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Capítulo 5

A força nuclear

5 A força nuclear 150


5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
5.2 Propriedades da força nuclear e constatações experimentais a
baixas energias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
5.3 Modelos de força nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
5.4 Mésons π como partículas de campo nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
5.5 Natureza das forças subnucleares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
5.6 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
5.7 Apêndice A: Potenciais fenomenológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
5.7.1 Potencial de Paris . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
5.7.2 Força de três corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
5.8 Apêndice B: Teoria da força nuclear de Yukawa . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
5.9 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

5.1 Introdução
O conceito de força, oriundo da física clássica, fundamenta-se na idéia de uma ação de
contato, ou então de uma ação à distância entre dois ou mais corpos. Os casos mais rep-
resentativos desta última consideração são a força gravitacional, que atua entre corpos
por terem massa, e a força coulombiana que age entre objetos que são eletricamente
carregados. Coincidentemente, ou talvez não, ambas as forças têm dependência com o
quadrado do inverso da distância que separa os dois corpos, F ∝ (r1 − r2 ) / |r1 − r2 |3
(r1 e r2 são os vetores posição), cuja ação se dá ao longo da linha que os liga, e a in-
tensidade de cada tipo de força depende ou do produto das massas dos corpos ou de
suas cargas elétricas. Este seria o conceito newtoniano de força; mais tarde, Michael
Faraday refinou esse conceito, substituindo a noção de ação à distância pelo conceito
de campo de força, ou seja, no caso da força coulombiana um corpo eletricamente
carregado estende à sua volta um campo de força e qualquer outro corpo, também car-
regado, que passe na região desse campo sentiria sua presença e responderia mudando

150

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5.1 Introdução 151

sua trajetória.
A fim de tentar explicar a coesão dos constituintes nucleares, a Física Nuclear adotou
tanto o conceito de força a distância como o de campo. Usando a primeira concepção,
foram feitas diversas propostas para descrever a natureza da força que mantém a co-
esão dos núcleons no núcleo1 . Neste sentido, ao longo da década de 1930 diferentes
expressões foram propostas como candidatas para o potencial nuclear de dois corpos,
que recebiam os nomes de seus proponentes, como Heisenberg, Wigner, Majorana, etc.
Cada potencial é constituído de uma função que depende da distância entre os núcleons,
mas pode depender também dos seus spins, formalmente via um fator de interação spin-
spin, ou então pode ter caráter tensorial com a inserção de um fator específico contendo
spins e vetores posição.
Já a idéia de que a força nuclear poderia também ser descrita, em analogia ao eletro-
magnetismo, como um campo e que a interação nuclear se manifestaria pela troca de
uma partícula de campo – em analogia ao fóton, para o caso da força entre partículas
eletricamente carregadas – partiu de Yukawa. Em 1935, ele propôs uma teoria (o seu
detalhamento encontra-se no Apêndice B deste capítulo) segundo a qual a partícula de
campo teria uma massa entre 150 e 200 M eV /c2 e, visto que aquela era uma massa in-
termediária entre a do elétron (0, 5 M eV /c2 ) e a do próton (938 M eV /c2 ), a partícula
recebeu o nome méson. Neste cenário, o conceito que rege o mecanismo da força nu-
clear segue o paradigma da força eletromagnética, isto é, admite-se existir um campo
nuclear e a interação entre os núcleons ocorreria pela troca de um (ou mais) méson; não
obstante, os prótons, devido à interação coulombiana, também interagiriam, adicional-
mente, através da troca de fótons. Yukawa deduziu o potencial de interação entre dois
núcleons, que dependeria da distância entre os mesmos, r = |r1 − r2 |, como sendo
da forma Vnuc (r) = − g 2 exp (−µr) /r, onde µ é um parâmetro com dimensão de
inverso de comprimento – µ−1 seria o alcance médio da força – e g é a constante de
“carga nuclear”, em analogia a carga elétrica e. O fator exp (−µr) é responsável pelo
caráter de curto alcance da força nuclear, comparativamente aos potenciais coulom-
biano e gravitacional que têm apenas o fator 1/r. Atualmente, entende-se que a força
nuclear (internucleônica), responsável pela coesão e estabilidade do núcleo, é uma com-
ponente residual da chamada força forte, ou interação forte, que age entre os quarks, os
constituintes dos núcleons.
Além da interação forte há uma outra força que se faz sentir nos núcleos, que é re-
sponsável pela busca de sua estabilidade e por transmutações nucleares, manifestando-
se via três processos: i) nos decaimentos de um nêutron ou próton do núcleo há dois
processos diferentes de decaimento β, que se distinguem pela emissão de um elétron
(β − ) ou de um pósitron (β + ), quando é emitido juntamente um antineutrino (ν̄ e ) ou
um neutrino (ν e ), respectivamente, que possuem uma massa muito menor que a do
elétron ou do pósitron; ii) a captura eletrônica, ou captura K, que consiste na captura,
pelo núcleo, de um elétron da camada eletrônica K (orbital mais próximo do núcleo),
1
Em vez de usar a expressão formal de força, que é uma quantidade vetorial, usa-se, corriqueiramente,
a função energia potencial, mais simplesmente chamada função potencial ou potencial, que é uma função
escalar.

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152 Capítulo 5. A força nuclear

quando então um próton se transforma em um nêutron e há emissão de um neutrino


(p + e− → n + ν e ). Esse tipo de força foi chamada fraca ou interação fraca, por
ter intensidade muito menor que a força nuclear, embora muito mais intensa que a força
eletromagnética que atua entre partículas eletricamente carregadas. Entretanto, pelo que
atualmente se conhece sobre forças nucleares, o conceito de "forte"ou "fraca"dependeria
da energia envolvida, ou seja, em energias (de colisões entre partículas) muito altas, a
força fraca pode se tornar tão ou mais intensa que a forte.
Embora a teoria prevalente para a descrição de como a matéria é constituída em
seus elementos mais fundamentais necessite de um tratamento formal embasado na teo-
ria de campos quânticos relativísticos, a Física Nuclear a baixas energias tem se ocupado
historicamente de como o núcleo se mantém coeso e estável, seja em seu estado funda-
mental ou em seus estado excitados, sem levar em conta a estrutura interna de prótons
e nêutrons – considerados como partículas elementares pontuais. Por conseguinte, ex-
tendendo a visão newtoniana de força, admite-se que as forças e as funções de energia
potencial sejam expressas em termos das coordenadas espaciais de dois ou mais nú-
cleons, dos spins e de um outro grau de liberdade chamado isospin ou spin isotópico.
Contudo, para energias intermediárias, considera-se que a força nuclear se manifesta
pela troca de mésons entre os núcleons, uma extensão do conceito de campo de Fara-
day. É sobre isso que trataremos nas seções seguintes.

5.2 Propriedades da força nuclear e constatações


experimentais a baixas energias
Agora vamos expor o que se aprendeu sobre a força nuclear2 a partir de dados empíricos
obtidos de colisões a baixas energias, a partir da década de 1930, em síntese:
• a força nuclear não é de natureza eletromagnética, pois independe da carga elétrica
e age com a mesma intensidade entre prótons e nêutrons, assim como apenas entre
prótons ou entre nêutrons.
• A força nuclear tampouco é de natureza gravitacional, pois esta força é relativa-
mente muito fraca, ela produziria uma energia de ligação da ordem de 3 × 10−37 M eV
para o dêuteron, enquanto que a energia de ligação medida é de cerca de 2, 2 M eV .
Portanto, a força nuclear suplanta a força gravitacional por um impressionante fator da
ordem de 1037 .
• A força nuclear é de curto alcance, isto ficou evidente já nas primeiras experiências
de espalhamento, quando Rutherford constatou que a 10 f m (10−12 cm) do centro do
núcleo a força nuclear poderia ser desconsiderada em comparação com a força coulom-
biana. Porém, a curtas distâncias a força nuclear, denotada por VW (r) (r = |r1 − r2 | é
o vetor distância relativa onde r1 e r2 são as posições espacias dos núcleons) sobrepuja

2
Por vezes encontra-se este termo no plural, forças nucleares, pois (a) sua expressão mais completa é con-
stituída de vários termos. Porém, aqui vamos nos referir à força nuclear como a soma dos termos necessários
para uma boa reprodução de propriedades nucleares empíricas.

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5.2 Propriedades da força nuclear e constatações experimentais a baixas energias153

a força coulombiana que age entre prótons. Convém lembrar que em uma molécula a
interação entre os núcleos dos átomos é essencialmente coulombiana.
• A força nuclear entre dois núcleons livres não é igual àquela que se manifesta
quando eles são parte de um (do) núcleo. De certa forma, a presença dos demais nú-
cleons altera a força que age entre núcleons livres, pois, em menor escala, existem inter-
ações que dão origem a um campo nuclear médio mais correlações quânticas de muitos
corpos.
• Os elétrons não podem existir dentro do núcleo e também são imunes à força
nuclear, eles não a sentem.
• O potencial nuclear entre dois núcleons depende de seus spins; para r = |r1 − r2 |,
um dos termos da função potencial nuclear, a interação spin-spin, toma a forma

V̂s (r) = vs (r)s1 · s2 . (5.1)


Atuando sobre um autoestado de spins conjunto χSMs (1, 2), obtém-se (veja o Apêndice
A do capítulo 2)
⎧ 3
⎨ − 4 χ00 (1, 2)
V̂s (r)χSMs (1, 2) = vs (r)
⎩ 1
4 χ1Ms (1, 2) .
Portanto, a intensidade e o sinal do potencial nuclear variarão com o ângulo relativo
entre os spins. Se vs (r) for um potencial atrativo (sinal negativo), o potencial V̂s (r) será
repulsivo para os spins dos núcleons apontando em sentidos opostos (S = 0, singleto) e
atrativo quando os spins apontarem no mesmo sentido (S = 1, tripleto). Em ambos os
casos a intensidade de vs (r) é reduzida por um fator 3/4 ou 1/4.
Assim, além de um termo independente de spin, VW (r), uma funcão potencial nu-
clear deve conter um termo dependente de spin, seu efeito será discutido adiante neste
capítulo e também no capítulo 6,¡no estudo do ¢dêuteron. No termo de potencial nuclear
(5.1), usando o operador P̂σ = 1̂ + 4 s1 · s2 /2, em vez de s1 · s2 , cuja equação de
autovalores é
P̂σ χSMs (1, 2) = (−1)1−S χSMs (1, 2) ,
vê-se que, dependendo do valor de S ser par ou ímpar, há apenas uma diferença de sinal
do estado de spin, negativo para o singleto e positivo para o tripleto3 . Assim, uma força
internúcleon da forma vs (r)P̂σ age mudando o sinal do estado de spin dos núcleons,
³ ´2
sem afetar a intensidade. Também, é imediato perceber que P̂σ = 1̂.
• A partir de dados de espalhamento estabeleceu-se que a força nuclear deve ser re-
pulsiva a curtíssima distância (diz-se que os núcleons apresentam um caroço repulsivo),
3
Pode-se também escrever a ação do operador sobre os estados individuais como
 
P̂σ ξ ms (1) ξ ms (2) = ξ ms (1) ξ ms (2) ,
1 2 2 1

verificando-se que os estados dos núcleons foram trocados, assim P̂σ caracteriza-se como um operador de
troca.

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154 Capítulo 5. A força nuclear

o que faz com que os núcleons mantenham uma certa distância média entre si dentro do
núcleo, o que justifica a constatada saturação da densidade nuclear.
• A força nuclear deve também conter uma componente não-central, chamada força
tensorial, sendo da forma
V̂T (r) = vT (r)Ŝ12 (r/r) , (5.2)
onde o operador
Ŝ12 (r/r) = 3 (s1 · r) (s2 · r) /r2 − s1 · s2 (5.3)
tem caráter tensorial, semelhantemente à interação entre dois dipolos. A forma da ex-
pressão (5.2) foi sugerida pelos seguintes dados experimentais observados no dêuteron:
(1) o momento de dipolo magnético é ligeiramente diferente da soma dos momentos
magnéticos do próton e do nêutron, considerados como partículas independentes; (2)
a existência de um pequeno momento de quadrupolo elétrico; (3) o momentum angu-
lar nuclear (tem) associado é J = 1. Esses fatos indicam que o estado fundamental do
dêuteron deve ser descrito como uma superposição de dois estados, um com momen-
tum angular orbital l = 0 (dominante) e outro com l = 2 (pequena contribuição). O
momentum angular l deve ser par, pois é necessário que (−1)l = 1 para que a paridade
do estado seja conservada, de acordo com a observação experimental. Para reproduzir
estes dados a operação de Ŝ12 (escrevendo, de forma mais compacta, Ŝ12 em vez de
Ŝ12 (r/r)) do potencial nuclear implementa a mudança do momentum angular orbital
total e dos spins de cada núcleon pois L2 e as projeções L̂z e Ŝz não são quantidades
conservadas, h i h i h i
L2 , Ŝ12 6= 0, L̂z , Ŝ12 6= 0 e Ŝz , Ŝ12 6= 0 . (5.4)
Entretanto, o quadrado do momentum angular total4 J = L + S, J 2 , a projeção sobre
o eixo z, Jˆz , e também S 2 são quantidades conservadas pelo processo de interação
tensorial, ou seja,
h i h i h i
J 2 , Ŝ12 = S 2 , Ŝ12 = Jˆz , Ŝ12 = 0. (5.5)
Verifica-se também que
1
h(s(1) · r) (s(2) · r)iθφ =
s(1) · s(2), (5.6)
3
ou seja, a média sobre
D todas
E as direções contribui com um fator 1/3, portanto a média
angular de (5.3) é Ŝ12 = 0.
θφ
• O sistema mais simples que permite estudar as propriedades da força nuclear é
aquele constituído de dois núcleons, que pode se apresentar como um sistema ligado
estável, o dêuteron5 . Porém, os dois núcleons podem também ser estudados como um
sistema não-ligado, cujas propriedades se revelam em experimentos de espalhamento
(veja o capítulo 6). Os sistemas próton-próton e nêutron-nêutron não possuem estados
ligados.
4
L = l1 + l2 e S = s1 + s2 são os momenta angulares orbital e de spin, total, dos dois núcleons.
5
O átomo é chamado deutério e é um isótopo do átomo de hidrogênio.

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5.3 Modelos de força nuclear 155

5.3 Modelos de força nuclear


Costumeiramente, os modelos propostos capazes de reproduzir propriedades experi-
mentais gerais dos núcleos se baseiam na construção de potenciais nucleares de dois e
três corpos. Esses contêm termos dependentes das variáveis relevantes, e que exibem, de
forma explícita, alguns poucos parâmetros a serem ajustados para reproduzir, o melhor
possível, algumas poucas propriedades dos núcleos ou dados de espalhamento núcleon-
núcleon. Assim, será melhor aquele modelo que puder ser mais abrangente, i.e., que
puder reproduzir o mais fielmente possível um grande número de propriedades para o
maior número possível de nuclídeos. Entretanto, apesar de ser bastante útil, este tipo
de fenomenologia tem suas limitações; diferentemente da física atômica – cuja força,
que atua entre elétrons e entre estes e o núcleo é a coulombiana –, não existe na Física
Nuclear um único modelo de força que dê conta de todas as propriedades em todos os
nuclídeos. De fato, a força que atua entre dois núcleons (com a troca de mésons) é uma
manifestação residual da interação forte que atua, por troca de glúons, entre os quarks,
os constituintes dos núcleons. É dessa força residual que a Física Nuclear de baixas
energias se ocupa. Isto faz com que existam muitos modelos, cada um mais apropri-
ado para um conjunto de nuclídeos e/ou para reproduzir determinadas propriedades. A
maior parte das forças propostas se refere apenas ao sistema simples de dois núcleons,
embora existam modelos que incluem um termo de força de três corpos.
O primeiro modelo de força nuclear foi proposto por Heisenberg, sendo apresen-
tado em uma série de três artigos – o primeiro deles em junho de 1932, quatro meses
após a descoberta do nêutron por Chadwick – cujas idéias se tornaram fundamentais
para a investigação em Física Nuclear no decorrer dos anos seguintes. Essencialmente,
Heisenberg propôs que os núcleos eram constituídos de prótons (o próton como uma
partícula elementar) e nêutrons (o nêutron visto como uma partícula composta, uma
combinação de um próton e um elétron). A estrutura nuclear poderia ser explicada
pela leis da mecânica quântica, em termos de interações entre as partículas, e a inter-
ação se daria como um tipo de troca, em analogia com a interação entre um átomo de
hidrogênio 1 H e um íon H + . Logo depois, em 1933, Wigner e Majorana propuseram
seus respectivos modelos para explicar os valores experimentais das energias de lig-
ação do dêuteron, da partícula α, assim como a saturação da densidade nuclear. Os três
modelos são representados pelos três tipos de interação

Heisenberg : −VH (r) P̂τ ,


Wigner : VW (r) , (5.7)
Majorana : VM (r) P̂M ,
¡ ¢
onde P̂τ = 1̂ + ~ τ 2 /2 e P̂σ , anteriormente citado, são operadores de troca de
τ1 · ~
estados de isospin e de spin entre dois núcleons. Assim como mostrado no rodapé 2,
para duas partículas com isospin t = 1/2 temos
³ ´
P̂τ ζ mτ 1 (1) ζ mτ 2 (2) = ζ mτ 2 (1) ζ mτ 1 (2) .

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156 Capítulo 5. A força nuclear

Quanto ao operador P̂M , sua ação consiste em trocar as posições das coordenadas es-
paciais nas funções orbitais,
P̂M φλ1 (r1 )φλ2 (r2 ) = φλ2 (r1 )φλ1 (r2 ).
Como os núcleons são partículas fermiônicas a função de onda conjunta deve ser antis-
simétrica, sendo assim, aplicando o produto dos operadores P̂τ P̂σ P̂M sobre um estado
de duas partículas tem-se P̂τ P̂σ P̂M Ψ (u1 , u2 ) = Ψ (u2 , u1 ) = −Ψ (u1 , u2 ), onde u
representa os cinco graus de liberdade: três espacias r, um de spin e um de isospin.
Então, como P̂τ P̂σ P̂M = −1̂, segue que se pode escrever P̂M = −P̂σ P̂τ .
Cada uma das três interações em (5.7) foi inventada e introduzida na teoria nu-
clear independentemente das outras. Heisenberg propôs a interação −VH (r) P̂τ , con-
jecturando que a força nuclear dependeria de uma operação de troca representada por
VH (r) P̂σ P̂M ≡ −VH (r) P̂τ (com VH (r) > 0). Este termo ficou conhecido como
termo ou força de Heisenberg, ele age entre um próton e um nêutron fazendo a troca
p À n, como se um elétron estivesse orbitando dois prótons. Formalmente, esse termo
representa a troca do grau de liberdade de isospin6 , mas em seu terceiro artigo ele con-
statou que a força de troca não levava à saturação da densidade nuclear observada. As-
sim, Heisenberg introduziu uma parte fortemente repulsiva na força entre os núcleons
para uma distância internucleônica r menor que uma certa distância crítica rc , ou seja,
ele postulou a existência de um caroço repulsivo.
Para tentar explicar a causa da acentuada diferença de energia de ligação entre o
dêuteron (Bd ∼ 2, 2 M eV ) e a partícula α (Bα ∼ 28 M eV ), em 1933 Wigner propôs
uma interação N − N (notação compacta para núcleon-núcleon) que dependeria apenas
da distância entre os núcleons, VW (r). Levando em consideração apenas as interações
p−n, e desprezando as interações7 p−p e n−n, ele constatou que a diferença da energia
de ligação por núcleon, para cada núcleo, poderia ser explicada apenas se a interação
fosse considerada de curto alcance. Mais tarde, Heisenberg mostrou que uma força
puramente central, como aquela proposta por Wigner, não poderia dar conta sozinha
do efeito de saturação, portanto não poderia ser responsável pela energia de ligação nos
núcleos. Enquanto para Heisenberg a força nuclear deveria possuir uma parte repulsiva a
distâncias mais curtas, para Majorana esta explicação não era satisfatória e nem estética,
pois em sua concepção seria uma temeridade introduzir mais uma parte repulsiva na
força, de intensidade da ordem de centenas de M eV , quando ainda não se conhecia a
origem da parte atrativa; seu intuito era descobrir qual seria a interação mais simples
entre núcleons que levasse à saturação.
Em um artigo de 1933, Majorana apontou que a força de Heisenberg seria capaz de
explicar a propriedade de saturação sem a necessidade de considerar um "caroço re-
6
Para completar a caracterização da força núcleon-núcleon, Heisenberg incluiu uma força nêutron-nêutron
mais fraca e também a força coulombiana que age entre os prótons. Logo depois, Wigner e Majorana dis-
pensaram a força entre os nêutrons e consideraram que a interação coulombiana poderia ser desprezada em
núcleos leves, ficando apenas com a força entre prótons e nêutrons. Mas isso estava errado; em 1936 experi-
mentos de espalhamento de núcleons mostraram que a força nuclear é praticamente a mesma, independente-
mente da natureza dos núcleons, p − p, p − n ou n − n.
7
O que é incorreto pois a força nuclear independe da carga elétrica do núcleon.

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5.3 Modelos de força nuclear 157

pulsivo" só se o potencial VH (r) fosse considerado sempre negativo para todo r em


(0, ∞). Entretanto, se essa escolha satisfazia a condição de saturação, ela não expli-
cava a grande energia de ligação da partícula α. Ele notou que para um potencial do
tipo VH (r) P̂σ P̂M , com VH (r) < 0, o cálculo da energia de ligação resultava ser muito
menor – cerca de 4 M eV – que o valor observado, 28, 3 M eV . Neste caso, a partícula
α seria altamente instável e logo após a sua formação se cindiria em dois dêuterons,
fato que nunca fora observado nos experimentos. Isso levou Majorana a considerar o
potencial de troca VM (r) P̂M com VM (r) < 0, onde o autovalor de P̂M é positivo para
estados orbitais simétricos e negativo para os antissimétricos. Nesta interação, cada pró-
ton da partícula α interage com os dois nêutrons, resultando assim em quatro ligações
atrativas e a estabilidade da partícula α é (fica) explicada. Por sua elegância e simplici-
dade a teoria de Majorana foi imediatamente aceita e Heisenberg abandonou sua teoria
de interação com caroço repulsivo. Somente em 1952, quando resultados de experimen-
tos de espalhamento p − p não podiam ser explicados apenas com a força de Majorana,
é que a teoria de Heisenberg de caroço repulsivo foi ressuscitada. Atualmente, existe
consenso de que dois núcleons se repelem a distâncias menores que 0, 8 f m.
A interação nuclear central mais geral para dois núcleons é uma combinação das
interações anteriormente discutidas, o conjunto (5.7), adicionada de mais um termo de
troca de spin, VB (r) P̂σ , introduzido por J. H. Bartlett em 1936 [1], que depende do
estado de spin dos dois núcleons

VG (r) = VW (r) + VM (r) P̂M + VB (r) P̂σ − VH (r) P̂τ . (5.8)

Posteriormente, em 1941, Wigner e Eisenbud [2] propuseram um potencial de dois-


corpos mais geral, que contivesse um termo não-central e que não contivesse termos
com (os demais termos não contivessem o) momentum linear de potência maior que 1.
Também impuseram a condição de que o potencial deveria ser consistente com as leis
de conservação do momentum angular, da paridade, e ser invariante sob a operação de
reversão temporal; sua forma é

V (r) = VW (r) + V2 (r) ~


σ1 · ~
σ 2 + V̂T (r)Ŝ12 (r/r) + VSO (r) L · S

com s = σ/2. Esta é uma combinação de uma força de Wigner, uma força central
dependente de spin, uma força (não-central) tensorial e finalmente uma força de inter-
ação spin-órbita, pois contém o produto escalar L · S. Depois disso muitos potenciais
nucleares foram propostos, cada um construído para reproduzir um conjunto de dados
experimentais escolhidos pelos seus proponentes. No Apêndice A iremos discorrer so-
bre dois deles: o primeiro é um potencial de dois corpos que apresenta uma estrutura
bastante sofisticada e é conhecido como potencial de Paris; o outro, além dos termos
de força de dois corpos contém (há) um termo de força de três corpos, que para deter-
minados núcleos (N = Z = par) se reduz a um termo de força de dois corpos vezes a
densidade nuclear.

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158 Capítulo 5. A força nuclear

5.4 Mésons π como partículas de campo nuclear


O conceito de interação via troca de partículas de campo estava presente na física desde
1927, quando Dirac [8] desenvolveu a teoria quântica do electromagnetismo, e depois,
em 1932, quando Fermi [9] fez as conjecturas de que a interação entre partículas elet-
ricamente carregadas se daria pela troca de fótons e de que estes não existiriam antes
da interação, mas seriam criados no ato. Por conseguinte, em um certo processo, um
elétron pode absorver um fóton do campo eletromagnético que o permeia, e ele deixaria
de existir (diz-se que ele foi destruído); posteriormente, o mesmo elétron poderia emi-
tir um outro fóton (diz-se que ele é criado). Este processo prescinde da necessidade
de identificar o fóton emitido como sendo “o mesmo” fóton anteriormente absorvido
ou algum “outro”; como os fótons não são identificáveis individualmente não se lhes
atribui rótulos que possam distingui-los um do outro. Em 1934, Fermi [10] estendeu o
conceito de criação e absorção de fótons para outras partículas, em sua teoria do decai-
mento β ele afirmou que o elétron e o neutrino não existiriam antes do decaimento, mas
que seriam criados no momento em que ele ocorre. Portanto, assim como acontece com
os fótons, os números de prótons, nêutrons e elétrons não se manteriam constantes no
decaimento β. É importante salientar, porém, que em todos os processos nucleares, a
carga elétrica total é uma quantidade conservada.
Também em 1934, os físicos Igor Tamm (PNF-1958) e D. Iwanenko [11] con-
jecturaram a existência de uma força de troca para a interação entre próton e nêutron
(seriam
¡ trocados
¢ o par elétron-neutrino), cujo potencial efetivo seria da forma U (r) =
− gF2 /~c r−5 , onde gF é a constante de acoplamento usada por Fermi em sua teo-
ria do decaimento β. Entretanto, esta força mostrou-se muito fraca para poder re-
produzir os valores experimentais das energias de ligação do dêuteron e da partícula
α. Apoiando-se nas idéias de Heisenberg, assim como nas de Tamm e Iwanenko, em
1935, Yukawa propôs sua teoria sobre a natureza da força nuclear fazendo a seguinte su-
posição: em analogia à teoria eletromagnética onde os fótons intermediam a interação,
deveria haver uma partícula intermediando a interação nuclear. A inovação consistiu em
afirmar que essa partícula de campo não seria o elétron ou o neutrino (a parte formal da
teoria está apresentada no Apêndice B), mas uma nova partícula com massa entre 140 e
200 M eV /c2 e a interação deveria ser suficientemente forte (constante de acoplamento
muito maior do que no decaimento β) para haver uma grande probabilidade de inter-
ação. Ademais, as partículas deveriam vir em três tipos quanto à sua carga elétrica;,
+e, 0, −e e ter spin 0. Assim nasceu o conceito de campo nuclear e a partícula foi de-
nominada méson pelo físico H. J. Bhabha, em 1939. A princípio a teoria de Yukawa
não recebeu aceitação entusiasmada pela comunidade científica, mas a descoberta feita
em 1937, por Anderson e Neddermayer [12], em raios cósmicos, de uma partícula com
massa próxima daquela prevista por Yukawa criou nos físicos um interesse na teoria
mesônica da força nuclear. Pouco tempo depois verificou-se que a partícula recém-
descoberta não tinha relação com a partícula de Yukawa; não obstante, a descoberta de
Anderson e Neddermayer deu ímpeto à teoria de Yukawa, mantendo vivo o interesse na

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5.4 Mésons π como partículas de campo nuclear 159

busca da partícula nos raios cósmicos8 .


A busca do méson de Yukawa terminou em 1947 quando os físicos Powell, Lattes
e Occhialini [13] descobriram, em emulsões expostas no monte Chacaltaya, na Bolívia,
traços com evidências da presença do méson π (ou píon, como foi batizado o méson de
Yukawa), tendo a massa estimada em mπ c2 ≈ 150 M eV /c2 , veja o capítulo 1. A partir
das observação das emulsões asseverou-se que o méson π – que era também chamado
méson pesado – decaía em outra partícula (um méson leve), que foi identificada como
o méson µ, o mesmo que fora descoberto em 1937. Mais tarde, constatou-se que este
não era um méson, mas uma partícula elementar e passou a ser chamada simplesmente
múon e não mais méson µ. A distinguibilidade das duas partículas foi muito importante
por ter permitido uma interpretação mais ordenada e compreensível dos muitos dados
experimentais que haviam sido produzidos; isto abriu uma nova página na investigação
das partículas subatômicas. Em 1948 [14], mésons π− foram observados como subpro-
duto de colisões de prótons de alta energia em núcleos – produzidos pelo acelerador de
partículas cíclotron da Universidade de Berkeley. Pouco tempo depois, foram descober-
tos os outros mésons, π+ e π0 . Em todos esses experimentos a contribuição de César
Lattes foi muito importante.
Nas interações que acontecem em colisões entre prótons e nêutrons, pode ocorrer
uma troca de identidade: um nêutron de spin 1/2 se transforma em um próton de spin
1/2 trocando entre si um píon π − . De forma geral, um núcleon N1 emite um píon e o
outro núcleon o absorve,

N1 → N2 + π (emissão)
π + N1 → N2 . (absorção)
Lembrando que as massas do próton e do nêutron são praticamente iguais, é lícito
perguntar: como é possível que um núcleon consiga emitir uma partícula de massa
≈ 150 M eV /c2 e mesmo assim continuar com a mesma massa? A resposta pode ser
obtida usando conceitos presentes na mecânica quântica: isto pode ocorrer desde que o
processo se dê em um intervalo de tempo ∆t suficientemente pequeno, durante o qual o
princípio de conservação de energia é “violado”. Agora, na relação de incerteza energia-
tempo, ∆E∆t ≈ ~, ∆E é da ordem da massa do méson π e o intervalo de tempo ∆t
(para a troca de um méson) deve ter como limite superior o valor
~ ~
= ,
∆E mπ c2
ou seja, ∆t < ~/mπ c2 , e a conservação da energia é “violada” pela quantidade mπ c2 .
Se o méson π se move com uma velocidade próxima à velocidade da luz, a maior
8
Os raios cósmicos podem ser detectados por traços deixados em sua passagem em placas recobertas por
um gel especial (semelhantemente às placas fotográficas) que são chamadas emulsões. Estas são levadas a
regiões de grande altitude – regiões montanhosas – onde ficam expostas por longos períodos de tempo à ação
dos raios cósmicos com o intuito de acumular e guardar as trajetórias das partículas que provém de fora da
Terra ou aquelas que são produzidas na alta atmosfera devido a colisões das partículas cósmicas com átomos
e moléculas.

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160 Capítulo 5. A força nuclear

distância percorrida é

~ e2 197, 3
R = c∆t = = 2 2
= f m.
mπ c (e /~c) mπ c mπ [M eV ]
Assim, para forças nucleares de alcance de 1 f m a massa da partícula que intermedia
a interação é mπ ≈ 197, 3 M eV /c2 . Tal processo em que ocorre a violação da conser-
vação da energia em um curto período de tempo é chamado virtual e as partículas são
chamadas partículas virtuais (embora estejam presentes no formalismo, elas não po-
dem ser detectadas experimentalmente). Diz-se que os mésons π ou píons carregam a
força nuclear.
O méson π de menor massa de repouso é responsável pela força nuclear de maior
alcance (1 a 1, 5 f m) do potencial núcleon-núcleon; neste caso, a interação ocorre com
a troca de um único méson. Como a interação nuclear se dá entre os pares pp, np, pn e
nn, conclui-se que deve haver três tipos de píons com cargas elétricas, +1, 0 e −1, que
são π + , π 0 , π− . Suas propriedades foram medidas e verificou-se que eles têm spin 0,
paridade intrínseca negativa e massas mπ± = 139, 6 M eV e mπ0 = 135, 0 M eV . Os
mésons π + e π − são um a antíparticula do outro; assim, não há sentido em dizer qual
deles é matéria e qual é antimatéria. Por sua vez o méson π0 não possui especificamente
uma antipartícula, por ele ser sua própria antipartícula.
A expressão para a energia potencial de interação núcleon-núcleon deduzida por
Yukawa é
e−µr
VN N (r) = −g 2 , (5.9)
r
onde r = |r1 − r2 | é a distância entre os núcleons, o parâmetro de carga nuclear g tem
papel semelhante ao da carga elétrica e no eletromagnetismo, e µ−1 é o alcance da força.
O valor de g 2 pode ser estimado a partir da energia de ligação experimental do dêuteron,
Ed ' −2, 23 M eV , sendo da ordem de 100 M eV f m. Daí vê-se que g 2 /e2 ≈ 70, o
que mostra que a força nuclear é muito mais forte que a força coulombiana, e uma massa
de aproximadamente 140 M eV /c2 sugere uma força nuclear de alcance µ−1 ' 1, 4 f m.
É interessante notar que o alcance da força é inversamente proporcional à massa de
repouso da partícula de campo; no caso da força eletromagnética, o fóton tem massa
nula, o que corrobora o alcance infinito da força.
Em 1951, o físico M. Taketani e seus colaboradores [15] propuseram uma inter-
ação efetiva entre núcleons para distâncias acima de 2, 1 f m, que ficou conhecida
como OPEP (one-pion-exchange-potential), quando ocorre troca de um píon apenas,
cuja forma é
" Ã !#
1 2 ³ mπ ´2 ¡ 2
¢ 3 3 e−µr
V (r) = g mπ c τ 1 · τ 2 σ 1 · σ 2 + Ŝ12 1 + + .
3 2M µr (µr)2 µr
(5.10)
Quanto à dependência espacial nesta expressão, nota-se que estão presentes termos com
expoentes negativos de r, a distância entre os núcleons, assim como um potencial do tipo
de Yukawa e−µr /r, que se faz presente como um fator multiplicando toda a expressão.

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5.4 Mésons π como partículas de campo nuclear 161

Além disso, há uma dependência de troca de spin σ 1 · σ 2 , de troca de isospin τ 1 ·


τ 2 e um fator tensorial Ŝ12 . Os parâmetros fenomenológicos que estão presentes são:
a massa do píon mπ , o alcance médio da força µ−1 , a razão entre a massa do píon
e do núcleon mπ /M , assim como a constante de carga nuclear g. Os valores mais
comumente usados são µ = 1, 41 f m e g 2 (mπ /2M )2 = 0, 080 ± 0, 002, que é o valor
que melhor reproduz as seções de choque de espalhamento p − p e p − n para energias
no RCM entre 217 e 350 M eV . Para distâncias intermediárias, 1 f m < r < 2 f m, a
forma do potencial foi estimada a partir da teoria de perturbação, até termos de quarta
ordem, onde comparecem termos de troca de dois mésons. Finalmente, para distâncias
abaixo de 1 f m, os proponentes consideraram um potencial fenomenológico.
Vamos agora considerar certos tipos de gráficos, como aqueles mostrados na Figura
5.1, para obter uma "visualização"dos processos de interação. Eles foram introduzidos
por Richard P. Feynman [16] na eletrodinâmica quântica para representar processos
de interação entre partículas eletricamente carregadas e o campo eletromagnético, que
ocorrem com a troca de fótons e a produção de partículas subatômicas, como um par
elétron-pósitron. Pela sua conveniência de ordem prática para a realização de cálculos,
esses gráficos tornaram-se de uso corriqueiro para a descrição de processos na teoria
de partículas elementares e subnucleares, e também foram adaptados para a física de
muitos corpos, tanto em teorias da matéria condensada como em Física Nuclear.
Strictu sensu, nos gráficos da Figura 5.1 as linhas cheias, as tracejadas e os vértices
têm uma contrapartida matemática bem definida. De forma geral, cada gráfico repre-
senta um termo da expansão de uma amplitude de uma probabilidade de transição, em
ordem crescente da (em) série perturbativa, da interação N −N tendo píons as partículas
de campo. Contudo, iremos considerar os gráficos de modo latu sensu, cuja apresen-
tação aqui tem o intuito de fornecer uma visão pictórica e qualitativa do processo de
interação. Cada linha cheia representa um núcleon, que poderíamos interpretar como
uma trajetória na variedade espaço-tempo, cada ponto da linha representa a posição do
mesmo em um dado tempo; as setas nas linhas indicam a progressão temporal, do pas-
sado para o futuro, o momento inicial da evolução está situado à esquerda e o final à di-
reita. Uma linha tracejada representa um méson, que é trocado entre dois núcleons. Por
exemplo, no primeiro gráfico, lendo da esquerda para a direita no sentido de progressão
do tempo, as linhas (a) e (b) representam dois nêutrons que interagem via força nuclear,
o nêutron a decai emitindo um méson π 0 , porém, sem deixar de ser um nêutron, um
tempo depois o nêutron b absorve o π0 , e também continua como nêutron. Entretanto,
pela análise das trajetórias será impossível estabelecer quem é quem após a interação,
por serem os nêutrons partículas idênticas. Para os outros gráficos vale a mesma in-
terpretação; as linhas cheias (a), (c), (e) e (g) representam processos de decaimento de
um núcleon (n ou p) com emissão de uma partícula de campo, enquanto que as linhas
(b), (d), (f) e (h) representam processos de absorção de uma partícula de campo por um
núcleon. Note que nos processos que envolvem a interação p − n e n − p, os mésons
trocados têm carga elétrica.
Os possíveis decaimentos, representados pelos vértices, estão apresentados na Tabela
3.1. Note-se a ausência dos processos π − + n → x e π + + p → y, que, de fato, não

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162 Capítulo 5. A força nuclear

Figura 5.1: Troca de mésons nas interações entre núcleons

podem ocorrer porque na natureza não são observados núcleons com carga −e ou com
carga +2e.

(a) n → n + π 0 (e) n → p + π −
(b) n + π 0 → n (f) p + π− → n
(c) p → p + π 0 (g) p → n + π +
(d) p + π 0 → p (h) n + π+ → p
Tabela 3.1 Processos elementares com píons
Depois da descoberta de mais famílias de mésons, além da família π, o entendimento
que se tem sobre a interação entre dois núcleons é que a distâncias mais curtas (0, 5−0, 8
f m) ocorre a troca de dois píons π (2mπ c2 ∼ 280 M eV ), que contribui também para
o carácter atrativo da força nuclear. A distâncias ainda menores (0, 25 f m) há troca
de um méson ω (mω c2 = 783 M eV ), mais pesado, que deve contribuir para a parte
repulsiva da força entre os núcleons, e finalmente o méson ρ (mρ c2 = 769 M eV ) deve
ser responsável pela interação spin-órbita; ver o artigo de revisão [17].

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5.5 Natureza das forças subnucleares 163

5.5 Natureza das forças subnucleares


Uma grande quantidade de partículas com tempo de vida-média muito curto, compar-
ativamente ao tempo de vida-média do nêutron livre9 , foram descobertas a partir da
década de 1950 em experimentos feitos em laboratório com aceleradores de partícu-
las, envolvendo energias cada vez mais altas, e também a partir do estudo de raios
cósmicos. Como fora verificado que os núcleons têm estrutura, i.e., não são pontu-
ais10 , tornou-se imperativo explicar a formação e constituição das partículas que se rev-
elavam nos experimentos. Havia a necessidade lógica (considerando-se que a natureza
deva ser parcimoniosa na variedade de partículas) de encontrar uma teoria na qual umas
poucas partículas (mesmo não observadas diretamente) seriam realmente elementares,
com propriedades bem determinadas, e que se constituiriam nos blocos fundamentais
necessários para compor as demais partículas detectadas.
Essa procura levou ao modelo atualmente vigente na física de partículas e cam-
pos, que é o chamado Modelo Padrão (Standard Model), no qual coexistem as três
interações, a forte, a fraca e a eletromagnética, embora a fraca e a eletromagnética se
unifiquem na chamada força eletrofraca, quando as energias cinéticas das partículas
envolvidas são muito altas (DAR ALGUM VALOR PARA EFEITO
COMPARATIVO). A energias cinéticas mais baixas (como na Física Nuclear)
a força fraca – responsável pelo decaimento β – e a eletromagnética se diferenciam.
No Modelo Padrão todos os hádrons – categoria de partículas à qual pertencem os nú-
cleons e os mésons π – são estados ligados de partículas elementares chamadas quarks
– que são os blocos fundamentais –, e as interações forte, fraca eletromagnética atuam
entre eles. Os mésons π – que vimos serem particulas de campo da força nuclear a en-
ergias intermediárias – são estados ligados compostos de um quark e de um antiquark,
enquanto que os bárions (próton, nêutron e outras partículas de massas maiores) são
constituídos de três quarks. Os quarks têm spin 1/2 e obedecem portanto à estatís-
tica fermiônica. As partículas de campo da força forte são os glúons (que têm papel
semelhante àquele dos fótons na interação eletromagnética), os quarks interagem en-
tre si trocando glúons; estes têm spin 1, obedecem portanto à estatística bosônica e têm
massa nula. Entretanto, diferentemente do eletromagnetismo que é uma força de longo
alcance e os fótons têm massa nula, a interação forte tem curto alcance mesmo contando
com partículas de campo de massa nula. Para explicar essa contradição, inventou-se um
mecanismo conhecido pelo nome de confinamento, ele seria o responsável por impedir
que quarks e glúons se tornem partículas livres.
No presente estágio do modelo padrão é admitida a existência de 18 tipos de quarks
e, obviamente, 18 antiquarks, pois é necessário explicar a existência de antimatéria. Eles
são classificados pelo número quântico chamado sabor (em número de seis) e pelo valor
9
Do ponto de vista prático, o elétron e o próton são consideradas partículas estáveis que não decaem,
embora a estimativa para o próton – segundo o modelo vigente – é que seu tempo de vida-média seria superior
a 1029 anos; já para o nêutron ele é de 886 s.
10
Experiências com espalhamento de elétrons mostraram que o raio médio da distribuição de carga elétrica
do próton é da ordem de 0, 8 f m; também verificou-se no nêutron a existência de uma distribuição de carga
elétrica positiva central, compensada por uma carga elétrica negativa distribuída mais externamente.

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164 Capítulo 5. A força nuclear

de um outro tipo especial de carga (além da coulombiana) que eles carregam, chamada
cor (em número de três diferentes), que é responsável pela força que os mantêm co-
esos. Os quarks também portam frações da carga elétrica fundamental e, que podem ser
+2/3 e ou −1/3 e. Os quarks são classificados em três famílias ou gerações, cada uma
constituída de um par: a primeira geração (u, d), a segunda (s, c) e a terceira (b, t), com
massas crescentes; os antiquarks são denotados com uma barra sobre a letra que os sim-
¯ (s̄, c̄), (b̄, t̄) e as cargas elétricas portadas têm sinal oposto às dos quarks
boliza (ū, d),
correspondentes. Os três diferentes tipos de carga cor são denotados b, g e r, para azul
(b, de blue), verde (g, de green) e vermelho (r, de red). Assim como a carga elétrica
negativa pode ser entendida como a “anticarga” da carga positiva, também existem as
anticores, que são as cargas de cor portadas pelos antiquarks e são denotadas b̄, ḡ e r̄.
Quanto às partículas de campo da interação forte, existem oito tipos de glúons, cada
um carrega duas unidades da carga cor: uma cor (c) e uma anticor (c̄), e são represen-
tados formalmente por estados de superposições de produtos tensoriais |ci |c̄i; maiores
detalhes são dados no capítulo 14. Entretanto, diferentemente dos fótons, que não in-
teragem entre si por não serem portadores de carga, os glúons podem interagir uns com
os outros e mudar o par cor-anticor que carregam.
A interação mais simples entre dois quarks consiste na emissão de um glúon por um
dos quarks e sua subseqüente absorção pelo outro, quando então os quarks mudam de
carga cor. Para ilustrar pictoricamente o processo, usaremos a representação de diagra-
mas no sentido latu sensu, como fizemos no caso da interação N − N com troca de um
méson; aqui mudamos o núcleon por quark e o méson por glúon, mas, diferentemente
do méson, o glúon carrega duas diferentes cargas de cor. Por exemplo, na Figura 5.2-a
é mostrado que dois quarks qr e qb (linhas cheias) interagem como segue: o quark qr
emite um glúon gb̄r e se transforma no quark qb pois as cargas bb̄ se cancelam, sobrando
a carga b; por sua vez, o quark qb (na parte inferior) absorve o glúon gb̄r e se trans-
forma no quark qr , pois as cargas bb̄ se cancelam (aniquilam). Mutatis mutandis com
os quarks qr e qb , como mostrado na na Figura 5.2-b.
Os quarks também interagem via força fraca, sendo que esta interação permite a
mudança do sabor de um quark. Por exemplo, no decaimento β − nuclear, um nêutron
decai pelo processo mostrado na Figura 5.3: um quark d (carga elétrica Qd = −1/3)
decai em um quark u (carga elétrica Qu = 2/3) emitindo uma partícula de campo da
força fraca, um bóson vetorial W − que, por sua vez, decai em um par de léptons e− e
ν̄ e . Nota-se que no processo conservam-se: o número bariônico, o número leptônico e
a carga elétrica. Porém, o sabor dos quarks não é conservado, ou seja, a força fraca não
conserva o sabor dos quarks. A força fraca também se manifesta no decaimento de um
méson, por exemplo, o π− – que consiste de um quark d e de um antiquark ū –, (que)
decai emitindo um bóson vetorial W − que, em seguida, decai em dois léptons: o múon
µ− e o antineutrino ν̄ µ . Este processo pode ser melhor entendido visualizando o gráfico
da Figura 5.4. Os quarks se aniquilam produzindo uma partícula de campo da interação
fraca, o bóson W − , que decai em dois léptons, que são partículas elementares. Nota-se
que a carga elétrica e o número leptônico se conservam, porém não existe uma lei de
conservação de número mesônico, pois os mésons são constituídos de um quark e um

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5.5 Natureza das forças subnucleares 165

Figura 5.2: Gráficos de interação forte quark-quark com a troca de um glúon.

Figura 5.3: No decaimento β − um quark d transforma-se em um quark u, com emissão de um


bóson vetorial W − que, por sua vez, decai em um par de léptons.

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166 Capítulo 5. A força nuclear

antiquark que se aniquilam em um curto período de tempo após a sua formação, dando
assim origem a outras partículas.

Figura 5.4: O decaimento π − −→ µ− + ν̄ µ , por interação fraca.

5.6 Problemas
1. Estime a energia de ligação devida à força gravitacional de um sistema próton-
nêutron (considere-os como partículas sem estrutura, separados por uma distância de
2 f m) e compare com a energia de ligação do dêuteron, Bd = 2, 23 M eV .

2. Repita o problema 1 para o caso de uma partícula α, agora leve em conta a repul-
são coulombiana entre os dois prótons. Compare o resultado com a energia de ligação,
Bα = 28, 3 M eV .
D E
3. Mostre que a média angular na Eq. (5.3) dá Ŝ12 (r/r) = 0.
θφ

4. Verifique as relações de comutação (5.4) e (5.5).

5. Impondo a condição de antissimetria para os operadores de troca, P̂τ P̂σ P̂M =


−1̂, e usando suas propriedades (quais?) mostre que se pode escrever P̂M = −P̂σ P̂τ .

6. Mostre que para uma energia de ligação experimental do dêuteron, Bd = 2, 23


M eV , o valor de g 2 (intensidade da força de Yukawa, veja Eq. 5.9) pode ser estimado
como sendo da ordem de 100 M eV f m. Daí vê-se que g 2 /e2 ≈ 70, o que mostra que
a força nuclear é muito mais forte que a força coulombiana.

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5.7 Apêndice A: Potenciais fenomenológicos 167

7. Em cálculos em teoria de perturbação na eletrodinâmica quântica, individual-


mente os campos de quanta em determinado subprocesso não estão sujeitos aos víncu-
los da conservação da energia e do momentum linear (são estágios intermediários em
reações de partículas subatômicas e elementares), embora o processo como um todo
tenha que conservar ambos. Este tipo de violação é permitido pela relação de incerteza
de Heisenberg, que afirma que a energia E pode ficar indeterminada em uma faixa ∆E
durante um intervalo de tempo ∆t ≈ ∆E/}. Estes processos são chamados proces-
sos virtuais, suas probabilidades de ocorrência devem ser somados, contribuindo assim
para o processo real, lícito. Um exemplo de processo virtual é a aniquilação do par
elétron-pósitron dando (para dar) origem a um fóton. A energia do par deve ser
q q
Ee− e+ = m2e c4 + c2 p2e− + m2e c4 + c2 p2e+ ,
enquanto que a energia do fóton é Eγ = pγ c. No entanto, não é possível ter ambas a
equações
Ee− e+ = Eγ e pe− + pe+ = pγ (5.11)
satisfeitas, por causa da massa de repouso do elétron (pósitron). Isto significa que o fó-
ton virtual só pode existir como um estado intermediário não observado, e ele acaba se
incorporando ao (no) processo global de interação. Não obstante, este tipo de processo
e− + e+ → γ pode ser observado (i.e., é real) nas imediações de um núcleo que possa
absorver uma parte do momentum e da energia do processo. Se o núcleo for bem mas-
sivo, EN = M c2 , e sua energia não muda no processo, ele pode absorver uma parte do
momentum linear e, portanto, as equações (5.11) são escritas como

Ee− e+ = Eγ , pe− + pe+ = pγ + pN . (5.12)


Resolva as Eqs. (5.11) e (5.12) e discuta os resultados.

8. Partindo da Eq. (5.16) chegue à energia (5.17) considerando um núcleo de hélio


representado por um determinante de funções de onda de partículas independentes.

5.7 Apêndice A: Potenciais fenomenológicos

5.7.1 Potencial de Paris


No início da década de 1970 [3], um grupo de físicos franceses propôs uma expressão
para um potencial núcleon-núcleon fenomenológico – que ficou conhecido como o po-
tencial de Paris – contendo diversos termos cujos coeficientes foram calculados a partir
de dados de espalhamento π − N e π − π cuidadosamente escolhidos. Este potencial foi
ajustado de forma a reproduzir dados experimentais de colisões N −N (ajustando deslo-
camentos de fase até momentum angular j = 6, cobrindo um intervalo energia relativa
até 330 M eV e verificando propriedades do dêuteron) obtidos levando em conta a troca

S.S. Mizrahi & D. Galetti


168 Capítulo 5. A força nuclear

de um píon, dois píons e de um méson ω. A princípio, o modelo proposto valeria para


distâncias internucleônicas r & 0, 8 f m (região de longas e médias distâncias), uma vez
que abaixo dessa distância, na chamada região de curtas distâncias – também conhecida
como região do caroço –, processos sub-hadrônicos envolvendo quarks e glúons deve-
riam ser levados em conta. Não obstante, os proponentes do potencial de Paris deram
uma descrição fenomenológica para aquela região, considerando, para r < 0, 8 f m, um
valor constante para o potencial; o ponto r = 0, 8 f m é um ponto singular, onde as
duas curvas do potencial coincidem em valor, mas não em sua derivada. O potencial
possui uma pequena dependência na energia de colisão dos núcleons. Por fim, o poten-
cial foi parametrizado para poder ser usado em problemas de muitos corpos, no cálculo
de propriedades nucleares, constituindo-se, de acordo com seus autores, como o “mais
sofisticado e preciso” potencial nuclear empírico. Formalmente ele é expresso como
¡ ¢ ¡ ¢ ¡ ¢
V r, p2 = V1 r, p 2 + V2 r, p 2 σ 1 · σ2 + VLS (r) L · (σ 1 + σ 2 )
+VT (r) Ω̂T + VSO2 (r) Ω̂SO2 (5.13)
¡ ¢ ¡ ¢
para isospin total T = 0, 1; os potenciais V1 r, p e V2 r, p têm dependência com
2 2

o momentum linear relativo dos dois núcleons, enquanto VLS (r), VT (r) e VSO2 (r) são
potenciais centrais e L = l1 + l2 é o momentum angular total dos dois núcleons. Em
(5.13) o primeiro termo independe do spin dos núcleons, o segundo é devido à interação
spin-spin, o terceiro é devido à interação spin-órbita – em analogia à física atômica, mas
neste caso ele não provêm da interação magnética, mas seria devido à interação forte –,
o quarto é o termo tensorial com
Ω̂T = 3σ 1 · r σ 2 · r/r2 − σ 1 · σ 2
e o quinto representa uma interação spin-órbita quadrática,
³ ´
Ω̂SO2 = σ 1 · L σ 2 · L + σ 2 · L σ 1 · L /2.
¡ ¢
Para o estado singleto, S = 0, com T = 1, apenas ¡ o 2termo
¢ V1 r, p 2 sobrevive. Por
dependerem do momentum linear as funções V r, p são ditas serem “dependentes
da velocidade”,
¡ ¢ p2 p2
V r, p 2 = Va (r) + Vb (r) + Vc (r) ,
mT mT
onde mT é aproximadamente a massa do próton, que depende do isospin T (m0 =
938, 9055 M eV /c2 , m1 = 938, 2592 M eV /c2 ). Todas as funções Vk (r) contêm somas
de termos com funções do tipo do potencial de Yukawa (5.9), com múltiplos parâmetros.
Nas Figuras 5.5 a 5.9 podemos ver algumas curvas representativas do potencial. Exceto
para a interação tensorial (Figura 5.8) as curvas mostram um forte crescimento da in-
tensidade do potencial em torno de 0, 5 f m, o que é resultado da presença do caroço
nuclear.
Na literatura encontram-se outros potenciais como, por exemplo o chamado poten-
cial de Bonn [?], que são usados para o cálculo de propriedades nucleares, mas que não
serão discutidos aqui.

S.S. Mizrahi & D. Galetti


5.7 Apêndice A: Potenciais fenomenológicos 169

Figura 5.5: Potencial de Paris, componente central, T = 1.

5.7.2 Força de três corpos


Para um sistema de A núcleons, o cálculo de propriedades nucleares com de forças de
três corpos é uma tarefa mais árdua do que com forças de dois corpos, mesmo usando
métodos de cálculo computacional. Entretanto, foi constatado que para núcleos que têm
um mesmo número par de prótons e nêutrons, certos potenciais de três corpos, na forma
particular de um produto de duas funções do tipo delta de Dirac11 , se reduzem a um
potencial de dois corpos com dependência na densidade nuclear. Tal proposta para o
potencial nuclear foi feita em 1956 por T. H. R. Skyrme [4]; na sua forma mais ampla,
a parte de interação de dois corpos é um potencial dependente da velocidade (isto é,
depende do momentum linear) e do spins dos núcleons. Ele é escrito na forma
³ ´ 1 h i
V2 (r) = t0 1 + x0 P̂σ δ (r) + t1 δ (r) k 2 + k†2 δ (r) + t2 k † · δ (r) k
2
+iW0 (σ 1 + σ 2 ) · k† × δ (r) k, (5.14)
³ ´
onde r é a coordenada relativa, k = p/~ = k1 − k2 /2 = (∇1 − ∇2 ) /2i é o op-
erador de momentum relativo e P̂σ é o operador de troca de spin. Por causa das dis-
11 r−r0
A força é chamada de contato, pois F (r − r0 ) = −∇δ (r − r0 ) = + |r−r Θ (|r − r0 |), onde Θ (x)
0|
é a função de Heavyside: 
1 para x > 0
Θ (x) =
0 para x < 0.

S.S. Mizrahi & D. Galetti


170 Capítulo 5. A força nuclear

Figura 5.6: Potencial de Paris, componente central, T = 0.

tribuições delta de Dirac12 multiplicadas pelos operadores ∇, a expressão (5.14) rep-


resenta um tipo especial de força de contato pois contém termos com singularidades
de ordem mais alta que a distribuição δ (r). Esse potencial depende de cinco parâmet-
ros que devem ser ajustados para reproduzir valores experimentais de propriedades nu-
cleares. O termo de três corpos proposto é um produto de duas distribuições delta de
Dirac, envolvendo três vetores de posição,

V3 (r1 , r2 , r3 ) = t3 δ (r1 − r2 ) δ (r2 − r3 ) (5.15)


e os valores dos parâmetros devem ser ajustados de forma que sejam reproduzidas pro-
priedades de alguns núcleos tais como as energias de ligação de certos nuclídeos que
apresentam camadas fechadas em Z e N , os raios nucleares, etc. A título ilustrativo ap-
resentamos na Tabela 5.1 conjuntos de parâmetros segundo diferentes autores [5, 6, 7].
12
Em sua forma tridimensional,

δ (r − r0 ) = δ (x − x0 ) δ (y − y0 ) δ (z − z0 ) ,
cada fator é uma “função” delta de Dirac; entretanto, δ (x − x0 ) não é propriamente uma função no sentido
tradicional, ela possui sentido apenas em um contexto mais amplo, como função generalizada. Para uso
prático, ela possui o seguinte significado: é nula para x 6= x0 e tem valor indefinido em x = x0 , atribui-se
simbolicamente ∞. Entretanto, a derivada de δ (x − x0 ) em relação a x é uma uma função regular, exceto
no ponto x = x0 onde ela é singular. Integrando com uma função regular f (x), o resultado
] b 
f (x0 ) para x0 ∈ (a, b)
δ (x − x0 ) f (x) dx =
a 0 outrossim
dá-lhe um significado mais palpável .

S.S. Mizrahi & D. Galetti


5.7 Apêndice A: Potenciais fenomenológicos 171

Figura 5.7: Potencial de Paris, componente de spin-órbita, S = 1.

Note que apesar de terem sido usadas propriedades diferentes, os parâmetros tomam
valores que, a grosso modo, são da mesma ordem de magnitude.

Skyrme VB-I VB-II OM


t0 −1 072 −1 057, 3 −1 169, 9 −1 115, 5
t1 461 235, 9 585, 6 314, 6
t2 −40 −100 −27, 1 −106, 7
t3 8 027 14 463, 5 9 331, 1 14 992, 8
W0 − 0, 56 0, 34 0, 8
χ0 − 120 105 68, 1
Tabela 5.1 Quatro conjuntos de parâmetros para o potencial (5.14) e (5.15), escolhidos para
ajustar alguns dados experimentais. Os conjuntos de valores diferem entre si porque foram escol-
hidos diferentes dados experimentais. Os cálculos dos Skyrme, VB-I, VB-II e OM são encontra-
dos nas referências ................
Para núcleos N = Z = par, no modelo de partícula independente, a força de três
corpos (5.15) é equivalente a uma força de dois corpos, tipo delta de Dirac, multiplicada
pela densidade no centro de massa dos dois núcleons,
µ ¶
1 r1 + r2
V3 (r1 , r2 , ρ) = t3 (1 + Pσ ) δ (r1 − r2 ) ρ . (5.16)
6 2
Portanto, o potencial (5.15) se simplifica, tornando-se um potencial dependente da den-
sidade. Usando a interação (5.15) ou a (5.16) para o cálculo da contribuição da interação

S.S. Mizrahi & D. Galetti


172 Capítulo 5. A força nuclear

Figura 5.8: Potencial de Paris, componente tensorial, S = 1.

de três corpos para a energia total de um núcleo com N = Z = par, essa se expressa
como uma integral envolvendo o produto de três funções densidade,
Z
t3 £ ¤
E3 = ρ (r) ρp (r) ρn (r) d3 r, (5.17)
4
onde ρp (r) e ρn (r) são as densidades de prótons e nêutrons, respectivamente
oc
X ¯ p,n ¯2
¯φ ¯
ρp,n (r) = λms (r) .
(λ,ms )

A densidade total é a soma das densidades de prótons e nêutrons, ρ (r) = ρp (r)+ρn (r),
e φp,n
λms (r) é a função de onda de um único próton ou de um nêutron, calculada a partir
de um problema de muitos corpos, como, por exemplo, o modelo de camadas ou por
algum método autoconsistente.

5.8 Apêndice B: Teoria da força nuclear de Yukawa


A teoria de troca de mésons para explicar a interação entre núcleons foi proposta por
Yukawa e publicada em 1935. Sua criação baseou-se na teoria quântica do eletromag-
netismo, onde as partículas de campo são os fótons. Desta forma, vamos mostrar como
a analogia nos leva à introdução dos mésons como partículas de campo da força nuclear.
Do eletromagnetismo recordemos que o potencial escalar do campo φ (r, t), na pre-
sença de uma fonte de cargas elétricas de densidade ρ (r, t), é obtido a partir da solução

S.S. Mizrahi & D. Galetti


5.8 Apêndice B: Teoria da força nuclear de Yukawa 173

Figura 5.9: Potencial de Paris, componente de spin-órbita quadrático, S = 1.

da equação da onda inomogênea


µ ¶
1 ∂2
∇2 − 2 2 φ (r, t) = ρ (r, t) . (5.18)
c ∂t
Supondo que a fonte oscila harmonicamente no tempo com freqüência ω, a densidade
de carga pode ser escrita como ρ (r, t) = ρ (r) e±iωt . Por conseguinte, podemos admitir
que a solução também possui dependência harmônica no tempo, φ (r, t) = U0 (r) e±iωt ,
e chamando ω = ck (c é a velocidade da luz no vácuo e k é o número de onda), tem-se
a equação de Helmholtz inomogênea
¡ 2 ¢
∇ + k2 U0 (r) = ρ (r) . (5.19)
A solução da Eq. (5.19) é obtida fazendo uso do método da função de Green de dois
pontos, e é escrita como

1 e±ik|r1 −r2 |
G± (r1 , r2 ) = , (5.20)
4π |r1 − r2 |
lembrando que ela é solução
¡ da equação
¢ de Helmholtz inomogênea na presença de uma
fonte pontual e singular, ∇21 + k 2 G (r1 , r2 ) = −4πδ (r1 − r2 ). Na presença de uma
onda incidente ou emergente (sinal + ou −), a solução geral da Eq. (5.19) é escrita
como uma soma de dois termos
Z
(±) ±ik·r1
U0 (r1 ) = e − G± (r1 , r2 ) ρ (r2 ) d3 r2 , (5.21)

S.S. Mizrahi & D. Galetti


174 Capítulo 5. A força nuclear

onde o primeiro termo é solução da equação homogênea e o segundo termo provém de


uma solução particular.
A solução (5.21) é baseada no fato que, na ausência de fontes, a solução da Eq.
(5.18) é
φ (r, t) = e±i(k·r−ωt) ,
enquanto que o potencial U0 (r) devido apenas à fonte é escrito como
Z
(±)
U0 (r) = − G± (r, r2 ) ρ (r2 ) d3 r2 .

Para uma fonte pontual localizada em r0 , ρ (r2 ) = qδ (r2 − r0 ), o potencial na posição


ré 0
(±) q e±ik|r−r |
U0 (r) = · = qG± (r, r0 ) .
4π |r − r0 |
Yukawa adaptou esta construção para poder determinar o campo nuclear, e seus
cálculos levaram à descoberta da necessidade de existir uma partícula de campo massiva
para justificar o potencial de interação entre os núcleons. De início, ele considerou a
equação de Einstein para a energia relativística,

E 2 = c2 p2 + m2 c4 ,
com a finalidade de obter a versão quântica (ou ondulatória) da equação da onda para
partículas massivas. Fazendo a correspondência

E → i~ e p → −i~∇,
∂t
Yukawa obteve a equação da onda (conhecida como equação de onda de Klein-Gordon13 )
para uma partícula massiva,
µ ¶
1 ∂2
∇2 − λ2 − 2 2 φ (r, t) = 0,
c ∂t
com a constante λ = mx c/~, onde mx seria a massa de uma partícula desconhecida.
Se houver uma fonte para as partículas de campo, os mésons, cuja origem são os
próprios núcleons, a equação de onda para os mésons deve ser escrita como
µ ¶
2 2 1 ∂2
∇ − λ − 2 2 φ (r, t) = Ψ† (r, t) (−gτ̂ − ) Ψ (r, t) , (5.22)
c ∂t
onde o spinor
µ ¶
ψ n (r, t)
Ψ (r, t) = = ψ n (r, t) ζ n + ψ p (r, t) ζ p
ψ p (r, t)
13
Presumivelmente, a equação foi previamente descoberta, mas não revelada, por Schrödinger, mas foi
divulgada por Oskar Klein (, físico sueco) e Walter Gordon (, físico alemão), que emprestaram seu nome à
mesma.

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5.8 Apêndice B: Teoria da força nuclear de Yukawa 175

representa o estado de um núcleon, que combina a função de onda espacial ψ n (r, t) e


ψ p (r, t) com os estados de isospin ζ n e ζ p , para o nêutron e para o próton, respectiva-
mente. A densidade de probabilidade de haver um nêutron na posição espacial r e no
¯ ¯2
tempo t é |ψ n (r, t)| , e o mesmo vale para ¯ψ p (r, t)¯ no caso do próton. Os estados
2

ζ n e ζ p têm representação matricial


µ ¶ µ ¶
1 0
ζn = , ζp =
0 1
e os estados do espaço dual são escritos como matrizes transpostas
¡ ¢ ¡ ¢
ζ †n = 1 0 , ζ †p = 0 1 ,
de tal forma que o estado adjunto do spinor Ψ (r, t) é dado então por
¡ ¢
Ψ† (r, t) = ψ ∗n (r, t) ψ ∗p (r, t) = ψ ∗n (r, t) ζ †n + ψ ∗p (r, t) ζ †p .
O operador presente no lado direito da equação (5.22) é representado por uma matriz
µ ¶
0 0
τ̂ − =
1 0
que é responsável pela transição n → p, i.e.,

τ̂ − ζ n = ζ p .
Assim, o lado direito da equação (5.22) é escrito como
µ ¶
¡ ∗ ¢ ψ n (r, t)
ψ n (r, t) ψ ∗p (r, t) (−gτ̂ − )
ψ p (r, t)
= −gψ ∗p (r, t) ψ n (r, t) (n → p), (5.23)
correspondendo à transição n → p e supõe-se que o parâmetro de acoplamento g seja
real. Portanto, na teoria de Yukawa a interação entre núcleons Ψ† (r, t) (−gτ̂ − ) Ψ (r, t)
é a fonte de um campo mesônico. A equacão adjunta de (5.22) é
µ ¶
1 ∂2
∇ − λ − 2 2 φ∗ (r, t) = Ψ† (r, t) (−gτ̂ + ) Ψ (r, t)
2 2
c ∂t
= −gψ ∗n (r, t) ψ p (r, t) (p → n),
(5.24)
sendo que a segunda igualdade decorre de
µ ¶
¡ ∗ ∗
¢ ψ n (r, t)
ψ n (r, t) ψ p (r, t) (−gτ̂ + ) = −gψ ∗n (r, t) ψ p (r, t)
ψ p (r, t)
para a transição p → n, onde µ ¶
0 1
τ̂ + = .
0 0

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176 Capítulo 5. A força nuclear

é o operador adjunto de τ̂ − . Os operadores τ̂ + e τ̂ − são operadores de isospin que


atuam sobre os estados de próton e de nêutron transformando um nêutron num próton e
um próton num nêutron, respectivamente, como segue:
τ̂ + ζ n = 0, τ̂ + ζ p = ζ n
τ̂ − ζ n = ζ p , τ̂ − ζ p = 0.
As funções de onda para nêutrons e prótons oscilam harmonicamente com o tempo,
ψ n (r, t) = un (r) e−iEn t/~ e ψ p (r, t) = vp (r) e−iEp t/~ , onde En e Ep são as energias
do nêutron e do próton, respectivamente. Chamando a diferença entre as energias
En − Ep (Mn − Mp ) c2
ω≡ = ,
~ ~
temos

ψ ∗p (r, t) ψ n (r, t) = vp∗ (r) un (r) e−iωt e ψ ∗n (r, t) ψ p (r, t) = u∗n (r) vp (r) eiωt .
Escrevendo φ (r, t) = U0 (r)e−iωt as Eqs. (5.22) e (5.24) tornam-se independentes do
tempo,
h ³ ´i
∇2 − λ2 − (ω/c)2 U0 (r) = −gvp∗ (r) un (r) = U † (r) (−gτ̂ − ) U (r) ,
(5.25)
h ³ ´i
2
∇2 − λ2 − (ω/c) U0∗ (r) = −gu∗n (r) vp (r) = U † (r) (−gτ̂ + ) U (r) ,
(5.26)
onde
µ ¶
un (r)
U (r) = = un (r) ζ n + vp (r) ζ p ,
vp (r)
¡ ¢
U † (r) = u∗n (r) vp∗ (r) = u∗n (r) ζ †n + vp∗ (r) ζ †p .
q
Se o parâmetro λ > |ω| /c, então a raiz µ ≡ λ2 − (ω/c)2 é real e positiva. Na
ausência de mésons livres (ondas incidentes ou emergentes) as soluções para (5.25) e
(5.26) são Z
U0 (r1 ) = − U † (r0 ) (−G (r1 , r0 ) gτ̂ − ) U (r0 ) d3 r0 (5.27)
e Z
U0 (r1 ) = − U † (r0 ) (−G (r1 , r0 ) gτ̂ + ) U (r0 ) d3 r0

(5.28)
com a função de Green dada por14
0
1 e−µ|r1 −r |
G (r1 , r0 ) = · .
4π |r1 − r0 |
14
Note-se que o parâmetro k da Eq. (5.19) foi substituído por iµ nas Eqs. (5.25)-(5.26).

S.S. Mizrahi & D. Galetti


5.8 Apêndice B: Teoria da força nuclear de Yukawa 177

Os potenciais nucleares que produzem os campos de mésons – os fatores entre parênte-


ses nas integrais de (5.27) e (5.28) – são escritos como

g e−µ|r1 −r2 |
V̂n→p (r1 ) = − τ̂ − (2) (5.29)
4π |r1 − r2 |
³ ´† g e−µ|r1 −r2 |
V̂p→n (r1 ) = V̂n→p (r1 ) = − τ̂ + (2) , (5.30)
4π |r1 − r2 |
cujo valor na posição r1 é devido à presença de um nêutron ou de um próton no ponto
r2 , respectivamente.
Os potenciais (5.29) e (5.30) são introduzidos na equação de Schrödinger15 para
representar a interação entre o próton e o nêutron. Assim, a interação próton-nêutron
pode ser escrita como

V̂pn (r1 , r2 ) = V̂n→p (r1 ) τ̂ + (1) + V̂p→n (r1 ) τ̂ − (1)


g e−µ|r1 −r2 |
= − (τ̂ + (1) τ̂ − (2) + τ̂ − (1) τ̂ + (2)) , (5.31)
4π |r1 − r2 |
onde o produto direto dos operadores τ̂ + (1) τ̂ − (2) atua sobre um par próton-nêutron
transformando-o em um par nêutron-próton, viz.,

τ̂ + (1) τ̂ − (2) Ψp−n (r1 , r2 ) = Ψn−p (r1 , r2 ) ,


enquanto, por sua vez, o operador τ̂ − (1) τ̂ + (2) efetua a operação inversa, transforma
um par nêutron-próton em um par próton-nêutron. Note-se a simetria do potencial
V̂pn (r1 , r2 ) = V̂pn (r2 , r1 ).
A equação de Schrödinger proposta por Yukawa para um par próton-nêutron é então
( µ ¶ "Ã ! Ã ! #
¡ ¢ ∂ ~2 1̂ + τ̂ 3 2 1̂ − τ̂ 3 2
1̂1 ⊗ 1̂2 i~ + ∇ ⊗ 1̂2 + 1̂1 ⊗ ∇
∂t 2 2Mn 2Mp
1 2
"Ã ! Ã ! #
1̂ + τ̂ 3 1̂ − τ̂ 3
− Mn c2 ⊗ 1̂2 + 1̂1 ⊗ Mp c2
2 2
1 o 2
−g V̂pn (r1 , r2 ) Ψ(n) (r1 , r2 ; t) = 0, (5.32)
p
onde os dois termos dentro dos colchetes na primeira linha correspondem ao operador
energia cinética, os termos na segunda linha correspondem às energias associadas às
massas de repouso dos núcleons e o último termo é o potencial de interação (5.31). 1̂ é
o operador unidade.
Podemos então escrever a Eq. (5.32) como

i~ Ψ n (r1 , r2 ; t) = Ĥ(1, 2)Ψ(n) (r1 , r2 ; t) ,
∂t ( p) p

15
Note-se que embora as partículas de campo decorrem de um cálculo relativístico (a equação de Klein-
Gordon), os núcleons são tratados como partículas não-relativísticas, daí usar-se a equação de Schrödinger.

S.S. Mizrahi & D. Galetti


178 Capítulo 5. A força nuclear

onde o operador hamiltoniano é


Ã" ¡ ¢ # "¡ ¢ # !
~2 1̂ + τ̂ 3 ∇2 1̂ − τ̂ 3 ∇2
Ĥ(1, 2) = − ⊗ 1̂2 + 1̂1 ⊗
2 2Mn 2Mp
1
à ! à ! 2
1̂ + τ̂ 3 1̂ − τ̂ 3
+ Mn c2 ⊗ 1̂2 + 1̂1 ⊗ Mp c2
2 2
1 2
e−µ|r1 −r2 |
−g 2 (τ̂ − (1) τ̂ + (2) + τ̂ + (1) τ̂ − (2)) . (5.33)
|r1 − r2 |
visto que

g (U ∗ (r1 )τ̂ − (1) + U (r1 )τ̂ + (1)) =


e−µ|r1 −r2 |
= −g 2 (τ̂ − (1) τ̂ + (2) + τ̂ + (1) τ̂ − (2)) .
|r1 − r2 |
Supondo-se agora que a função de onda de um sistema nêutron-próton seja da
forma £ ¤
Ψ(n) (r1 , r2 ; t) = ψ (r1 , r2 , t) ζ n (1) ζ p (2) + ζ p (1) ζ n (2) (5.34)
p
o operador τ̂ 3 atua sobre os estados ζ n e ζ p como

τ̂ 3 ζ n = ζ n , e τ̂ 3 ζ p = −ζ p
e portanto

1̂ + τ̂ 3 1̂ + τ̂ 3
ζn = ζn e ζ p = 0,
2 2
1̂ − τ̂ 3 1̂ − τ̂ 3
ζn = 0 e ζ p = ζ p.
2 2
A ação dos operadores presentes no operador hamiltoniano sobre o spinor (5.34) resulta
em
à !
1̂1 + τ̂ 3 (1) 2 1 ¡ 2 ¢
∇1 ⊗ 1̂2 Ψ(n) (r1 , r2 ; t) = ∇1 ψ (r1 , r2 , t) ζ n (1) ζ p (2) ,
2Mn p Mn
à !
1̂2 − τ̂ 3 (2) 2 1 ¡ 2 ¢
1̂1 ⊗ ∇2 Ψ(n) (r1 , r2 ; t) = ∇2 ψ (r1 , r2 , t) ζ n (1) ζ p (2) ,
2Mp p Mp
e
¡ ¢
(τ̂ − (1) τ̂ + (2) + τ̂ + (1) τ̂ − (2)) ζ n (1) ζ p (2) + ζ p (1) ζ n (2)
¡ ¢ ¡ ¢
= (τ̂ − (1)ζ n (1)) τ̂ + (2) ζ p (2) + (τ̂ + (1)ζ n (1)) τ̂ − (2) ζ p (2)
¡ ¢ ¡ ¢
+ τ̂ − (1)ζ p (1) (τ̂ + (2) ζ n (2)) + τ̂ + (1)ζ p (1) (τ̂ − (2) ζ n (2))
= ζ p (1) ζ n (2) + ζ n (1) ζ p (2) .

S.S. Mizrahi & D. Galetti


5.8 Apêndice B: Teoria da força nuclear de Yukawa 179

Portanto o estado ζ n (1) ζ p (2)+ζ p (1) ζ n (2) é auto-estado do operador τ̂ − (1)τ̂ + (2)+
τ̂ + (1) τ̂ − (2) com autovalor 1.
Matricialmente
µ ¶ µ ¶
1 0 1 0
τ̂ 3 = e 1̂ = ,
0 −1 0 1
(note-se que os operadores 1̂, τ̂ 3 , τ̂ + e τ̂ − formam um conjunto completo de matrizes
no espaço de dimensão 2 – são exatamente as matrizes de Pauli). Aplicando o operador
hamiltoniano (5.33) no spinor tem-se
∙ ¸
~2 1 2 1 2
Ĥ(1, 2)Ψ(n) (r2 , r1 ; t) = − ∇1 ψ (r1 , r2 , t) + ∇2 ψ (r1 , r2 , t)
p 2 Mn Mp
×ζ n (1) ζ p (2) + (Mn + Mp ) c2 ψ (r1 , r2 , t) ζ n (1) ζ p (2)
e−µ|r1 −r2 | ¡ ¢
−g 2 ψ (r1 , r2 , t) ζ n (1) ζ p (2) + ζ p (1) ζ n (2) ,
|r1 − r2 |
e, considerando os termos que multiplicam ζ n (1) ζ p (2), a equação de Schrödinger
torna-se µ ¶
∂ψ (r1 , r2 , t) ~2 1 2 1 2
i~ =− ∇ + ∇
∂t 2 Mn 1 Mp 2
e−µ|r1 −r2 |
+ (Mn + Mn ) c2 ψ (r1 , r2 , t) − g 2 ψ (r1 , r2 , t) .
|r1 − r2 |
Escrevendo a função de onda como
2
ψ (r1 , r2 , t) = Φ (r1 , r2 ) e−iEt/~−i((Mn +Mn )c )t/~
ficamos com uma equação independente do tempo para o sistema p − n,
∙ 2µ ¶ ¸
~ 1 2 1 2 e−µ|r1 −r2 |
− ∇1 + ∇2 + g 2 Φ (r1 , r2 ) = EΦ (r1 , r2 ) ,
2 Mn Mp |r1 − r2 |
onde E é o autovalor de energia. Como o potencial apenas depende da diferença
|r1 − r2 |, podemos escrever a equação de Schrödinger separando o movimento do cen-
³ ´ (CM ) e o relativo (r), com r = r1 − r2 , R = (r1 + r2 ) /2 e Φ (r1 , r2 ) =
tro de massa
ϕ (r) χ R , pelo que obtemos a separação da equação de Schrödinger em duas, uma
para a coordenada de CM e outra para a coordenada relativa,
µ ¶ ³ ´ ³ ´
~2
− ∇2R χ R = Ecm χ R , (5.35)
Mcm
µ 2 −µr

~ 2 2e
− ∇ +g ϕ (r) = Er ϕ (r) , (5.36)
mr r r
onde
Mn Mp
E = Er + Ecm ; mr = ; Mcm = Mp + Mn .
Mn + Mp

S.S. Mizrahi & D. Galetti


180 Capítulo 5. A força nuclear

O centro de massa do sistema p − n evolui livremente, Eq. (5.35), enquanto que a


equação do movimento relativo contém o potencial nuclear, que é central, Eq. (5.36).
A intensidade da interação núcleon-núcleon depende da constante g (em analogia à
carga elétrica e no eletromagnetismo): Enquanto a energia de interação de duas cargas
elétricas de sinais opostos é
em e2
W12 =− ,
r
no caso da interação nuclear entre os núcleons tem-se

nuc e−µr
W12 = −g 2
r
com r = |r1 − r2 |. O valor de g 2 pode ser estimado a partir da energia de ligação
experimental do dêuteron, Er ∼ = −2, 23 M eV , e é da ordem de 100 M eV f m, logo
g 2 /e2 ≈ 70, o que mostra que a força nuclear é muito mais forte que a força coulom-
biana. O alcance da força nuclear é da ordem de R = µ−1 = ~/mx c, portanto o méson
proposto por Yukawa teria uma massa da ordem de mx c2 ≈ ~c/R. Em 1947, Powell,
Lattes e Occhialini descobriram traços de raios cósmicos em emulsões com evidências
da presença do méson-π, de massa mπ c2 ≈ 150 M eV , o que sugere um alcance aprox-
imado de 1, 3 f m para a força nuclear.

5.9 Bibliografia

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[2] Wigner E. e Eisenbud L., 1941, Proc. Nat. Acam. Sci. 27, 281.

[3] Lacombe M., Loiseau B., Richard J. M., e Vinh Mau R., 1980, Phys. Rev C 23,
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[4] Skyrme T. H. R., 1956, Phil. Mag. 1, 1043; 1959, Nucl. Phys. 9, 615.

[5] Skyrme T. H. R., 1959, Nucl. Phys. 9, 615.

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S.S. Mizrahi & D. Galetti


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[17] M. R. Robilotta e H. T. Coelho, 1982, Ciência Hoje, vol. 11, No. 63, p. 22.

S.S. Mizrahi & D. Galetti

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