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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 32, n.

2, 2602 (2010)
www.sbfisica.org.br

E assim se fez o quantum. . .


(Let there be quantum)

Bruno Feldens, Penha Maria Cardoso Dias e Wilma Machado Soares Santos1
Instituto de Fı́sica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Recebido em 14/9/2009; Aceito em 31/1/2010; Publicado em 17/1/2011

Neste trabalho, é apresentada a história do nascimento do conceito de quantum de energia, por Max Planck.
A história pode ser entendida como clarificadora de um conceito, pois ela mostra os problemas que os cientistas
tentavam resolver e como os conceitos apareceram no decurso das soluções. Assim sendo, neste trabalho ênfase
é dada ao problema da interação da radiação com a matéria e à solução estabelecida por Planck. Em parti-
cular, o conceito de distribuição é ilustrado pelos modos de distribuir partı́culas (bolas coloridas) em estados
microscópicos (caixas).
Palavras-chave: quantum de energia, distribuição de Planck, história da fı́sica.

In this paper it is presented the history of the creation of the energy quantum by Max Planck.. The history
of science is used to clarify concepts insofar it discloses problems that were proposed, and how concepts were
introduced in the process of solving them. Therefore, in this paper we emphasize the problem of the interaction
of the radiation with matter, and Planck’s solution to it. In particular, the concept of distribution is illustrated
by showing the ways to distribute particles (painted spheres) in microscopic states (boxes).
Keywords: quantum of energy, Planck’s distribution, history of physics.

1. Introdução A ênfase deste artigo encontra-se nas motivações dos


problemas em cada etapa do processo de descoberta,
A idéia de um quantum de energia foi introduzida por de Planck, e nas motivações das soluções. A parte
Max Karl Ernst Ludwig Planck, em 1900. Mas a idéia histórica é baseada em Nelson Studart [1] e Martin
só ganhou credibilidade ao ser defendida por Albert Klein [2], mas suprimos detalhes de cálculo e com-
Einstein, após Einstein tê-la usado com sucesso na ex- plementamos com uma discussão sobre distribuição,
plicação do efeito fotoelétrico. Neste artigo, apresen- fazendo uma aplicação à contagem de modos de se dis-
tamos a história de como Planck introduziu a idéia de tribuir partı́culas em estados microscópicos.
quantum. O trabalho de Planck é um bom exemplo, na história
Em geral, o trabalho de Max Planck é apresentado da ciência, para ilustrar um processo de descoberta
de forma pouco clara, na literatura; por exemplo, é co- cientı́fica: De um lado, a lei de Wien, um resultado ex-
mum a opinião de que Planck tentava conciliar a Lei de perimental bem estabelecido, e, de outro lado, o método
Wien com a de Rayleigh; ora, em seu trabalho Planck de cálculo, que consiste em achar a entropia; combina-
nem menciona a lei de Rayleigh e é óbvio, pelo cami- dos, levaram Planck à quantização. O artigo pode ser
nho seguido por ele, que a lei de Rayleigh não entrou entendido como um “estudo de caso”, que exemplifica
em suas considerações. Nem foi a idéia de quantum uma o caminho da descoberta cientı́fica.
idéia isolada; ela surgiu no decurso de um cálculo, como
condição de compatibilidade entre valores da entropia,
obtidos por métodos diferentes, de um lado um cálculo 2. Conceitos preliminares
macroscópico e, de outro, microscópico, o que será visto
neste trabalho. Um outro ponto confuso nos livros é a As leis da termodinâmica foram enunciadas por Rudolf
ênfase ao conceito de “corpo negro”, em detrimento da Julius Emmanuel Clausius, em 1850, no contexto das
ênfase no problema que Planck, realmente, tentava re- máquinas térmicas [3]. Como entendido por Clausius,
solver, o da interação da radiação com a matéria. Em as duas leis são condições de “recuperabilidade” ou
geral, também, o conceito de “distribuição” não é ela- capacidade de recuperar as condições iniciais do sis-
borado. tema [3]. A Primeira Lei diz respeito à recuperação
1 E-mail: wilma@if.ufrj.br.

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2602-2 Feldens et al.

do “conteúdo de calor” (terminologia de Clausius), U , sius, em 1857, é a medida da energia cinética média das
da substância de trabalho (o H gás da máquina térmica), moléculas. Ora, o resultado da operação do Demônio é
após o término do ciclo: dU = 0. A Segunda Lei a separação de um gás, inicialmente a uma temperatura
diz respeito à possibilidade de recuperar as condições fixa, em duas temperaturas diferentes, em violação à
de operação da máquina, isto é, diz respeito à possibi- Segunda Lei, cujo resultado, como enunciado por Clau-
lidade da máquina quente retornar às condições iniciais sius, é o de equalizar temperaturas.
de temperatura e de poder ceder a mesma quantidade Por que isso não poderia ser feito, não com a ajuda
de calor. Ora, Clausius raciocinou que a máquina tem de um Demônio, mas pelo uso de algo pequenino, do
duas operações, que ele chama de transporte de calor tamanho molecular, que atuaria do mesmo jeito? A
da fonte quente para a fria e consumo de calor (calor questão não tem uma resposta definitiva, mas é inte-
transformado em trabalho); a condição de “recuperabi- ressante apresentar a resposta de Erwin Schrödinger [5,
lidade” é que, ao final do ciclo, essas operações se “can- p. 113-114] e a resposta de Leo Szilard, em 1929 [6],
celem”; Clausius demonstra [3] que “cancelamento”
H é expandida por Leon Brillouin, nos anos 50 do século
matematicamente descrito por ∆S = dQ T = 0. É claro XX [7].
que, para retornar às condições do sistema formado pela Schrödinger perguntou-se (apud [5, p. 113]): “Por
substância de trabalho, a substância de trabalho tem que os átomos são tão pequenos?” George Gamow re-
de se livrar do calor recebido da fonte quente que não verte a questão [5, p. 114]: “Por que nós somos tão
foi “consumido”, logo deve existir uma fonte fria, onde grandes (quando comparados aos átomos)?” O próprio
jogar o calor “não consumido”. Mais ainda, a demons- Gamow responde: “A resposta é, simplesmente, que um
tração de Clausius tem como premissa que, operando organismo tão complexo, como o de um ser humano,
a máquina em sentido reverso, é possı́vel devolver à com seu cérebro, músculos, etc., não pode ser cons-
fonte o calor retirado dela para operar a máquina. Nas truı́do somente com uma dúzia de átomos, do mesmo
condições do teorema (reversibilidade), a Segunda Lei jeito que não se pode construir uma catedral gótica com
é uma lei de conservação de S; “cancelar” operações poucas pedras”. Qualquer dispositivo que funcionasse
torna-se “zerar” ∆S, após o ciclo. Pode ser dito: A como um Demônio de Maxwell teria de ser construı́do
Primeira Lei é uma lei de conservação do conteúdo de com um pequeno número de átomos e não poderia de-
calor da substância de trabalho, enquanto a Segunda sempenhar sua tarefa; pois resulta das leis da mecânica
Lei é uma lei da possibilidade de conservar o conteúdo quântica que, quanto menor o número de partı́culas,
de calor da fonte quante, ao reverter o ciclo. Clausius maior a flutuação estatı́stica em seu comportamento;
foi o primeiro a enunciar a Segunda Lei; sua formulação Gamow exemplifica: Um automóvel, em que uma das
pode ser parafraseada: O calor transmite-se no sentido rodas espontaneamente se transformasse em volante,
de equalizar temperaturas, portanto passa espontanea- em que o radiador se tornasse, de repente, um tanque de
mente de um corpo para outro de temperatura mais gasolina não seria confiável para dirigir! “Similarmente,
baixa. William Thomson enunciou a lei de um modo um Demônio de Maxwell, real ou mecânico, cometerá
diferente: Uma transformação, cujo único resultado fi- tantos erros estatı́sticos ao manusear as moléculas, que
nal seja transformar em trabalho o calor extraı́do de o projeto inteiro falhará completamente”.
uma fonte que está a uma única temperatura, é im- A resposta de Szilard-Brillouin é intrigante, pois
possı́vel. Os dois enunciados são equivalentes, como faz uma ligação entre a então nascente Teoria da In-
demonstrado na Ref. [4, p. 30]. formação com a fı́sica de sistemas microscópicos.2 Eles
James Clerk Maxwell argumentou que seria possı́vel partem da suposição de que a entropia não é uma
reverter a tendência de fluxo do calor. Para fazê- grandeza fı́sica, mas é a medida da falta de informação
lo, imaginou um ser — hoje chamado Demônio de sobre as posições e velocidades de cada molécula in-
Maxwell — pequenino e muito ativo, o qual pode ver dividualmente (no caso clássico) ou estado, generica-
as moléculas individuais de um gás, por exemplo. O mente falando. De acordo com a proposta, o Demônio
Demônio pode manipular uma pequena janela que se- pode ser construı́do, porém ele seria não-funcional:
para duas câmaras, A e B, nas quais existe um gás a Para operar, o Demônio teria de enxergar as moléculas,
uma mesma temperatura. A abertura da janela é feita, isto é, obter informação sobre a posição de cada uma;
por suposição, sem nenhuma fricção; o Demônio abre-a, para obter essa informação, o Demônio teria que ilu-
quando vê uma molécula particularmente rápida, vindo minar o ambiente e a idéia de Szilard-Brillouin é que
na direção da abertura, passando-a para a câmara B; o processo de obter informação “usaria” mais ou, na
ele a fecha, quando uma molécula lenta se aproxima, melhor das hipóteses, “usaria” uma igual quantidade
deixando-a em A. Assim, haveria em B um excesso de entropia do que economizaria pela ação de um
de moléculas rápidas, enquanto as moléculas lentas es- Demônio. Infelizmente, o argumento não é posto na
tariam na câmara A: B torna-se mais quente e A, mais forma de um teorema, válido para todo e qualquer sis-
fria, pois temperatura, como demonstrado por Clau- tema, mas o gasto de entropia, face a face a sua econo-
2 A Teoria de Informação aqui envolvida é uma teoria sobre emissão e perda de sinais e não uma teoria jornalı́stica. Ela foi inventada

por C. Shannon, durante a Segunda Guerra, por razões militares.


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mia, tem de ser verificado sistema a sistema. pois ela é proporcional ao número de cubinhos. Um
No final do século XIX, Ludwig Boltzmann exemplo mais ao gosto da juventude seria o do quarto de
perguntou-se se haveria uma lei da mecânica que cor- um menino; dentro do quarto existe um guarda-roupa
respondesse à segunda lei da termodinâmica. Para res- (que é menor que o quarto, obviamente); dentro do
ponder a essa questão, criticando Boltzmann, Maxwell guarda-roupa existe uma pilha de camisas, bermudas
criou seu Demônio, ilustrando que a lei não é mecânica, e calças; se essa pilha de roupas for tirada do guarda-
mas é uma lei estatı́stica: As moléculas de um gás estão roupa e espalhada pelo quarto, tudo ficará mais espa-
sempre colidindo, mudando a velocidade e a direção do lhado e vai ser mais difı́cil achar a camisa do time de
movimento; ora, um ser que tivesse acesso às moléculas futebol, pois ela poderá estar em qualquer lugar do
individuais poderia reverter a lei, logo ela não pode ser quarto e não confinada ao guarda-roupa: Ao tirar as
mecânica, porém ela é uma lei estatı́stica. Isso significa roupas do guarda-roupa, aumenta o número de lugares
que é possı́vel observar um fenômeno que desobedeça à (estados) em que a camisa pode estar (ocupar), ou seja,
Segunda Lei, por exemplo, que as moléculas de um gás aumenta o número de estados, dessa forma aumenta a
se separem, as rápidas para um lado e as vagarosas para desordem e como a entropia está relacionada à desor-
o outro, como na alegoria do Demônio; apenas o evento dem, aumenta a entropia também.
é altamente improvável, o que o torna quase impossı́vel. Em um gás perfeito, o número de estados, depende
Por exemplo, imagine que sejam colocadas cinquenta do volume.3 No exemplo, quando se passa do guarda-
esferas verdes em um recipiente e, sobre elas, cinquenta roupa para o quarto, aumenta-se o volume que pode ser
esferas amarelas; o recipiente é fechado e sacudido; ob- ocupado pelas peças de roupa. Na analogia, cada peça
viamente, as esferas ficarão misturadas. Se se conti- de roupa é uma molécula de gás. A probabilidade de en-
nuar a agitar, não é impossı́vel que se consiga obter a contrar uma molécula de gás em um cubinho especı́fico
configuração inicial, com as esferas verdes em baixo e é inversamente proporcional ao volume, ou seja, quanto
as amarelas em cima, porém a probabilidade que isso maior o volume é menor a probabilidade da molécula
aconteça é tão pequena que se pode imaginar que o estar em um cubinho determinado ou mais difı́cil da
evento nunca será observado, mesmo que se espere a molécula ser achada no tal cubinho.
idade do Universo. A idéia contida nesse exemplo é Resumindo, do ponto de vista microscópico, a en-
dita de “ordem” e “desordem”. Esses são conceitos va- tropia é dada por S = k ln Ω, onde k é uma constante e
gos, mas para estabelecer um vocabulário, pode-se dizer 1
Ω é o número de estados. No gás perfeito, Ω ∝ V ∝ W ,
que as bolas estavam inicialmente, em um “estado de 1
onde W = V é a probabilidade de achar uma molécula
ordem” e, após serem misturadas, passaram a um “es- no volume, V , do recipiente em que o gás está contido.
tado de desordem”.
“Ordem” significa que há menos possibilidades (ou
3. O problema da radiação em equilı́-
estados, em fı́sica) accessı́veis e “desordem”, que há
mais. Na natureza, os fenômenos tendem a ocorrer brio térmico
no sentido em que a desordem aumente, sendo muito No dia-a-dia podemos notar que um metal aquecido
improváveis processos em que a ordem se restabeleça, torna-se luminoso; para percebê-lo, basta olhar uma
sem interferência externa, isto é, colocando trabalho torradeira de pão em funcionamento. É também conhe-
externo. Para que ocorra um processo em que o sis- cido que corpos tornam-se luminosos, quando aquecidos
tema passe de um estado menos organizado para um a temperaturas suficientemente elevadas [5, p. 117].
estado mais organizado é necessário gasto de energia. Alguns exemplos [5, p. 117]: Luz é produzida nos fi-
A quantidade que mede o “grau de ordem ou desor- lamentos quentes das lâmpadas; uma lâmpada de fila-
dem” ou número de estados é a entropia: A desordem mento emite uma luz amarelada a cerca de 2000 ◦ C.
aumenta, a entropia cresce. Sempre que um sistema O Sol e as estrelas emitem luz porque suas superfı́cies
pode distribuir livremente sua energia, ele sempre o faz têm temperaturas elevadı́ssimas; a superfı́cie do Sol tem
de maneira que a entropia cresça; do ponto de vista temperatura de cerca de 6000 ◦ C e emite um espectro
macroscópico, termodinâmico, isso diminui a energia luminoso rico em raios azuis. A caracterı́stica dessa
do sistema disponı́vel para a realização de trabalho. emissão de luz a dadas temperaturas é que, à medida
A entropia de um sistema é, então, definida como que a temperatura cresce, a radiação se torna mais in-
proporcional ao número de estados em que o sistema tensa (pico mais alto, na Fig.1) e mais rica em raios de
pode estar. Para entender melhor essa afirmação, ima- frequência maior. A distribuição de energia por unidade
gine o seguinte: Um cubo contendo gás é dividido em de volume em termos da frequência é dada pela curva
vários outros pequenos cubos; cada cubinho representa na Fig. 1, chamada espectro de emissão de radiação [8].
um estado; quanto mais cubinhos ocupados houver, A emissão de luz por corpos aquecidos depende de duas
mais desorganizado é o conjunto e maior a entropia, leis: A lei de Wien e a lei de Stefan-Boltzmann.
3 O exemplo citado em muitos livros elementares de Fı́sica, de um gás que se difunde adiabaticamente entre dois compartimentos,

ilustra que a entropia do gás é proporcional ao volume, pois a única transformação sofrida pelo gás, nesse processo, é o aumento do
volume, com consequente aumento da entropia.
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a radiação às leis da Termodinâmica, por considerá-la


um sistema termodinâmico. A pressão de radiação é
conhecida do Eletromagnetismo e é p = u3 , onde u é
a densidade de energia. Daı́, é possı́vel mostrar que
u = σT 4 e que S = 43 σT 3 .
Das leis da termodinâmica: T dS = dU + pdV , onde
dQ = T dS, U = V u e S é a entropia; logo
µ ¶
u 4 du
T dS = d (uV ) + dV = udV + V dT ⇒
3 3 dT
µ ¶ µ ¶
4u V du ∂S ∂S
dS = dV + dT ≡ dV + dT.
3T T dT ∂V ∂T
∂S 4 u ∂S
As derivadas de S são, pois: ∂V = 3T e ∂T =
V du
T dT .Como S é uma diferencial total

∂2S 4 u 4 1 du ∂2S 1 du
=− 2
+ = = ⇒
∂T ∂V 3T 3 T dT ∂V ∂T T dT
du dT
=4 ⇒ ln u = ln T 4 + ln σ = ln σT 4 ,
u T
onde σ é uma constante de integração. Logo: u = σT 4 .
Para obter a entropia, esse resultado é colocado na ex-
pressão de dS, acima

∂S 4u 4 σT 4 4
Figura 1 - A figura (Ref. [8], p. 337) mostra a densidade de ener- = = = σT 3 e
gia (energia por unidade de volume) em função do comprimento ∂V 3T 3 T 3
de onda (λ) para quatro temperaturas diferentes. Observa-se que ∂S V du V
os picos estão sobre uma curva decrescente, da esquerda para a = = 4σT 3 ;
∂T T dT T
direita, de modo que λ é deslocado para a direita (lei do desloca-
mento de Wien, discutida abaixo). integrando

A lei de Stefan-Boltzmann foi enunciada por Joseph 4 3


Stefan em 1879. A lei diz que a energia total (área sob S= σT V + Φ (T ) ⇒
3
a curva) emitida pelo corpo é proporcional à quarta ∂S dΦ V dΦ
potência da temperatura: u ∝ T 4 . A variação da emis- = 4σT 2 + ≡ 4σT 3 ⇒ = 0;
∂T dT T dT
são com a temperatura foi notada por muitos cientis-
tas, ao longo da história, embora não na mesma pro- logo
porção notada por Stefan [9, p. 10]. Em 1864, Tyn-
dall observou, experimentalmente, que a emissão total 4
S= σV T 3 .
de um fio de platina, entre os limites 525 ◦ C (brilho 3
branco intenso) e 1200 ◦ C (brilho vermelho fraco) au- A lei de Wien foi enunciada por Wilhelm Carl
menta de cerca de 11, 7 vezes [1, p. 525; 9, p. 11]; Werner Otto Fritz Franz Wien, em 1896. A lei diz
no Lehrbuch der Experimentalphysik (1875), A. Wull- que o comprimento de onda correspondente à intensi-
ner escreve [9, p. 11]: “. . . a quantidade de calor emi- dade máxima no espectro é inversamente proporcional à
tida aumenta mais rapidamente do que a temperatura, temperatura absoluta do corpo: λMAX ∝ T1 . Os valores
especialmente a altas temperaturas”. Mas foi o expe- do comprimento de onda λMAX para os quais a densi-
rimento de Tyndall que teve impacto imediato no tra- dade de energia é um máximo (a uma temperatura fixa)
balho de Joseph Stefan; ele assim explica [9, p. 11]: formam a curva λMAX T = constante, decrescente da es-
“Essa observação levou-me, no inı́cio, a fazer o calor da querda para a direita (Fig. 1), de modo que o valor de
radiação proporcional à quarta potência da tempera- λMAX é deslocado para a direita (lei do deslocamento,
tura absoluta”(pois 273+1200 4
273+525 ≈ 1, 8 e 1, 8 ≈ 11, 6). de Wien).
Stefan, então, mostrou que essa fórmula concordava Wien mostrou por considerações teóricas ([10,
com os resultados de medições em uma variedade de Apêndice XXXIII]), que a ¡densidade
¢ de energia para
temperaturas [9, p. 11]. Porém, foi Ludwig Boltz- a frequência ν é: uν = ν 5 F Tν . As etapas da dedução
mann quem demonstrou rigorosamente esse resultado, são enumeradas, sem o desenvolvimento dos cálculos
em 1884 ([10], apêndice XXXIII). Boltzmann baseou-se matemáticos, que podem ser encontrados em [10] e em
na existência de uma pressão de radiação e sujeitando [11]:
E assim se fez o quantum. . . 2602-5

1. É conceitualmente simples, mas trabalhoso, cal- 6. Lembrando que, pela lei de Stefan, S ∝ V T 3
cular a energia com frequência entre ν e ν + dν, e que S é constante (equilı́brio termodinâmico),
¡ ¢
em um ângulo sólido dω = sin2 θ dθdφ, in- V ∝ T13 , logo a lei de Wien é: uν = ν 3 f Tν .
cidente em uma área A (da superfı́cie de um
A lei de Wien pode ser escrita em função do com-
corpo), em um tempo dt. A resposta é: ∆Einc =
c primento de onda, ao invés da frequência. Lembrando
uν 4π A cos θ dtdωdν. c4
¡ c ¢
que λ = νc e que dλ = −c dν ν 2 : uλ dλ = λ5 f T λ =
1
2. O passo, agora, é calcular a energia reenviada (da λ5 F (λT ) dλ. Calculando o comprimento de onda para
superfı́cie do corpo), através da mesma área A, o qual uλ é um máximo, acha-se: λMAX T = b, onde b
para a gama de frequências entre ν e ν+dν. Como é uma constante, hoje chamada de constante de Wien
não se conhece a densidade das frequências en- e vale 2, 898 × 10−3 mK. Essa lei foi verificada experi-
tre ν + dν entre as frequências que estão sendo mentalmente, de maneira bem cuidadosa, por Friedrich
emitidas pela superfı́cie (em última instância, é Pascher e o valor da constante foi verificado por Otto
o que se quer achar pelo cálculo de uν ), não se Lummer e Ernst Pringsheim, em Berlim.
pode pode calcular a frequência emitida entre Em junho de 1896, Wien publicou uma expressão
c
ν + dν como uma onda incidente em A, vinda para a distribuição uλ = C λ15 e− λT onde C e c são
c
da direção oposta da do ı́tem 1. Wien deu uma constantes [12, p. 339]; portanto, F (λT ) = Ce− λT .
solução elegante: Considerou a onda que sai do Essa expressão foi obtida a partir de hipóteses ad hoc
corpo por A como uma onda incidente em A, plausı́veis. Paschen já havia comunicado a Wien a
por reflexão de uma onda com frequência entre distribuição experimentalmente achada [12, p. 339]
1 c
ν 0 + dν 0 , por um espelho que se move com veloci- uλ = C λ5,67 e− λT .
dade v, na direção de propagação da onda; então, No inı́cio de 1900, duas equipes, a de Lummer-
aplicação do¡efeito Doppler¢ fornece a frequência Pringsheim e a de Rubens-Kurlbaum mediram inde-
ν 0 : ν 0 = ν 1 − 2v c cos θ . Então: ∆Eemitida = pendentemente a radiação em regiões de grande com-
c
uν 0 4π A cos θ dtdωdν 0 . primento de onda (baixa frequência) [1, p. 528]: a
primeira equipe mediu na região 12 µm < λ < 18 µm,
3. Usando série de Taylor nas temperaturas 300 K < T < 1650 K; a outra equipe
varreu a região 30 µm < λ < 60 µm, nas temperaturas
200 K < T < 1500 K. A Fig. 2 mostra os resultados
∂uν v
uν 0 = uν (1− 2v cos θ) ≈ uν + ν 2 cos θ + · · · ⇒ experimentais do comportamento da lei de Wien para
µ
c ∂ν ¶ c altas e baixas frequências, obtidos na época de Planck;
∂uν v é a “versão histórica” da Fig. 1.
∆Eemitida ≈ uν + ν 2 cos θ ×
∂ν c
c
A cos θ dtdωdν 0 . 4. A solução de Planck ao problema da

radiação (a distribuição)
4. A diferença de energia entre as ondas que deixam
a gama de frequências entre ν e ν + dν e as que Em 1897, Planck colocou o problema de deduzir o es-
entram nessa gama é a energia que permanece na pectro da radiação, usando as leis de radiação do Eletro-
superfı́cie (onde Av dt ≡ dV é o elemento de vo- magnetismo e as leis da Termodinâmica, mostrando
lume do corpo) como radiação e matéria interagem para alcançar o
equilı́brio termodinâmico.
Planck supôs que a radiação eletromagnética in-
teragisse com um conjunto de osciladores harmônicos,
d (V uν ) ≡ ∆Eemitida − ∆Einc =
chamados por ele de ressonadores. Os ressonadores re-
∂uν v c presentam um modelo simplificado da matéria, o que
ν 2 cos θ A cos θ dtdωdν 0 =
∂ν c 4π faz sentido, pois já havia sido mostrado por Gustav
1 ∂uν Robert Kirchhoff que há uma independência da emissão
ν cos θdωdν 0 dV.
2
2π ∂ν de radiação em relação à composição da matéria [6,
p. 527]. A radiação e esses ressonadores formam um
Integrando sobre todos os ângulos sólidos no he- sistema em equilı́brio térmico, de modo que radiação e
misfério, a diferença é d (uν V ) = 13 ν ∂u
∂ν dV , onde
ν
matéria oscilam com a mesma frequência.
uν é a densidade de energia com frequência entre Em 1899, Planck deduziu a relação entre a densi-
ν e ν + dν, uν V á energia com frequência entre ν dade de energia (u (ν, T )) da radiação e a energia média
e ν + dν. (ρ (ν, T )) do conjunto de osciladores que representam os
5. É trivial verificar átomos na superfı́cie de um corpo
¡ ¢ que essa equação é satisfeita por
uν = ν 3 φ ν 3 V , onde φ é uma função desconhe- 8π 2
cida. u (ν, T ) = ν ρ (ν, T ) .
c3
2602-6 Feldens et al.

3. O trabalho por unidade de tempo (potência)


do campoR sobre um ressonador é, por definição:
δPν = τq dtẋEx . O problema é relacionar essa
expressão com uν , acima. O problema envolve,
apenas, virtuosismo matemático e a definição de
2
Ex em ondas planas. A solução é δPν = π3 qm uν
2
πq
ou, para todos os ressonadores, Press = 3 m u.

4. Por outro lado, os ressonadores oscilam. A


potência da radiação de dipolo é um resultado
2
conhecido no eletromagnetismo: P = 32 qc3 a2 ,
onde a é a aceleração da oscilação da carga,
2
a = − (2πν) x. A potência média, durante um
2 4
perı́odo, é: P = 23 qc3 (2πν) x2 . A energia média
2
dos osciladores é dada por ρ = m (2πν) x2 , logo:
2 2
Prad = 23 qc3 (2πν) ρ

5. Finalmente, igualando a potência da radiação à


dos ressonadores, obtém-se a expressão de Planck,
u (ν, T ) = 8π
c3
ν 2 ρ (ν, T ).

ν
Ora, a distribuição de Wien é uν = αν 3 e−β T ; por
outro lado, Planck deduziu uma relação entre a densi-
dade de energia dos ressonadores e da radiação com
a qual estão em equilı́brio: u (ν, T ) = 8π 2
c3 ν ρ (ν, T ).
1
Igualando as duas expressões e tirando T : T1 =
1
¡ ¢
− βν ln c8π 1
3 α νρ . Porém, da termodinâmica: T = ∂ρ .
∂S

Logo

µ ¶ Z µ ¶
∂S 1 8π 1 8π
=− ln νρ ⇒S=− dρ ln νρ ;
∂ρ βν c3 α βν c3 α
Figura 2 - A figura mostra os valores calculados (berechnet) e
obtidos experimentalmente (beobachtet) por Lummer e Pring- 3
sheim ([1, p. 526]). chamando A0 = αc 8π e sendo e a base de logarı́tmos
Os detalhes do cálculo se encontram no livro clássico neperianos, o resultado da integral é
de Born [10, apêndice XXXIV]:
µ ¶
1. É um resultado conhecido, no eletromagnetismo, ρ ρ A0 uν ³ uν ´
que a densidade da radiação eletromagnética é S=− ln 0
ou S = − ln ;
βν A eν βc3 ν 3 eν 3 c3
proporcional ao quadrado da amplitude da onda:
3
uν = 2πτ |f (ν) |2 , onde τ é o perı́odo e f , a ampli- essa é a entropia do sistema formado pela radiação em
tude. Um outro resultado do Eletromagnetismo equilı́brio com os ressonadores. Além disso, S obedece
2
é a expansão do campo em ondas planas (e2πiνt ): ao requisito de ser não decrescente: ∂∂uS2 = − u1ν 6> 0.
R +∞ ν
Ex = −∞ dνf (ν) e2πiνt Planck já havia sido alertado por Paschen da não
universalidade da lei de Wien. Em 7 de outubro de
2. Se um ressonador de massa m está sujeito a um
1900, Rubens visitou Planck e lhe informou que a lei
campo elétrico Ex , na direção x, a equação do
de Wien não é válida para baixas freqüências (Kangro,
movimento é mẍ + k ẋ = qEx , onde q é a carga
apud [1, p. 528]). No mesmo dia, à noite, Planck man-
e k, a constante elástica. Pode ser verificado que
dou um cartão a Rubens, com uma nova solução para
a solução particular correspondendo às condições
uν (Kangro, apud [1, p. 528]). Essa solução foi apre-
iniciais x (0) = ẋ (0) = 0 é
sentada na Academia Alemã de Fı́sica, na sessão de
Z 19 de outubro de 1900. Na mesma sessão, Kurlbaum
q apresentou seus resultados experimentais [1, p. 528].
x (t) = dt0 Ex (t0 ) sin [2πν0 (t − t0 )],
2πν0 m Planck, então, pôs-se a procurar ([13, p. 536]) “ex-
r
1 k pressões completamente arbitrárias para a entropia que,
ν0 = . embora mais complicadas do que a expressão de Wien,
2π m
E assim se fez o quantum. . . 2602-7

ainda parecem satisfazer completamente todos os re- é macroscópica, mas do ponto de vista microscópico,
quisitos da [T]ermodinâmica e da [T]eoria [E]letromag- entropia é (proporcional ao) o número de estados
nética”. (frequências) accessı́veis a cada ressonador (Planck,
2
A lei de Wien leva ao resultado ∂∂uS2 = − u1ν . Então, apud [2, p. 459]):
ν
Planck generaliza a entropia
Mas mesmo que a validade absolutamente
2 precisa da fórmula da radiação seja assumi-
∂ S αν
=− , da, na medida em que ela tenha meramente
2
∂uν uν (βν + uν ) o status de uma lei revelada por uma sorte
onde αν e βν são constantes em relação a uν , mas de- da intuição, ela não poderia esperar possuir
pendem de ν. A justificativa é a seguinte [13, p. 536]: mais do que um significado formal. Por essa
“Esta é, de longe, a mais simples de todas as expressões razão, no próprio dia em que formulei a lei,
que levam S a ser uma uma função logarı́tmica de u [. . . ] comecei a devotar-me à tarefa de de investi-
e que, mais ainda, reduz-se à lei de Wien, mencionada la com um real sentido fı́sico. Essa procura
acima, para pequenos valores de u”. automaticamente levou-me a estudar a in-
Integrando essa função e sendo T1 = ∂u ∂S
, segue-se terrelação de entropia com probabilidade —
1 α uν +βν
ν
em outras palavras, a perseguir a linha de
T = βν ln uν , resolvendo para uν
pensamento inaugurada por Boltzmann.
βν A fundamentação da entropia de 19 de outubro de
uν = ·
βν 1900 foi apresentada por Planck à Sociedade Alemã de
e αν T − 1 Fı́sica em 14 de dezembro de 1900.
Na primeira parte do cálculo, Planck obtém a en-
Essa expressão tem de coincidir com a lei de Wien para tropia de um ressonador, considerado, ele mesmo, um
ν → ∞; nesse limite, a exponencial é muito maior que sistema termodinâmico em equilı́brio com a radiação.
1, de modo que Essa entropia deve ser igual à entropia obtida pelo
método de Boltzmann, isto é, contando o número de
βν ν→∞ βν possı́veis modos de distribuir a energia total por N
uν = → .
βν βν ressonadores.
e νT − 1
α e αν T
5.1. Entropia do ressonador
Comparando
¡ν¢ com a lei de Wien na forma uν =
3
ν f T Escrevendo a energia no volume V
³ν ´ βν βν
f ≡ e − αν T e = Bν; βν = Aν 3 , Ac3
T αν Aν 3 ν µ 8π ¶
uν V = V ≡ 8π 2
Vν .
ν ν c3
onde A e B são constantes, independentes de u, ν e T ; B B
logo a distribuição de Planck é e T −1 e T −1
¡ 8π ¢
Ora, N (ν) = c3 V ν 2 é o número de ressonadores
Aν 3 de frequência ν que cabem em um cubo de volume V ; o
uν =ν
B cálculo de N (ν) pode ser encontrado nos livros usuais
e T −1 de fı́sica moderna [14, 15]. Portanto, a energia média
(Distribuição da densidade de energia, de Planck). de um ressonador com frequência entre ν e ν + dν é

Anos depois, Planck rememora essa descoberta


(Planck, apud [2, p. 465]): Ac3
ν
Uν = 8πν .
Já na manhã seguinte, recebi a visita de meu B
colega Rubens. Ele veio me dizer que, após e T −1
o término do encontro, na mesma noite, ele
Agora é possı́vel achar a entropia (sν ) do ressonador.
comparou minha fórmula com as medidas
Como ele está em equilı́brio térmico com a radiação, à
e achou uma concordância satisfatória em ∂sν
temperatuta T : T1 = ∂U . Resolvendo a expressão de
cada ponto. . . ¡ν ¢ ¡ ¢
Uν para T : T = Bν ln 1 + AU0νν − Bν
1 1 1 1 ∂sν
ln AU0νν = ∂U ν
,
Ac3
onde A0 = 8π ; integrando,
5. A quantização da energia
½Z µ ¶ Z µ ¶¾
A entropia apresentada à Sociedade Alemã de Fı́sica, 1 Uν Uν
em 19 de outubro de 1900 pede fundamentação. Ela sν = dUν ln 1 + 0 − dUν ln ,
Bν Aν A0 ν
2602-8 Feldens et al.

R
lembrando que dy yey = ey (y − 1) e notando que as onde P representa um número inteiro, em
duas integrais podem ser reduzidas a essa integral por geral grande. Deixaremos, no momento, in-
mudança de variáveis, segue-se determinado o valor de ².

½µ ¶· µ ¶ ¸ A definição microscópica de S é: S = kB ln Ω, onde


A0 Uν Uν
sν = 1+ 0 ln 1 + 0 −1 − Ω é o número de possı́veis estados; um ‘estado’ sig-
B Aν Aν nifica um possı́vel modo de repartir a energia UN en-
µ ¶¾
Uν Uν tre os N ressonadores; calcular Ω consiste em contar o
ln 0 − 1 ,
A0 ν Aν número de maneiras como isso pode ser feito. Ora, para
·µ ¶ µ ¶ levar a termo essa contagem, a energia total dos resso-
A0 Uν Uν nadores (UN ) é “discretizada” em quanta (²) de ener-
sν = 1+ 0 ln 1 + 0 −
B Aν Aν gia. A quantização, nesse ponto, é, apenas um artifı́cio
¸
Uν Uν A0 de contagem que permite distribuir um número inteiro,
ln −
A0 ν A0 ν B P , de “pedaços de energia” iguais a ² por N indivı́duos
(ressonadores); ou, o que é o mesmo, de colocar N bolas
5.2. Contando estados em P caixas de “volume” ². Esse é um problema conhe-
cido de análise combinatória e, não havendo restrição
Planck considera N ressonadores, cada um com energia ao número de indivı́duos que podem ser colocados em
u. A energia total é UN = N u e a entropia é SN = N S, uma mesma caixa, a solução é
pois são quantidades aditivas. Continua Planck ([16,
p. 539]): · ¸
(N + P + 1)!
Importa agora encontrar a probabilidade Ω = ln .
N ! (P − 1)!
W, de modo que os N ressonadores possuam
em conjunto a energia total uN . Para isto, A expressão vai ser ilustrada na seção 5.3. No mo-
será necessário que uN não seja uma quanti- mento, para não perder a continuidade do raciocı́nio de
dade contı́nua, infinitamente divisı́vel, mas Planck, o importante é como um artifı́cio de contagem
antes uma grandeza discreta, composta de veio a se tornar uma lei da natureza.
um número inteiro de partes infinitas iguais. Deh acordo icom a teoria microscópica, S =
Denominemos ² a tal parte elementar de kB ln (N +P +1)!
N !(P −1)! . De acordo com a fórmula de Stir-
energia; teremos, portanto
ling, para N muio grande, N ! ≈ N N . Logo, usando
UN = P ², P = número de pedaços de tamanho ² = U²N = N²U
c

N +P
(N + P )
SN ⇒ ln = kB {(N + P ) ln (N + P ) − N ln N − P ln P }
NNPP ½µ ¶ µ ¶ ¾
P P P P
= kB N 1+ ln 1 + − ln
N N N N
½µ ¶ µ ¶ ¾
U U U U
= kB N 1+ ln 1 + − ln .
² ² ² ²

A entropia de um ressonador é (escevendo Uν em Claro que coincidem, se ² ≡ A0 ν !! Agora a quan-


vez de U para lembrar que o ressonador tem uma tização é algo preocupante, pois o resultado significa
frequência) que a entropia obtida do espectro da densidade de ener-
gia, uma lei corroborada, obedece à definição conceitual
½µ ¶ µ ¶ ¾ de entropia, só se a energia do sistema for composta de
Uν Uν Uν Uν pacotes ou quanta ²ν = A0 ν.
sν = kB 1+ ln 1 + − ln ;
² ² ² ²

essa expressão tem de ser comparada com a entropia de 5.3. Ilustração da contagem de estados
um ressonador anteriormente achada Nesta seção, vamos ilustrar
h i como a fórmula usada por
(N +P +1)!
Planck, Ω = ln N !(P −1)! , resulta de um problema de
·µ ¶ µ ¶ ¸
A0 Uν Uν Uν Uν A0 análise combinatória. O problema consiste em contar o
sν = 1+ ln 1 + 0 − 0 ln 0 − . número de modos de distribuir N bolinhas em k caixas.
B A0 ν Aν Aν Aν B
E assim se fez o quantum. . . 2602-9

Inicialmente, é preciso saber o que contar. Por A tabela tem Ω = (N +k−1)! (3+3−1)! 5!
N !(k−1)! = 3!(3−1)! = 3!2! = 10
exemplo, pode-se contar o número de frutas em um trincas (linhas). Cada trinca ocorre uma vez. Na
cesto ou o número de maçãs no cesto. No primeiro Tabela 2, considera-se bolas distinguı́veis.
caso, considera-se as frutas no cesto como formando
um pacote único, portanto são ditas indistinguı́veis; no
segundo caso, as maçãs são consideradas distinguı́veis Tabela 2 - Distinguı́veis. N = 3, k = 3.
das outras frutas no cesto. Assim, a distinção a ser feita
para se saber o que contar é se as bolinhas são iguais # I caixa 1 caixa 2 caixa 3 distribuição
(indistinguı́veis) ou se são diferentes (distinguı́veis). n1 n2 n3
No exemplo a seguir, as bolas serão distinguidas pela 1I AVP 3 0 0
cor: Azul (A), verde (V ) e preta (P ). Mas se se con- 2 AVP 0 3 0
3 AVP 0 0 3
tar as bolas de uma única cor, elas serão denotadas por 4 A VP 1 2 0
X, por serem indistinguı́veis. As bolas idênticas, por 5 A VP 1 0 2
sua vez, podem ser colocadas na caixa de dois modos 6 A V P 1 1 1
diferentes: Sem restrição ao número de bolas que se 7 A P V 1 1 1
8 VP A 0 2 1
coloca em uma caixa ou restringindo a, apenas, uma 9 VP A 2 0 1
bola por caixa; aqui, só o primeiro caso será conside- 10 P V A 1 1 1
rado. O exemplo consiste em distribuir N = 3 bolas 11 V P A 1 1 1
12 V AP 1 2 0
(ressonadores) em k = 3 caixas.
13 V AP 1 0 2
Na Tabela 1, considera-se bolas indistinguı́veis, sem 14 V A P 1 1 1
restrição ao número de bolas em cada caixa. 15 AP V 2 1 0
16 V AP 0 1 2
Tabela 1 - Indistinguı́veis sem restrição ao número de bolas na 17 AP V 2 0 1
caixa. N = 3 ressonadores, k = 3 estados (P da fórmula de 18 AP V 0 2 1
Planck). 19 P A V 1 1 1
20 P AV 1 2 0
# I caixa 1 caixa 2 caixa 3 distribuição 21 P AV 1 0 2
22 AV P 2 1 0
n1 n2 n3
23 P AV 0 1 2
1I XXX 3 0 0 24 AV P 2 0 1
2 XXX 0 3 0 25 AV P 0 2 1
3 XXX 0 0 3 26 A VP 0 1 2
4 XX X 2 1 0 27 VP A 2 1 0
5 XX X 2 0 1
6 X XX 1 2 0
7 X X X 1 1 1 A tabela tem k N = 33 = 27 trincas (linhas). O
8 X XX 1 0 2
9 X XX 0 1 2
número de vezes que cada trinca ocorre é Ω = n1N!n!2 ! ; a
10 XX X 0 2 1 Tabela 3 resume o resultado da Tabela 2.

Tabela 3 - Descrição dos resultados da Tabela 2.

Distribuição Número de vezes que ocorre Linha


(n1 = 3, n2 = 0, n3 = 0) I Ω3,0,0 = 3!
3!0!0!
=1 1
3!
(n1 = 0, n2 = 3, n3 = 0) Ω0,3,0 = 0!3!0!
=1 2
3!
(n1 = 0, n2 = 0, n3 = 3) Ω0,0,3 = 0!0!3!
=1 3
3!
(n1 = 1, n2 = 2, n3 = 0) Ω1,2,0 = 1!2!0!
=3 4, 12, 20
3!
(n1 = 1, n2 = 0, n3 = 2) Ω1,0,2 = 1!0!2!
=3 5, 13, 21
3!
(n1 = 0, n2 = 2, n3 = 1) Ω0,2,1 = 0!2!1!
=3 8, 18, 25
3!
(n1 = 2, n2 = 1, n3 = 0) Ω2,1,0 = 2!1!0!
=3 15, 22, 27
3!
(n1 = 0, n2 = 1, n3 = 2) Ω0,1,2 = 0!1!2!
=3 16, 23, 26
3!
(n1 = 2, n2 = 0, n3 = 1) Ω2,0,1 = 2!0!1!
=3 9, 17, 24
3!
(n1 = 1, n2 = 1, n3 = 1) I Ω1,1,1 = 1!1!1!
=6 6, 7, 10, 11, 14, 19

A analogia com o problema de Planck é: creta) ou do spin ou etc.


1. Nos exemplo, N indivı́duos (bolas, ressonadores) 2. Cada trinca ou linha é um “estado” microscópico do
são colocados em k estados individuais (caixas). Esses conjunto de N bolas. Portanto, o estado microscópico
estados individuais podem ser, em mecânica clássica, é caracterizado pelo conjunto de k números (k-tupla)
a posição e o momentum ou um valor da energia; em {n1 , n2 , . . . , nk }, chamado “distribuição”.
mecânica quântica, podem ser valores da energia (dis- 3. No caso dos indivı́duos indistinguı́veis, as linhas têm
2602-10 Feldens et al.

de ter diferente distribuição: Duas linhas com mesma bert Einstein, a hipótese foi adquirindo significado.
distribuição só podem diferir pelos indivı́duos na caixas, Mesmo que uma hipótese resolva um problema, não
mas como eles são indistinguı́veis, as distribuições con- necessariamente ela tem validade universal e Planck
tam uma única vez; o número de “estados” coincide, sabia disso. Apenas em 1908, em uma carta a Lorentz,
então, com o número de “distribuições”. No caso em Planck refere-se à quantização da energia e à necessi-
que não há restrição sobre o número de indivı́duos (bo- dade de postular descontinuidades (6, p.532).
las) que podem ser colocados em um mesmo “estado” A mecânica quântica não se reduz, apenas, à quan-
individual (caixas), o número de “estados” do conjunto tização da energia; por exemplo, outras quantidades
de N indivı́duos é (N +k−1)!
N !(k−1)! . A entropia é, correspon-
podem ser quantizadas, como o momentum angular, no
modelo atômico de Bohr. Uma outra diferença pro-
dentemente, definida como S ∝ ln Ω ∝ ln (N +k−1)!
N !(k−1)! funda entre a mecânica clássica e a quântica está na
4. No caso dos indivı́duos distinguı́veis, o número to- diferença da natureza entre as partı́culas clássicas e as
tal de “estados” de N indivı́duos é k N . Porém, pode quânticas: No gás perfeito, que obedece à mecânica
haver “estados” com igual “distribuição”, pois desde clássica (chamado gás de Boltzmann) as moléculas são
que dois indı́viduos permutem de caixa, mantendo a distinguı́veis e, no caso dos ressonadores quânticos, de
distribuição, as duas distribuições contam como estados Planck, eles são indistinguı́veis; o fato de indı́vı́duos
diferentes; o número de vezes que uma “distribuição” serem distinguı́veis ou não distinguı́veis altera a con-
N!
ocorre é: Ω = n1 !n2 !n 3 !...nk !
. A entropia é definida como tagem de estados ocupados pelos indivı́duos. Não é,
N!
S ∝ ln Ω ∝ ln n1 !n2 !n3 !...nk ! . pois, de se admirar que Planck só tenha obtido a quan-
5. O caso indistinguı́vel em que não há limite (exceto tização após introduzir a contagem de estados.
pelo número N ) para o número de “bolas” em cada
“caixa” corresponde aos possı́veis “estados” dos res-
sonadores. O número de estados é, na contagem de
Referências
Planck: ΩPlanck = (N +P −1)!
N !(P −1)! (P = k). [1] N. Studart, Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica 22,
O caso distinguı́vel corresponde aos possı́veis “es- 523 (2001).
tados” das moléculas de um gás perfeito. Ludwig [2] M. Klein, Archives for History of Exact Sciences 1, 399
Boltzmann supôs que, na situação de equilı́brio ter- (1961).
modinâmico, as moléculas do gás se distribuem em uma [3] P.M. Cardoso Dias, Revista Brasileira de Ensino de
certa k-tupla do conjunto total de ênuplas; essa seria Fı́sica 23, 226 (2001).
N!
aquela em que Ω = n1 !n2 !n 3 !...nk !
fosse um máximo. No [4] E. Fermi, Thermodynamics (Dover, Nova York, 1956).
exemplo, é a trinca {n1 = 1, n2 = 1, n3 = 1}, que ocorre [5] G. Gamow, The Great Physicists from Galileo to Ein-
6 vêzes. Do ponto de vista da interpretação estatı́stica, stein (Dover, 1961).
essa trinca é o estado em que as moléculas (bolas) têm
[6] L. Szilard, in: Entropy, Information, Computing, edi-
mais probabilidade de serem achadas (supondo que o tado por Harvey Leff e Andrew Fox (Princeton Univer-
valor de E = n1 ²1 + n2 ²2 + n3 ²3 seja fixado) por ocorrer sity Press, Princeton, 1990).
mais vêzes. Note que a trinca {n1 = 1, n2 = 1, n3 = 1}
[7] L. Brillouin, Science and Information Theory (Acad-
tem seus indivı́duos igualmente distribuı́dos pelas três emic Press, 1956).
“caixas”.
[8] A. Gaspar, Fı́sica (Eletromagnetimo, Fı́sica Moderna)
6. Para completar o exemplo, se houvesse restrição ao
(Ática, São Paulo, 2000).
número de indivı́duos indistinguı́veis em uma caixa, a
contagem de trincas seria diferente. Por exemplo, res- [9] W. Böhm, in: Dictionary of Scientific Biography,
edited by C.C. Gillispie (Charles Scribner’s Sons, Nova
tringindo a um único indivı́duo em cada caixa, só há
York, 1981).
um estado: {n1 = 1, n2 = 1, n3 = 1}. Esse caso refere-
se à contagem de partı́culas quânticas que são constitu- [10] M. Born, Fı́sica Atômica (Calouste Gulbenkian, Lis-
boa, 1962).
intes da matéria, v.g. elétrons, prótons, etc. (chamadas
fermions), enquanto a distribuição é chamada de es- [11] F. Caruso e V. Oguri Fı́sica Moderna. Origens
tatı́stica de Fermi-Dirac. O caso de Planck refere-se à Clássicas e Fundamentos Quânticos (Editora Campus,
Rio de Janeiro, 2006).
contagem de partı́culas quânticas que são constituintes
de campos de interação (chamadas bosons), enquanto a [12] H. Kangro, ‘in: Dictionary of Scientific Biography,
distribuição é chamada de estatı́stica de Bose-Einstein. edited by C.C. Gillispie (Charles Scribner’s Sons, Nova
York, 1981).
[13] M. Planck, “Sobre um Aperfeiçoamento da Equação de
6. Amarrando as pontas: quantização Wien para o Espectro”, lida na reunião de 19 de outu-
bro de 1900, da Sociedade Alemão de Fı́sica; publicado
O fato da energia ter sido quantizada no problema re- originalmente em Verhandlungen der Deutschen Phys-
solvido por Planck não necessariamente significa que icalishen Gesellschaft, 2, 202 (1900), traduzido para o
o resultado foi entendido em toda sua dimensão. So- Português em Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica
mente após a explicação do efeito fotoelétrico por Al- 22, 536 (2000).
E assim se fez o quantum. . . 2602-11

[14] R.M. Eisberg, Fundamentals of Modern Physics (John [16] M. Planck, “Sobre a Lei de Distribuição de Energia
Wiley & Sons, Nova York, 1961). no Espectro Normal”, publicado originalmente em An-
nalen der Physik 4, 553 (1901); traduzido para o Por-
[15] R.M. Eisberg and R. Resnick Fı́sica Quântica (Editora tuguês em Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica 22,
Campus, Rio de Janeiro, 1979). 538 (2000).

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