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Direito Fiscal

Caso Prático de Avaliação Contínua

Através de decreto-lei aprovado pelo Governo foi criada uma taxa sobre gorduras
saturadas, que incidirá sobre o valor de venda a retalho dos produtos que as contenham.
Em primeiro lugar, cabe referir que a criação de impostos e sistema fiscal, regime geral
das taxas e demais contribuições financeiras é da exclusiva competência da Assembleia
da República, conforme previsto no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da
República Portuguesa (doravante CRP), salvo autorização ao Governo, podendo também
ser mencionado o artigo 198.º, n.º 1, alínea c) CRP.

Em segundo lugar, torna-se importante entender qual o tipo de tributo que se encontra
presente neste caso. Os tributos podem ser definidos como receitas criadas pelo Estado
ou outras entidades públicas para a satisfação de necessidades públicas e sem terem uma
função sancionatória. Conforme o artigo 3.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT) os
tributos compreendem os impostos, as taxas e as contribuições financeiras.

No meu entender, estamos perante um imposto. Os impostos são tributos de caráter


unilateral, materializados por prestações pecuniárias cuja finalidade possa ser a
arrecadação de receitas a título principal ou secundário por parte de entidades públicas
(fim fiscal) ou até a prossecução de quaisquer outras entidades públicas (finalidade
extrafiscal) que não tenham por base uma infração e a sua correspondente sanção. Os
impostos estão sujeitos a reserva de lei e devem tributar a capacidade económica
(contributiva), por isso assentam em critérios ad valorem. Relativamente às classificações
de impostos e consoante o objeto que recaem, estamos perante um imposto sobre o
consumo, ao abrigo do artigo 104.º, n.º 4 CRP, sendo que ao incidir sobre o consumo
específico de certos bens (produtos que contenham gorduras saturadas) poderá ser
classificado como um imposto especial sobre o consumo. Tendo em conta à função que
desempenha no ordenamento jurídico-constitucional é um imposto real, uma vez que se
centra na manifestação de riqueza, sem considerar outros elementos diferenciadores
ligados à capacidade económica do sujeito. Pode ser também considerado um imposto
proporcional, sendo estes os de taxa ou alíquota fixa sob a forma de uma percentagem. A
proporcionalidade é suficiente para assegurar o princípio da igualdade. Por último,
relativamente ao modo como incidem/atingem o objeto e o sujeito, pode dizer-se que é
um imposto indireto, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 2 da LGT.

O valor tributado deverá ser entregue pelos comerciantes à recém-criada “Agência contra
a Obesidade”, uma entidade reguladora pública de base territorial. Posto isto, é importante
identificar os sujeitos da relação jurídica-tributária, categorias estas que se encontram
previstas no artigo 18.º, n.º 1 e 3 da LGT. O sujeito ativo é titular do crédito tributário e
de outras pretensões tributárias. O sujeito passivo por sua vez é quem está obrigado ao
cumprimento de uma prestação tributária, de natureza material ou formal. Os
comerciantes serão então o sujeito passivo e a ‘’Agência contra a Obesidade’’ o sujeito
ativo, uma vez que será a esta entidade que deverá ser entregue o valor da taxa.

No mesmo decreto-lei, o governo remete para portaria a ser emitida pelo Ministro da
Saúde, que defina os critérios que permitam classificar as ‘’gorduras saturadas e
insaturadas’’. A portaria é um ato do poder administrativo, que a Constituição atribui
exclusivamente ao Governo, que é aprovado por um ou mais Ministros, em nome do
Governo, e que regula em pormenor um determinado assunto. A aprovação de uma
portaria depende da atribuição de poder para o efeito ao ministro em causa. O que aqui
aconteceu, uma vez que este poder foi atribuído ao Ministro da Saúde. Cabe ainda
esclarecer que a aprovação de portarias está associada habitualmente a uma lei ou
decreto‑lei que necessita de um maior desenvolvimento para poder ser aplicado aos
cidadãos, neste caso a clarificação do conceito de ‘’gorduras saturadas ou insaturadas’’.
Quanto à criação da isenção sobre os lacticínios, a par da criação de tributos penso que
será apenas da competência da Assembleia da República ou quando autorizado o
Governo, conforme estatuí o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, não podendo esta
competência ser delegada no Ministro da Saúde.
II

A taxa foi efetivamente cobrada aos clientes pelos gestores do supermercado ‘’Compra
Barato, Lda.’’, mas, no entanto, não foi entregue por estes à referida agência, servindo o
valor cobrado para regularizar os salários dos seus funcionários uma vez que o negócio
enfrentava dificuldades. Assim sendo entendemos que estamos perante uma violação de
deveres por parte dos gestores do supermercado ‘’Compra Barato, Lda.’’. Perante isto,
devemos debruçar-nos sobre a questão da responsabilidade tributária. O responsável
tributário é o sujeito passivo que violou deveres legais e a quem é exigido, na sequência
dessa violação, o pagamento de uma dívida tributária que não foi paga atempadamente.
A este propósito devem ser referidos os artigos 20.º e 22.º da LGT. O caso concreto insere-
se na situação do artigo 24.º, n.º 1 e 2, uma vez que os visados são gestores de uma pessoa
coletiva, mais concretamente uma sociedade comercial por quotas.

Os partidos da oposição, acharam que o Governo deveria ter sido mais drástico e por isso
aprovaram por lei a aplicação retroativa da taxa ao início do ano civil em curso. Esta
aprovação não é possível, uma vez que as normas tributárias se aplicam os factos
posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados impostos retroativos, ao
abrigo do artigo 12.º, n.º 1 da LGT. O artigo 103.º, n.º 3 da CRP vem também reforçar
esta posição. Aprovaram também a eliminação da isenção que anteriormente tinha sido
definida para os laticínios. A isenção funciona como uma dispensa concedida por lei, do
pagamento de determinados impostos. O facto de ser eliminada é como se a isenção nunca
tivesse existido o que se traduz na criação de uma falsa expectativa para os produtores de
lacticínios pois já tinham investido na produção e tendo em conta o surgimento daquela
isenção. No meu entendimento, da mesma forma que não podem ser criados impostos
retroativos também a eliminação da isenção não pode ter caráter retroativo, uma vez que
seria totalmente injusto e desproporcional face ao investimento já efetuado pelos
produtores.

Ana Marta Cambiais Funenga – N.º 24487 – Subturma 1

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