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Chico Mendes Vive Na Luta Anticapitalista E Antifascista! (Que É Uma Só)
Chico Mendes Vive Na Luta Anticapitalista E Antifascista! (Que É Uma Só)
Analisando a apropriação e
Fonte: ac.gov.br, fotografia Gleison Miranda
ressignificação dos 'sonhos e ideais' de Chico
Voltando à pergunta inicial, sobre o que
Mendes pelo Governo da Frente Popular do Acre
queremos dizer com "Chico Mendes vive",
- FPA, Maria de Jesus Morais (2012) mostra
devemos ter em mente duas coisas. Primeiro: ao
como este governo criou um discurso sobre a
proclamar que Chico Mendes vive, situamo-nos
identidade acreana associando a luta dos
inevitavelmente na esfera da interpretação. O
seringueiros com seu modelo de
homem não está mais aqui, fisicamente, para
‘ M ich ael Franz Schm idlehner é m estre em Filosofia pela Universidade de Viena, nativo da Áustria e brasileiro naturalizado, pesquisador e professor
de filosofia do IFAC/Campus Sena M adureira e da União Educacional do Norte, UNINORTE
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nos contradizer ou dar razão. Portanto, ninguém Neste sentido, propomos, para fins deste
pode ser único ou "legítimo" articulador de seu ensaio, a seguinte resposta: "Chico Mendes
legado na atualidade. O grau de legitimidade da vive" quer dizer que a luta da qual ele se tornou
nossa interpretação vai depender de quanto ela símbolo se renova e aprofunda na medida em
é referenciada nas ações e palavras da pessoa que muda a realidade sociopolítica à qual ela
histórica de Chico Mendes. precisa reagir.
Segundo: as ações e as palavras de Chico
Legado anticapitalista
Mendes têm que ser interpretadas como sua
reação - a aplicação de seus ideais - a uma Para hoje fazer referência aos ideais de
forte espírito comunitário e não queria ser ler e escrever. Apreendeu, sobretudo, a
paixão pelas idéias revolucionárias de seu
"advogado" dos povos da floresta, no sentido de
"v e lh o am igo e in s tru to r" (form a
falar por eles. O apelo dele hoje, provavelmente, respeitosa com que se referia a Euclides), e
ao seu modo, um método de análise da
seria para não nos fixarmos demais em sua
realidade que orientou sua trajetória
pessoa ou idolatrá-lo. Honrar o legado de Chico política e o projetou para reescrever a
história da luta de resistência de uma
Mendes significa também usar nossa própria
parcela dos segmentos sociais subalternos
capacidade crítica e criatividade para levar a luta na Amazônia brasileira.
adiante.
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Os ideais comunistas de Chico Mendes e políticas de extrema direita ganham espaço com
sua clara ideia de luta social estão evidentes em um discurso de perseguição de minorias. No
seus textos, por exemplo, quando ele escreve Brasil, além desta perseguição, espera-se, nos
"com isso, a ONU e as entidades ambientalistas pretendemos mostrar neste texto - conserva,
"camaleônico", com dois principais discursos O discurso das falsas soluções na esfera
oscilando na sua superfície, que no contexto das
ambiental e climática foi idealizado inicialmente
atuais crises neoliberais se apresentam assim:
no âmbito do Banco Mundial e da ONU, e
» O primeiro discurso é de um suposto
consolidado nas grandes convenções que foram
"consenso", socialmente "inclusivo" e
assinadas na Eco-92. Consagrando o conceito de
"politicamente correto", reconhecendo
parcialmente a existência de uma crise global e "desenvolvimento sustentável", estes tratados
consequências violentas e destrutivas ele oculta equilíbrio climático sem questionar o principal
- como "soluções" através das quais "todos paradoxo do desenvolvimento capitalista: seu
ganham". Este discurso legitima mecanismos paradigma de crescimento econômico ilimitado
hegemônicos (menos violentos) de dominação.
diante da limitação dos recursos naturais.
Ele pode ser chamado como o discurso das
O governo da FPA, como descrevemos no
falsas soluções.
início do texto, reproduziu o novo discurso a
• O segundo discurso opera a partir da construção
nível local. No centro do desenvolvimento
de um inimigo que possa ser excluído e
sustentável, configuraram inicialmente os
abertamente perseguido. A crise global é
projetos de manejo madeireiro. O discurso
basicamente negada, e a "crise nacional",
apresenta estes projetos como inclusivos e
simplesmente atribuída à atuação deste inimigo,
participativos, denominando-os "manejo
dando-se a solução através da sua eliminação
florestal comunitário sustentável", enquanto os
(política, cultural ou física). Este discurso
impactos violentos são sistematicamente
legitima mecanismos coercitivos (mais
ocultados.
violentos) de dominação. Ele pode ser chamado
O relatório da Plataforma Dhesca de
como o discurso da negação.
2014 - veementemente desmentido pelo
Nas próximas páginas, pretendemos
governo da FPA - revela alguns aspectos deste
mostrar, no contexto da Amazônia brasileira,
"lado escuro" do manejo madeireiro, dando voz
que estes dois discursos se complementam, e
como - enquanto eles alternam e se sobrepõem às queixas das comunidades afetadas, entre as
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O violento regime de dominação que Envira (MCFARELAND, 2015, p.42) lemos, por
perdura nas florestas acreanas desde o primeiro exemplo, que eventuais queixas por parte da
surto da borracha não só não mudou com a nova comunidade seriam atendidas pela empresa do
economia florestal promovida pelo governo da promotor local do projeto, Duarte José de Couto
FPA, mas reafirmou-se na lógica dos projetos Neto. Esta empresa seria, ao mesmo tempo,
serve para maximizar a estocagem de carbono que pode ser esperado do "atendimento" por
na biomassa. O que mudou drasticamente com este empreendedor ambientalista pode ser
quais afirma, entre outros, "ter saudade, e Seguindo nossa tese, de que o discurso
muita, do regime militar" (cit. in KILL, 2018). das falsas soluções e o discurso da negação se
produto, implementa-se um novo modo de capitalista, esta mudança não pode afetá-los
produção nas florestas, assentado nas antigas fortemente. Sem nos alongar em especulações
relações de dominação capitalista criadas pelos sobre o futuro, podemos mencionar duas
seringalistas. Para vender este produto - circunstâncias que apontam para a persistência
Surge a questão sobre o futuro dos projetos valor de mercado do carbono vendido pelo
do tipo REDD no novo cenário político no Acre projeto Envira em dois anos totalizaria mais que
e no Brasil a partir de 2019. As esperadas 7,5 milhões de dólares.
políticas de eliminação do "ativismo xiita Projetos privados de REDD,
ambienta " - como diz o presidente eleito -, e a teoricamente, podem se tornar ainda mais
reduzida fiscalização ambiental vão afetá-los ou lucrativos num cenário geral de desmatamento
inviabilizá-los? aumentado, uma vez que podem reivindicar
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mais "adicionalídade". Que significa isto? Na uma oportunidade de fazer um jogo duplo de
florestal acaba "valorizando" o carbono florestal novo presidente do Brasil. Por que razão
e transformando a ameaça em oportunidade de projetos "ambientalistas" como REDD e PSA
negócio. gozariam de interesse por parte do
Segundo: mesmo que algumas agronegócio? Dois anos depois da criação da Lei
declarações do novo presidente eleito apontem Sisa, o então senador Jorge Viana foi o relator do
para uma possível saída do Acordo de Paris, por novo Código Florestal (Lei n212.651 de maio de
parte do Brasil, há indícios que isto não ocorra. 2012), lei que marca a mudança de uma política
A permanência do Brasil, com a consequente exclusivamente de restauração para uma
concretização de uma política nacional de REDD, política com amplas possibilidades de
compensa economicamente. Um analista da compensação de desmatamentos.
revista Forbes argumenta neste sentido: A Cota Rural Ambiental (CRA) é a peça
Os europeus fazem questão de destacar para central neste sistema de compensação, uma vez
Bolsonaro e para os poderosos interesses
que pode ser usada para fazer a obrigação de
agrícolas que o apoiam que o Brasil é um dos
maiores beneficiários de ser signatário do Reserva Legal ser cumprida em outra
Acordo de Paris. Como o país está na
vanguarda da vulnerabilidade às mudanças
propriedade; o proprietário que desmatou além
climáticas e da capacidade de combatê-lo, ele do permitido, por exemplo, um sojeiro da
recebe milhões em subsídios como parte do
regime de Paris, que desaparecería se Amazônia mato-grossense, pode compensar
abandonasse o acordo (KAETING, 2018,
essa dívida através de CRAs de outro local,
tradução nossa).
dentro do mesmo bioma, seja no Mato Grosso
Para sustentar seu vício em combustíveis ou no Acre.
fosseis, os países industrializados necessitam do 0 novo Código Florestal, em seu artigo
pretexto de "compensar" suas emissões. Para o 41, inclusive, incentiva a "cumulação" de
Brasil, por sua vez, esta dependência apresenta diversos tipos de compensações, quando
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autoriza o Poder Executivo a instituir programas redução das emissões dos agricultores
(grifos nossos), listando os sete serviços sinergias entre dois poderosos mecanismos de
na Lei Sisa, e acrescentando como oitavo item "a agronegócio e o do carbono. Além disso, ele
Agricultura (CNA), Kátia Abreu, comenta que sua Nos últimos três anos, houve forte
agronegócio mundial são: Corteva Agriscience expansão do agronegócio no Brasil. Entre 2014
2015), Chem China (que comprou Syngenta em Desenvolvimento da Alemanha (BMZ) apoiou o
2017), Bayer (que comprou Monsanto em 2018) Cadastro Ambiental Rural - CAR com 5,5 milhões
Para nossa análise, a Bayer - agora a Mas, sobretudo, temos que mencionar
merecem especial atenção. Após a compra da programa alemão REDD Early Movers - REM
empresa americana Monsanto pela Bayer por ("Pioneiros do REDD" na tradução ao português)
cerca de US$ 66 bilhões, a Basf - por exigência no estado de Mato Grosso. Por que a Alemanha
das autoridades de defesa da concorrência - quer "premiar" por >sua «política climática
adquiriu ativos da Bayer no valor de cerca de justamente aquele estado brasileiro, que desde
US$ 7,24 bilhões. Com isto, estas duas décadas é considerado o líder em
multinacionais alemãs assumem uma posição desmatamento e o berço do agronegócio
dominante no agronegócio brasileiro. brasileiro?
Atualmente, combinadas, as vendas de Bayer e O período em que o acordo para
Monsanto no Brasil somam R$ 15 bilhões anuais financiar o REM em Mato Grosso foi fechado
(PORTAL DO AGRONEGOCIO, 2018). (final 2017) coincide com a consolidação da
Ao mesmo tempo, por serem fortes compra da Monsanto pela Bayer. Neste
componentes da economia exportadora alemã, momento, já se sabia que a Bayer teria que lidar
Bayer e Basf vêm participando em diversas com as grandes polêmicas em torno dos
iniciativas juntas com o governo daquele país. produtos agrotóxicos que assumiría da
Estes programas, como o German Food Monsanto. No foco desta polêmica
Partnership (GFP, Parceria Alimentar Alemã) e internacional, estão os herbicidas da linha
os fóruns para "soja responsável" e "óleo de Roundup com o princípio ativo glifosato, que
palma responsável", frequentemente são segundo estudos independentes, é considerado
criticados por organizações da sociedade civil, possivelmente cancerígeno.
que veem nelas uma "lavagem verde" para as O presidente da Associação dos
insustentáveis práticas do agronegócio. Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato
O apoio à implementação do novo Grosso (Aprosoja - MT) comenta sobre este
Código Florestal pelo governo alemão é veneno: "sem glifosato, não tem safra no Brasil"
igualmente consistente com seu interesse na e "hoje, produtor não sabe mais plantar de outra
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forma a não ser esta" (ESTADÃO 2018). A função mensal da IG Farben de maio 1938: "De fábrica
momento.
sua simples expressão no título da revista atos de violência contra os povos da floresta que
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se iniciam com a nova presidência, assim como política - isto é, uma abordagem que reconhece
civil a adotar formas mais diretas de resistência. ambiental - inspirada na luta anticapitalista do
..... _ v*>
Porém, o perigo neste momento é que o movimento dos povos da floresta e nos ideais de
discurso das falsas soluções possa se fortalecer Chico Mendes pode nortear a esperada
"única alternativa" para lidar com a crise. Não As palavras que Euclides Távora dirigiu a
devemos cair neste engano. Os movimentos Chico Mendes • em 1964 parecem valer
sociais precisam reconhecer que os dois novamente para nós hoje: "[...] por maior que
promovem a espoliação capitalista da que renascerá e aí você terá que entrar, mesmo
extingue vida na terra, a luta da esquerda se vida pelo capitalismo não nos permite mais
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SUMÁRIO
& Balanço dos 3 0 anos sem Chico M endes (Dercy Teles de Carvalho) 7
TRINTA ANOS
POS-AS3ASS1NATO DE
CHICO MENDES
E DESTRUIÇÃO OCULTA DE
FLORESTAS E VIDAS NO ACRE
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