negros e negras.
E, anexado à igreja, um cemitério, em cujo espaço se preservava uma tradição e executavam-

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se os rituais de culto aos mortos.2 Porque, embora cumprindo a religião dos “senhores”,
retomavam sob o viés do sincretismo os seus modos de ver o mundo, suas cosmologias.
Conforme relata Joviano (1991), os rituais funerários desenvolviam-se a noite, emitindo suas
ritmadas e tristes cantorias, batendo na terra as mãos de pilão, cantavam:

Zoio que tanto vê


Zi boca que tanto fala
Zi boca que tanto ri
Zi comeo e zi bebeo
Zi corpo que tanto trabaiô
Zi perna que tanto ando
Zi pé que tanto piso
(JOVIANO,199, p.65)

Este cenário incomodou as autoridades, que passaram a emitir decretos de


desapropriação de parte do terreno, reduzindo o patrimônio da população negra, bem como os
casebres e cemitérios pertencentes às irmandades. Ampliou-se o espaço em torno da igreja, a
Rua do Rosário foi alargada e logo se fez o Largo do Rosário, o que indicava o desejo
submerso do governo em instituir no local uma praça. A construção de taipa colonial erguida
entre 1725 e 17503 foi posteriormente demolida a pretexto de um projeto republicano de
civilidade, pressupondo aí a inadequabilidade da igreja dos negros a um espaço elitizado, em
processo de modernização. Em direção a aquele lugar “ermo e soturno” avançava o
“progresso”.
Perfazendo o caminho desde essa época vemos a Rua do Rosário ser substituída por 15
de novembro - lê-se aí um clarividente elogio à república - seguida pela rua Boa Vista que,
mediante a derrubada da igreja do Rosário, como bem deixa inferir o nome, propicia uma
visão mais limpa e amplificada do espaço citadino, elitizado e republicano daquele tempo.
Estabelecendo a demolição como um fato a ser consumado, a Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário mobilizou-se estrategicamente de modo a não sofrer grandes prejuízos,
garantindo a sua continuidade em solo paulistano. Para isso, endereçaram ao conselheiro
Antonio Prado uma carta propondo uma negociação. Uma vez aceita a desapropriação da

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Para evitar com que os mortos continuassem a serem enterrados no interior das igrejas como era de costume na
época, foi construído o cemitério da Consolação. Foi reservado às irmandades negras em 1858 um espaço no
interior desse cemitério para que dedicassem os seus cultos e executassem os seus funerais, o que foi recusado
pela própria irmandade.
3
Segundo registro de Raul Joviano na obra Os pretos do Rosário de São Paulo (1991) existem controvérsias
quanto a data da construção da igreja. Com base em documentos consultados para a sua pesquisa há a hipótese
de que tenha sido construída em 1730. Interessante ressaltar que as irmandades negras já existiam a priori, desde
1711.
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igreja, a irmandade revindica por meio da carta algumas alguns direitos e indenizações para
efeito de justiça, dentre os pedidos estão: a solicitação da planta para a construção da nova
igreja; indenização com o valor de quinhentos contos de réis; remoção dos objetos sagrados e
dos cadáveres; um prazo de 3 meses para a desocupação entre outras solicitações. Conforme
relata Joviano (1991), o acordo foi considerado por parte das autoridades da cidade
impossível de ser firmado. A custo de diversas negociações foi liberado apenas metade do
valor solicitado para indenização, a o Largo do Rosário passa denominar-se praça Antonio
Prado em 4 de janeiro de 1905. “Os pretos foram desterrados para o longínquo Paissandu, no
Tanque dos Lunega.” (Joviano,1991, p.119)
A irmandade ficou instalada provisoriamente, até 1906, na Igreja de São Pedro da
Pedra até que fosse construída a nova igreja no Largo do Paissandu, local que na época era
escondido, distante do núcleo da cidade que se civilizava.
Em 1935-1948 novo pedido de remoção/demolição da igreja do Largo do Paissandu
inquieta a irmandade. Porém, com bases mais resistentes, a instituição dos negros e negros do
Rosário impõe todas as objeções possíveis até que findasse essa exigência do poder publico
de removê-la a outro canto (afastado) da cidade, e que pudessem, enfim, manterem fincadas
no local até hoje as suas vigas abrigando a única irmandade do Rosário de São Paulo.
Recentemente a prefeitura de São Paulo divulgou um edital que premiará projetos de
artistas negros para a confecção de uma escultura de Zumbi, que será instalada no local em
que havia a antiga Igreja do Rosário. A eleição de Zumbi para representar a luta que se fez
naquele espaço pode ser problematizada.
Sem deixar de reconhecer a legitimidade da trajetória de luta de Zumbi é preciso
coerência. Várias são as figuras de negros e negras que assim como ele foram protagonistas.
Relendo a história e recuperando os dados daquele contexto de gênese e estabelecimento da
Igreja do Rosário no centro de São Paulo vemos ressurgir atores importantes que fizeram
parte daquele processo.4 Como já dito, em torno da igreja a presença negra se organizava, até
mesmo o seu interior era cedido como espaço de sobrevivência, de esconderijo de fugitivos,
de armas e etc

4
Associada à história da Igreja do Rosário de Paissandu está a história do movimento dos Caifazes. O grupo
fazia parte de outras Irmandades do estado a fora, e era representado inicialmente pela figura de Antonio Bento,
que por sua vez tornou-se membro das Irmandades do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo, o que viabilizou
o diálogo e o contato entre a Irmandade e o movimento. A igreja tornou-se reduto de esconderijo dos caifazes,
assim como as casas dos membros das irmandades. Esse grupo de principio abolicionista agia sorrateiramente
nas fazendas mobilizando a fuga de escravos entre outras atividades. (QUINTÃO, p. 35, 2009)

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As irmandades funcionavam como ponto de agregação. Em seus terreiros,
nas festas religiosas, os negros dançavam o batuque. Muitas, como a
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo,
chegaram a abrigar libertos (...) envolveram-se diretamente na campanha
abolicionista, articulando quilombos rurais às redes de apoio urbanas. 5

E também, como indica a toponímia da região, a Rua da Quitanda, próxima a 15 de


novembro (antiga Rua do Rosário) reconstrói a memória sobre as quitandeiras. O comércio
nas ruas foi outra esfera de atuação das mulheres negras no contexto de escravidão/pós
abolição. E sob a proteção da navalha mantinha suas vidas preservadas. Portanto, cabe uma
reflexão maior e uma pesquisa histórica mais apurada para se reconhecer as singularidades
das lutas e as suas representatividades. Colocar Zumbi em tudo que se remete a luta negra é
converter uma homenagem reflexiva significativa a uma generalização que negligencia outras
partes tão importantes quanto.

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ROLNIK, Raquel. Territórios Negros nas Cidades Brasileiras (etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de
Janeiro). 2013. Disponível em: https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf.
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Imagem presente no livro Os Pretos do Rosário de São Paulo, de Raul
Joviano.

10
Imagem presente no livro Os Pretos do Rosário de São Paulo, de Raul Joviano.

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Foto: Aline Leão. Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo. Tirada durante o Roteiro “Contas
de um Rosário Negro: da diáspora a contemporaneidade” – Junho/2016

12
Foto: Aline Leão. Igreja do Rosário dos Homens Pretos de São Paulo. Tirada
durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a
contemporaneidade” – Largo do Paissandu - Junho/2016

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Alguns aspectos importantes sobre a Igreja do Rosário dos Homens Pretos da
Penha.

A região da Penha é o que historicamente se denomina por caminhos de “Piaburus”,


caminhos de tropeiros, via de acesso a região de Guarulhos.
Localizada de costas para a Igreja Matriz da Penha e para a Catedral da Sé, vemos a
singela Igreja da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, conhecida por “igreja dos
milagres”. Configurada dentro do padrão arquitetônico da época, de taipa colonial no estilo
neoclássico, foi construída no início do século XIX, meados de 1802, e tombada como
patrimônio cultural na região entre maio e junho de 1982, pelo CONDEPHAAT (Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo).
A igreja abrigou duas irmandades: a dos Pretos da Freguesia da Penha e a de São
Benedito. Desde a sua origem permanece no mesmo local, todavia veio ao longo do tempo
sofrendo algumas reformas, com o intuito de descaracterizá-la, de modo que ficasse
amenizado a identidade associada aos negros e a simplicidade caipira. Até 2000 a igreja
estava interditada por oferecer risco de desabamento, resultado do descaso no cuidado com o
patrimônio.
Desde 2002, que data o bicentenário da igreja, comemora-se a festa do Rosário, o que
indica um retorno da igreja às atividades e ao contato com a comunidade. A típica festividade
é promovida por uma comissão formada por um grupo comunitário composto por pessoas
físicas representantes de coletivos artísticos, religiosos, pessoas que estão comprometidas com
a preservação da cultura afro. A festa é realizada anualmente no mês de Junho, por
considerarem o mês de reconhecimento da igreja em 1802 como instituição católica. Tem
como marco inicial o levantamento de um mastro, que fica durante o mês erguido no local,
seguido pelos principais eventos que consistem em festejos populares, na coroação de Reis e
Rainhas, Missa afro, terço cantado, coroação da Nossa Senhora do Rosário e diversas
apresentações musicais, como as congadas vindas de diversos cantos. Atualmente a igreja
também disponibiliza teu espaço para intervenções culturais, eventos religiosos e culturais da
região.
Por diversos fatores, ligados à indisponibilidade de tempo e escassez de material
fidedigno sobre a Igreja do Rosário da Penha, a pesquisa sobre as Irmandades, o contato com
os registros históricos, um estudo mais aprofundado sobre a história da confraria na Penha se
limitou apenas aos aspectos gerais. Todavia, pude depreender os pontos principais que

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envolvem a história da Igreja do Rosário na Penha do pouco que foi lido sobre e da
experiência em ter participado do roteiro, motivando o olhar para estudos e leituras futuras
sobre o assunto.

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Divulgação da 1º festa do Rosário na Penha
Fonte: http://largodorosario.blogspot.com.br/p/his.html Divulgação da festa do Rosário da Penha edição
2016.Fonte:http://largodorosario.blogspot.com.br/p/his.
html

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Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário
Negro: da diáspora a contemporaneidade” – Penha - Junho/2016
Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a
contemporaneidade”. Penha - Junho/2016
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Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a
contemporaneidade”. Altar de São Benedito. Penha- Junho/2016

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Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a
contemporaneidade”. Altar de Nossa Senhora do Rosário. Penha - Junho/2016
19
Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a
contemporaneidade”.Penha- Junho/2016

20
Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a
contemporaneidade”. Penha - Junho/2016

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Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a contemporaneidade"
Mastro. Penha - Junho/2016

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Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a
contemporaneidade”. Anexo lateral de Igreja. Penha- Junho/2016
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Foto: Aline Leão. Tirada durante o Roteiro “Contas de um Rosário Negro: da diáspora a
contemporaneidade”. Penha- Junho/2016

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Palavras finais....

O processo de pesquisa, de reflexão, de sensibilidade que respalda a execução deste


trabalho o torna bastante relevante para mim, seja do ponto de vista epistemológico, seja do
ponto de vista pessoal.
A experiência em ir visitar os territórios negros de atuação das igrejas foi
enriquecedora. Ressignifica-se a nossa relação com o espaço, estabelecendo um vínculo
crítico com esse lugar, recupera-se a historicidade e nos torna cúmplices de uma memória.
Diversas são as vezes em que passamos por um mesmo lugar sem notarmos que muito tem
esse lugar a nos dizer sobre a sua história e, por conseguinte, sobre a nossa história.
Tornou possível um conhecimento mais aprofundado sobre as diversas estratégias de
sobrevivência dos negros e negras no Novo Mundo, a participação ativa desses grupos
escravizados elucidado através de instituições tal como as Irmandades e de diversas outras,
estendendo o engajamento religioso para as esferas políticas e sociais.
Estudar paralelamente a história dessas duas igrejas, embora este trabalho tenha se
aprofundado muito mais na história da Igreja de Paissandu, nos leva a vislumbrar diversas
hipóteses acerca da articulação e dos diálogos que poderiam ocorrer entre ambas igrejas.
Apesar de estarem geograficamente distantes se orientavam pelo mesmo princípio:
preservação das cosmologias negras na diáspora; institucionalização das práticas religiosas;
representação religiosa e política da comunidade negra escravizada pelo viés do catolicismo
negro. O que demandava bastante engajamento e jogo de cintura para lidar com as ameaças
vindas do poder público, da sociedade branca e elitista da época. Pela via da negociação, não
do confronto direto com as autoridades, as Irmandades negras e os/as demais representantes
da Igreja do Rosário iam constituindo seus laços institucionais de fortalecimento.

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Referências bibliografia

AMARAL, Raul Joviano. Os Pretos do Rosário de São Paulo: subsídios históricos. São Paulo:
Joao Scortecci Editora. 1991.
QUINTÃO, Antônia Aparecida. Professora, existem santos negros? histórias de identidade
religiosa negra. São Paulo: USP, v. 8, 2007.
SANTOS, Carlos José. Recados – Memórias das Relações entre a Comunidade e o
Patrimônio, São Paulo: Movimento Cultural Penha, 2011.

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