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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marcelo Barbosa Câmara

CULTURA POLÍTICA - REVISTA MENSAL DE ESTUDOS


BRASILEIROS (1941 A 1945): UM VOO PANORÂMICO SOBRE O
IDEÁRIO POLÍTICO DO ESTADO NOVO.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Marcelo Barbosa Câmara

CULTURA POLÍTICA - REVISTA MENSAL DE ESTUDOS


BRASILEIROS (1941 A 1945): UM VOO PANORÂMICO
SOBRE O IDEÁRIO POLÍTICO DO ESTADO NOVO.

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de DOUTOR em
CIÊNCIAS SOCIAIS, sob a orientação
da Prof.ª Dr.ª Vera Lúcia Michalany
Chaia.

SÃO PAULO
2010
MARCELO BARBOSA CÂMARA

CULTURA POLÍTICA – REVISTA MENSAL DE ESTUDOS BRASILEIROS (1941 A 1945):


UM VOO PANORÂMICO SOBRE O IDEÁRIO POLÍTICO DO ESTADO NOVO.

ERRATA
p. 29 em nota de rodapé nº 12:
Onde se lê: Azevedo Amaral colaborou nos números 38 a 41 de CP... Leia-se: Azevedo Amaral
colaborou nos números 1 a 3 e 5 de CP...

p. 112 § 3º
Onde se lê: ...iriam dar tom... Leia-se: ...iriam dar o tom ....

p. 115 – § 2º:
Onde se lê: ....artigo publicado em maio de 1941 Leia-se: ...artigo publicado em julho de 1941

p. 125 § 2º
Onde se lê: “....aos assuntos do dia? Leia-se: “... aos assuntos do dia?”

p. 138 § 2º
Onde se lê: A publicação irá durante suas publicações... Leia-se: A publicação irá durante suas
edições.....

p. 169 – § 2º:
Onde se lê: ...citado em CP – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 175 Leia-se: ...citado em CP –
junho de 1941 – ano I número 3, pág. 175

p. 172 – § 2º
Onde se lê: Idem. Pág. 18” Leia-se: CP – junho de 1941 – ano I número 5, pág. 18

p. 180 § 3º
Onde se lê: PSB Leia-se: PSD

p. 182 § 3º
Onde se lê: ...de liberal estivesse de voltando. Leia-se: ......de liberal estivesse voltando.
BANCA EXAMINADORA:

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2
AGRADECIMENTOS

À CAPES, pela concessão da bolsa de Doutorado.

À Professora Dr.ª Vera Lúcia Michalany Chaia pela forma


pela qual empreendeu sua orientação e sugestões. Seu
apoio foi fundamental na execução desta pesquisa e de
meu doutorado.

Ao Prof. Dr. Fernando Antônio Azevedo e a Prof. Drª.


Silvana Maria Corrêa Tótora, pelas sugestões dadas
quando da banca de qualificação.

A minha mãe pelo incentivo aos estudos.

A meus filhos Thiago, Matheus e Luiza.

E a minha esposa Denise, pois sem seu apoio não seria


possível a realização deste trabalho.

3
RESUMO
Este trabalho tem como objeto de pesquisa a publicação Cultura Política – Revista Mensal de
Estudos Brasileiros editada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP de 1941 a
1945 e dirigida por Almir de Andrade.
Buscou-se - fundamentalmente a partir dos textos dos colaboradores da revista - construir um
panorama do que entendemos como sendo os marcos ideológicos do Estado Novo, regime
político implantado no Brasil em 1937 e que perduraria até 1945.
Dividida em quatro capítulos, o primeiro empreendeu uma contextualização acerca do
pensamento político do período, com ênfase na relação entre intelectuais e poder, utilizando-se
de autores que ficaram conhecidos como ―intelectuais do pensamento autoritário‖ e de outros
que refletiram sobre aquele período ou a respeito de temas atinentes a política da época.
No segundo capítulo foi descrita a forma como se estruturou a revista do ponto de vista de sua
linha editorial, distribuição e concepção no que tange a sua existência enquanto revista
produzida pelo Estado e qual foi o perfil de seus colaboradores.
O terceiro capítulo dedicou-se a construção do que chamamos das Razões de 37. Razões que
são originadas nas questões que deram margem a inflexão procedida com a Revolução de 30 e
principalmente com o regime de 1937. Esta construção foi feita especificamente utilizando-se
como instrumento de análise colaborações de autores que escreveram na revista Cultura
Política.
O quarto capítulo abordou as concepções acerca da construção da nova sociedade que seria
erigida pelo Estado Novo na ótica da revista e seus colaboradores e qual a abordagem feita
pelos autores acerca das soluções dadas pelo regime, sobretudo com a Constituição de 37.
Também são abordadas as críticas ao regime e as respostas dos autores aos críticos que
puderam ser vislumbradas na revista. Por fim analisamos a nova fase da revista marcada por
seus últimos três números publicados por iniciativa de seu editor, agora sem vinculação com o
DIP.
Acreditamos que o estudo do pensamento político autoritário e, sobretudo da revista Cultura
Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros serve ao entendimento das razões que
embasaram as ações políticas do Estado Novo e ao aprofundamento da compreensão daquele
período histórico.

Palavras Chave.
Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Estado Novo. Política brasileira.
Intelectuais.

4
Abstract

This project was based on research of the publication Cultura Política – Revista Mensal de
Estudos Brasileiros published by the Department of Press and Propaganda (DIP) from 1941 to
1945 and directed by Almir Andrade.
Based on the texts of the employees of the magazine, we sought to build a picture of what we
understand as being the ideological frameworks of the New State (Estado Novo), the political
regime established in Brazil in 1937 that would last until 1945.
The texts are divided into 4 chapters, the first deals with the political thought of the period
with an emphasis on the relationship between intellectuals and power. These authors became
known as ―authoritarian thinking intellectuals‖ along with others who reflected on that period
and other issues pertaining to politics of the time.
The second chapter describes how the magazine was structured, in terms of its editorial layout
and design. It also describes their existence as a magazine produced by the State, and details
the profile of its employees.
The third chapter is devoted to the construction of what we call the 37’s Reasons (Razões de
37). These reasons originated from the issues that gave rise to the shift that occurred in the
30’s Revolution, especially with the 1937 regime. The analysis of the ―37’s Reasons‖ was
done by studying the collaborations of the authors who wrote in the journal Cultura Política.
The fourth chapter deals with the perception that the magazine and its employees had about
the construction of the new company that would be erected by the New State as well as the
reactions that the authors had about the solutions given by the scheme, particularly the 37’s
Constitution. It also addresses the criticism of the regime and the author’s responses to
critiques that may be viewed in the magazine. Lastly we analyze the new phase, an initiative
by the editor that was marked by the last three publications of the magazine which now have
no connection with the DIP.
We believe that the study of authoritarian political thought and especially of the Cultura
Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros, serve as a base for understanding the
political actions of the New State as well as deepening the understanding of that historical
period.
Keywords
Cultura Política - Revista Mensal de Estudos Brasileiros, New State, Brazilian politics,
Intellectuals

5
SUMÁRIO

Apresentação............................................................................................8

Cap. 1 – Mídia, ideologia e intelectuais. .............................................12

1.1 – Estado Novo, Cultura Política e ideologias.........................49

Cap. 2 – Cultura Política – Revista Mensal de Estudos


Brasileiros...................................................................................51

2.1- A estrutura da revista Cultura Política..................................54

Cap. 3 – As Razões de 37........................................................................85

3.1 - O pensamento alienígena.......................................................90

3.2 – Políticos e políticas no Pré 30 e 37......................................104

3.3 – Falta de coesão da sociedade e a unidade do país.............117

6
Cap. 4 – A Constituição de 1937 .........................................................124

4.1 – Formação Política do Brasil Novo........................................138

4.2 – DIP, DASP e algumas ações do regime................................151

4.3 – Centralidade do Executivo Federal .....................................164

4.4 – Repressão Política................................................................171

4.5 – O fim do Estado Novo e de Cultura Política – Revista


Mensal de Estudos Brasileiros ….....................................175

Considerações Finais..............................................................................197

Bibliografia............................................................................................202.

7
Apresentação

Advinda de forças políticas diversas e pensada por intelectuais que não necessariamente
possuíram plena identidade de opinião acerca do que seria a Revolução de 30 e o Estado
Novo, a Revista Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros1 editada pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda o DIP, será nesta pesquisa utilizada como objeto de
pesquisa com o intuito de se construir - fundamentalmente - a partir dos textos dos
colaboradores da Revista um panorama do que entendemos como os marcos fundamentais do
regime implantado em 1937.

Dividida em cinco capítulos, o primeiro empreenderá uma contextualização, utilizando-se de


autores que ficaram conhecidos como ―intelectuais do pensamento autoritário‖ e de outros que
refletiram sobre aquele período ou a respeito de temas atinentes a política da época, refletindo
sobre a relação dos intelectuais e o poder, em especial no caso brasileiro, com ênfase no
pensamento político autoritário.

No segundo capítulo será descrita a forma como se estruturou a revista do ponto de vista de
sua linha editorial, distribuição e concepção no que tange a sua existência enquanto revista
produzida pelo Estado e qual o perfil de seus colaboradores.

O terceiro capítulo empreenderá a construção do que chamamos das Razões de 37 em CP.

1
Durante este texto também será utilizada a abreviação Cultura Política ou apenas CP para Cultura
Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros.

8
Razões que são originadas nas questões que deram margem a inflexão procedida com a
Revolução de 30 e principalmente com o regime de 1937. Esta construção será feita
especificamente utilizando-se como instrumento de análise colaborações de autores que
escreveram em CP.

O quarto capítulo será dedicado as concepções acerca da construção da nova sociedade erigida
pelo Estado Novo na ótica da Revista Cultura Política e qual a abordagem feita pelos autores
das soluções dadas pelo regime e em especial as que foram tratadas pela Constituição de 37.
Também serão aqui abordadas as críticas ao regime e a resposta dos autores aos críticos do
regime que puderam ser vislumbradas na revista e a nova fase da revista marcada por seus
últimos três números editados por iniciativa de seu editor agora sem vinculação ao DIP.

Divididos tanto o terceiro como o quarto capítulo em temáticas que irão servir também como
referência na escolha dos autores analisados é necessário observar que praticamente todos os
artigos escolhidos apontam para alguma solução política às questões analisadas.
Direcionando-nos ao que os autores entendem como a condição ideal para solução de uma
dada questão nacional ao mesmo tempo em que fazem a crítica ao antigo estado de coisas
anterior a 1930 e a antes da instauração do Estado Novo.

Sendo quase sempre portadores de uma proposição os artigos podem ―invadir‖ o espaço
reservado a outras temáticas. Ao mesmo tempo em que criticam o antigo estado de coisas
podem, e isso será comum, apresentar aquilo que entendem como a solução que se deve dar a
questão ou analisar a solução já dada pelo Regime de 37, posto ser o encaminhamento dado as
questões nacionais apresentadas pela revista circunscrito às soluções passíveis de serem
empreendidas dentro dos limites das forças políticas que sustentavam o regime e a condução

9
de Vargas.

Após o quarto capítulo serão realizadas as considerações finais acerca do até então levantado e
a crítica mais aprofundada à revista.

Tratará esta pesquisa da revista Cultura Política e seus temas, não se caracterizando em
estudo de um autor em específico. A escolha dos autores esta ligada a contribuição que deram
as temáticas criadas e expostas no capítulo 3 e 4.

Salientamos que a revista possuiu outras temáticas relacionadas ao teatro, folclore, literatura,
costumes regionais, dentre outras. Entretanto iremos nos ater aqui aos autores que se
dedicaram fundamentalmente à política correlacionando-os às temáticas levantadas nesta
pesquisa.

Mantivemos a grafia original que consta dos exemplares da revista com intuito de garantir a
originalidade dos textos e o espírito da época.

Acreditamos que o estudo do pensamento político autoritário e, sobretudo de Cultura Política


– Revista Mensal de Estudos Brasileiros serve ao aprofundamento do entendimento das razões
da Revolução de 30 e em especial do pensamento político que iria embasar as ações políticas
do Estado Novo.

Empreenderemos assim uma reflexão acerca de um pensamento político que por décadas
serviu como norte a políticos e instituições, fez a crítica à democracia anterior a 1930 e aos
políticos que a empreendiam e propôs uma reordenação política que segundo suas concepções

10
seria a mais adequada ao Brasil.

Interessante seria vermos esta pesquisa, do ponto de vista histórico e político, como uma
reflexão calcada em uma forma específica de se pensar a política e da ação política advinda de
um momento em que a democracia e os políticos que a construíram até 1930 não foram
capazes de encontrar e encaminhar as soluções necessárias à organização da sociedade em
seus mais amplos aspectos.

O pensamento político a que se vinculou boa parte dos autores de CP apresentou naquele
momento a solução que daquele ponto de vista seria a ordem política ideal a sociedade
brasileira.

Suas críticas, análises e proposições são o material com o qual esta pesquisa fará uso para o
entendimento do que pretendiam os autores da revista, suas similitudes com as ações do
regime e com a própria decadência do regime.

11
CAPÍTULO 1 – Mídia, ideologia e intelectuais.

Além de um regime baseado no uso da força, da repressão política e da habilidade e carisma


de seu líder, é preciso observar que Vargas, em larga escala, utilizou-se do poder da
propaganda através das mídias disponíveis em seu tempo como forma de fazer política.

A ―Proclamação ao Povo Brasileiro‖, primeiro discurso de Vargas após a instauração do


Estado Novo, é lida diretamente do Palácio da Guanabara e transmitida por rádio a todo país
na noite de 10 de novembro de 1937. 2

Para melhor organizar e formular a relação das mídias com a sua imagem e a do regime,
Vargas em dezembro de 1939 cria o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, órgão que
―contando com a maior amplitude de ação e maior autonomia que os departamentos que o
antecederam, dada sua ligação direta com a presidência da República, .........tornou-se o órgão
coercitivo máximo da liberdade de pensamento e expressão durante o Estado Novo e porta
voz autorizado do regime.‖ (www.cpdoc.fgv.br).

Entretanto o pensamento político que gravitava em torno do regime não se circunscrevia à


necessidade de um órgão coercitivo e que desempenhasse o papel de seu ―porta voz‖.
Perspectivas desta natureza, que reduzem o papel do DIP a coerção e a panfletagem do
regime, são comuns em análises acerca do Estado Novo. Elas - normalmente - dão conta de
explicar dimensões do regime e em conjunto com a perspectiva do senso comum acerca do

2
A integra deste discurso de Getúlio Vargas esta em A Nova Política do Brasil Volume 5. Pág. 19 a 32.

12
regime de Vargas de 37 a 45, são hegemônicas.

Também, na busca de se analisar o Estado Novo e o que seria sua ideologia é comum atribuir-
se a intelectuais ou a concepções que transitaram em um momento ou outro pelo regime ou
por toda a sua existência, como a própria configuração ideológica do regime, mesmo que não
tenham sido relevantes, e se relevantes não determinantes para condução do regime.

A título de exemplo se pode tomar a figura de Francisco Campos. Quando da reedição do livro
O Estado Nacional, organizado pelo Senado Federal em 2001, a nota que prefacia a edição
feita pelo Conselho Editorial do Senado demonstra uma abordagem que ao mesmo tempo em
que elege Francisco Campos figura fundamental na construção do ideário estadonovista,
também exemplifica o equívoco de se isolar um colaborador do Estado Novo, amplificando
sua importância na construção do que seria um ideário do regime tendendo a circunscrever o
regime ao pensamento do autor.

Segundo o Conselho Editorial do Senado, a estruturação do regime poderia ser concebida por
um trinômio Francisco Campos, fascismo e Estado Novo, e observa que a ―...coletânea de
discursos, entrevistas e conferências proferidas pelo ministro da Justiça de Getúlio, constitui
uma espécie de fundamentação doutrinária e filosófica do Estado Novo, a exemplo do
salazarismo e do fascismo de Mussolini. Trata-se, portanto, de um pensamento político
autoritário de característica francamente fascista.‖ (Coleção Biblioteca Básica Brasileira –
nota do editor a O Estado Nacional de Francisco Campos, 2001; 10).

Se Campos se aproxima do fascismo isto não significa que o regime tenha sido fascista ou
pretendesse ser fascista. Aproximações que de fato houveram entre Estado Novo e os regimes

13
que se formaram na Europa, em especial na Alemanha, Itália e Portugal, tornam-se - nestas
análises - ligações demasiado definitivas com o regime de Vargas, construindo representações
do Estado Novo que o configuram como uma versão brasileira daqueles regimes.

É importante observar que se o Estado Novo rechaçou a democracia liberal, também


organizações de cunho totalitário, fossem nazistas, comunistas ou fascistas foram, mais cedo
ou mais tarde, desmanteladas por Vargas.

Organizações de cunho nazista no sul do Brasil e em determinado momento o


desmantelamento de organizações de cunho totalitário como o movimento integralista ou o
comunista - este último, aliás, umas das justificativas do golpe que deu origem ao Estado
Novo - foram marcas que apontam para impossibilidade de se enquadrar o regime como
coirmão do nazismo ou do fascismo.

Skidmore exemplifica a extensão da repressão da ditadura de Vargas aos movimentos políticos


organizados, sejam de direita ou de esquerda ao relatar o destino dos integralistas após a
instauração do Estado Novo.

―Ao surgir do golpe, um grupo político parecia ainda desfrutar de plena liberdade: os radicais
de direita. Plínio Salgado e seus seguidores integralistas pensaram, erroneamente, que iriam
ser os principais beneficiários do movimento de Vargas. Seus arqui-inimigos de esquerda
haviam sido eliminados. Parecia agora que os integralistas deveriam fornecer os quadros e,
talvez, a liderança do novo Brasil. Mas Vargas não tinha intenção de entregar a sua vitória
política aos camisas-verdes. O instrumento político ostensivo dos integralistas, a Ação
Integralista Brasileira, foi suprimido em 2 de dezembro de 1937, juntamente com todos os

14
outros partidos políticos. No seu ressentimento subsequente, os integralistas ficaram nas mãos
de Vargas, em circunstâncias quase tão estranhas quanto as que cercaram o abortado levante
comunista de 1935.‖ (Skidmore, 1979; 52).

Em seu diário Vargas comenta as negociações com Plínio Salgado para que os integralistas se
articulassem de outra maneira que não fosse a forma de partido político.

―Fui informado de que os integralistas entraram na fase subversiva, começaram a conspirar, a


preparar o golpe de mão, a ameaçar-me e promover reuniões de protesto. Plínio Salgado, nos
entendimentos com o ministro da Justiça, mostrou-se de inteiro acordo com a dissolução dos
partidos, inclusive do integralismo, e sua entrada para o Ministério. Pediu-me apenas alguns
(dias) de prazo para informar a seus correligionários, afim de que estes aceitassem bem os atos
do governo. Depois começa a tergiversar, a procurar generais etc. Não sei se ele está agindo
com duplicidade ou se não pode impor-se à massa dos seus adeptos.
Depois de entender-me com o Ministro da Guerra, o da Justiça e o Chefe de Polícia,
determinei vigilância, e provavelmente amanhã assinarei o decreto de dissolução 3. Não oculto
meu receio de uma possível perturbação. Seria lamentável, pelos malefícios que poderia
trazer. Mas não posso recuar sem me tornar uma sombra de governo‖. (Diário de Getúlio
Vargas. 1º de Dezembro de 1937. Pág. 89).

Suas anotações deixam claro a dificuldade em convencer o movimento a desistir de suas


pretensões e o desfecho foi o rompimento entre os integralistas e o governo.

3
O Decreto-Lei nº 37, de 2 de dezembro de 1937 extinguiu todos os partidos políticos.

15
Sobre o clima de repressão ao integralismo e ao comunismo Oliveiros S. Ferreira expõe que
―O governo age contra os ―partidários do Dr. Plínio Salgado que se exasperaram‖ com a
atitude de Getúlio Vargas. São apreendidas armas e munições e detidos vários integralistas nos
―Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná,
Pernambuco, Pará e (no) Distrito Federal‖. Em São Paulo, prende-se o secretário regional do
Partido Comunista, em Curitiba e no Rio de Janeiro, oficialmente, são desbaratadas diversas
células do PCB‖. (Oliveiros. 2007. pág. 201).

Mesmo que a negação ao liberalismo e regime ditatoriais e totalitários despontassem pelo


mundo, o Brasil teve seu próprio regime com características especificas. Houveram algumas
semelhanças entre Estado Novo e outros regimes, porém é infrutífero enquadrá-lo em um
deles em definitivo.

Os regimes que despontaram na Europa frente à crise do liberalismo, são então apenas
passiveis de serem comparados em um ou outro aspecto, como forma de elencarmos alguns
pontos para caracterização de algumas questões concernentes ao Estado Novo. Mas ao mesmo
tempo em que o Estado Novo demonstra similaridade com outros regimes logo despontam
suas especificidades.

Por exemplo, o corporativismo português mostrou proximidade com regime de Vargas como
veremos em especial quando analisarmos os textos dos colaboradores da revista Cultura
Política no que tange ao corporativismo. Mas mesmo aí veremos a especificidade da ideia de
corporativismo que circulou no regime de Vargas e o tratamento que a revista e o regime
deram a questão.

16
Nesta busca pelo entendimento das ideias que influenciaram o Estado Novo é importante que
não se circunscreva o regime ao pensamento de intelectuais ou de quadros que o apoiaram
isolando-o de suas efetivas ações. A redução da produção intelectual que gravitou em torno do
regime ao pensamento especifico de determinado autor ou quadro do regime deve também ser
evitada neste entendimento.

O pensamento de quadros que apoiaram o Estado Novo ou dele fizeram parte, suas
abordagens acerca da política e como se configurava o regime podem demonstrar algumas de
suas facetas, mas não são suficientes para alargarmos o entendimento do pensamento político
que se afinava com o regime.

Assim o fato de não ter havido um partido político organizado, um centro donde as ideias
políticas e as agendas de governo fluíssem de maneira a poderem ser identificadas sem
dubiedades com o Estado Novo não deve caracterizar o regime como um arrazoado de ordens
advindas do governo apenas buscando resolver questões do dia a dia.

O regime foi sim embasado em um cabedal de propostas que se acumularam durante os anos
que o antecederam e permaneceram vivas durante sua vigência. Não um pensamento que sai
de um só centro de ideias, mas que pode ser construído, pelo menos em suas linhas gerais, na
observação – principalmente - dos autores que se debruçaram sobre as questões nacionais a
partir de uma determinada ótica, a do pensamento autoritário.

Com muitas ações no campo da política externa, da economia e na articulação política interna
e repressão a opositores, o regime que empreenderia o seu processo de modernização do país,
tendo como condutor o Estado, percebeu também que o Estado poderia aglutinar intelectuais

17
com o intuito de esboçar o pensamento político do Estado Novo.

Intelectuais que se propõe a pensar o país, buscando compreender o que seria sua cultura e o
seu povo, não são novidade nem privilégio dos intelectuais contemporâneos da Semana de 22
ou posteriormente de CP, seus colaboradores, aliados ou não do regime.

As narrativas de viagens de intelectuais estrangeiros acerca do Brasil já buscavam entender o


que seria a nova cultura que se formava, mescla de etnias e que já dava margens a reflexão do
que seria a identidade nacional.

―Podemos mesmo pensar que, a cada um dos momentos recorrentes em que a questão da
―identidade nacional‖ esteve no centro do debate intelectual, o diálogo com o ―olhar
estrangeiro‖ veio também a desempenhar um papel estratégico, ajudando a balizar referências
para o pensamento social brasileiro e a construir suas hipóteses interpretativas da realidade
nacional‖ (Costa, 2006; 31).

No caso de CP e dos autores contemporâneos da revista e mais especificamente a partir de


1922, ou antes, disso se levarmos em conta Alberto Torres4, temos uma disposição do
intelectual em participar, de intervir na vida nacional, atuando como agente ativo na esfera
pública5.

4
Alberto Torres nasceu no Rio de Janeiro. Viveu de 1867 a 1917 e influenciou o pensamento político
autoritário do início do século vinte, mesmo com divergências foi mestre de Oliveira Vianna. Foi também,
deputado federal, Governador do Rio de Janeiro e Ministro do supremo Tribunal Federal e escreveu - dentre
outros livros - A Organização Nacional., As fontes de vida no Brasil e Lê problème mondial. Dados retirados do
prefácio de Francisco Iglesias ao livro de Torres a Organização Nacional.
5
O conceito de esfera pública quando utilizado nesta pesquisa esta calcado na concepção de Habermas
exposta na obra Mudança Estrutural da Esfera Pública – Investigações quanto a uma categoria da sociedade

18
Sobre a figura do intelectual Bobbio observa que ―Falam dele como se fosse pacífico que as
ideias, que são as ―coisas‖ de que se ocupam os intelectuais, contam e interferem na realidade,
independentemente de quem as produz, a favor de quem ou contra quem são dirigidas, em
quais circunstâncias apareceram, sem, portanto que se responda antes à questão de saber que
influência as ideias exercem sobre as ações, se essa influência existe, e em qual medida‖
(Bobbio, 1997;70 e 71).

Refletindo sobre esta indagação de Bobbio temos que esta pesquisa acredita que o
pensamento, a produção dos intelectuais contemporâneos a Cultura Política não estava
centrada na elaboração de textos acadêmicos. Para além desta perspectiva é que os autores que
iremos pesquisar se enquadravam. Estavam no papel do que pensa as coisas do país e
produzem seus textos como respostas, como proposições a serem aplicadas na ação política e
social.

Esta é então a esfera de atuação a que os intelectuais que contribuíram em CP procuraram se


adequar.

O pensamento destes autores não será um todo uniforme vindo de uma só fonte, mas ideias
advindas da herança de intelectuais e formas de pensar a sociedade em muitos aspectos
incorporada ao regime de 37, desenhando o que foi e o que pretendia o regime, mesmo que
para o governo sua função estivesse ligada também a divulgação das ideias que o sustentavam
e da figura do presidente e suas ações.

burguesa. Ed. Tempo Brasileiro,1984.

19
―...(...), a Cultura Política foi lançada com outro propósito: o propósito de atingir o grande
público, atingir todas as camadas intelectuais e culturais. Era, inclusive, uma revista para
acompanhar a ação política do governo. ....(...)‖ (Andrade, Almir de. Almir de Andrade
(depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985).

Fato é que se torna difícil delimitar onde estaria a separação entre a propaganda do DIP, a ação
política dada pela reflexão intelectual dos autores de CP e a própria vontade dos autores de
também fazer propaganda do regime e da figura de Vargas. No entender desta pesquisa estas
questões não devem ser separadas, pois fazem parte da ação política. Política é reflexão,
proposição, propaganda e ação.

Quanto ao que seria um projeto político de Vargas, Corsi afirma que: ―O projeto de Vargas,
que compreendia uma série de programas formulados à medida que os problemas se iam
colocando, consiste em um processo redefinido constantemente pela injunção de fatores
políticos, sociais e econômicos internos e externos; projeto que, no entanto, não chegou a
adquirir feições definitivas mesmo no final do Estado Novo. Ainda, assim, pode-se denominá-
lo ―projeto‖ tendo em vista que os programas que o compunham apontavam na direção de um
desenvolvimento baseado no mercado interno e na indústria, expressando assim estratégia
política norteadora de ação governamental‖ (Corsi. 1999. fl. 16).

Apesar de ter alguns alicerces claros, como o processo de modernização e a independência do


país na indústria e na economia. As formas de se caminhar nesta direção cambiavam e é na
política que isto se fazia notar, assim pensamentos rígidos nem sempre poderiam se adequar à
dinâmica do regime.

20
Entretanto, antes de se reportar ao pensamento que circulou por CP, convém refletir um pouco
mais sobre a afirmação de Corsi, contrastando-a com a referência que Boris Fausto faz dos
primórdios da carreira política de Vargas quando fala dos princípios que Júlio de Castilho6
passa aos seus seguidores. Observa Fausto que ―Nesse e em outros aspectos, ―a doutrina
cientifica da política‖ cedia a realidade da política oligárquica, tratando de garantir a perpétua
permanência do PRR na cúpula do poder regional. Na área econômica, em harmonia com a
centralidade do executivo, os positivistas gaúchos defendiam a intervenção do Estado,
condicionada ao interesse social, que deveria prevalecer sempre que houvesse interesses
individuais‖ (Fausto, 2006; 18).

Oliveiros S. Ferreira analisa7 a influência do positivismo no meio militar brasileiro dedicando


parte do texto às raízes políticas do político gaúcho, reconhecendo a importância do
positivismo em sua formação e na própria política nacional.

O autor salienta a pouca importância que em geral se dá ao positivismo como influência nas
ideias e práticas políticas do país quando dentre outras questões acerca do tema observa: ―Mas
talvez assista razão a Otto Maria Carpeaux, ao dizer que ―a história do positivismo ainda não
acabou‖. A frase de Carpeaux é citada por João Cruz Costa em seu livro Contribuição à

6
Júlio de Castilhos (1860 -1903) Estadista e importante figura na história do Rio Grande do Sul,
Castilhos foi um grande representante do positivismo e da República como o regime da virtude. Para Castilhos, a
política não poderia jamais constituir uma profissão ou um meio de vida, mas sim um meio de prestar serviços a
coletividade. Em 1889, juntamente com outros republicanos, põe abaixo a monarquia e o governo liberal recém
eleito, permitindo o ingresso e a manutenção dos republicanos no poder. Fonte Memorial Getúlio Vargas -
www.rio.rj.gov.br/memorialGetúliovargas/conteudo/expo1.html
7
Análise procedida no capítulo A Influência do Positivismo no livro Elos Partidos – Uma Nova Visão do
Poder Militar no Brasil.

21
história das ideias no Brasil em que faz extensa análise do positivismo brasileiro, sem entrar,
contudo – e é pena – na discussão do que foi o período em que Castilhos e Borges de
Medeiros8 mandaram (este o termo) no Rio Grande do Sul. Aliás, é curioso como, a não ser
nos Estados do Sul do País, o estudo do castilhismo-borgismo tenha sido descurado em certos
círculos intelectuais (principalmente na Academia) a ponto de dizer-se que não teve influência
alguma na história do país. Só recentemente, com o livro de Alfredo Bosi (Dialética da
Civilização) é que se tenta resgatar naqueles círculos esse período‖ (Oliveiros. 2007. pág. 96).

Concordando com a relevância do positivismo na política nacional é interessante relembrar a


sua influência no movimento republicano brasileiro. Reportando-se a um dos principias
articulistas de 1889, Benjamim Constant, temos que foi divulgador das ideias de Augusto
Comte vindo a balizar sua prática política e de educador em concepções positivistas.

Na perspectiva de uma visão cientifica da realidade e de ações do Estado imbuídas de um


caráter cientifico, Ivan Lins levanta a questão da instrução na ótica de Benjamin Constant:
―Referindo-se ao plano de instrução que lhe parecia mais consentâneo com a mentalidade de
sua época, pretendia baseá-lo sobre as ciências positivas que vinham triunfando cada vez mais

8
―Antônio Augusto Borges de Medeiros nasceu em Caçapava do Sul (RS) no dia 19 de novembro de
1863, filho do desembargador Augusto César de Medeiros e de Miquelina de Lima Borges de Medeiros. Atraído
por essa pregação republicana e pelos ideais positivistas de Augusto Comte, logo se filiou ao Clube Republicano
Acadêmico de São Paulo, participando de vários debates. Em setembro de 1882, ajudou a fundar em Porto Alegre
o Centro Rio-Grandense 20 de Setembro, adepto das ideias republicanas e dos princípios defendidos por Bento
Gonçalves durante a Revolução Farroupilha (1835-1845). Em 1883, junto com Alberto Torres, Germano
Hasslocher e outros, tornou-se redator da revista A República, ligada ao Clube Republicano Acadêmico, e em
fins do ano seguinte transferiu-se para a Faculdade de Direito de Recife, pela qual se bacharelou em 1885 em
ciências jurídicas e sociais. Aliado político de Júlio de Castilhos teve a carreira política assim configurada:
constituinte. 1891; deputado federal RS 1891-1892; governador RS 1898-1908, 1913-1915 e 1916-1928;
participou na revolução. 1930 e 1932; deputado federal RS 1935-1937‖. Reprodução de parte de biografia que
consta do site CPDOC - http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx

22
das concepções metafísicas, imprimindo atividade de nosso espírito um rumo mais seguro e
proveitoso. Abandonava, de fato, a filosofia positiva, como estéreis e vãs, as investigações das
causas finais e considerando todos os fenômenos sujeitos a leis invariáveis, a sua descoberta é
que deveria ser objeto dos nossos esforços intelectuais‖. (Ivan Lins, 1967; 40)

Mais especificamente sobre Júlio de Castilho, positivismo e República no Brasil, Ivan Lins
transcreve longo trecho de Ghilhermino César9, para compor a formação política e intelectual
do político gaúcho: ―Tipo másculo e autoritário, inteligência admiravelmente bem dotada,
polemista destro e persuasivo. A sua dialética de fundo positivista, colocou-a ao serviço, em
primeiro lugar, da propaganda, e, após o Quinze de Novembro, do federalismo à outrance.
Lutou com adversários poderosos, dialetas do naipe de Rui e Silveria Martins; na Constituinte
de 91, como no Governo do Estado, advogou ardentemente os princípios do governo forte.
Inscreveu sua ideias na carta estadual, defendeu-as pela imprensa, e no governo rio-grandense
defendeu-as também mobilizando armas que tanto sangue derramaram em 93. Deve-lhe a
república um grande serviço. Foi o mais decidido colaborador de Floriano. A glória do

9
―Pesquisador, historiador, escritor, tradutor, autor de uma obra humanística densa e multiforme foi
Doutor Honoris Causa pela mítica Universidade de Coimbra, mineiro, nascido em 1908, transferido a Porto
Alegre em 1943, dedicado até o fim dos seus dias à literatura, à política, à cultura, à história do Rio Grande, à
nossa economia e ainda ao jornalismo cultural entre a Província de São Pedro, a Revista do Globo, o Diário de
Notícias e o Correio do Povo. Professor Emérito da UFRGS, recebeu os títulos de Cidadão Honorário de Porto
Alegre, Palmes Académiques (Academia Francesa), Oficial da Légion d’Honneur e as medalhas do Pacificador,
da Inconfidência e Simões Lopes Neto. Decorrido meio século de sua vinda para o Rio Grande do Sul, o
brilhante intelectual mineiro morreu em Porto Alegre em 7 de dezembro de 1993, aos 85 anos. Além de uma
inestimável biblioteca e da imensa obra publicada, deixou um conjunto surpreendente de inéditos e significativa
correspondência pública e privada. O legado de Guilhermino Cesar, argüidor de seus contemporâneos e lúcido
contendor de sua própria figura, movimenta-se nos recantos profundos da alma sulina e brasileira‖.Transcrição
de trecho de biografia retirado Do Jornal da Universidade da Universidade federal do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil. Ano VI – Número 67 – Novembro/dezembro de 2003.
http://www.ufrgs.br/jornal/dezembro2003/pag11.html

23
Consolidador não se escreverá jamais sem a menção do nome de Castilhos, dele afastado a
princípio, mas a quem prestou, com raro destemor, inapreciável cooperação nos dias mais
críticos e tormentosos. Os artigos de doutrina e polêmica que deu a lume n’Federação
traduzem algo de sólido, de orgânico, que os antagonismos políticos não suscitam
habitualmente neste país. É inegável a formação filosófica de Castilhos. Ele próprio confessa
que desde muito moço lera e assimilara refletidamente a obra de Comte. Os desvios
doutrinários – e o ilustre rio-grandense os teve – resultaram de acomodações determinadas
pela conveniência partidária, pela cautela em não acirrar os ânimos, já de si mesmos
exaltados. É preciso convir em que a clareza e o logicismo de Castilhos deveram muito às
leituras de moço, quando fez da doutrina comtiana os alicerces sobre os quais viria a construir
sua obra de pensador político‖. (Ivan Lins, 1967; 188 e 189).

Assim, aspectos da vida política de Vargas já despontavam nos primórdios de sua carreira, na
sua formação. Se a ―doutrina científica‖ de Comte como observou Boris Fausto teve que ser
deixada de lado por conta da ―política oligárquica‖ entendemos que a política oligárquica era -
naquele período da história política do país - um dado da realidade a ser levado em conta pelos
que estavam fazendo política e de tal relevância que se não tido como componente a ser
observado inviabilizaria a ação política.

Já ficava clara, também, a mencionada centralidade do Executivo que iria acompanhar Vargas
não só durante o Estado Novo, mas em toda sua permanência a frente da Presidência, mesmo
no seu período democrático. Quanto à intervenção do Estado esta é a marca da passagem de
Getúlio na política brasileira, intervenção que vai da economia a outras esferas da vida
nacional, inclusive no campo da divulgação de ideias, como é o caso da criação de CP pelo
DIP

24
A citada ―... doutrina cientifica da política‖ também aparecerá não como invenção do Estado
Novo, mas enquanto pensamento que estará presente em autores da época.

Presente no pensamento político do tenentismo esta forma de encarar a ação do Estado de


maneira não política, mas técnica aflora. Carregavam no ideário que embasou suas ações na
vida nacional a certeza de que o país efetivamente existente com seus problemas e sua cultura
estava deslocado do Brasil organizado pelos políticos de então.

Maria Cecília Spina Forjaz corrobora esta análise observando que ―Na perspectiva do
tenentismo, a eliminação desse contraste entre ―país legal‖ e o país real‖ deveria ser feita não
como um processo político de escolha, não como pacto político ou como balanceamento de
interesses divergentes, mas sim através de uma ação técnica respaldada num ato de vontade.
É o mito da racionalidade técnica, é a impostura tecnocrática da única solução possível, é a
ideia da neutralidade objetiva que propõe soluções acima dos interesses das classes sociais‖.
(Forjaz. 1989. pág. 74).

A influência positivista entre os militares somam-se outras apontadas pela autora chamadas
por ela de ―menos remotas‖ e ai despontam Alberto Torres e Oliveira Vianna autores que iriam
influenciar - sobretudo o primeiro – o pensamento político brasileiro e em especial o
pensamento político autoritário.

Sobre Alberto Torres, Forjaz afirma: ―Ele é quase unanimemente considerado como principal
inspirador do pensamento autoritário brasileiro das décadas de vinte e trinta. Diferentes
correntes político-ideológicas atuantes na conjuntura posterior à revolução de 30 (e até

25
antagônicas) invocam a paternidade de Alberto Torres: integralistas, católicos, e a grande
maioria dos intelectuais da época, entre os quais Oliveira Vianna.‖ (Idem. Pág. 52 e 53).

Ao citar Maria Tereza Sadek10 a autora observa a influência de Torres sobre o pensamento
político autoritário que mesmo levando-se em consideração a diversidade de abordagens conta
com pontos de convergência.

Quanto à aproximação dos intelectuais com o Estado, fazendo um uso crítico da análise de
Pécaut, no sentido de melhor delinear o panorama político-intelectual da época, este vai
questioná-la ao fazer o inventário sobre as décadas de 20 a 40 do século XX, quanto à função
que buscaram desempenhar ao comentar o início da produção daqueles intelectuais:

―...em todo caso, que, no espaço de uma década, uma nova geração de intelectuais não só
descobriu e tornou pública a sua vocação nacional, mas ainda divisou o lugar que, naquele
momento, poderia ocupar dentro da nação. Nesses escritos sobre o presente e o futuro do
Brasil encontra-se de fato, a questão permanente dos próprios intelectuais, sua posição e sua
função. Neles reaparecem sem cessar os termos ―intelectuais‖, ―intelectualidade‖,
inteligência‖, ou intelligentsia‖, em português, nem sempre se distingue de intelligentsia; mas
está fora de dúvida que os que a utilizam consideram-se pertencentes a uma categoria social
específica e que esta categoria é, antes de tudo, uma elite dirigente.‖ (Pécaut, 1990; 29).

Concebendo-se como elite os intelectuais entendem que há uma realidade própria brasileira e
uma cultura especifica própria de nosso povo, uma cultura que deveria ser refletida na

10
A autora se refere a obra ―Machiavel, Machiáveis: a tragédia octaviana.‖ Edições Símbolo. S.P. 1978.

26
política, ou seja: um Estado que dirigisse a sociedade àquilo que potencialmente ela se
constituía, mas que ainda por alguns motivos, em especial a política liberal de até então, não
fora capaz de realizar.

―No caso a prioridade para os intelectuais que pretendiam falar em nome da nação era
convencer de que esta já existia subjacente. Tudo servia para prová-lo: as maneiras de ser, a
cultura, o povo, o desenvolvimento das forças produtivas. Contudo, não há melhor modo de
assegurar-se desse fato de que inventar ―mitos unificadores‖, um após outro, tarefa facilitada
pelo fato de que a precariedade atribuída às classes e, de modo geral, aos atores sociais deixa o
campo livre à imaginação. Nada é possível: nem suscitar um mito das origens invocando os
índios tupi, nem enunciar um mito de chegada celebrando a fusão entre o Povo e a Nação,
nem propor um mito de transição sugerindo que o desenvolvimento econômico, a consciência
de classe e o nacionalismo caminham no mesmo passo.‖ (Pécaut, 1990; 8 e 9).

Estas Questões, como observado por Costa11, não se circunscrevem nem se iniciam com os
intelectuais que de alguma forma se voltaram para a ação política ou a uma produção
intelectual que se interessa pela relação Estado e sociedade. A preocupação em delimitar uma
cultura que fosse brasileira, a preocupação com a nacionalidade e o nacionalismo aparece
novamente na década de vinte e com os que estiveram às voltas com a Semana de Arte
Moderna de 22, e permanece presente na produção intelectual que atravessa a década de 30 e
alcança o Estado Novo.

11
Ideia que é exposta no decorrer do texto de COSTA, Wilma Peres. ―Narrativas de viagem no Brasil do
século XIX – formação do Estado e trajetória intelectual‖ em BASTOS, Elide; RIDENTI, Marcelo; ROLLAND,
Denis (organizadores). Intelectuais e Estado. Ed. UFMG. 2006.

27
―Espécie de happening produzido por escritores e artistas, entre os quais Mário de Andrade,
Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e muitos outros, a Semana de Arte
Moderna foi, sob vários aspectos, um momento fundador. Aspirando a renovar as formas de
expressão de arte brasileira, definiu o conteúdo da modernidade cultural: contemporaneidade
ao lado das vanguardas européias e futuristas e surrealistas, sensibilidade à descoberta
psicanalítica e, simultaneamente, exploração dos alicerces da nacionalidade brasileira nas
busca da maneira de ser, seus falares, sua diversidade étnica e cultural, e das indefinições que
estão na raiz da sua inventividade.‖ (Cândido, 1980: 119-20: H.B. de Hollanda, 1978).
(Pécaut, 1990: 26 e 27).

Voltando-se àqueles que buscaram intervir na vida política do país, especificamente os


intelectuais do pensamento autoritário, temos que além da sua relação específica com o Estado
já levantada, seu método apontava para aquilo que o autor chamou de ―marcha para
realidade‖, que consistia, ―... num primeiro momento, em mostrar que não existe o indivíduo
isolado: ele está, já de início, inserido numa coletividade. Ficava, assim, anulada a validade
das ideias políticas referentes ao individualismo. Num segundo momento, visam a destacar a
interdependência entre aqueles que ocupam posições sociais desiguais; desse modo,
caducavam todas as teorias fundadas na divisão de classes. Pretenderam, enfim, provar que
existia unidade nacional de fato, que faltava apenas fortalecer pela via institucional.‖ (Pécaut,
1990: 47).

Buscando definir melhor o que o pensamento autoritário entendia como realismo, como
pensamento e gestão racional da sociedade, Pécaut toma como exemplo o pensamento de

28
Azevedo Amaral, colaborador de CP12 e observa ao analisar as colocações de Amaral acerca
da questão, afirmando que ―...poderiam ter sido expressas por autores a respeito dos campos
mais variados da atividade social: direção cientifica e técnica do desenvolvimento, regulação
equilibrada das relações sociais, organização do poder em função do interesse geral,
enquadramento corporativista da população: outros tantos aspectos dessa ―organização‖ que a
maioria dos intelectuais se sentiam chamados a delinear.‖ (Pécaut, 1990; 50).

Pécaut procura demonstrar que entre o que os autoritários pensavam como construção de um
pensamento voltado a organização das coisas da sociedade e o que chamavam de realidade
existiam fatores não levados em consideração. Assim a questão das classes sociais, a
individualidade, por exemplo, estavam fora do que era realidade para autores como Azevedo
Amaral ou outros catalogados como de pensamento autoritário.

Fato é que entre a vontade de alguns intelectuais como Pécaut que criticaram os intelectuais
autoritários quanto a seu desprezo a um processo político democrático e a forma como os
autoritários se entendiam como participantes e elite capaz de desenhar soluções para o país há
o corte feito pelo pragmatismo que o momento determinava.

Havendo consciência ou não de que aquele seria o momento apropriado para a ação política
que empreendiam, o fato é que não existiu forma política que se apresentasse para dar conta,
efetivamente das tarefas políticas da época. Além disso, há na base das críticas a forma pela

12
Azevedo Amaral colaborou nos números 38 a 41 de CP em 1941 publicando quatro artigos, entretanto
faleceu em 1942. Sobre a obra do autor consultar os trabalhos A teoria política de Azevedo Amaral, em Dados nº
2/3, Jarbas Azevedo Amaral Medeiros, Ideologia autoritária no Brasil (1978), Lúcia Lippi de Oliveira, O
pensamento de Azevedo Amaral, capítulo do livro Estado Novo — ideologia e poder (1982) e Silvana Maria
Corrêa Tótora. Azevedo Amaral e o Brasil Moderno. Dissertação de Mestrado. PUC/SP. 1991.

29
qual os intelectuais ditos do pensamento autoritário se referiam à questão das classes e
também da insipiência da experiência democrática no Brasil - e um exemplo é a critica a
Oliveira Vianna e Azevedo Amaral - uma nostalgia do que a política poderia ter sido. Porém, o
fato em que não se debruçam é: onde estava a sociedade capaz de dar conta de uma
democracia diversa da que o país até então havia conhecido até 1930 e qual outro grupo
político possuía a base política necessária a implantação de uma política de modernização a
que se propôs Vargas.

Fazendo uso da reflexão de Sevcenko acerca do estudo da literatura e a de Bobbio sobre os


intelectuais pode-se traçar um paralelo com a crítica de Pécaut a respeito dos intelectuais do
pensamento autoritário. Assim, temos que a literatura: ―Deve traduzir no seu âmago mais um
anseio de mudança do que mecanismos da permanência. Sendo um produto do desejo, seu
compromisso é maior com a fantasia do que com a realidade. Preocupa-se com aquilo poderia
ou deveria ser a ordem das coisas, mais do que com seu estado real‖. (Sevcenko, 2003: 29)

Seguindo com a critica de Pécaut aos intelectuais que se aproximaram de Vargas e mesmo aos
intelectuais da Semana de Arte Moderna de 22, temos que seu teor pode também ser ilustrado
com o que Bobbio chama de prescrição, ou melhor, o aspecto prescritivo que os intelectuais
guardam em suas criticas a outros intelectuais, assim ― (...) o discurso no qual somos levados a
dizer a nossa opinião é certamente prescritivo. Nosso problema não é o de saber se os
intelectuais são rebeldes ou conformistas, livres ou servis, independentes ou dependentes, mas
de traçarmos algumas ideias sobre o que os intelectuais que se reconhecem em uma
determinada parte política fariam ou deveriam fazer.‖ (Bobbio, 1993; 69 e 70).

Colocando-se lado a lado o conteúdo do que nos dizem Sevcenko e Bobbio, podemos nos

30
arriscar a entender que a crítica de Pécaut em relação aos autores autoritários é a oposição
entre os que entendem a possibilidade de uma sociedade capaz de se organizar e gerir, com
suas instituições liberais ou mesmo organizada de maneira socialista, a vida do país e a que se
vincula a outra concepção, bem caracterizada quando o autor observa: ― A expressão ideologia
de Estado‖ tem, portanto, o mérito de ressaltar que o Estado, e não a sociedade civil, se
apresenta como agente da construção nacional. Essa convicção não foi de todo inovadora: já
estava difundida no século XIX, e Alceu Amoroso Lima não fez mais que endossá-la ao
afirmar que em toda a história do Brasil, ― o poder público não é apenas o reflexo do povo e
sim o orientador, o guia, o verdadeiro formador do povo‖ (A. de A. Lima, 1944: pag. 145).
Essa ideia volta, porém à ordem do dia por ocasião da crise da República.‖ (Pécaut, 1990; 45).

No sentido de melhor configurar a formação do pensamento político que vê o Estado como


legitimo tutor da sociedade Sadek observa que ― O estudo de Bolívar Lamounier – Formação
de um Pensamento Político Autoritário na Primeira República: Uma interpretação – visa
interpretar toda uma produção intelectual, formada a partir da Primeira República. Seu intento
de interpretação no tocante àquela produção, leva-o a buscar nela, uma ―dimensão implícita
comum‖, capaz de indicar a maneira como foram assimiladas as várias correntes ideológicas
antiliberais, a visão que possuía a sociedade, o tipo de crítica desenvolvida ao modelo político
alternativo. Esta ―dimensão implícita comum‖ imprimirá no pensamento político então
elaborado uma configuração específica que o distinguirá do pensamento anterior, e também do
liberal-clássico, como ainda das ideologias autoritárias importadas.
Seu argumento central é que ―a transformação do pensamento político no período considerado
deve ser entendida basicamente como a formação de um sistema ideológico orientado no
sentido de conceituar e legitimar a autoridade do Estado como princípio tutelar da
sociedade‖.‖ (Sadek, 1978. pág. 70).

31
Décadas antes da análise apontada por Sadek, Vitor Nunes Leal13 já observava que o Estado
Novo iria imprimir um regime de tutela aos municípios impedindo que a própria Constituição
de 37 que por si possuía um espírito autoritário e centralizador funcionasse.

Leal observa que ―Num regime que visava conferir poder incontrastável ao chefe de governo,
não seria de estranhar essa organização hierárquica, em que atos comezinhos da administração
municipal, depois de longa peregrinação, vinham ser decididos, em última instância, por
despacho presidencial. A preocupação da centralização política no Estado Novo, que nunca
procurou dar vida real à maquina representativa criada na Carta de 10 de novembro, era tão
evidente que a completa anulação da autonomia municipal nesse período não demanda
qualquer outra explicação‖ (Leal. 1986; pág. 93)

A observação de Leal aponta para duas questões: a primeira - por ele levantada no trecho
acima - diz respeito à tutela que o Estado Novo buscou e efetivamente impôs durante sua
vigência, e a segunda – esta mais vinculada ao pensamento autoritário – advêm da necessidade
de uma tutela necessária para que a cultura política dos que davam a base de sustentação à
representação política de antes de Vargas não tomassem conta novamente da administração
das coisas do Estado.

Entendemos que o encadeamento da estrutura patrimonialista que concebe o Estado como


uma estrutura privada voltada para interesses desvinculados da maioria dos cidadãos inicia-se
e tem sua base na representação municipal e têm seu elo de conexão com o executivo Estadual

13
Trata-se da obra Coronelismo, enxada e voto com a primeira edição datada de 1949.

32
ou Federal nos parlamentares das assembléias dos Estados e do Parlamento Federal.

Tomando-se estas reflexões devemos guardar o fato de que a gama de pensamentos existentes
na política e na cultura no Estado Novo não saem do nada, eles vêem de uma tradição e de
reflexões que não raramente são divergentes em alguns de seus aspectos, mas que formam a
gênese de uma concepção de Estado que deve ter o poder para gerir a sociedade de maneira a
tutelá-la. O Estado autoritário brasileiro vem deste conjunto de ideias e não da importação do
nazismo ou fascismo, a concepção de tutela do Estado tal qual foi aqui empreendida toma
corpo em nosso país.

Neste esforço de levantar algumas das características daquele período e retomando outra
característica do pensamento não só do campo político conservador, mas da reflexão sobre o
Brasil da época, Sadek irá se referir a seguinte questão: ― O sentimento da premência de se
conhecer a realidade nacional é, sem dúvida alguma, uma das cores mais visíveis neste
momento. A consciência da existência de um Brasil desconhecido, de um lado, e a
necessidade de substituir o que se considerava empecilho para este conhecimento, de outro,
imprimiam duas atitudes que se complementavam: a valorização da terra e da ―gente‖
brasileira, de uma parte, e de outra, o combate aos idealismos, aos artificialismos, aos
estrangeirismos.

Assim, desde Os Sertões de Euclides da Cunha, a ânsia de conhecer a realidade nacional


passou a se constituir quase que num guia para produção intelectual. A palavra de ordem a ser
cumprida por todos aqueles que ambicionavam influir nos destinos do país poderia ser assim
expressa: É preciso descobrir e conhecer o Jeca Tatu. O Brasil é Os Sertões, é o Jeca Tatu.
Somente a descoberta da brasilidade, do país verdadeiro fornecerá critérios para o julgamento

33
e para reorganização do Brasil ―formal‖. (Sadek, 1978. pag. 81).

Mais do que o estereótipo do cientificismo a que Pécaut se referiu quando criticou o que seria
considerado o pensamento político autoritário, se estava à busca do Brasil e sua cultura para se
conceber uma política que conduziria o país aos seus objetivos: o Brasil moderno, e este
moderno necessitaria de um Estado que ―conhecesse‖ seus governados.

O espírito desagregador da elite política tradicional fruto mais direto da primeira república e a
fragilidade da sociedade civil, seriam pontos que iriam fortalecer, no período republicano, o
pensamento que desembocaria na construção de uma ideia de Estado de natureza tutelar. Eis
um elemento a ser adicionado ao embate entre a visão de Daniel Pécaut e dos autoritários.

De uma análise da sociedade brasileira desdobrou-se perspectivas semelhantes quanto ao


diagnóstico, mas divergentes quanto à ação política:

―Liberais e autoritários, de direita ou esquerda, diagnosticaram que os males país provêm de


uma relação desigual, destituída de reciprocidade e interlocução: a uma sociedade civil
incapaz de auto-organização, ―gelatinosa‖ em algumas leituras, e a uma classe trabalhadora
―débil‖, impõe-se um Estado que, armado de eficientes mecanismos repressivos e persuasivos,
seria capaz de manipular, cooptar e corromper. A interpretação ainda foi reforçada por um
certo tipo de marxismo que defendia um modelo de classe trabalhadora, uma determinada
consciência que lhe corresponderia e um caminho, único e portanto verdadeiro, a ser seguido.‖
(Ferreira, 2001; 62).

Se buscarmos um exemplo de interpretação tida como de direita, temos que Oliveira Vianna,

34
observa que o processo de colonização brasileiro não havia dado ao povo brasileiro a
possibilidade de estruturar-se em uma democracia representativa, nos moldes americanos ou
europeus, assim a ― (...) ―comunidade de aldeia‖ ser, como traço etnológico ou cultural, uma
estrutura ou uma tradição inexistente no Brasil. Na zona dos canaviais – pela própria
legislação do tempo, os engenhos não podiam se distanciar menos de meia légua um do outro.
No sertão – os currais de gado, concedidos em sesmarias, tinham três léguas um do outro. No
sertão – os currais de gado, concedidos em sesmarias, tinham três léguas de extensão com uma
légua intermediária, em que era proibido construir ou levantar moradas.
Na faixa costeira os engenhos, assim distanciados uns dos outros, constituíram-se logicamente
em autarquias agrárias, funcionando em ―economia de oikos‖ como diria Max Weber, auto-
suficiência e desta orientação autárquica. ―Cada família uma república‖ – concluía Vieira,
fixando, num traço, toda esta estruturação dispersiva da sociedade colonial, o extremado
individualismo familiar e patriarcal:....(...).‖ (Vianna, 1999; 139).

Vianna vê na formação do povo brasileiro a impossibilidade de se conduzir o país, naquele


período, pela via da democracia representativa. Sem se referir a obra A Democracia na
América de Alexis de Tocqueville, sua análise entende o Brasil daquele momento como um
país na via oposta àquilo que Tocqueville observa na Comuna Americana, exemplo de cultura,
de costumes apropriados a formação da democracia, um sistema que ―(...) ao mesmo tempo
que divide o poder comunal entre um grande número de cidadãos, tampouco teme multiplicar
os deveres comunais. Nos Estados Unidos, pensa-se com razão que o amor à pátria é uma
espécie de culto a que os homens se apegam pelas práticas.
Dessa maneira, a vida comunal se faz, de certa forma, sentir a cada instante; ela se manifesta
cada dia pelo cumprimento de um dever ou pelo exercício de um direito. Essa existência
política imprime à sociedade um movimento contínuo, mas ao mesmo tempo tranqüilo, que a

35
agita sem perturbá-la.‖ (Tocqueville, 1998; 79).

Refletindo sobre o Brasil do século XVII, Sérgio Buarque de Holanda demonstra que os
intelectuais chamados como do pensamento autoritário, realmente não estavam isolados
quando observavam a formação da sociedade brasileira e a herança que a cultura política do
país carrega consigo. Em Raízes do Brasil ele aponta que ―O peculiar da vida brasileira parece
ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do
passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras,
disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a
uma população em vias de organizar-se politicamente‖. (Holanda, 1995;61).

Não se trata de um pensamento que despreza a participação das massas no processo de


organização das sociedades. A relevância das colocações esta centrada na observação de um
momento específico- e a dimensão de tempo é importante para caracterização da análise dos
autores – em que as massas não tinham em sua cultura política elementos para - como
desejaria Pécaut, por exemplo – ser o elemento ativo na organização da política.

Portanto trata-se da insipiência da cultura política do homem brasileiro como observa Vianna
ou Holanda e não apenas a inserção de um elemento incapaz - o homem massa –
definitivamente tido como ―medíocre‖ no entendimento de Ortega Y Gasset.

―Dissemos que havia acontecido algo extremamente paradoxal, mas que na verdade era muito
natural: pelo fato de o mundo e a vida se mostrarem abertos ao homem medíocre, sua alma se
fechou. Pois bem: sustento que nessa obliteração das almas medíocres consiste a rebeldia das
massas que, pó sua vez, constitui-se no gigantesco problema de hoje para a humanidade‖.

36
(Ortega Y Gasset. 2007. Pág. 101)

Melhor delineando o pensamento do autor é interessante vermos também sua caracterização


da nobreza enquanto agente da política:

―...é sinônimo de vida dedicada, sempre disposta a superar a si mesma, a transcender do que
já é para o que se propõe como dever e exigência. Dessa forma, a vida nobre se contrapõe à
vida vulgar e inerte, que, estaticamente, se restringe a si mesma, condenada à imanência
perpétua, a não ser que algum fator externo a obrigue a reagir. Por isso chamamos massa a
esse modo de ser homem – não tanto por ser multitudinário, mas por ser inerte‖. (Idem. Pág.
97)

As duas citações de Gasset apontam para uma política a ser realizada por elites que se levadas
ao período do primeiro governo Vargas podem levar a uma aproximação com o caso brasileiro

Elide Rugai Bastos14 em breve análise da obra de Paulo Augusto de Figueiredo15 comenta que
Gasset influência parte considerável dos pensadores autoritários e por consequência os
colaboradores de CP. O próprio título da revista estaria influenciado por parte do pensamento
de Gasset por ela resumido: ―...cabe a uma elite intelectual formar e dirigir as massas, tema

14
Texto contido no livro Intelectuais e Estado, organizado por Marcelo Ridenti, Elide Rugai Bastos e
Denis Rollnad. Editora UFMG. 2006.
15
―Paulo Nunes Augusto de Figueiredo nasceu no Rio de Janeiro em 5 de agosto de 1913 e faleceu em Brasília
em 26 de dezembro de 1985. Formado em Direito, foi, em momentos diferentes de sua carreira, professor
universitário, promotor público, procurador fiscal do Estado, presidente do Departamento Administrativo do
Estado de Goiás, consultor jurídico do Senador Federal, vice-diretor legislativo do Senado Federal‖. (Trecho de
biografia extraída do texto de Elide Rugai Bastos contido na obra: Intelectuais e Estado, organizado por Marcelo
Ridenti, Elide Rugai Bastos e Denis Rollnad. Editora UFMG. 2006. Pág. 121).

37
que será desenvolvido posteriormente pelo autor espanhol em Rebelião das massas, cuja
primeira edição é de 1937, no qual estabelece claramente a conexão entre a crise mundial e a
ausência de direção da sociedade por uma elite ―bem formada‖, capaz de perceber os anseios e
as necessidades do povo. A centralidade da cultura e a missão dos intelectuais, eixos
articuladores da revista Cultura Política, constituem-se em pontos apoiados nas teses
orteguianas‖ (Bastos. 2006; 128)

Há efetivamente a preocupação na publicação dirigida por Almir de Andrade em aglutinar


uma elite intelectual que soubesse ler o que entediam como as reais necessidades do povo
brasileiro. Os colaboradores de CP - veremos no decorrer desta pesquisa - levantam esta
problemática recorrentemente e Paulo Augusto de Figueiredo não se furtará a isto, se bem que
privilegiaremos também outra faceta do autor que é a visão cristã da organização da
sociedade.

Quanto a participação das massas na construção nacional no que tange ao objeto desta
pesquisa – a revista Cultura Política – entendemos que a abordagem da publicação– foi
configurada a partir de um número maior de autores – e aponta para caminhos calcados
também em outras questões.

No tocante ao homem comum e sua participação na política esta pesquisa crê que a
observação dos autores autoritários e, sobretudo os que aparecerão nas edições de Cultura
Política, demonstra – e procuraremos esmiuçar como isto se constitui com a análise dos textos
dos colaboradores de CP - que houve a preocupação de se apontar uma estrutura estatal que
inserisse o cidadão na política, mesmo que de maneira ambígua se mantivesse o caráter
autoritário do regime.

38
Entendemos que se houve uma interrupção da participação das massas 16 no processo político,
sobretudo em 37, decorre da necessidade do regime de impedir que a concepção de
democracia nos moldes do pré 30, pudesse novamente robustecer-se reerguendo as elites
políticas a que o movimento conduzido por Vargas havia se esforçado em controlar.

Veremos, entretanto que a revista publicará textos em que a forma corporativa de organizar a
representação política nacional é apontada como a saída para composição de uma
representação mais racional e mais eficaz dada a configuração social do país, mesmo que de
forma ambígua reforce a figura de Vargas como o grande condutor do processo de construção
do Estado Novo e aponte para uma representação baseada de certa forma em uma elite: os
representantes da categorias profissionais.

Sem duvida a questão das elites como agente capaz de empreender a organização da política
esta presente recorrentemente na revista. A representação corporativista, os autores que se
vêem como elite capaz de criar as concepções necessárias à estruturação da sociedade e a
própria forma pela qual a figura de Getúlio Vargas aparece nas páginas de CP apontam para a
influência orteguiana mencionada por Elide Rugai Bastos.

Deve-se também observar nesta reflexão - e ao que principalmente nos interessa que são os
que colaboraram com a publicação do DIP - que nela existe um misto de influência de outros

16
Consideremos o caráter diminuto da efetiva participação popular no debate político em algo que
poderia ser considerado esfera publica – na perspectiva de Habermas – e mesmo o número de eleitores que
efetivamente tinham direito a voto. Devemos considerar além destes fatores a fraude eleitoral e o voto de
cabresto, comuns, sobretudo antes da reordenação dada por Vargas com a criação da Justiça Eleitoral e o Código
Eleitoral instituídos através do Decreto nº 21.076 de 24 de fevereiro de 1932.

39
autores - não raro de fora da revista - e das necessidades do embate político nacional.

Portanto quando se observa a vontade dos autores em buscar representações políticas que
diminuam o mais possível a participação popular não podemos deixar de levar em
consideração o que influenciava também o pensamento daqueles autores: a necessidade de se
fugir a representação política anterior a 30.

Mas toda esta questão remete ao problema que se colocava aos políticos e intelectuais da
época: conceber uma prática e uma cultura política capazes de darem conta de uma
reordenação eficiente no tocante à condução do país. Em relação à CP e seu diretor Almir de
Andrade a tarefa foi aglutinar autores que buscassem trazer à tona a cultura do país.

A visão de Oliveira Vianna, mesmo não sendo colaborador de CP, neste ponto é semelhante à
de Andrade, de outros autores que escreveram na revista e se aproxima das observações de
Sérgio Buarque de Holanda.

Mesmo que não haja vinculação política entre autores como Oliveira Vianna e o autor de
Raízes do Brasil a observação que fazem sobre o que seria as raízes de uma cultura política na
sociedade brasileira é passível de ser aproximada.

A teoria de que a sociedade brasileira da época é insipiente para se organizar e fazer-se


representar em instituições típicas da democracia representativa, como visto, não é
propriedade dos autores do pensamento autoritário. E nem tampouco a busca do que seriam as
raízes culturais do país e a perspectiva nacionalista é privilégio de intelectuais do século XX.

40
Porém é necessário observar - para que se forme de maneira mais precisa o perfil do
pensamento autoritário e em especial da revista Cultura Política – o binômio composto entre
cultura e política e as resultantes desta relação.

Observa Tótora ao se referir a Azevedo Amaral que o autor ―... filia-se à tradição do
pensamento conservador, ao apontar para incapacidade de uma determinada regra ou norma
institucional tornar-se eficaz numa ordem social que a contrarie. As instituições políticas
devem adequar-se à realidade. Uma lei, norma ou regra institucional torna-se eficaz na medida
em que seja capaz de garantir uma determinada ordem, ou, eventualmente, criar uma ordem
que garanta a estabilidade do poder político, por exemplo, as leis trabalhistas‖. (Tótora. 1991.
fl. 25)

A autora continua sua análise do pensamento de Amaral acerca do embate entre liberalismo
democrático e pensamento autoritário observando que ―A crítica de Amaral vai ao sentido de
rebater uma concepção teórica do pensamento político, difundido após a Revolução Francesa,
atribuindo ao regime liberal-democrático um valor absoluto e universal a ser praticado
igualmente por todas as nações. Contra essa orientação o espírito contemporâneo reage com a
afirmação da ideia nacional, ou seja, ―cada povo sendo uma entidade sociológica peculiar,
deve elaborar as suas instituições sociais e políticas, obedecendo apenas a inspiração do seu
gênio nacional‖ (RPD, p. 167). A desqualificação do regime democrático-liberal, não obedece,
na sua obra, apenas a uma determinação da ideia nacional, mas à historicidade a que essa
forma de organização política se circunscreve‖. (Idem. fl. 88)

A organização da esfera política que tem início com Revolução de 30 e prossegue com o
processo político posterior que vai até 45 com o fim do Estado Novo, sequência histórica

41
analisada por Amaral é vista como um processo histórico continuo e que seria concluído com
a construção do Estado Nacional, denominação que Vargas preferiu dar ao Estado Novo: ―As
etapas que se sucederam à Revolução de 1930 – governo provisório 1930 – 1933, o governo
constitucional de 1934-1937, autoritarismo corporativista de 1937 a 1945 – constituíram-se
em momentos de um mesmo processo de construção e consolidação do Estado Nacional‖.
(Idem. Fl. 88)

Sobre a inadequação do liberalismo à nova ordem econômica e social instituída Tótora reflete
sobre Amaral observando que ―A partir dessas circunstâncias históricas, o Estado liberal, em
crise, anuncia o seu colapso. As condições históricas exigiam substituição do Estado Liberal
por um modelo de Estado com funções ampliadas, principalmente, para intervir na economia.
Esse novo modelo de Estado, Azevedo Amaral denomina de Estado autoritário‖. (Idem. fl.
90).

O autoritarismo instituído em 1937, não visava apenas à ordem, mas a um projeto de


modernização para o país. ―O fortalecimento do poder central, centralização política, a
concentração das decisões políticas nos órgãos executivos, reforço da autoridade do presidente
da república, justificam-se frente à necessidade de resolução dos problemas de ordem
econômica. O autoritarismo não seria uma estratégia política com finalidade apenas de
manutenção da ordem, mas, também, de promoção da modernização do país‖. (Idem. fl. 95).

A incapacidade de conceber uma solução para organização da economia e da sociedade


brasileira é patente na ação nas oligarquias que conduziram a república antes de 30, quanto a
isso a autora observa - utilizando-se da perspectiva de Azevedo Amaral - que ―As oligarquias
agrárias, detentoras do poder político, demonstram uma incapacidade de governar além dos

42
limites restritos dos seus interesses particulares. A prova disso está na dificuldade de um
encaminhamento político para o problema social, no que se refere à questão do fator
trabalho‖. (Idem. fl. 99).

Temos então em Azevedo Amaral que a organização dada à sociedade nacional anteriormente
a 1930 constituiu-se em desacordo com a realidade do país. As instituições construídas pelas
elites de então não deram conta de administrar, criar soluções aos problemas nacionais e se
nos estendermos mais nesta análise, não seriam capazes de empreender o processo de
modernização da sociedade.

Sadek17 comentando o pensamento de Octávio de Faria - no que tange à Revolução de 30 e em


especial ao Estado Novo - identifica no autor e em outros seus contemporâneos a concepção
de que há a necessidade de se por abaixo a democracia liberal e a organização que a sociedade
nacional conhecia até então como traço comum àqueles autores.

Em síntese que faz do pensamento de Octávio de Faria no tocante a formação da Nação


brasileira, observa que ―Retirando-se a ―mentira, o que fica? Resta o mais absoluto domínio
do acaso. Não há uma nação, mas um aglomerado de indivíduos, que acidentalmente habitam
o mesmo espaço territorial. Solo este imenso, que ao dispersar os que nele vivem, também,
não facilita a existência do brasileiro. O atraso econômico, político e social. Em síntese, não se
verificou um processo civilizatório formador da nacionalidade e fomentador de um país com
expressão mundial‖ (Sadek, 1978. pag. 129)

17
Em Machiavel, Machiavéis: A Tragédia Octaviana.

43
Com pontos de semelhança com outros autores, no tocante a insuficiente organização da vida
nacional empreendida pelas elites de até então, Octávio de Faria preocupa-se também com a
formação moral.

Esta preocupação mostra uma das facetas do seu pensamento e demonstra que se
aparentemente aponta apenas para uma perspectiva conservadora e moralista das coisas, em
uma análise mais apurada revela algumas das características da cultura brasileira, ainda
arraigadas no século XXI.

―Este clima imoral envolve todos os aspectos da vida social e privada: nas mercadorias postas
à venda, na política da capital como na dos Estados e municípios, nas eleições, no júri, nos
exames prestados, no terreno sexual. Todos os campos estão contaminados. Octávio de Faria
aponta para o aprendizado da imoralidade se dá desde cedo – na ―cola‖ feita na escola. Este
fenômeno não apenas reflete a falência moral, como adapta o indivíduo para a vida como
cidadão – ―o individuo aprendeu os principais meios de enganar, de burlar a lei. Já aprendeu,
sobretudo como se desculpar não só diante de si (quando precisa...) como diante dos outros.
Se todos podem, não só pode com tem de fazer.
...Mais tarde, diante da vida, das dificuldades que vão aparecer, pensará do mesmo modo. Se
tiver diante de si o Estado, então não hesitará. ....‖ (Sadek, 1978. Pag. 131) e (Octavio de Faria
em MB pag. 166).

Adiante Sadek, expõe a reflexão de Octávio de Faria e sua preocupação com o homem como
base da formação de uma nação e a reflexão do autor acerca de outros autores:
―Desconhecendo o homem supondo-o bom, diz Octávio de Faria, tivemos a Constituição de
1891 e os conseqüentes, abusos que ela permitiu. Se se persistir nesse desconhecimento,

44
nenhum dos ―remédios‖ poderá surtir efeito e falharão as tentativas de ―regeneração‖, mesmo
as apresentadas por Alberto Torres, Oliveira Vianna, Pontes de Miranda e Plínio Salgado‖
(Sadek, 1978. pag. 136)

A preocupação com o homem aparecerá também no pensamento autoritário no que Sadek


denominou de ―reação espiritualista‖. Numa síntese do que este pensamento de origem
católica apontava como os males da nação, veremos que da questão religiosa, ou melhor, da
falta de religiosidade é que se encontram não só o diagnóstico dos problemas mas o
direcionamento para possíveis políticas que iriam resolve-los.

As ―ideologias modernas‖ e seu ―agnosticismo‖ - nos diz a autora - são para os católicos,
responsáveis, juntamente com as origens do ateísmo que estão em Lutero, Descartes e
Rousseau, pelo atual estado de coisas da sociedade. E para ilustrar o pensamento dos autores
católicos cita Oscar Mendes18.

―As conseqüências do liberalismo maçônico da constituição aí estão patentes. Renegando a


Deus, proibindo o ensino religioso, desprestigiando o matrimônio católico cristão, que se
obteve? Quarenta anos de república leiga se afundaram na mais vergonhosa decadência
moral‖ (Trecho do autor citado. Sadek. 1978; pag. 96).

Ainda nove anos antes do início da publicação de Cultura Política e sete anos antes da
instauração do Estado Novo a ―reação espiritualista‖ diagnosticava desta forma e de acordo

18
Artigo intitulado ―O liberalismo no Brasil sob o Ponto de Vista Católico‖, in A Ordem (Ano XIII, nº
23., janeiro 1932) pág. 32, 33 e 44. – citação da autora. A constituição a que se refere o autor é a primeira da
República – 1891.

45
com o trabalho de Sadek propunha a valorização dos princípios cristãos ―traço essencial,
originador e formador da população brasileira‖. (Idem. Pág. 97)

Há, portanto temas em que os pensadores autoritários se aproximam mesmo sendo a não
homogeneidade uma das características deste pensamento. Buscando mais características do
pensamento autoritário devemos considerar o pensamento de Alberto Torres.

No prefácio à terceira edição de A Organização Nacional de Alberto Torres, observa Francisco


Iglésias que ―O sinal mais vivo e característico de quanto Alberto Torres escreveu é o sentido
da objetividade, a denúncia da alienação, do mimetismo de formas estranhas, da importação
indiscriminada de todo o arsenal ideológico elaborado alhures e sem correspondência com a
realidade. Foi nessa ideia que mais insistiu, mostrando a necessidade de organizar o país e
função de sua própria fisionomia, para evitar a desordem e outros prejuízos.‖ (prefácio de à
terceira edição de A Organização Nacional de Alberto Torres – pág. 12).

Anterior a outros autores autoritários, Alberto Torres já concebia como fadada ao insucesso as
sociedades formadas a partir de alicerces alheios a própria cultura local ao mesmo tempo
apontando para o remédio a ser administrado a formações sociais erigidas daquela maneira:
―Se em toda parte, as sociedades não receberam organizações próprias, senão simples
construções provisórias, com materiais em ruína; se o Estado não é, ainda, mais que mera
corporação policial, e órgão de comando, por violência ou por sugestão; no Brasil, onde a
sociedade não chegou a reunir sequer os elementos agregantes da tradição – nem a sociedade
existe, nem o Estado; e Estado e sociedade hão de organizar-se, reciprocamente, por um
processo mútuo de formação e de educação. Educação pela consciência e pelo exercício, o que
vale dizer por um programa, isto é por uma política: eis o meio de transubstanciar este gigante

46
desagregado em uma nacionalidade.‖ (Torres, pág. 37. 1978).

No esteio das observações de Oliveira Vianna e do paralelo aqui feito entre Vianna e
Tocqueville, Torres dirá que ―Num país que não saiu do jugo da metrópole senão para ser
dirigido por governos que não surgiram da carne e do sangue do povo e não comungam com
seu espírito e suas tendências, fazendo tudo, pelo contrário, para desvirtuar-lhe o caráter,
subordinando-o a ideias e costumes estrangeiros, não é de surpreender que o povo se não
tenha formado, faltando-lhe, como lhe faltou, a escola do determinismo, pelo exercício da
liberdade e da autonomia: do progresso, fisiológico e psíquico, em suma, da atividade.
(Torres, pág. 54. 1978).

Estendendo sua análise acerca da organização política brasileira de sua época Torres vê que
―... a base das nossas organizações partidárias é a politiquice local. Sobre a influência dos
corrilhos eleitorais das aldeias regue-se a pirâmide das coligações transitórias de interesses
políticos – mais fracos na representação dos Estados, dependentes dos estreitos interesses
locais: tênue, no governo da União, subordinado ao arbítrio e capricho dos governadores.‖
(Torres, pág. 68. 1978).

Caminhando ainda mais neste esforço de compreensão do pensamento político autoritário,


voltemos a Sadek no intuito de nos atermos no que os próprios autores buscavam com seus
textos.

Mesmo também não considerando o pensamento político da época como homogêneo a autora,

47
cita algumas obras19 que vão da primeira década do século vinte a meados dos anos 30
destacando que ―Até mesmo numa leitura superficial das obras então produzidas
encontraremos uma série de itens que as aproxima. Assim, o antiliberalismo, o anticapitalismo
e a percepção da situação da situação presente como insustentável são alguns dos elementos
que, de uma forma ou de outra, afloram nos vários discursos‖ (Sadek. 1978. págs. 78 a 80).

Além das aproximações em alguns pontos importantes para análise daquele período histórico,
os autores analisados por Sadek eram - e dai advém o próprio título de seu livro Machiavel,
Machiavéis: A Tragédia Octaviana - intelectuais que não centravam – como já observado -
suas preocupações na produção de um conhecimento puramente acadêmico. O espírito de suas
produções estava calcado na interferência nos destinos da nação.

Pegando de empréstimo a análise de Sadek, eram - a maneira de Maquiavel -


escritores/pensadores que estavam a procura do condottiere, aquele que incorporaria suas
ideias na ação política para construção ideal ao país.

Portanto os intelectuais vistos até aqui e os que estudaremos na revista Cultura Política estão
inseridos nesta perspectiva. Mesmo quando acadêmicos de profissão estarão também nos
textos publicados em CP imbuídos da vontade desta ação política em que as ideias eram suas

19
A autora estava especificamente comentando as obras por ela citadas no livro Machiavel, Machiavéis: A
Tragédia Octaviana, em capítulo denominado Clima ideológico da época. São as seguintes as obras citadas: O
Problema Nacional Brasileiro– Alberto Torres (1914); O Idealismo na Evolução Política do Império e da
Republica – Oliveira Vianna (1922); O Idealismo da Constituição – Oliveira Vianna (1927); O Brasil Errado –
Martins de Almeida (1932); A Desordem – Virgínio Santa Rosa (1932); Brasil Desunido – Sud Mennucci (1932);
O Sertão Social – João Lyra Filho (1933); Problemas do Brasil – Ary Machado Guimarães (1933); Problemas
do Brasil – Everardo Bacheuser (1933); A Gênese da Desordem – Alcindo Sodré (1933); O Brasil na Crise Atual
– Azevedo Amaral (1934); Despertemos a Nação – Plínio Salgado (1935) e Problemas de Nosso Tempo –
Hermes de Lima (1935.

48
armas.

1.1. Estado Novo, Cultura Política e ideologias.

Por não ter sido um movimento de massas, mas essencialmente erigido a partir de uma elite
política que não se aglutinada em torno de um partido político, o Estado Novo carecia de um
programa político que pudesse ser claramente visualizado.

Já vimos que por ser fruto de uma época em que o liberalismo encontrava-se em baixa, o
Estado Novo foi um dos regimes políticos que emergem como alternativa política. Por conter
alguns elementos comuns, não raras vezes seria confundido com o totalitarismo ou mesmo
com corporativismo português da ditadura salazariana.

Atendo-se a pontos fundamentais que concretamente diferenciaram o Estado Novo do que o


fascismo italiano tinha de essencial e também do corporativismo português, podemos observar
o período que vai de 1937 a 1945, constituindo-se como experiência, que no Brasil guardou
características próprias.

Lúcia Lippi de Oliveira irá refletir sobre a questão das diferenças entre fascismo e o Estado
Novo apontando que ―dois aspectos históricos e doutrinários, presentes no fascismo, estão
ausentes do caso brasileiro. O regime de 1937 não resultou da tomada do poder por nenhum
movimento revolucionário organizado e de massas. Seus doutrinadores negam qualquer
espaço para existência de um partido sustentador do regime. A questão da mobilização e
organização das massas em milícias é também recusada pela maioria dos autores nacionais

49
que buscam fundamento para o fortalecimento da autoridade do Estado. (...) Seja do ponto de
vista doutrinário ou da realidade histórica, o caso brasileiro do Estado Novo se distingue do
fascismo italiano‖ (Oliveira 1982; 25)

Quanto à experiência do corporativismo português e sua distinção em relação à experiência


brasileira, esta fundamentalmente concentra-se no caráter perene das instituições e cultura
política fomentadas por Vargas. Martinho irá observar, dentre outras diferenças entre os dois
casos, que ―O compromisso das classes populares com a legislação social no Brasil não
impediu a queda do presidente. Mas foi garantia para continuidade do aparato legislativo. A
oposição renhida das classes proprietárias ao corporativismo a crise decorrente da guerra
determinaram novos rumos à política social portuguesa, mas não a queda do ditador. Em
outras palavras, enquanto no Brasil houve continuidade sem Vargas, em Portugal a
descontinuidade se deu apesar da permanência de Salazar‖. (Martinho 2007)

Se há esta diferença entre os regimes totalitários instalados na Europa e ao regime português


cabe então do ponto de vista dos intelectuais contemporâneos ao regime de 1937 nos mostrar
qual regime se pretendeu estabelecer.

Crê esta pesquisa que - pelo pensamento dos intelectuais que colaboraram com Cultura
Política: Revista Mensal de Estudos Brasileiros - algumas questões importantes acerca do
perfil do regime podem ser mais bem elucidadas.

O perfil de um regime - que veremos nos próximos capítulos – vem à tona com as análises que
aparecem na publicação do DIP. Análises que não são somente fruto daquele momento
político especifico da Nação, mas continuidade do pensamento político que vimos até aqui.

50
CAPÍTULO 2 - Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros

No entender desta pesquisa Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros deve ser
encarada de um prisma que não a circunscreva somente a instrumento do DIP concebido para
a propaganda de cunho panfletário.

Em seus 53 volumes, a publicação dirigida por Almir de Andrade buscou reunir intelectuais
com o intuito de refletir sobre o que entendiam como cultura brasileira, a política e suas inter-
relações.

Para buscarmos compreender a forma pela qual Almir de Andrade entendia como a política
deveria intercambiar-se com a cultura, Lucia Lippi Oliveira20 resume o pensamento de
Andrade e sua atuação, enquanto intelectual junto ao governo Vargas e o desdobramento
destas questões na formação de CP.

―A proposta do ―novo‖ vem associada às condições da realidade nacional. O país real teria

20
Ainda segundo Lúcia Lippi de Oliveira em Tradição e Política: O Pensamento de Almir de Andrade
(Estado Novo – Ideologia e Poder. Rio de Janeiro. Ed. Zahar. 1982. pag. 31, 32 e 46), Almir de Andrade foi um
dos principais ideólogos do regime colocando como destaque neste papel seu trabalho como diretor de Cultura
Política. A autora aponta como obra de destaque do autor Força, cultura e liberdade, escrita ―sob encomenda
pelo Departamento de Imprensa e Propaganda em 1940‖. Em nota de seu texto a autora aponta ainda que,
segundo Vamireh Chacon, em Estado e povo no Brasil (Rio de Janeiro: José Olímpio, 1977- pag. 41 e 115),
Francisco Campos teria sido o arquiteto jurídico do regime, Oliveira Viana o inspirador teórico e Azevedo
Amaral o seu ideólogo.
Apesar de concordarmos com a importância destes autores para formação do ideário do regime e do pensamento
político autoritário, entendemos que para uma compreensão mais abrangente do que foi o ideário do Estado Novo
necessitamos de uma análise que contenha um número maior de autores para que se apure quais temáticas foram
recorrentes e que - durante o regime de 37 - efetivamente se tornaram relevantes na perspectiva do regime, do
pensamento político autoritário e seu relacionamento com o Estado Novo.

51
sido obscurecido pela influência das ideias importadas, quando da feitura do pacto
republicano. O novo regime deveria voltar-se para as nossas origens, para as raízes brasileiras,
verdadeira matéria-prima nas mãos do novo artesão.
É desta combinação entre novas fórmulas políticas e a evolução histórica brasileira, entre o
moderno e o tradicional, que trata a obra de Almir de Andrade. Vinculando a obra de Vargas às
raízes culturais brasileiras, Almir de Andrade possibilita não só a convivência de intelectuais
de diferentes origens e perspectivas doutrinárias, mas também atribui ao intelectual um papel
predominante enquanto intérprete nacional‖. (Oliveira, Lúcia. 1982: 33)

Almir de Andrade na apresentação do primeiro número de Cultura Política discorre sobre


alguns elementos que podem ser considerados como reflexão e roteiro do que iria ser a nova
publicação.

Crê Andrade em uma democracia que - segundo ele - virá de um Estado que protegerá o
trabalho promovendo a ordem política e ―...se destina a assegurar a paz, a concórdia, o bem-
estar, a felicidade dos que trabalham pelo bem comum‖. (CP, – março de 1941 – ano I número
1, págs. 6).

O Estado para Andrade é o oposto ao estado liberal, vai de encontro à concepção


individualista e não irá servir ―...meramente a fins políticos, mas essencialmente à cultura, à
alegria, ao bem-estar, à felicidade de todos e de cada um em particular‖. (Idem, pg. 7).

Almir de Andrade relata o convite para dirigir CP feito por Lourival Fontes – Diretor do DIP e
o que o governo pretendia com a revista: ―Eu era amigo do Lourival Fontes, e ele quis fazer
uma revista de cultura dentro do governo do presidente Getúlio Vargas. Tinha antes convidado

52
várias pessoas, inclusive elementos do próprio DIP para organizarem a revista, mas não sei
por que eles não chegaram a organizá-la.......Planejei a revista de uma forma que pudesse
interessar ao público pela variedade de assuntos, pelo nível intelectual, e pudesse também
reunir toda aquela intelectualidade que girava em volta do governo, alguns opositores do
governo, mas que, para fazer uma revista de cultura, colaboraram‖ (Andrade, Almir de. Almir
de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985.) .

Andrade observa que sua relação com o regime vai se estreitando à medida que o próprio
Getúlio vai tomando conhecimento do trabalho de reflexão do jornalista acerca do país.

Andrade relata que ―.... Francisco Campos tinha publicado aquele livro, Estado Nacional, com
a pretensão de ser o doutrinador do Estado Novo, quando na verdade a orientação política
nunca foi aquela do Estado Nacional do Francisco Campos. O Chico Campos sempre teve
uma concepção meio, não digo fascista, mas fortemente direitista do Estado, e o Getúlio não.
O Getúlio era um homem de espírito popular, de espírito aberto, de modo que ele não gostou
muito, isso soube pelo Lourival. O Lourival era homem do DIP, ele não gostou muito do tom
que o Chico apresentava o Estado Nacional. Lourival, então, sugeriu ao presidente a
conveniência de mandar alguém escrever sobre as verdadeiras diretrizes do governo e
esclarecer a opinião pública.‖ (Idem).

Almir de Andrade quando do lançamento da Nova Política do Brasil, havia escrito uma
critica, acerca daquela publicação que trazia as ideias do Presidente, na Revista do Brasil21.

21
A revista Nova Política do Brasil foi publicada pela José Olympio editores de 1938 a 1947 e tratava,
também, de propagar o ideário do regime. A Revista do Brasil foi uma publicação, de cunho nacionalista, editada
por Assis Chauteaubriand na qual Almir de Andrade colaborou como critico literário. Fontes:

53
Interpretação que Getúlio, segundo relato do jornalista, havia gostado, ―sempre procurando
vincular os problemas políticos às raízes culturais. De modo que essa mesma orientação foi a
que dei à revista‖. (Andrade, Almir de. Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio,
FGV/CPDOC- História Oral, 1985.)

Almir de Andrade não vê em Francisco Campos o pensador do Estado Novo. É importante


que se observe a diferença entre Francisco Campos aliado e quadro de primeira grandeza do
regime do autor de Estado Nacional. A comentada insatisfação de Getúlio com interpretação
dos sentidos da política para o Estado Novo não deixa em nenhum momento de
descaracterizá-lo como quadro do regime de Vargas

É do ponto de vista da auto-imagem do regime e daquilo que o regime gostaria de ser e


parecer ser que Almir de Andrade desponta como quadro mais apropriado ao regime. Assim a
questão é o que Francisco Campos ou outros autores gostariam que fosse o Estado Novo e o
que efetivamente o regime foi ou pretendia ser. Porém, face à projeção do ministro de Vargas,
foram dadas às suas opiniões, em termos do que foi a ideologia do regime, uma dimensão
além do que elas efetivamente tomaram no desenvolvimento do regime.

2.1 A Estrutura da revista Cultura Política

Sejam intelectuais que efetivamente fizeram parte do regime ocupando cargos públicos de
relevância como Francisco Campos ou os que ocuparam cargos de nem tanta relevância é fato

www.cpdoc.fgv.br/accessus/asp/idx_pop_ca_poplf.asp?cd_liv=20 e Almir de Andrade em depoimento de 1981.


Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985.)

54
que foi no Estado ou em volta do Estado que parte considerável da produção intelectual
daquele período ocorreu.

Em especial, sobre a origem dos intelectuais que colaboraram com CP, dados levantados por
Cordato e Guandalini Jr. através de uma amostra de 100 artigos selecionados - do tema
denominado pelos autores de ―política‖ – demonstrou-se que a maioria dos autores era oriunda
ou gravitava em torno da burocracia do Estado.

―Mais de 80% dos autores dos artigos sobre ―política‖ estão de algum modo, vinculados à
burocracia estatal e colaboraram com quase 85% do total de matérias. Portanto, a maior parte
da ideologia política do regime difundida em Cultura Política é formulada pela burocracia do
Estado‖ (Cordato e Guandalini Jr. 2003; 150)

Mesmo que em outras ocasiões ou em outros temas intelectuais de fora do Estado tenham
colaborado com a revista, o fato é que a construção da concepção de Estado surgida naquele
período teve que ser - em boa medida - erigida pelos próprios membros do corpo técnico
burocrático do Estado Novo. Entretanto devemos ter em mente que outros intelectuais que
tiveram influência na formação dos que escreveram em CP não participaram da revista. Neste
caso enquadram-se, por exemplo, Alberto Torres já falecido na época ou ainda Francisco
Campos e Oliveira Vianna22.

22
É comum o equivoco de imputar aos dois últimos autores o fato de terem colaborado com CP. Campos
e Vianna nunca colaboraram com a revista, apesar de suas concepções se aproximarem, de muito dos
colaboradores de CP. Tomando um exemplo deste equivoco temos que Pécaut em Os Intelectuais e a Política no
Brasil pag. 70 e Boris Fausto em Getúlio Vargas: o poder e o sorriso pag. 119 citam respectivamente Francisco
Campos e Oliveira Vianna como colaboradores da revista.

55
Especificamente sobre a ausência de Vianna e outros autores em CP Almir de Andrade
observa que ―Ele nunca procurou a revista, e eu não o conhecia pessoalmente. De modo que
não houve oportunidade de convidá-lo para escrever. Já o Azevedo Amaral fui eu que o
convidei. O Basílio Magalhães, o grande historiador, publicou vários artigos também. Esse fui
até pessoalmente convidar na casa dele. Quer dizer, no início eu fiz esse ambiente, chamei
essas figuras todas para a revista. Agora, o Oliveira Vianna não houve ocasião de .....‖
(Andrade, Almir de. Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral,
1985.)

Quantidade de Porcentagem Quantidade de Porcentagem do total de


Colaboradores total de artigos artigos selecionados
colaboradores publicados

Burocracia 60 82,19 105 84,67


Estatal
Profissionais 7 9,58 12 9,67
liberais
Militares* 1 1,36 2 1,61
Sem 5 6,84 5 4,03
informação
Total23 73 100 124 100

23
*Sem ligação direta com o Executivo
Fonte: Os autores e suas ideias: um estudo sobre a elite intelectual e o discurso político do Estado Novo. Revista
estudos Históricos. N° 32 (Intelectuais) –pág.150. Editora FGV/CPDOC. Rio de Janeiro – R.J. 2003. Nos
capítulos 3 e 4 desta pesquisa torna-se patente o fato de que os autores que escreviam sobre questões ligadas a

56
Com a colaboração destes intelectuais e sob a influência de outros, buscando colocar em suas
páginas o que define como a cultura do Brasil, sobretudo no que se refere à cultura política, ou
seja, a formação do que seria a ideal organização da política do ponto de vista da formação
cultural do Brasil, CP vai às bancas.

A distribuição de CP era feita nas bancas de jornais de todo país e organizada por Fernando
Chinaglia – mesmo distribuidor da Revista Seleções. CP, com uma tiragem de três mil
exemplares, era uma revista que não possuía um conteúdo para consumo popular, como
observa Andrade, ―Era outro tipo de revista – comparando-a a Seleções – pesada, maçuda‖,
mas com a distribuição organizada de tal forma que seu primeiro número foi - segundo
Andrade - ―uma grande sucesso de vendagem‖. (Andrade, Almir de. Almir de Andrade
(depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985.)

CP não era uma revista produzida para as massas, porém não teve sua distribuição dirigida a
uns poucos escolhidos pelo regime ou distribuída como panfleto de apologia ao regime. Almir
de Andrade observa que ―Embora por um preço puramente simbólico. Eu a pus para vender de
acordo com o Lourival, porque uma revista que é distribuída gratuitamente só é lida pelas
pessoas a quem a gente manda e que nem sempre se interessam por ela.‖ Mais adiante observa
que o DIP tinha ― lá uma listagem de pessoas que recebiam essas publicações (referindo-se a
outras publicações do DIP). Agora com uma diferença (de CP para as outras publicações) o
que sobrava das vendas. Eu separava sempre um grande número de exemplares para a

política eram em sua maioria funcionários do Estado.

57
vendagem, se não me engano entregava-se ao Chinaglia parece que duas mil, duas ou três mil,
e o resto, não me lembro bem, o que sobrava mandava-se para aquelas.....‖ (idem)

Quanto à seleção dos que colaboravam Almir de Andrade observa que ―Pode-se dizer que só
batalhei para conseguir colaboração para lançar a revista. O primeiro número, segundo e
terceiro. Daí por diante, nunca mais tive que pedir. Eles vinham a mim. O pessoal todo vinha,
inclusive porque a revista na época pagava de colaboração um preço que ninguém pagava.
Pagávamos um preço relativamente alto. Até em alguns casos o dobro do que os jornais e
revistas pagavam. De forma que havia uma grande afluência de ofertas de trabalho. E o
trabalho que passei a ter desde o segundo ou terceiro número foi selecionar o que me
ofereciam.‖ (Idem)

Assim a seleção do que se publicava ficava a cargo de Almir de Andrade, o que dá a dimensão
do quanto o conteúdo da revista pode calcar-se em eixo de análise pouco disperso. Com o aval
de Lourival Fontes e estando afinada com a perspectiva política de Getúlio - sobretudo com a
relação estreita que a política e a cultura deveriam ter - a produção de CP reunia as condições
para além de ser um veículo de divulgação das ideias de seus autores, refletir o ideário do
regime.

Relatando a forma que selecionava os textos para CP, Almir de Andrade observou: ―Eu
selecionava e pouco depois, uns quatro ou cinco meses depois, convidei o Graciliano Ramos
para fazer a revisão da ortografia e da linguagem dos artigos enviados à revista, e ele se
encarregou também de fazer uma filtragem desses artigos. De modo que ele fazia duas coisas:
primeiro a filtragem, selecionando o que era bom e o que não era. Eu examinava então aqueles
que ele achava aproveitáveis‖. (Idem)

58
Uma aglutinação de intelectuais que não se limitou aos próximos ao regime, os que divergiam
colaboraram e não apenas pela boa remuneração e qualidade gráfica e distribuição da revista.
A ideia que perpassava a revista, o fio condutor a que Almir Andrade se refere, a cultura e a
política a ser construída a partir da cultura do país são elementos que atraíram outros
colaboradores.

Durante os anos em que foi publicada sob a direção de Almir de Andrade, Cultura Política24,
refletiu o regime de Getúlio Vargas no sentido de divulgar questões ligadas a estruturação
política do Estado Novo e em especial procurando manter-se como uma revista - segundo a
definição de seu editor - de cultura e política, de maneira a refletir algo de caro ao Estado
Novo: a construção de uma Nação calcada em sua própria cultura e um regime político que
por ela se estruturasse.

Assim, temáticas como antiliberalismo, integração nacional, política externa brasileira,


sindicalismo, política imigratória, Estado Novo, a Constituição de 1937, federalismo, II
Guerra Mundial, governo e a economia do país, artes, Amazônia, previdência social, educação
física, produção de petróleo, siderurgia e administração pública são algumas das questões
levantadas pela publicação, editada de março de 1941 a outubro de 1945.

24
Após o fim DIP em maio de 1945 e por iniciativa de Andrade foram publicados ainda três números.
Sobre eles o diretor de CP relata: ―....três números pequenininhos.......Porque aí o DIP acabou, e continuei com a
revista. E como eu é que a tinha fundado, que a tinha organizado e dirigido, registrei o título no meu nome e
fiquei até com a patente da revista. Mas com a queda do governo não havia mais ambiente para continuar. E aí
passados uns dez anos, sem ser publicado, caducou. De modo que o título hoje está aí para quem quiser usar.‖
(Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985.)

59
Vargas ―tinha percepção de que era necessário opor às forças políticas e ideologias então
convergentes (lembremo-nos de sua vitória sobre os movimentos insurrecionais comunista e
integralista) princípios doutrinários próprios que dessem sustentação teórica ao exercício de
seu poder. Cultura Política serve a este propósito.‖ (Figueiredo, 1968).

A análise de Figueiredo é pertinente no sentido de que se fazia necessário a exposição das


ideias que diziam respeito ao regime, porém em duas questões a análise não se adéqua a
proposta de CP e ao Estado Novo, em primeiro lugar comunistas e integralistas não foram
inimigos importantes a ponto de ameaçarem o regime.

Foram reprimidos, mas nunca fizeram oposição capaz de ameaçar o poder, entretanto serviram
como mais um fator utilizado por Vargas para empreender o golpe de 37. Em segundo lugar, o
real inimigo de Vargas foi a versão brasileira do liberalismo, assim o ideário político contido
em CP e que buscava refletir a estruturação política do Estado Novo teve como um dos seus
eixos o conteúdo antiliberal enquanto antagonista no campo das ideias, sendo que a
perspectiva positivista foi influência marcante na formação das ideias de parte de seus
colaboradores.

Se fossemos fazer referência a um conteúdo anticomunista da revista, seria mais interessante


nos reportar a questão da negação da luta de classes, conforme já observamos na análise que
fizemos de Pécaut, como uma das influências que esta pesquisa entende como relevante na
linha editorial de CP. Porém, como veremos, é o antiliberalismo o principal ponto da revista
quando se trata de antagonismo entre o Estado Novo e outras formas de se pensar a sociedade.

Afirma o diretor de CP na apresentação da revista em seu primeiro número que ―O verdadeiro

60
ideal democrático impõe uma aproximação cada vez maior entre o governo e o povo, entre o
Estado e o homem comum – afim de que possa aquele servir, não meramente a fins políticos,
mas essencialmente à cultura, à alegria, ao bem estar, à felicidade de todos e de cada um em
particular‖ (CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 7)

No Brasil daquele momento do século XX e sob a égide dos partidários do Estado Novo
podemos desdobrar a crítica ao liberalismo em dois aspectos: primeiro, o reflexo da crise pela
qual passava o liberalismo naquele período pelo mundo, e em segundo lugar, mesmo que a
democracia da Primeira República tivesse concretamente pouco de democracia e pouco de
liberalismo, era em boa medida, a partir de elementos do discurso liberal, que parte da
imagem daquele simulacro de democracia foi construída, ao menos para os que tinham acesso
àquela esfera pública exígua.

Acerca desta questão Elide Rugai Bastos observa que ―Na revista Cultura Política a crítica ao
liberalismo tem um endereço certo: mostrar os erros cometidos na Primeira República e
justificar as experiências centralistas do presente, anos 1930, apontando para o acerto das
decisões centralizadoras do passado, indicando essa tradição política como a mais adequada
ao perfil nacional. Esse objetivo leva a que vários artigos sejam dedicados à reconstituição da
história brasileira, tanto para lembrar o bom êxito da centralização política como para apontar
os equívocos resultantes da persistência dos valores oligárquicos.‖ (Bastos 2006; 131).

Assim é que a construção de um dos itens da ideologia do Estado Novo e em parte dos que
depois iriam reivindicar o espólio político de Vargas esta calcada no antiliberalismo e é desta
perspectiva que as temáticas que irão ser apresentadas pela revista irão em boa medida
gravitar, ou seja, na aproximação entre ―Estado e o homem‖, apontada pelo diretor de CP em

61
sua introdução de lançamento da revista. (CP, – março de 1941 – ano I número 1, págs. 6 a 8)

Especificamente, quanto a linha editorial da revista, ela foi pautada, em boa parte e no que
interessa à esta pesquisa, na análise de temas que gravitavam em torno de questões como:

Porque o liberalismo era considerado algo inadequado ao homem e a sociedade brasileira?


(CP n° 5. 1941) Qual o papel dos sindicatos? (CP n°10. 1941) Quais eram as perspectivas
para o Estado Nacional na concepção estadonovista? (CP n° 11. 1942) Qual a boa inserção do
Estado na economia? (CP n° 5. 1941) A administração pública no Estado Nacional no período
Vargas. (CP n° 20.1942) Como se daria a centralização da administração no estado nacional?
(CP n° 11. 1942) São algumas das reflexões dos colaboradores de Cultura Política e que
separadas dentro de temáticas especificas serão analisadas objetivando a construção do um
ideário político do regime.

Nestas e em outras temáticas recorrentes na revista, outros autores não comprometidos com o
regime de 37 teriam espaço em CP ―Cada seção, entretanto, vinha procedida de uma
apresentação, onde se mostrava ser o progresso das artes, da ciência, da literatura uma
decorrência das condições favoráveis advindas com o novo regime. O descompromisso de
alguns articulistas era assim diluído no contexto da revista. Publicar na revista oficial, editada
pelo DIP, era uma forma de participar da legitimação do novo regime. É exatamente essa
capacidade de atrair para seu campo mesmo os opositores que merece destaque no
empreendimento cultural programado e dirigido por Almir de Andrade‖. (Oliveira 1982; 33)25

25
Veremos que estas apresentações só irão estar presentes na revista por um período de sua existência,
sendo comum em pesquisas que utilizaram alguns números de CP imputarem a publicação do DIP formas
especificas que não perduram por toda a existência da publicação ou autores que nunca escreveram na revista.

62
Em suma, é possível demonstrar quais as ideias que deram alma as políticas do Estado Novo a
partir do conteúdo dos artigos dos intelectuais que colaboraram em CP, ressaltando que a
revista não se circunscreveu a um mero instrumento de propaganda do regime. Se também
teve este papel, o conjunto de seus artigos, segundo esta pesquisa, apontam para além da
preocupação do embate político imediato e da estrita defesa conjuntural do regime de Vargas,
fato que não deve ser descartado, mas não se constitui como a totalidade da essência da
revista.

Quando de seu lançamento CP possui uma estrutura assim delineada em seis seções:
Problemas Políticos e Sociais, O Pensamento Político do Chefe de Estado, A estrutura
juridico-política do Brasil, Textos e documentos históricos, A atividade governamental e
Brasil social, intelectual e artístico.

Eram os artigos precedidos de nota introdutória em que a revista objetivava dar parâmetros
para melhor entendimento do texto ao leitor além de dar sua interpretação, vinculando- a não
raramente ao Regime de 37. As notas não eram assinadas, portanto não se sabe sua autoria.
Alguns editoriais - segundo a entrevista de Andrade - eram escritos por Rosário Fusco e não
eram assinados em outros vemos as iniciais do diretor da revista.

Após uma crise de gabinete na Presidência da República houve alteração nesta configuração
com a posse do novo diretor do DIP o major Coelho dos Reis.

Segundo o depoimento de Andrade a crise resumiu-se a entrevero entre o substituto de


Francisco Campos no Ministério da Justiça Vasco Leitão Cunha e Filinto Müller.

63
Müller - ao negar-se a cumprir uma ordem do Ministro da Justiça - acaba por gerar uma crise.
Pedida a demissão de Müller a Getúlio, este acaba solucionando a questão da seguinte forma:
demite Filinto Müller que gozava de prestígio junto aos militares, Lourival Fontes que não era
bem quisto junto aos militares também é demitido, como uma barganha em troca da demissão
de Müller. Na ocasião, Leitão Cunha também é demitido.

Sai da direção do DIP Fontes e assume Coelho dos Reis. A revista então deixa de ter seções
fixas e escasseiam-se as notas introdutórias passando a contar com apenas um índice no início
das edições.

Sobre a substituição da direção do DIP Andrade relembra-a em entrevista: ―O major Coelho


dos Reis, depois de nomeado, na quinta-feira seguinte teve despacho com o presidente, voltou
do despacho e me chamou, dizendo: ―O presidente mandou que eu conservasse o senhor na
direção da revista Cultura Política, mas eu quero fazer umas modificações ali de ordem
cultural. E fez. Por isso é que a revista a partir do número 18 mudou parcialmente de feição,
acabaram aquelas seções fixas etc.‖ (Almir de Andrade II – depoimento; 1984- Rio de Janeiro,
FGV/CPDOC - História Oral 1986. págs. 15 a 17).

Não há, porém alteração na linha editorial26. É certo, como veremos, que com o acirramento
do conflito mundial, a entrada no Brasil na Guerra e a proximidade do fim do regime a revista
não poderia deixar de demonstrar isto em seus textos, dada a alteração da conjuntura política
interna.

26
O número 18 de revista é publicado em agosto de 1942, porém as alterações só se deram no número 19
de setembro de 1942.

64
A configuração acima perdurou até maio de 1945 quando a revista deixa de ser vinculada ao
DIP - extinto naquele mesmo mês pelo Decreto-Lei nº 7.582 que criaria o Departamento
Nacional de Informações – DNI27.
De agosto a outubro de 1945, Almir de Andrade - por iniciativa empresarial própria - publicou
os números de 51 a 53, suas últimas edições.

Trata-se de período em que a revista passa a ter um volume de páginas e matérias reduzido,
mantendo sua linha editorial no que tange as outras temáticas que não se circunscreviam a
política e - como veremos no capítulo 4 desta pesquisa – passa a buscar uma sintonia com os
novos tempos de democracia que chegavam ao país. A distribuição e assinaturas ficavam a
cargo de Fernando Chinaglia.

27
A própria atuação do DIP no que tange parte de seu papel que era o de órgão de repressão a liberdade de
opinião deixa de ter sentido dada o enfraquecimento do regime e a nova fase da política nacional que contaria
com eleições diretas em todos os níveis. A fase em que passaria a viver o DIP é assim descrita por Rejane Araujo
em verbete localizado no ―site‖ do CPDOC: ―nenhuma atitude foi tomada pelo departamento por ocasião da
entrevista concedida por José Américo de Almeida ao repórter Carlos Lacerda, do Correio da Manhã, em
fevereiro de 1945, na qual o escritor comentava o golpe de 1937 e exigia eleições imediatas.
Em entrevista coletiva à imprensa, no mês seguinte, o próprio Vargas, reconhecendo a decadência do
DIP, afirmou que, a partir da normalização da situação internacional, ou seja, do fim da Segunda Guerra Mundial,
o órgão passaria a tratar exclusivamente da divulgação da cultura brasileira.
No dia 23 de maio de 1945, após a concessão de anistia aos presos políticos, o diretor do DIP, Amílcar
Dutra, autorizou a irradiação do discurso do líder comunista Luís Carlos Prestes durante o comício que se
realizaria naquela data no estádio do Vasco da Gama, no Rio. A resolução foi severamente criticada pelo ministro
da Guerra, general Eurico Dutra, o que determinou uma contra-ordem governamental no sentido de que fosse
suspensa a transmissão. O fato, que refletia o descompasso entre a orientação do DIP e de outros setores do
governo no que se referia ao novo momento político da nação, resultou na imediata exoneração de Amílcar Dutra
de Meneses, que foi substituído por Heitor Muniz, o qual permaneceu no cargo apenas dois dias.
Avaliada a inexeqüibilidade dos objetivos para os quais havia sido criado e a crescente pressão popular
pelo fim de todos os órgãos cerceadores de liberdade criados durante a vigência do Estado Novo, o DIP foi
extinto em 25 de maio de 1945, pelo Decreto-Lei nº 7.582. Pelo mesmo decreto, foi criado o Departamento
Nacional de Informações (DNI).‖

65
O que se procurará demonstrar nos próximos capítulos é que CP não se circunscreve às
questões imediatas do Estado Novo no que tange a sua justificação ideológica. A observação
de suas matérias em conjunto com o direcionamento do regime e a própria configuração que o
Estado brasileiro teve, mesmo após a queda de Vargas em 1945, podem colaborar para o
entendimento da política e do próprio papel e as representações simbólicas que o Estado teve e
ainda continua a ter para sociedade.

66
A revista chegaria às bancas com tiragem de 3000 exemplares

67
Referência ao diretor e alguns dados acerca da revista.
Cultura Política nº 39 de abril de 1944

68
Sumário demonstrando a primeira configuração com a divisão em seis seções fixas. 1 de março de 1941

69
Descrição que precedia todas as seções na primeira configuração da revista.
Cultura Política nº 1 março de 1941

70
Breve biografia dos autores e introdução da revista as matérias dos colaboradores. Introdução que se fazia na
primeira configuração da revista.
Cultura Política nº 1 de março de 1941

71
Cultura Política nº 19 de setembro de 1942
Na segunda configuração da revista após a posse de Coelho do Reis na Direção do DIP não havia mais as seções
fixas. As publicações contariam então apenas com um Sumário.

72
Cultura Política nº 19 de setembro de 1942

73
Nesta configuração escasseiam-se as biografias e desaparecem as introduções às matérias.
Cultura Política nº 39. Abril de 1944

74
Culto a figura de Vargas, comum nas matérias, afinal para a revista tratava-se do condottiere que construía o
Estado Novo ou Estado Nacional como o Presidente preferia que fosse chamado.
Cultura Política nº 39. Abril de 1944

75
Cultura Política nº 39. Abril de 1944

76
Cultura Política nº 39. Abril de 1944

77
Menção ao acordo em que a ajuda militar dos EUA seria uma das contrapartidas ao apoio brasileiro aos aliados
na Segunda Guerra Mundial contra os países do Eixo.

Cultura Política nº 43. Agosto de 1944

78
Ultima edição de CP - de número 50 - enquanto publicação do DIP. O Departamento seria extinto em maio de
1945. A seguir Preâmbulo da Lei que reformaria a Constituição de 37 instituindo eleições diretas em todos os
níveis. Publicado no número 50 de CP pág. 25

79
80
A revista após o fim do DIP. Editada em formato menor e por iniciativa de Almir de Andrade no que ele chamaria de ―nova fase‖.

81
Apresentação de Almir de Andrade do que seria a nova fase da revista a partir do nº 51 - Agosto de 1945

82
Propagandas comerciais que não existiam até o número 50 da revista e passaram a ser realizadas na nova fase de
Cultura Política. Fase que duraria apenas três números.

83
Última edição da revista: Fim de Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros e fim do Estado Novo.

84
CAPÍTULO 3 - As Razões de 37.

Observamos no primeiro capítulo que o movimento iniciado em 1930 e efetivado com o golpe
de 1937 que estabeleceu o Estado Novo não possuiu um partido político que conduzisse e
norteasse ideologicamente as ações dos que chegaram ao poder.

As ideias circularam no meio intelectual da época e não convergiam de maneira a criar um


corpo conciso de propostas de ação e análise dos problemas da sociedade e da política
brasileira ao menos no que tange a uma estrutura partidária.

A ideia do Governo Vargas com a criação da revista Cultura Política - tal qual vimos no
testemunho de Almir de Andrade - era dar corpo e consistência de maneira a tornar públicas
ações e principalmente o ideário do regime. Porém, em conjunto com a proposta de difusão
das ações e ideário do regime, existia a vontade de colaboradores da revista que se vincula
também a possibilidade de influenciar na vida política do país.

Na revista, os chamados intelectuais do pensamento autoritário formam a fonte produtora ou


de inspiração a outros de menor notoriedade, mas que ou analisavam a sociedade e a história
da cultura política brasileira ou expunham suas concepções políticas que já eram de fato
formadoras do Brasil no Estado Novo ou apareciam como o que o regime ainda poderia vir a
ser, pelo menos na concepção dos autores.

Odorico Costa, Diretor da Imprensa Oficial do Estado de Goiás, em artigo publicado em CP


ilustra a ausência de partido político na estruturação do regime e ao mesmo tempo desperta a

85
curiosidade do pesquisador no sentido de buscar quais opiniões formaram o ambiente político
ideológico do Estado Novo.

―A revolução não fora obra de um partido, mas sim um movimento geral de opinião; não
possuía, para guiar-lhe a ação reconstrutora, princípios orientadores, nem postulados
ideológicos definidos e programados, disse o presidente Getúlio Vargas a Assembléia
Constituinte de 1933‖. (CP, – novembro de 1943 – ano III número 34, pág. 174)

Mesmo Vargas não admitindo a existência de ―princípios orientadores‖ o fato é que para a
efetivação de ação política consistente se faz necessária que ela repouse sobre alguns
postulados, mesmo que não advenha de um programa partidário. Sem isso não seria possível
que se buscasse um fim e se estabelecesse a coerência que existiu nas ações do Estado Novo.

As Razões de 37 – nome dado a este capítulo – e o estudo empreendido também no próximo


capítulo - são além do levantamento de temáticas da revista e opiniões dos colaboradores da
publicação do DIP, também, o estudo desta coerência que os que pensaram o regime e em
especial dentro de Cultura Política demonstraram.

Assim, este capítulo se dedica ao estudo dos artigos de CP. Como já observado, irá expor e
analisar não a totalidade dos artigos da revista, mas os que apontam para o ideário do regime
de 37 ou auxiliam no seu entendimento.

Os artigos que se dedicam às realizações do regime, os que tratam de literatura e artes em


geral, não serão objeto de análise, exceto em casos específicos em que redundem em um
melhor entendimento das razões do regime.

86
Especificamente teremos a partir daqui a exposição das razões de 37 transformadas em artigos
elaborados pelos que colaboraram nas edições de CP e que esta pesquisa entende como
capazes de delinear o quadro que mostrará as principais ideias que deram alma ao Estado
Novo e para onde estes colaboradores pensavam levar a política e a sociedade brasileira.

A revista - tal qual já exposto no segundo capítulo - possuiu durante parte de sua existência
estruturas que a subdividiam em temáticas especificas e com pequenos resumos que
antecediam aos textos dos colaboradores e que davam certo direcionamento ao leitor situando
a temática do artigo segundo a ótica da revista. Aqui esta ordem não será seguida, optou-se
por um ordenamento temático diverso, que no entendimento desta pesquisa facilitará a
formação do que chamamos de As Razões de 37.

Achou-se interessante, posto que muitos dos autores de CP que aparecerão agora em diante
não foram figuras que se tornaram notórias no pensamento político brasileiro, a apresentação
de uma breve biografia.

As biografias dos autores de CP aqui apontadas são quase na totalidade citações da própria
revista, complementadas em alguns casos com as biografias sobre personagens que se
destacaram durante o Estado Novo elaboradas pelo Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas e que constam em
―site‖ do Centro. Em alguns casos em que a revista foi omissa e que não foi possível encontrar
nenhuma referência, dada a pouca notoriedade do autor, não houve a possibilidade de se
apresentar biografia.

87
Antes do início da análise dos temas, um artigo em especial foi escolhido como marco desta
tarefa. Em primeiro lugar por ser de autoria de Lourival Fontes, diretor geral do DIP de 1939 a
1942 e em segundo lugar por tratar-se não de texto escrito para Cultura Política, mas
transcrição de artigo escrito e publicado originalmente em 1º de agosto de 1931 no primeiro
número da revista Hierarquia28 dirigida por Fontes e que tratou de temáticas que iriam - dez
anos depois - ser motivo de reflexão de autores de CP.

Democracia, eleição e representação eis o título do artigo de Fontes transcrito por CP e que
tem como base uma crítica a democracia de partidos políticos, mais especificamente da
representação política neles estruturada e a democracia advinda desta organização política.

Fontes observa - após concordar que em alguns países esta organização da representação
política obteve êxitos, dada a ressonância entre a representação dos partidos junto a cultura
das sociedades em que foi implantada - que estas mesmas sociedades ―...em que o sufrágio
proporcional por listas estimulou a divisão, a fragmentação e a pulverização dos partidos,
verifica-se hoje a abolição de toda a possibilidade material de organizar governos estáveis. As
crises se multiplicam e os governos, formados por maiorias ocasionais nascidas de
compromissos e transações, surgem com todos os sintomas de fragilidade e debilidade que os
levam aceleradamente a decomposição.‖ (CP, – agosto de 1941 – ano I número 6, pág. 8).

28
―Em 1931, fundou as revistas Política e Hierarquia, assumindo sua direção. Hierarquia obteve maior
êxito, cobrindo o período de agosto de 1931 a abril de 1932. De tendência fascista, contava com colaboradores
como Olbiano de Melo, Francisco de San Tiago Dantas, Otávio de Faria, Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, José
Maria Belo, Hélio Viana, Gustavo Lessa, Carneiro Leão e Plínio Salgado‖. (citação literal de parte da biografia
de Lourival Fontes. Site CPDOC - http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx).

88
E completando a concepção que têm acerca dos partidos políticos e da democracia liberal, o
autor constrói sua opinião ressaltando ―O interesse do partido, do grupo, mesmo quando tenha
ideologia definida ou represente qualquer força de opinião, fala sempre mais alto que o
interesse público, procura fazer no governo a sua própria política e do Estado em negócio
privado‖. (Idem).

O Estado forte é para Fontes a ferramenta para ―...tutela e a proteção dos direitos, a paz social,
a justiça entre os cidadãos‖ (Idem. Pág. 9).

Sua visão acerca da representação política iria ser compatível com as políticas do Estado
Novo, tanto na crítica a democracia do sufrágio universal quanto na sua visão do que seria a
boa representação política. O que demonstra que a organização política que vêm com o golpe
de novembro de 1937 não se faz de improviso. Ela é algo que já se fazia presente no
pensamento de políticos brasileiro desde anos antes da instauração do regime.

Descartando a representação política que vigorava no país ainda no ano anterior a redação de
seu artigo, o futuro Diretor do DIP vislumbra outro tipo de organização da representação
política.

A receita para o bom sistema representativo – para o caso brasileiro - seria a que desse
significativa importância ao corporativismo, assim Fontes conclui que ―O regime mais
representativo, do ponto de vista nacional, não será o que se apóie no valor absoluto dos
partidos, que não passam, sob que forma legal apareçam, da representação de interesses
particularistas ou formados ao estimulante das paixões egoístas, - mas o que surja da vida das
profissões, das forças sociais organizadas‖. (CP, – agosto de 1941 – ano I número 6, pág. 8).

89
Anos depois os Artigos 57 a 63 da Constituição de 1937 instituiriam e regulamentariam o
Conselho da Economia Nacional29 que segundo o artigo 57 compunha-se ―...de representantes
dos vários ramos da produção nacional designados, dentre pessoas qualificadas pela sua
competência especial, pelas associações profissionais ou sindicatos reconhecidos por lei,
garantida a igualdade de representação entre empregadores e empregados‖. (Constituição
Federal de 1937. Art 57 caput).

Com esta pista dada por Fontes iniciamos o levantamento de alguns temas que guardam certa
semelhança em termos de análises efetivadas por autores e coincidência com a estrutura dada
ao Estado Novo. Algumas vezes por estar o autor preocupado mais em refletir as políticas de
Vargas e em outros por serem efetivamente ideias que influenciaram o regime e que eram
gestadas na sociedade, ressaltando-se tratar-se de uma revista composta basicamente por
colaboradores partidários do regime, ao menos no que tange as temáticas aqui levantadas.

3.1 - O pensamento alienígena

A importação de formas de organizar a política que já se fazia presente nas análises dos
autores do primeiro capítulo reaparece em artigos de CP.

Os caminhos do regime de 37 tiveram em muitos intelectuais e nas influências que estes


intelectuais sofreram suas raízes. Alguns autores como Azevedo Amaral e Paulo Augusto
Figueiredo, tiveram uma projeção que vinha de antes de CP e que continuou para além da

29
A representação corporativa implantada e 34 e em 37 será analisada nos próximos tópicos da pesquisa.

90
revista. Outros, tal qual Oliveira Vianna, nunca chegaram a escrever em CP, porém veremos o
quanto o pensamento desses autores foram também influência para colaboradores de CP,
colaboradores que não são conhecidos nem entre os Cientistas Sociais de hoje, mas que
reverberaram o pensamento de intelectuais mais influentes, formando, assim, um quadro mais
claro do que os que estavam com o regime - ou nem tão perto dele - pensavam o que deveria
ser o Estado Novo.

Portanto, nestes próximos dois capítulos trataremos de empreender a análise e exposição de


artigos, que em seu conjunto, acreditamos, formem as razões do Estado Novo sob o ponto de
vista de CP revista oficial do regime e apontam para uma gama de ideias de pensadores uns de
grande expressão e outros de nem tanta, mas que buscaram influir na vida política brasileira..

A título de introdução o artigo Evolução da política republicana de Azevedo Amaral,


publicado em maio de 1941 no terceiro número de CP, traça um breve resumo de algumas
questões já levantadas e, sobretudo abrange temáticas comuns a outros colaboradores da
revista.

O texto de Amaral concentra-se na questão da ideia de República no Brasil durante o período


do império e sobremaneira quando da crise do império e nas primeiras décadas da República,
culminando enfim em 1930 e no seu desfecho final, que para o autor e outros colaboradores de
CP foi 1937.

Amaral apresenta como a primeira ideia relevante de república no Brasil, existente ainda no
império, uma república que estaria sob a perspectiva de uma política aristocrática, ―Em outras
palavras, elabora-se na classe superior do período colonial uma ideia republicana, plasmada

91
segundo linhas de uma organização aristocrática‖ (CP, – maio de 1941 – ano I número 3, pág.
155).

Para o autor, o republicanismo que desponta entre os membros da inconfidência mineira já


vem impregnado de ideias advindas de fora do país, assim ―O que se poderia chamar de
autêntica tradição republicana do Brasil era anterior e nada tinha em comum com o
pensamento promanado das influências que se originaram nas ideias de Rousseau e nas
tendências enciclopedismo francês.‖ (Idem. Págs. 155 e 156).

Ainda analisando o período colonial e a dicotomia entre o pensamento político oriundo das
condições efetivamente existentes no Brasil e outro calcado no pensamento político europeu, e
que era na visão de Amaral inadaptável, o autor esboçará o que entende como o pilar de uma
república efetivamente construída a partir de nossa realidade:

―...à solução do problema político, que se iria apresentar aos construtores da nacionalidade
independente‖, seria, o republicanismo colonial de perspectiva aristocrática que se plasmou a
partir do que o autor denominava de ―representantes do feudalismo agrário‖ com
―...características inconfundíveis de uma creação autêntica das forças plasmadoras da
nacionalidade e era, portanto, uma corrente mais instintiva que ideológica, integrada e
profundamente enraizada na realidade nacional‖. (Idem. Págs. 155 e 156).

Avançando no texto de Amaral iremos chegar a 1891 quando da elaboração da primeira


Constituição da República, aonde duas correntes irão se deparar: uma representada por Rui
Barbosa e a outra por Júlio de Castilhos. Fruto da observação objetiva da realidade brasileira,
do entendimento dos verdadeiros problemas do país, Castilhos não encontrou eco junto à

92
sociedade, pelo menos na medida certa para dar outro encaminhamento aos trabalhos da
constituinte que não fosse o que a conjuntura nacional comportava.

―O Brasil de 1891, conservando os últimos vestígios das taras coimbrescas e nutrido


espiritualmente apenas pela cultura superficial, que o beleletrismo e o arcaísmo filosófico e
jurídico ainda mal abalado pelos golpes de Tobias Barreto haviam entretido durante o Império,
não se achava preparado para plasmar as suas novas instituições nas linhas que lhe teriam sido
dadas, se a Júlio de Castilhos houvesse cabido a direção do trabalho de elaboração
constitucional‖. (Idem. Pág. 166).

Quanto o grau de informação do povo brasileiro em relação à República quando de sua


proclamação, Amaral relembra a frase de Aristides da Silveira Lobo, que no século XX
inspirou o título de livro de José Murilo de Carvalho Os bestializados. O povo que ―assistiu
bestializado‖ a proclamação da República escreve Amaral, ressaltando que ―O regime
democrático foi instituído entre nós sem que o povo tivesse compartilhado ou pelo menos se
interessado pela grande metamorfose política que se operava‖ (Idem. Pág. 163)

Amaral reserva elogios aos positivistas, sobretudo os militares, inspirados por Benjamin
Constant, que na época exercia função de docente nas escolas militares. Para o autor as ideias
autoritárias advindas dos positivistas foram as responsáveis pela boa ordem política
estabelecida nos primeiros anos da República, mas que após a transmissão de poder aos
presidentes civis as ―forças de ação centrifuga‖ começariam o processo de afrouxamento da
unidade nacional.

Ao prosseguir com a análise acerca da vida política da Primeira República o autor anota a

93
dificuldade de se manter a unidade política da Nação, vê que há eficiência na política dos
governadores adotada por Campos Sales, que consistia na formação de um ―bloco dos chefes
das unidades federativas‖ em troca de apoio ao seu governo. Porém observa que ―Com a
política dos governadores Campos Sales estabeleceu um sistema verdadeiramente absoluto
dos situacionistas estaduais, que eram as expressões das oligarquias dominadoras nas antigas
províncias‖ (Idem. Pág. 169).

Para Amaral o apoio que daria estabilidade e poder ao Presidente, também fortaleceria os
―sátrapas‖ (chefes políticos locais), estratégia que deu a Campos Sales a possibilidade de
manter sua política financeira, mas não daria um efetivo fortalecimento ao poder central.

Ao fim de seu artigo expõe que a crise que se apresentava as vésperas da revolução de 30 não
era advinda da incorreta aplicação da Constituição de 1891, tratava-se de uma falha estrutural
―daquela organização constitucional‖ (Idem. Pág. 171).

Com a chegada da Revolução de 30, Azevedo Amaral observa que se estabeleceu uma
confusão ideológica oriunda da gama de apoios que formaram os que empreenderam aquele
movimento. Só com a intervenção de Vargas ―Personificando os sentimentos, as aspirações e a
vontade do Brasil....‖ promovendo mais adiante uma nova configuração para o Estado
Nacional com a Constituição de 1937 seria dado o norte correto a Revolução. (Idem. Pág.
172).

Os ―sentimentos, as aspirações e a vontade do Brasil‖ seriam o mote para a ação política.


Construções ideológicas calcadas em filosofias estrangeiras, mesmo que constituíssem belos
edifícios teóricos não seriam eficazes se não tivessem ressonância em nossa realidade. Eis um

94
caro princípio que circula entre autores contemporâneos a Amaral e que encontravam eco na
visão do então Presidente da República.

Duas entrevistas concedidas por Vargas, provavelmente em data próxima30 a publicação de


artigo Almir de Andrade publicado em agosto de 1941 por CP, são a base pela qual o editor da
revista reproduzirá o pensamento político do presidente no tocante a cultura e sua interação
com a política e a ação do homem. No artigo o autor reflete tanto sobre política interna quanto
aos valores que irão basear a política externa brasileira.

Andrade tece a comparação entre a filosofia que embasa a ação sem o entendimento prévio do
que chama de realidade e ação que é formada a partir dos problemas dos homens reais e suas
relações com as coisas.

Condena o autor a ideia como ―força inspiradora das ações humanas‖, pois nascem de
concepções que buscam moldar as relações humanas de fora das sociedades no interior dos
―gabinetes dos pensadores‖ sem que a realidade interna a elas fosse considerada. Assim ―A
ideia do direito divino dos reis creou o absolutismo nas grandes monarquias do Renascimento
na Europa; a ideia dos privilégios de casta creou a concentração da riqueza agrária nas mãos
dos grandes senhores feudais da Idade Média; ideia do contrato social como origem do poder
político e da liberdade como estado natural do homem, forjada no espírito de Jean Jacques

30
Vargas concede entrevistas a dois jornais argentinos em junho daquele ano versando, sobretudo a
respeito da política externa brasileira na segunda guerra mundial. Carlos Guilherme Mota em Viagem Incompleta
– A grande Transação observa que: ―No início dos anos 40, Vargas definiu-se como aliado dos EUA. Nas
conferências de Lima e do Panamá ainda defendeu os princípios de solidariedade continental sem fazer menção
aos EUA. Mas, em 1941, a mudança de posição já era explícita: o presidente brasileiro concedeu uma série de
entrevistas aos jornais argentinos La Prensa e La Nación, salientando a política de cooperação da América, nas
quais já estavam envolvidos países como os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil.‖ (Mota. 2000. Pág. 301).

95
Rousseau, inspirou a revolução liberal-democrática do século XIX.‖ (CP, – agosto de 1941 –
ano I número 6, pág. 160).

Para Andrade só a experiência é capaz de dar subsídios para a ação humana na política e mais
do que isso na organização da cultura enquanto forma de organização das sociedades. A
cultura, observa, ―...começa hoje a ser construída como tudo o que a natureza faz brotar sobre
a terra: de baixo para cima, da prática para a doutrina, da ação para a ideia‖. (Idem. Pág. 161).

Portanto não é da doutrina liberal, fonte de inspiração da República Velha, que irão brotar as
políticas do Estado Novo. É da prática, da realidade do que efetivamente necessita o homem
brasileiro que o Estado irá guiar-se. Citando Vargas em umas de suas entrevistas ao La Prensa,
aponta Andrade: ―As doutrinas e as ideologias valem pelos elementos de progresso que
proporcionam aos povos. O mais é verbalismo oco. (Idem. Pág. 167).

Especificamente o diretor de CP entende o realismo como determinante nas ações internas e


externas ao regime. Assim, também, o relacionamento com as outras nações não se fará de
acordo com a ideologia pela qual os Estados estrangeiros se regem, mas, sobretudo pela
importância real, prática que o intercâmbio comercial e político podem trazer de positivo ao
Brasil.

Andrade cita novamente a entrevista de Vargas em La Prensa onde o Presidente esclarecia


pontos da política externa nacional: ―o que parece divergência ideológica e doutrina no regime
brasileiro, em relação aos demais Estados da América, é somente a afirmação de nossas
peculiaridades históricas‖ (Entrevista em La Nación – citada por Andrade em CP, – agosto de
1941 – ano I número 6, pág. 171)

96
Lembremos que o mundo estava em plena Segunda Guerra Mundial e que a política externa
de Vargas foi marcada durante alguns anos pela aproximação com o governo alemão e o certo
trunfo que o Brasil procurou formar em relação aos EUA no que se refere a um apoio
incondicional aos norte-americanos. Política externa que buscava ser independente e que se
entendia fincada nos interesses reais do país.

A Alemanha - relata Corsi - tratava-se do segundo parceiro comercial do Brasil, fato que
denota a coerência de ideias e ações de Vargas e nos ajuda no entendimento que Andrade
possuía acerca das concepções do Presidente da República.

A decisão de Vargas em bandear-se definitivamente para o lado dos EUA na segunda Guerra
Mundial embasa-se na impossibilidade que se criou depois de determinado período do conflito
em fazer da Alemanha o país que seria o parceiro no processo de desenvolvimento e
modernização do Brasil.

―A posição brasileira em fins de 1939 e princípios do ano seguinte era vulnerável. A situação
tinha mudado rapidamente. Com a deflagração da guerra em setembro, O Brasil perdeu os
mercados centro-europeus em razão do bloqueio naval inglês do continente europeu. A perda,
sobretudo do mercado alemão atingiu negativamente o comércio exterior brasileiro, pois a
Alemanha era nosso segundo parceiro comercial.
Esse fato não teve apenas consequências econômicas, mas também políticas. O comércio
bilateral com a Alemanha era um fator chave na política externa de Vargas. Com a sua
cessação, Vargas viu seu espaço de manobras reduzir-se significativamente – ou seja, a ―opção
alemã‖ passou a ser mais virtual do que nunca. A dependência em relação aos EUA, nessas

97
circunstâncias, acentuou-se a partir desse momento.‖ (Corsi. 2000. pág. 135).

Voltando a Andrade e cotejando suas afirmações com as colocações de Corsi, o diretor de CP -


sem citar especificamente nenhum país estrangeiro - deixa claro o que - em sua opinião -
embasou a política externa nacional do período, quando afirma: ―...primeiro, a necessidade de
aceitar em sua objetivação e de respeitar em sua soberania o regime político interno de
qualquer nação, quando se trate de conseguir a sua cooperação internacional; segunda, a
inexistência de qualquer compromisso definitivo entre a conduta exterior de um país e as suas
transformações políticas internas. Esta última parte é também preciso frisar‖. (Idem. Pág.
173).

Corroborando esta política pragmática do governo brasileiro da época, Corsi comenta os


decretos leis editados por Vargas em 1938 e que visavam cercear, dentre outras coisas,
atividades culturais e políticas de população estrangeira.

―O funcionamento de partidos estrangeiros em território nacional foi proibido, e foi vetado aos
estrangeiros qualquer atividade política no país. Até mesmo atividades culturais foram
cerceadas e o ensino em escolas estrangeiras foi compulsoriamente nacionalizado. Também
foram introduzidas restrições à imigração, que afetavam em especial os alemães. (Idem. Pág.
95).

A atitude de Vargas visava à segurança da unidade nacional e gerou um incidente diplomático


com a Alemanha, sendo que os embaixadores dos dois países acabaram por se retirar, situação

98
que se manteve até 1939.31

Interessante observar que as relações comerciais com a Alemanha, segundo informa Corsi,
mesmo com o incidente, continuaram a crescer, fato que denota a política pragmática do
governo Vargas.

O realismo reclamado por Vargas e Andrade embasa uma política externa que se mantém
calcada nos interesses do país, assim tanto a sua adoção e manutenção quanto possíveis
alterações de políticas em relação a outros países só se basearam no que de positivo ou
negativo puderam apresentar para o Brasil e o que a conjuntura internacional propiciaria.

Neste exercício de entendimento temos que a política externa brasileira oscila durante a
década de 30 e 40 – especificamente durante o conflito mundial - quando concretamente
conhece alterações em relação aos interesses do Brasil.

O fim das relações comerciais com a Alemanha de Hitler ou o posterior rompimento e


declaração de guerra ao anterior parceiro comercial acontecem após a impossibilidade da
continuação do comércio bilateral entre os dois países, e o fato concreto que é o ataque alemão
a embarcações brasileiras e o comprometimento americano em colaborar financeiramente com
a formação da indústria siderúrgica e com as forças armadas brasileiras.

―No que diz respeito ao Brasil, a ação norte-americana foi abrangente. Concomitantemente às
negociações relativas à questão da siderúrgica, o governo Roosevelt procurou garantir a

31
Informações retiradas de Estado Novo: Política Externa e Projeto Nacional. Francisco Luiz Corsi.

99
cooperação política e militar de Vargas. Este, por sua vez, a condicionava a ajuda econômica e
militar‖. (Corsi. 2000. Pág. 165).

Há então na revista e no próprio Estado Novo - se observado o discurso do Presidente da


República - uma preocupação entre a ação centrada na realidade. Esta preocupação estende-se
quando a publicação trata do relacionamento entre produção intelectual e artística e a política.

Para melhor entendimento desta construção - cara a colaboradores de CP - observamos que


fazer menção, transcrever trechos ou textos inteiros de discursos de Vargas ou da publicação
Nova Política do Brasil foi - na interpretação desta pesquisa - uma forma da revista buscar
sintonia com regime, além de constituir um dos papeis de CP que era a propaganda do regime
e da figura do Presidente.

Assim, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras - literalmente transcrito por
CP - a perspectiva de Vargas acerca da cultura e suas relações com a política ficam mais
claras.

Getúlio inicia o discurso fazendo um breve histórico do que na sua concepção foi a primeira
configuração da Academia no fim do século XIX, observando que naquele período a gestão
das coisas do Estado e a política andavam separadas dos homens de letras: ―Naquele remanso
do fim do século, passadas e esquecidas as agitações que auspiciaram o advento da República,
políticos e administradores caminhavam de um lado e intelectuais do outro, ocupando
margens opostas na torrente da vida social‖.(CP, – fevereiro de 1944 – ano IV número 37, pág.
8).

100
Segue seu discurso comentando a personalidade de Tomás Antônio Gonzaga – patrono da
Cadeira 37 a que Vargas tomaria posse – separando-o do poeta lírico e afirmando que esta
faceta não se coadunava com a do militante da Inconfidência Mineira, afirmando: ―O
verdadeiro patrono da Cadeira 37 não é, a rigor, o lírico de ―Marília de Dirceu‖ assim a
cadeira 37 é para Vargas uma homenagem ―...à memória do poeta que se ligou a uma nobre
causa e por ela padeceu o degredo e a morte expatriada‖ (Idem. Pág. 10).

No discurso o que Vargas deixa transparecer - e ao transcrevê-lo CP busca mostrar ao leitor - é


a cultura, a produção literária e intelectual como justaposta a ação política e a atuação social.

Noutro trecho em que a obra e a vida de Alcântara Machado – outro ocupante da Cadeira 37 -
são relembradas, reforça-se a inter-relação entre produção intelectual, política e ação social.

―Homem do seu tempo, apercebido das realidades atuais, compreensivo e plástico na atuação
social, admirava os antepassados, celebrava-lhes os feitos e sentia-se perante eles herdeiro
responsável das suas qualidades e virtudes‖.(Idem. Pág. 12).

Sobre o livro Vida e Morte do Bandeirante Vargas comenta: ―Ali estavam associados,
inseparáveis, os dois elementos conformadores da personalidade de Alcântara Machado: - o
amor à terra e o culto dos antepassados.‖ (Idem. Pág. 12).

Na fala do Presidente algumas questões que perpassam a linha editorial da revista ficam
latentes. A produção literária e o pensamento ligado as coisas do Brasil que aparecem em
outros autores de CP são levantados apontando a produção intelectual vinculada à ação social
e política como as formas válidas de se fazer literatura ou de produção intelectual.

101
A concepção de Vargas sobre a obra e pensamento de Alcântara Machado é concluída nos
dando um resumo de parte da perspectiva de CP quanto a questão da ação política: ―O sentido
de solidariedade humana era nele tão forte como a vontade de realizar‖ (Idem. Pág. 19).

O ―sentimento de solidariedade humana‖ mencionado por Vargas é parte da construção do


pensamento político de autores daquele período. Aparece de formas diversas, censurando
formas de organizar a sociedade que desprezam ou que têm como consequência - na visão
desses autores - a infelicidade do homem.

Esta preocupação para com o homem interliga-se na visão de alguns autores ao combate a
ideias vinculadas a formação de outros regimes políticos, entendendo-os como incapazes de
realizar o homem em suas potencialidades.

Paulo Augusto de Figueiredo - ao expor os princípios que regem três perspectivas político
ideológicas - esclarece a sua concepção acerca da questão e vislumbra em outro ordenamento
político a solução para este dilema a que o homem do seu tempo estava mergulhado.

Para Figueiredo o liberalismo deixa o homem a mercê da economia e da submissão à


exploração do homem pelo homem, no comunismo o Estado é elevado à categoria de medida
de tudo, enquanto no fascismo e no nazismo ―O centripetismo político humano é substituído
por um centripetismo político estatal ou racial.‖ (CP, – agosto de 1943 – ano III número 34,
pág. 26).

O trabalho é na concepção de Figueiredo a força motriz da valorização do homem e crê que no

102
Estado Nacional ela foi posta em pratica dentro de uma visão cristã como organizadora da
sociedade e norteadora da política. ―A vida é trabalho‖ observa o autor ―E desse modo, pondo
em seu diploma político fundamental32 a afirmação de que o trabalho é um dever social, o
Estado Nacional manifesta a sua formação cristã‖. (Idem. Pág. 29).

Temos entre o último trecho do discurso de Vargas e as citações que fizemos do autor não uma
concordância plena - posto que Vargas nem a Constituição de 37 possuíam uma visão cristã
que desse a estrutura de suas ações e artigos – mas o fato é que Figueiredo via - na estrutura
constitucional do Estado Novo - refletida sua visão cristã do trabalho como fator principal de
valorização do homem e os artigos da Constituição que tratam do trabalho deram-lhe margem
para tanto.

A política feita tendo como base o pensamento alienígena é a negação do que os autores de CP
entendem ser o necessário ao ordenamento político do Brasil. É o motor da República
proclamada sem que o povo pudesse entendê-la e processo que move também a República
Velha e sua ordem ao desencontro com as necessidades e realidade nacional.

Opondo-se a isso é que a perspectiva de cultura dos autores e a que desponta nos discursos de
Vargas - reproduzidos e comentados pela revista em conjunto com as ações relatadas nas
matérias que tratam da política externa do Estado Novo, este sim exemplo de ação calcada na
realidade e nas necessidades do país – despontam como forma ideal de se conceber a cultura e
a ação política.

32
Figueiredo refere-se à Constituição de 1937 em seus artigos que se dedicam ao trabalho: – art. 57 no que
tange a representação corporativa no Parlamento nacional e artigos 136, 137, 138, 139, 140 e 150 que tratam dos
direitos trabalhistas, da organização do trabalho e da organização dos sindicatos e cooperativas.

103
Os autores procuravam demonstrar que o país possui em suas raízes culturais elementos
necessários a constituição de um ordenamento político capaz de solucionar nossos problemas.

Azevedo Amaral faz um histórico da constituição da república brasileira e quando comenta a


participação de Rui Barbosa e Júlio de Castilhos demonstra duas concepções que se formaram
efetivamente enquanto pólos distintos de ideal republicano.

Vimos no primeiro capítulo que Castilhos foi - na opinião de alguns autores - influência na
própria carreira política de Vargas. Portanto Amaral demonstra com seu artigo não só sua
perspectiva acerca da política, mas precisão de análise ao mencionar Júlio de Castilhos e ainda
a influência do positivismo no pensamento político que daria margens a construção da
República brasileira nos pontos que ela possui de mais interessante na visão dos autores
autoritários.

Já Figueiredo além da crítica ao pensamento alienígena apresentou outra das características de


autores que colaboraram em CP que é a de além da crítica apontar para o que seria o ideal de
organização social e política. Condena o pensamento e as concepções alienígenas de
organização da vida do homem para em seguida propor ou ver na ação do Estado Novo
elementos capazes de promover a realização do homem.

3.2 - Políticos e políticas no Pré 30 e 37

Se a Revolução de 30 e o Golpe que deu origem ao Estado Novo são marcos na política
brasileira os são em maior medida na visão dos que apoiaram os dois movimentos e em

104
especial aos partidários das políticas do regime implantado por Vargas em 37.

Característico desta perspectiva o artigo Esboço da história política do Brasil até 1930 de
Albertino G. Moreira traça de maneira breve o histórico do que, para o autor, seriam fatores
que contribuíram para ordem política nacional da colônia até o fim da Primeira República.

O autor traça sua análise partindo do princípio de que a colonização caracterizou-se a partir de
certo período – já no limiar e início da Independência do país - por uma tendência a dispersão
no que tange ao mando, sendo que o ―...predomínio social e político transitou da mão do
senhor de terra, homens rudes de nenhumas letras, para o comerciante ou bacharel da cidade,
homens hábeis e de muitas letras‖. (CP, – maio de 1941 – ano I número 6, pág. 34).

Caracterizando o modo de agir destes dois grupos vê que a política é de ―visão curta e
localista‖ quando vinculada ao senhor de terras e mais ―alargada‖ quando tende a influência
dos ―homens das cidades‖. (Idem, pág. 35).

Prosseguindo em sua caracterização de elementos que configuraram a política brasileira até o


final da Primeira República afirma que quando do reinado de D. Pedro II mesmo estando ―O
Centro, muito distante embora, fazia-se presente na mais longínqua região ou lugarejo. O
imperador, fora e acima dos partidos, primeiro magistrado da Nação, centralizava o poder e o
exercia moderadamente‖. (Idem. Pág. 36).

Assim a Corte ―...era o ponto central de convergência e irradiação...‖ e para Moreira é na


centralização exercida pelo Imperador que o país ―...adquiriu a fisionomia de Nação e de povo
juridicamente organizado...‖ (Idem. Pág. 36).

105
Os ideais liberais advindos da experiência de outros países e instalados indiscriminadamente
na Primeira República são - para o autor - causa da perda do sentido de unidade que a figura
centralizadora do Imperador estabelecia.

Entende que se por algum tempo o ―liberismo‖ deu margem para que países da ―velha
Europa‖ pudessem se desvencilhar das políticas opressoras de suas nobrezas e obtivessem
progresso econômico, político e social, mesmo naqueles países esta política estava superada
passando somente a abrir ―...caminho para o imperialismo das grandes nações, dando-lhes o
domínio sobre o resto do Mundo‖. (Idem. Pág. 38).

Moreira observa que a aplicação dos cânones do liberalismo ao caso brasileiro – após 40 anos
da primeira Constituição da República - só implicava na submissão dos mais fracos aos mais
fortes contribuindo ainda para um triste panorama de desarticulação da economia, da justiça e
uma estrutura fiscal que impedia a circulação das riquezas.

Caracteriza o autor a elite política que se forma no Brasil do período como ―...bronca,
ignorante, pretensiosa e vazia, atida a preconceitos tolos de grandeza e superioridade, embuida
de frases feitas e lugares comuns, repetindo de cór afirmações sem base na realidade‖. (Idem.
Pág. 40).

Em suma, a opinião de Moreira acerca do período fica bem delineada em duas de suas frases:
a primeira se apresenta como diagnóstico e a outra como remédio para os males do
liberalismo.

106
―O Brasil-Nação estava ausente de todos os lugares‖ e, por conseguinte prescreveria: ―A
Nação Brasileira estava à procura de seu chefe‖ (Idem. Págs. 38 e 39) e como corolário diria:
―Somente uma Revolução podia salvar o Brasil‖ (Idem. Pág. 42).

No esteio desta busca de uma configuração do Brasil anterior ao primeiro período Vargas,
Ulisses Ramalhete Maia no artigo A Situação Atual do Estado Brasileiro, com o sugestivo
subtítulo Vantagens da Constituição de 1937 em relação às anteriores, observa que: ―De fato,
a primeira Constituição Brasileira, promulgada em 1824, pelo Imperador Pedro Primeiro,
estava, no seu todo, impregnada de ideias estrangeiras, assinaladas pelos legisladores de sua
época, cuja legislação dificilmente podia se ambientar no meio nacional por inadaptável,
retardamento, por isso, o nosso desenvolvimento econômico e social‖ (CP, – março de 1941 –
ano I número 1, págs. 76 e 77).

A crítica de Ramalhete às Constituições brasileiras seguintes, a de 1891 e 1934 são


semelhantes, sendo que ao referir-se a 1934, citará Azevedo Amaral para caracterizá-la: ―é um
verdadeiro pandemônio de ideias, com uma sequência interminável de artigos desconexos sem
expressão legislativa e que trazem no fundo as mesmas anomalias das anteriores, com forte
dose de ideias estrangeiras, assimiladas pelos constituintes, que muito se descuidaram com
essa grande irregularidade ao redigir os últimos artigos de seu entrecho‖ (CP, – março de 1941
– ano I número 1, pág. 77).

Mais adiante, acerca dos legisladores eleitos para a Constituinte de 1933, Ramalhete irá
discorrer acerca do perfil que caracterizava o político que o Estado Novo rechaçaria e as ações
destes políticos especificamente na Constituinte: ―Mas os dirigentes desses partidos, de ante-
mão organizados, descuidaram-se, mais uma vez, dos seus deveres cívicos e patrióticos para

107
com o Brasil, consentindo e permitindo nas eleições o predomínio do interesse político de seus
chefes que se sobrepunham a coletividade, com manifesto e grande prejuízo para a nossa
nacionalidade.‖ (CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 78).

É interessante que seja aberto um parênteses quanto as reformas eleitorais procedidas por
Vargas antes do Estado Novo e o quanto estas reformas institucionais não deram conta – se
percebidas pela ótica dos autores pesquisados – de alterar o espírito da representação política
brasileira, ou seja, apesar de alterarem a forma de se proceder as eleições do ponto de vista
institucional e legal não mudaram a forma de agir do político brasileiro.

Fazendo uso de autor de fora do escopo dos autoritários e de CP, especificamente sobre o
sistema eleitoral de então, Vitor Nunes Leal aponta que: ―Tendo erigido a moralização do
nosso sistema representativo em um de seus máximos ideais, a revolução vitoriosa de 3 de
outubro procurou cumprir a promessa com o código eleitoral, aprovado pelo decreto nº
21.076, de 24 de fevereiro de 1932, que instituiu o voto feminino, baixou a 18 anos o limite de
idade para ser eleitor e deu segurança efetiva ao sigilo do sufrágio. Sua principal inovação
consistiu em confiar o alistamento, a apuração dos votos e o reconhecimento e proclamação
dos eleitos à justiça eleitoral.‖ (Leal. 1949. págs. 230 e 231).

Quanto ao fim da era das eleições a bico de pena o autor observa: ―A despeito dos excessos e
defraudações que podem ter ocorrido neste ou naquele lugar, os depoimentos mais númerosos
são favoráveis à experiência das leis eleitorais de 32 e 35. Bastariam que tivessem vedado o
reconhecimento às próprias câmaras pára que cessassem as mais graves acusações pelo
falseamento da nossa representação eleitoral. Situações estaduais chegaram a ser derrotadas e
uma númerosa bancada de oposição, avolumada mais tarde pela disputa da sucessão

108
presidencial, teve assento na Câmara Federal‖. (idem. Pág.234).

Se a estrutura institucional no que tange ao controle das votações havia evoluído a cultura
política dos que compunham os partidos políticos e, por conseguinte o legislativo não havia
sofrido alteração no entender dos que apoiariam o Estado Novo.

Sobre partidos políticos e o legislativo no Brasil até 1937, dois autores contribuem para o
entendimento da relação entre estas organizações e a política nacional e mesmo na postura que
o próprio regime terá em relação aos partidos e ao legislativo.

Colocados lado a lado os títulos dos artigos constituem uma espécie de slogan da forma que
hegemonicamente os que tratam do tema em CP o enquadram33: A dissolução dos partidos
políticos brasileiros de Odorico Costa34 e As dissoluções do Parlamento Brasileiro de Oto
Prazeres35 - contribuem para o entendimento da certeza que os autores carregavam acerca da
fragilidade moral e política de partidos e legislativo.

Constituíam - na visão representada por Costa - os partidos do Império a República


instituições possuidoras do condão de permanecer à margem da construção do país.

33
O conceito de enquadramento é discutido por Mauro Porto em Muito Além da Informação - mídia,
cidadania e o dilema democrático – Comunicação & Informação São Paulo em PERSPECTIVA Revista da
Fundação SEADE. volume 12/nº 4/out-dez/1988 pág. 17.
34
Na época da publicação do artigo era Diretor da Imprensa Oficial do Estado de Goiás.
35
Quando da publicação do artigo em questão Oto Prazeres era Secretário da Comissão de Estudos dos
Negócios Estaduais do Ministério da Agricultura. Ocupou interinamente – de 17 de maio de 1935 a 15 de junho
de 1936 – a Secretaria da Presidência da República (Casa Civil) do Governo Vargas.

109
No artigo o autor comenta que - já no Brasil Império - apesar deles - Partido Liberal e Partido
Conservador - o país não naufragou, mesmo que os políticos que formavam estes partidos
estivessem preocupados basicamente com os benefícios que o poder poderia lhes conferir.

―Liberais e conservadores, ninguém vacila em acreditar, não defendiam programa algum de


governo. Nem sequer apresentavam uma forma espetacular de dissensão, uma divergência nos
modos de querer construir a grandeza e a prosperidade do Brasil. O seu objetivo era utilitário e
prático: a posse do poder‖ (CP, – março de 1943 – ano III número 34, pág. 171)

Não fugiam a regra, os partidos políticos que vieram com a República. E para embasar sua
opinião, Costa lança mão de análise articulada por Vargas sobre os partidos e os políticos que
os compunham na República Velha.

Eram - na opinião do Presidente – nada mais do que ―Chefes de governos locais, capitaneando
desassossegos e oportunismos, transformaram-se, de um dia para outro, à revelia da vontade
popular, em centros de decisão política, cada qual decretando uma candidatura, como se a vida
do país, na sua significação coletiva, fosse simplesmente convencionalismo, destinado a
legitimar as ambições do caudilhismo provinciano‖ (Idem. Pág. 173).

Para o autor os partidos ―não correspondiam às realidades palpitantes da vida nacional‖,


portanto a dissolução dos partidos políticos em 10 de novembro 1937 libertou o país ―...do
gangsterismo eleitoral e libertou-se de influências negativas que o anemiavam‖ (CP. Págs. 174
e 175).

O artigo de Oto Prazeres demonstra que duas das perspectivas acerca da cultura política do

110
país convergem: a do artigo de Costa e a de Oliveira Vianna, comentada ainda no primeiro
capítulo desta pesquisa, ambas apontando para um país que não poderia seguir gerido tendo o
poder legislativo tão forte a ponto de obstaculizar o executivo.

Prazeres, na mesma via de raciocínio de Vianna aponta: ―A verdade é que não podíamos ter,
nem pelas nossas condições espirituais, pela nossa educação política (seria melhor, talvez,
escrever ausência...), nem pelas condições materiais, um regime parlamentar‖. (Idem. Pág.
200).

O texto de Prazeres refaz a trajetória do legislativo no Brasil e observa que desde o primeiro
esboço deste poder – com o Parlamento do Reino Unido de Brasil e Portugal - a dissolução já
ocorria. Impedidos em sua maioria de representar o Brasil nas cortes de Lisboa, informa o
autor que apenas 13 dos 71 deputados brasileiros ―juraram e assinaram a Constituição
portuguesa de 23 de setembro de 1822 promulgada pelas duas cortes‖. (Idem. Pág. 208).

O autor segue narrando um contínuo histórico de dissoluções de parlamentos que vão desde o
Império até a última de suas dissoluções em 1889 quando da Proclamação da República.
Destaca duas dissoluções da década de trinta, a que se deu quando da revolução de 1930 e a de
1937, ambas caracterizando-se por não só dissolver o legislativo federal mas qualquer
representação legislativa no Brasil.

Em trecho do artigo 178 da constituição de 1937, transcrito pelo autor fica clara a extensão do
texto constitucional no tocante a estrutura de poder estabelecida quando cotejado com o Artigo
180 que dirá que enquanto o Parlamento não fosse reunido o Presidente da República poderia
legislar através de decretos leis sobre todas as ―matérias de competência legislativa da União‖

111
―Art. 178. São dissolvidas nesta data a Câmara dos Deputados, O Senado Federal, as
Assembléias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais. As eleições ao Parlamento
nacional serão marcadas pelo Presidente da República, depois de realizado o plebiscito a que
se refere o art. 187.‖ (Constituição de 1937)

Posto o artigo 178 lado a lado com o art. 187 que estabelecia que a Constituição fosse
submetida a plebiscito nacional regulado por decreto de Vargas e sabendo-se que plebiscito e
eleições por consequência e por coerência e conveniência do regime também não se
realizaram, temos aqui uma amostra da concentração de poder que se deu no Estado Novo.

Partindo-se destes artigos que trataram de partidos políticos, do parlamento no Brasil e da


própria visão de que os partidários do regime e autores do pensamento autoritário vistos nesta
pesquisa fica melhor delineado o panorama descrito pela revista que compreende como
nefasta a figura do político tradicional tal qual se apresentou no Império e na República Velha
e que iriam dar tom da política nacional até que fossem temporariamente sufocados em 1930 e
em maior medida durante o regime de 1937.

Passada em revista a incapacidade do político brasileiro característico, CP trata de demonstrar


que o poder será mais bem exercido quando tratado de forma técnica pelo Estado e tendo a sua
testa um governante que tenha a sensibilidade de apreender o que estes autores chamam de a
realidade do Brasil.

Quanto a esta sensibilidade Almir de Andrade assim a descreve quando da sua definição do
conceito de democracia que o Estado Novo construía em oposição à democracia instituída

112
pelo liberalismo: ―Mas o que a experiência de 150 anos de liberalismo político nos mostrou
foi que a democracia não se realiza apenas através de princípios, de ideais cristalizados em
leis e em regimes políticos: ela se realiza, sobretudo e antes de tudo através dos homens que
detêm as chaves do poder‖ (CP, – outubro de 1943 – ano III número 34, pág. 30).

A política bem feita - a que não esta reduzida a belos discursos, boas teorias e a uma prática
sofrível - têm como prática antagônica aquela que é realizada quando os que estão a testa do
poder possuem uma cultura política semelhante a dos que a fizeram naqueles ―150 anos‖.

Amaral procura não o parlamento cheio de belos discursos e leis e instituições que
correspondam a estes discursos impregnados de princípios, ele crê na sensibilidade do político
capaz de fazer o bom uso do poder. E aí é que as características pessoais do político irão
imprimir o tom da política.

Portanto a característica pessoal do político será destacada na revista como elemento


fundamental na organização política do país, tanto na crítica do período anterior a Vargas
quanto para o elogio ao regime de 37 e seu condutor.

Continuando a análise da política brasileira e em especial na relação entre executivo e


parlamento no Brasil, Ulisses Ramalhete Maia36 aponta para o que seria a estratégia para
obtenção dos objetivos do Estado Novo, seu perfil e alguns dos fundamentos a que Vargas se
baseou para dar suporte às suas políticas.

36
À época era Inspetor Chefe do Ensino Secundário, Profissional e técnico no Estado do Espírito Santo.

113
Quanto aos partidos políticos: ―Foram, assim, dissolvidos todos os partidos que se
organizaram depois da Revolução de 1930, bem como os Congressos Federal e Estaduais,
continuando o Presidente Getúlio Vargas, normalmente, o Trabalho de reconstituição dos
princípios vitais de nossa nacionalidade com a implantação do Estado Forte no Brasil.‖ (CP, –
março de 1941 – ano I número 1, pág. 79).

Assumindo o caráter autoritário do regime o autor aponta para as diferenciações, que se fazem
necessárias para o entendimento do Estado Novo. Afirma que ―...na sua contextura formal, o
Estado atual do Brasil seja autoritário, nada deixa a transparecer com a ideologia totalitária de
certos governos autocratas da Europa, continuando o Brasil a sua marcha governamental
enquadrado nos postulados da república democrática implantada antes com a queda do
Império, com as sucessivas modificações que naturalmente foram impostas pelas Cartas
Constitucionais.‖ (CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 79).

Odorico Costa na sua referência aos maus políticos que participaram da Constituinte de 1933,
já havia esboçado algumas características que para ele compunham o caráter daqueles.

Ainda no primeiro número de CP, Silvio Peixoto37 em Experiência das sucessões


presidenciais no Brasil, observa que a política nacional no tocante as sucessões presidenciais
não dava margem para que o país conhece-se uma administração continuada. Assim os
conflitos políticos perdiam-se não em disputas de projetos plausíveis de serem implantados,
mas em arengas intermináveis que causavam instabilidade política e descontinuidade
administrativa.

37
Escritor, jornalista e historiador publicou: No Tempo de Floriano (Rio 1940); História da Fortaleza de
Santa Cruz (Biblioteca Militar, Rio, 1941) e Aspectos Históricos do Estado Novo (Rio, 1940).

114
Sobre a questão Peixoto afirma que aquelas disputas eleitorais eram ―Tempo roubado à
administração do país ao seu desenvolvimento ao seu progresso porquanto apenas no
problema da sucessão se concentrava a atenção dos responsáveis pelos destinos do Brasil.‖
(CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 95).

Quanto àquela cultura política, a trajetória que compreende a crise que o país conheceu antes
da Revolução de 30, a conjuntura política da época no que tange tanto às oligarquias e as
forças contrárias à política da Velha República, estas são apresentadas por Azevedo Amaral
em A Revolução Brasileira, artigo publicado em maio de 1941.

Amaral ressalta que as transformações por que passavam o país, com o avanço da
industrialização e a consequente formação de um operariado urbano chocavam-se com a
perspectiva escravagista das oligarquias que se revezavam no poder: ―Patenteando uma
incompreensão surpreendente, não somente do que se passava em torno deles, como do que se
apresentava no clima mundial, os oligarcas da velha República obstinavam-se em ver nos
novos problemas econômicos e sociais simples casos de polícia, que poderiam ser
solucionados pelos processos truculentos do mandonismo ainda infiltrado das reminiscências
da escravidão. (CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 139).

A princípio estavam colocadas duas opções no entender do autor frente à conjuntura que se
configurava cada vez mais aguda. A primeira seria novos rearranjos mantendo-se as velhas
oligarquias, porém como observa ―A contemporização entre o regime oligárquico as
expressões cada vez mais acentuadas do descontentamento popular estava a esgotar os seus
recursos de protelação da crise‖. A outra solução seria a insurreição que seria efetivada com

115
um conjunto de forças diverso e sem um claro ordenamento ideológico, assim ―...a insurreição
de Outubro continha elementos pouco auspiciosos no tocante à probabilidades de serem
evitadas as temíveis manifestações da anarquia e da dissolução‖. (Idem. Págs. 138 e 139).

Surge então um elemento capaz de dar andamento às forças que se insurgiam e que
provocaram ―...grave complicação da crise revolucionária‖, apontando para as soluções que a
profunda crise do país demandava. Este elemento aglutinador e capaz de dar o devido
encaminhamento a revolução ―...foi a personalidade do Presidente Getúlio Vargas‖, sendo que
o movimento de 1937 estabelecera a ―ordem.... definitiva‖. (Idem. Págs. 140 e 141).

A república Velha na perspectiva dos autores era basicamente formada por uma cultura
política avessa a preocupações que estivessem ligadas a construção nacional. Políticos e os
seus partidos políticos constituíram-se como possuidores de fragilidade moral e com
―objetivos utilitários‖, portanto incapazes de se desvincularem da busca de benefícios
pessoais.

A premência de se ter um Estado forte e um governo centralizador - tal qual o que despontou
em 1930 solidificando-se com o Estado Novo - estaria ligada de certa maneira ao passado em
que a figura D. Pedro II fazia-se presente mesmo que distante geograficamente de muitas
regiões do país.

A figura de Vargas e o processo que se iniciou em 30 culminando com o Estado Novo foram
então portadores das qualidades necessárias a reversão da prática política que compunha o
cenário nacional.

116
O Estado Nacional forte e centralizado no poder executivo dariam objetividade a ação
política, pois renegavam o modo de fazer política mesquinho das oligarquias, centradas
basicamente em interesses inerentes a seus negócios, rechaçando ainda políticos mais
preocupados com a política enquanto modo de vida e tida como uma sequência de eleições,
uma após a outra e que deixavam a margem da política a resolução dos problemas do país.

3.3 - Falta de coesão da sociedade e a unidade do país.

Na seção Textos e documentos históricos de CP, Vicente Licínio Cardoso38 teve parte de seu
pensamento condensado no artigo A Primeira República, vista por Vicente Licínio Cardoso,
texto que corrobora o que vimos também em Oliveira Vianna no que tange a pouca formação
do povo brasileiro para lidar com aspectos inerentes as instituições da democracia
representativa, sendo que Cardoso irá vincular esta falta de formação à dispersão social da
população.

Sobre a Primeira República afirma tratar-se de ―Um ambiente social sem coesão, constituído
de forças sem componentes definidas, um mundo social em formação, em suma: um cáos de

38
“Vicente Licínio Cardoso nasceu no Rio de Janeiro, em 1890. Engenheiro civil, diplomado pela Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, foi também sociólogo e professor universitário. Em 1924, foi lançada À margem
da história da República, que teve em Vicente Licínio Cardoso seu organizador e prefaciador. Obra coletiva - que
contou com a colaboração, entre outros, de nomes como Oliveira Viana e Gilberto Amado -, À margem da
história da República alcançaria grande repercussão por tratar, de forma objetiva, as principais questões
enfrentadas pelo país na década de 20. Além dessa obra, também foram publicadas, de sua autoria, Arquitetura
norte- (1916), A filosofia da arte (1918), Pensamentos brasileiros, Vultos e ideias (1924), À margem da história
do Brasil e, postumamente, Maracãs (1934).Faleceu no Rio de Janeiro, em 1931‖. Extraído do site CPDOC -
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/vicente_licinio_cardoso

117
insuficiências acionado por um complexo veemente de componentes flácidas, sem resultante
categórica final‖, para mais adiante complementar seu pensamento com dados da época acerca
da escolaridade da população brasileira no sentido de reforçar sua opinião de que a população
não estaria preparada para lidar com as reflexões necessárias as escolhas inerentes a
representação política característica da democracia de sufrágio universal: ―...a carência de
instrução e de educação das massas populares, documentada nêsse teor de 75% de analfabetos
de letras e de ofícios sobre o montante total da população do país (descontados os menores de
7 anos)....‖ seria para o autor dado suficiente para inviabilizar a democracia representativa
.(CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 192 e 193).

Cardoso ainda irá observar a existência de um divórcio entre opinião pública e os negócios
públicos, que além do fato do despreparo da população também esta baseada no perfil do
político profissional - ―politiqueiros profissionais‖ - e na ausência de verdadeiros estadistas.

Morto em 1931, a análise de Cardoso tem pontos de encontro com o pensamento político
autoritário de seu tempo e o que iria se desenvolver nos anos posteriores, sendo que o autor
clama pelo verdadeiro estadista que provavelmente veria no Vargas de 1937.

Promovendo aqui um diálogo fictício entre Cardoso e Azevedo Amaral, temos na seção O
Pensamento Político do Chefe de Governo, uma análise de Amaral do texto de autoria de
Vargas em A Nova Política do Brasil, que comenta o caráter mutável das coisas, referindo-se
ao regime democrático e em especial a questão da liberdade e autoridade. Análise que se
enquadra como resposta às questões levantadas por Cardoso.

Buscando interpretar as palavras de Vargas, Amaral afirma que as escolhas dos eleitores na

118
decadente democracia representativa liberal, não passa de uma escolha inútil que em última
instancia irá levar a testa do controle do Estado os poderosos economicamente. ―Divididos em
liberais e conservadores, radicais e moderados, republicanos e monárquicos, os eleitores
ingênuos marcham para as urnas, seguindo cada legião a flâmula partidária a que juraram
fidelidade, mas cobertos todos pela bandeira única, que é o estandarte dos poderosos e
invisíveis diretores de cena da comédia liberal democrática‖ (CP, – março de 1941 – ano I
número 1, pág. 164).

A democracia de 37, segundo Vargas em A Nova Política do Brasil e na interpretação de


Amaral, com seus partidos políticos e seu conceito de sufrágio universal como forma de
representação popular, seriam variações e representações de um mesmo poder dissolvendo-se
em uma representação difusa que se interpõe ao Chefe da Nação e o povo.

Aqui a questão das instituições políticas e sua eficácia é um elemento importante na reflexão
do pensamento político da época, refletindo-se assim em CP. O que transparece novamente é
a incapacidade do sistema político da democracia liberal, implantado em 1889 com a
República, de dar conta dos problemas que afligiam o país e em especial da unidade política
do Brasil.

1930 tira de cena a democracia posterior ao período monárquico, porém 1937 será a tentativa
de uma nova fase na Republica Brasileira. Aqui a necessidade de novas instituições aflora e é
no corporativismo a ser implantado pelo estadista Getúlio Vargas que Amaral entenderá o
conceito de democracia do Estado Novo.

―A democracia nova será a democracia das corporações. A identificação de um regime

119
autenticamente democrático, com a organização corporativa da economia e com a investidura
do poder político nos sindicatos, é uma questão fundamental‖. (CP, – março de 1941 – ano I
número 1, pág. 169).

Observando outro aspecto que contribuía para falta de coesão da sociedade e unidade do
Brasil, a constituição geográfica do país e as formas de povoamento do território são o mote
de que se serve Nelson Werneck Sodré39 em sua análise acerca da questão.

Em O Problema da Unidade Nacional, o autor traça um perfil da estruturação do povoamento


do país constituído paralelamente às atividades econômicas desenvolvidas.

O que chama de ―..movimentação de fronteira econômica devia atravessar, sem dúvida, todos
os estágios contraditórios, a fase linear da lavoura da cana-de-açúcar, colocada em pontos
afastados da costa, - a fase de profundidade da penetração pastoril, dispersa nos currais do
interior nordestino e em busca do vale do S. Francisco, - a fase complexa das bandeiras, mais
sólida quando vinculada ao ouro de mina, - a fase curiosa e importante da lavoura cafeeira e a
fase fugaz e vertiginosa da borracha‖. (CP, – agosto de 1941 – ano I número 6, pág. 117).

A dispersão com que esta ocupação foi se realizando segundo Sodré impossibilitou uma
unificação que permitisse que a economia se interligasse em seus pólos de desenvolvimento. A
outra característica referida por Sodré é que ―... a movimentação de fronteira econômica e a

39
―Nélson Werneck Sodré nasceu no Rio de Janeiro em 1911. ―Sua originalidade foi ter unido a carreira
militar, na qual chegou a general-de-brigada, à formação como sociólogo e historiador de orientação marxista.
Nas décadas de 50 e 60, o autor compartilhou das teses nacionalistas defendidas pelo Instituto Superior de
Estudos Brasileiros, cujo departamento de história chefiou‖. Parte de biografia que consta do site
http://pt.shvoong.com/books/biography/1660731-n%C3%A9lson-werneck-sodr%C3%A9-vida-obra/

120
constante oscilação do centro de gravidade nacional, só definitivamente posto com o ―rush‖
cafeeiro pelo vale do Mogi Guassú, estabeleciam uma formal contradição, no nosso caso, com
a tendência tão lucidamente realizada por Hamilton, na configuração dos Estados Unidos‖.
(Idem. Pág. 119).

O que Sodré observa ao citar Hamilton é o fato de ao contrário do que aconteceu com a
economia e geografia dos Estados Unidos da América do Norte não houve no Brasil uma
―...comunhão de interesses, desdobrada na creação de um grande mercado interno...‖ (Idem.
Pág. 119).

Na análise procedida pelo autor desponta o fato de que esta desarticulação de interesses
econômicos e políticos fizeram do Brasil um país incapaz até o momento de gerar uma riqueza
considerável e de formar uma ―... organização industrial poderosa e larga, capaz de construir e
ajudar a construir os meios materiais que permitem a atividade circulatória‖ (Idem. Pág. 119).

A rarefeita integração a que Sodré se refere no Brasil será revertida pela política adotada pelo
Estado Novo.

Sem se referir ao governo de 37 em nenhum momento de seu texto o autor irá concluir que o
eixo político a que o país agora se submetia seria e estava já sendo capaz de uma ―...afirmação
e de projeção, sobre o todo nacional, com novas possibilidades de agir e de imantar‖. (Idem.
Pág. 120).

Este Estado em construção teria para os colaboradores de CP de ser, também, mais do que um
conjunto de instituições regulando a vida econômica do país, estava em jogo, pelo menos é o

121
que alguns de seus partidários deixavam transparecer, o aparecimento de um homem novo que
surgiria com o Estado Novo.

Voltando a Paulo Augusto de Figueiredo este aponta em O Estado Novo e o Homem Novo que
a civilização moderna havia se preocupado, até então, com o desenvolvimento da máquina não
demonstrando a preocupação em entender o espírito humano. ― Nos alicerces da civilização
moderna há quase que só abstrações. Falta sangue ao mundo contemporâneo – ao mundo
liberal e capitalista, formalista e oco, materialista, sem rumos e sem fins‖. (CP, – março de
1941 – ano I número 1, pág. 133).

Para Figueiredo, enquanto a economia crescia; ―as coisas‖ cresciam, não havia o
correspondente crescimento do homem, e pelo contrário havia a ―diminuição do homem‖.
(Idem – fl. 135).

Entende Figueiredo que da crise viria a oportunidade de um novo homem surgir. O Estado
Novo e Vargas seriam os condutores desta transformação, capazes de - buscando nas raízes do
país e ―na alma nacional‖ - erigir a criação do Homem Novo.

―Os fins do Estado Novo são fins de humanização. O atual regime político do Brasil busca a
humanização do Estado. O Estado Brasileiro existe para o homem - objeto último de suas
cogitações. Ele é um meio de organização nacional, é a expressão jurídica e política de um
povo que, finalmente, se encontrou a si próprio‖. (Idem – fl. 135).

Um país com representação política difusa baseada em eleitores sem ainda a devida formação
e sem a coesão necessária para lidar com o processo eleitoral, em conjunto com uma formação

122
econômica que não promovia a articulação da economia e da política, clamava por um Estado
que desse conta de lidar com estas questões revertendo-as, promovendo além disso - agora
utilizando-se do pensamento de Paulo Augusto de Figueiredo - a humanização da política.

O Estado Novo é na aproximação das abordagens destes autores, cada um deles abordando
aspectos complementares do que pode vir a ser uma ação possível do Estado, a configuração
capaz de efetivar a coesão da sociedade, proporcionando ainda a humanização a que
Figueiredo se refere.

E o Estado Novo teve efetivamente a pretensão de ser abrangente ao ponto de dar o


direcionamento em variados aspectos da vida nacional.

Figueiredo via esta capacidade quando se referia à formação do homem novo dentro do
Estado Novo e Werneck percebia naquele regime a capacidade de solucionar as questões
econômicas que dificultavam a unificação da economia nacional e as limitavam a pólos de
produção dispersos.

123
CAPÍTULO 4 - A Constituição de 1937

Marco do Estado Novo e tendo como um dos seus principais articuladores Francisco Campos
– Ministro da Justiça de Getúlio Vargas – A Constituição do regime de 37, mereceu por parte
de CP preocupação especifica de seus colaboradores que trataram de analisá-la a luz da
perspectiva do pensamento político autoritário e da crítica ao ordenamento político anterior ao
Estado Novo.

Em sua nota introdutória a matéria publicada na seção A Estrutura Jurídico - Política do


Brasil, CP comenta que ―A Constituição de 10 de novembro de 1937 caracteriza-se por dois
traços fundamentais: seu sadio realismo, adaptado às realidades e tradições brasileiras e seu
espírito avançado e integrado nas grandes correntes da evolução política do mundo moderno‖.
Sobre o artigo de Aloísio Maria Teixeira40 – A Constituição de 10 de Novembro de 1937 –
Comentários ao Artigo 1º - Cultura Política entende que Teixeira ―Firma a importante
distinção entre ―governo forte‖ e ―ditadura‖ – sendo o primeiro uma defesa da democracia e a
segunda um mal resultante de seu desvirtuamento.

Concluí afirmando que ―os grandes problemas políticos de hoje são demasiado técnicos e
econômicos para serem confiados às grandes assembléias populares, exigindo, antes, a
unidade de direção de um chefe de estado esclarecido, - tal como estabeleceu a Constituição
Brasileira de 1937.‖ (CP, – março de 1941 – ano I número 1, págs. 176 e 177).

40
Aloísio Maria Teixeira foi juiz de direito e quando da elaboração do artigo em questão atuava na 3ª Vara
Cível da Justiça do então Distrito Federal. Foi autor de livros acerca da teoria do direito e sobre a constituição de
1937. Informações contidas na Revista Cultura Política – março de 1941 – ano I número 1, pág. 176.

124
Além das questões tratadas por CP acerca do artigo, Teixeira aponta para um componente
comum ao pensamento dos intelectuais autoritários: a falta de capacidade das massas para
participarem das grandes decisões técnicas que agora a política passava a demandar aliada aos
interesses partidários - alheios aos problemas do país - que os embates partidários pré-
eleitorais apresentavam na época.

Assim, ―Os eleitores, que eram chamados para escolher os dirigentes da Nação, passavam a
maior parte do tempo alheios às questões de política, de administração e de governo. Quando
mobilizados para as campanhas eleitorais, todos os problemas se apresentavam de uma só vez
à sua atenção, quase todos complexos e a maior parte deles ininteligíveis à massa que não se
encontrava preparada para a compreensão segura dos seus termos mais simples.
Além disso, a apresentação dos problemas se fazia, nas campanhas eleitorais, do ponto de
vista da propaganda, deformadas as questões pelos interesses partidários em jogo. Como, no
meio da confusão e do rumor de uma campanha, querer que a massa pudesse fazer um juízo
mais ou menos seguro sobre questões remotas, sem ligação com a sua vida habitual e, por
conseguinte, impossíveis de se clarearem pela atenção ordinária que o homem comum
costuma dedicar aos assuntos do dia? (CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 185 e
187)41.

Teixeira concorda com Francisco Campos, que já havia comentado a questão no capítulo
Diretriz do Estado Nacional de O Estado Nacional denominando-a de “Mito do Sufrágio

41
O trecho citado acima posto como de autoria de Teixeira é literalmente o mesmo contido no capítulo
Diretrizes do Estado Nacional da obra de Francisco Campos O Estado Nacional. O capítulo em questão é a
transcrição de uma entrevista concedida por Campos em novembro de 1937. Não podemos precisar se houve
falha na revista quando da edição do texto ou erro formatação de texto quando da citação do texto do Ministro da
Justiça de Vargas.

125
Universal”.

No texto de Campos às massas devem ser reservadas as questões mais ligadas ao seu dia a dia,
assim o sufrágio universal deveria e foi com a Constituição de 1937 circunscrito a política do
município. As decisões dos Estados e da Federação passam a ser assunto das Assembléias
Estaduais e Colégio Eleitoral respectivamente.

Veremos à frente que esta configuração de representação política foi efetivamente


transformada em artigos na Constituição de 37, porém ficaram circunscritas somente ao texto
da Constituição não postos em prática na organização da representação política.

Trata-se de organização institucional e uma prática de representação política que ficaria


centralizada na Presidência da República, sendo moldada de acordo com as necessidades e
interesses do regime.

Oscar Tenório42 em A Constituição de 10 de novembro de 1937 e o Parlamento, afirma que os


legislativos, não só no Brasil, mas enquanto fenômeno internacional, se por um lado geravam
―... a debilidade do poder executivo; notou-se, de outro a incapacidade do Parlamento para
realizar o seu papel primordial de elaborar leis.‖ (CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág.
181).

Preocupado com a questão da liberdade individual o liberalismo, fonte de inspiração das

42
Oscar Tenório, quando da publicação deste artigo, era juiz de direito na 12ª Vara Cível da Justiça do
Distrito federal. Foi professor catedrático, Diretor da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, Docente da
Universidade do Brasil e professor de História do Colégio Pedro II. Biografia extraída da introdução do artigo em
questão publicado em (CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág. 180 e 181).

126
políticas anteriores a 1930 e que sobreviveram na elaboração da Constituição de 34, não dava
conta de cuidar da questão da felicidade humana. Os parlamentos além desta questão
configuravam-se como parlamentos políticos deixando para segundo plano a função técnica de
elaboração de leis.

Analisando a Constituição de 1934, observa que ―A representação profissional tornou-se


satélite de grupos políticos‖ (idem pág. 185).

O autor referia-se ao parlamento brasileiro criado após a Constituição de 1934 que criou uma
representação na Câmara de Deputados que mesclava os representantes eleitos pelo sufrágio
universal e outros oriundos de categorias profissionais que mesmo fazendo parte do ideário
político de alguns intelectuais do pensamento autoritário teria sido cooptada pelos grupos
políticos a que se refere o autor.

Quanto ao Senado Federal, ressalta Tenório ―..passou à condição jamais esclarecida, de


coordenador dos poderes federais entre si, de mantenedor da continuidade administrativa, de
colaborador na feitura de leis, cabendo-lhe também velar pela constituição (art. 88 –
Constituição de 1934)‖. (Idem, pág. 185).

Como ideal de Parlamento Tenório aponta o legislativo criado a partir da Constituição de


1937. O autor ressalta o caráter técnico do parlamento assegurado na nova formulação que
restabelece o sistema bicameral composto pela Câmara dos Deputados e o Conselho Federal,
este último tido ―...como elemento de ponderação e de caráter conservador, compõe-se de
representantes dos Estados e dez membros nomeados pelo Presidente da República‖. (Idem,
pág. 187).

127
A Constituição de 37 não estabelece a representação corporativa do Parlamento em pé de
igualdade com deputados e membros do Conselho Federal. Institui uma formatação que a
princípio contrariaria a lógica de criação de uma ordem legal no Estado Novo no que se refere
a uma representação política que incrementasse o corporativismo. No entanto a Constituição
cria o Conselho da Economia Nacional que ―...compõe-se de representantes dos vários ramos
da produção nacional designados, dentre pessoas qualificadas pela sua competência especial,
pelas associações profissionais ou sindicatos reconhecidos pela lei, garantida a igualdade de
representação entre empregadores e empregados‖.(parte do 1º parágrafo do Artigo 57 da
Constituição de 37)43

Observa ainda a Constituição de 1937 que a escolha dos representantes das associações e dos
sindicatos será feita por órgãos colegiados e que caberá a Presidência do Conselho a um
Ministro de Estado indicado pelo Presidente da República.44 Quanto à representação política
no que tange a prática legislativa não seria incumbência do Conselho.

Em sintonia com o que trazia o texto constitucional, comenta Vicente de Faria Coelho 45 em A
organização corporativa brasileira que ―Nas democracias, porém, o sistema corporativo
manifestar-se-á pela formação de conselhos técnicos, que natural e evidentemente
representarão as forças vitais da nação em seu concurso eficiente, como órgãos auxiliares do
Estado‖. (CP, – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 167).

43
Artigo 57 a 63 da Constituição de 1937 apontam as funções e a maneira pela qual o Conselho seria
formado. .
44
Extraído do conteúdo dos Artigos 58 e 59 da Constituição Federal de 1937.
45
O autor na época da publicação do artigo - conforme informação de CP - era Juiz na Justiça do Distrito
Federal.

128
Buscando a própria opinião de Vargas acerca da representação corporativa temos – segundo
CP afirma ser a perspectiva do Presidente sobre a questão – uma combinação de representação
popular fincada na organização dos trabalhadores sob a batuta do Estado, posto que uma vez
inseridos na estrutura do Estado o seu papel na gestão da sociedade e do Estado estaria
consolidado.

Assim, CP46 em coluna denominada O Pensamento do Presidente47, reproduz o teor do


discurso proferido por Vargas no Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda de São
Paulo – DEIP, proferido para estudantes e jornalistas:

―Outrora, as bases do regime repousavam na representação política, subordinada aos


interesses partidários e eleitorais de que era originária: hoje firmam-se nas atividades sociais e
econômicas, com a colaboração efetiva das classes produtoras nos negócios públicos‖. (CP, –
fevereiro de 1944 – ano IV número 37, pág. 24).

Segundo aponta Ângela Maria de Castro Gomes o corporativismo e a ideia da representação


política feita pela via das organizações profissionais sejam de patrões ou empregados surge no
Brasil tendo - além de seu conteúdo político ideológico que apontava para um ―...dos pontos
chave para a discussão de um novo tipo de projeto político....‖, o intuito de ―...romper com o
domínio das bancadas dos maiores estados da federação‖ (Gomes. 1980; págs. 430 e 433)

46
Não há citação de quem teria sido o autor da matéria em questão.
47
Esta seção que iria aparecer depois da reestruturação pela qual passou a formatação da revista depois do
número 19, trata-se de uma reminiscência da antiga O Pensamento Político do Chefe de Estado.

129
No que tange ao combate as bancadas dos grandes estados, o objetivo da representação
classista seria a escolha de representantes que dariam a política equilíbrio, enfraqueceriam os
antigos grupos que ocupavam o cenário político e proporcionariam ao governo a capacidade
de ter sustentabilidade política no legislativo, além de, como também aponta Gomes,
transformar os trabalhadores de ―elementos hostis‖ em elementos integrados a política, mas
sob égide do regime. (idem. Pág. 431)

A representação de classes no Brasil só foi efetiva nos trabalhos de elaboração da Constituição


de 1934. Fora isso tanto a constituição de 34 quanto a de 37 não efetivaram a representação de
classes enquanto possuidoras de efetivo poder na composição do legislativo.

Na prática a representação política no Brasil foi arquitetada no sentido de garantir a


centralidade do Executivo Federal, sendo que somente o legislativo municipal iria ser eleito
pelo sufrágio popular, ficando o legislativo estadual e federal por conta do sufrágio indireto.

Quanto ao Parlamento Federal a Constituição atribui ao Presidente da República, a


prerrogativa de ―adiar, prorrogar e convocar o Parlamento‖.48

Sobre a constituição do poder e da representação política no Brasil, Almir de Andrade em


editorial de CP em julho de 1941, comenta alguns pontos que em sua visão são fundamentais
na Constituição de 1937.

Andrade traça um breve histórico do poder no Brasil e aponta que o poder moderador

48
Constituição Federal de 1937 art. 75 item e.

130
existente no Império - constitucionalmente exercido pelo Imperador - ao ser retirado no início
da República do cenário político nacional, dado o preconceito advindo das ideias de
Montesquieu, fez com que no Brasil e em países que buscaram adotar a separação e a
independência de poderes fosse conhecido um enfraquecimento do Poder Executivo.

Entendendo que ―A unidade do poder impõe-se como único meio eficaz de levar a cabo
qualquer plano de ação coletiva‖ Andrade vê na ―supremacia do Poder Executivo‖ -
estabelecida com a Constituição de 37 - a forma que o país concebeu para a unidade política
necessária para esta ação. (CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 6).

O autor entende que o federalismo é mantido, mas agora estruturado em um ―federalismo


centralizado‖. Quanto ao individuo, este deixa de estar sob a perspectiva idealista do
liberalismo democrático - em que só conhecia a igualdade formal - e passa a conhecer uma
igualdade de fato guiada pela ―única fonte legítima de produção de riqueza material e de
riqueza intelectual: o trabalho‖. (Idem. Págs. 7 e 8).

Convergindo com o realismo reivindicado por intelectuais do pensamento político autoritário


Eleutério de Oliveira afirma que as normas jurídicas de um país necessitam se adaptar aos
tempos modernos. Assim, as constituições de linha mestra do ordenamento político das nações
tem de ―...constituir-se organismo não só político como também econômico‖. (CP, – julho de
1941 – ano I número 5, pág. 181).

Elucidando sua análise acerca da dicotomia entre sociedade e as constituições que foram
elaboradas em desacordo com a sociedade brasileira, observa: ―Quando as instituições
políticas estão em desacordo com o meio em que foram estabelecidas, porque foram criadas

131
artificialmente, ou porque, com a evolução deste meio, se tornaram extemporâneas, o Estado
deixa de atingir a sua finalidade, tornando-se elemento de desagregação, que alcança as suas
próprias instituições, de todo o complexo de forças que constituem a nacionalidade
autônoma‖. (Idem. Pág. 182).

Dentro da perspectiva do autor, eis então a razão de se ter rasgado a Constituição de 1934
estabelecendo-se o Estado Novo com a Constituição de 1937.

Quanto a Constituição de 1934, que precede o movimento encabeçado por Vargas, o autor
observa o caráter ―apressado‖ da constitucionalização do país que ainda sofreu a influência de
―ambições subalternas‖ que objetivavam não desejos coletivos, mas ―vantagens individuais‖
(Idem. Pág. 190).

O Estado e suas instituições não estavam dando conta das necessidades da sociedade. A
Constituição de 1891 oriunda de uma perspectiva ―alienígena‖ - como, aliás, todas as outras
até 1937, na visão dos partidários do regime - havia caducado sem ao menos ter algum dia
sido espelho das reais necessidades da nação e nem tampouco acompanhado as
transformações advindas da modernização do mundo.

Dentro deste escopo, ao analisar ―o erro dos constitucionalistas brasileiros‖, conclui ―...que a
adoção de constituições alienígenas, sem que fossem adaptadas ao nosso meio, como cumpria,
determinou a falta de diretrizes nacionais no desenvolvimento da nacionalidade e uma
seqüência de erros, que retardou o nosso progresso, ameaçando mesmo estiolar todas as fontes
de vitalidade do país‖. (Idem. Pág. 184)

132
Temos então - na visão representada pelo autor - que a constituição de Novembro de 1937, irá
adequar a organização constitucional do país a sua realidade. Há no raciocínio uma
funcionalidade no texto constitucional que deixa para trás os empecilhos à organização e ao
funcionamento da economia e da sociedade brasileira que as outras constituições – elaboradas
a partir de ideias alienígenas – não possuíam.

A Constituição de 10 de novembro de 1937 reflete Monte Arrais49, dentre outras


transformações, coloca o poder dentro de outra perspectiva. A divisão dos poderes de maneira
harmônica, na formação em que Montesquieu apresentava é – repetindo a crítica de Arrais e
apresentando a solução dada no texto constitucional de 37 - definitivamente alterada. Institui a
Constituição do Estado Novo ―a supremacia e independência do executivo‖, assumindo o
papel de coordenador do legislativo e do judiciário. (CP, – setembro de 1943 – ano III número
32, pág. 13).

A ideia da centralização - que em nenhum momento do texto é chamada de autoritária, mas


funcional no que tange a gestão dos problemas da sociedade a serem tratados pelo Estado - é
reforçada pela reformulação que a nova Constituição daria a intervenção do Executivo Federal
nos Estados da federação. De exceção que era na Constituição de 1891, passa a ser regra,
obrigação do Executivo Federal, quando um dos membros da federação descumprisse os
preceitos constitucionais.

49
Jornalista nascido no Ceará em 1882. Advogado, deputado federal (1935 a 1937) , fundou e dirigiu o
Jornal do Comércio de Fortaleza e foi proprietário do jornal A Razão. Membro da Aliança Liberal. Dentre outras
atividades em agosto de 1941, participou da fundação, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, do matutino A
Manhã, criado para atuar como porta-voz do Estado Novo. Foi também chefe da censura do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP). Faleceu no dia 3 de outubro de 1965 no Rio de Janeiro. Baseada na Biografia que
consta do site do CPDOC http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx

133
Discorrerá a Constituição de 1937 em seu artigo 9º os casos em que será empreendida a
intervenção e a quem compete decretar a intervenção: o Presidente da República na maioria
dos casos e em alguns a Câmara dos Deputados. Sendo o interventor sempre nomeado pelo
Presidente da República que - segundo Arrais - irá empreender uma ―função reparadora‖
colocando o Estado nos trilhos da constituição e sob a ―predominância da União‖, tal qual o
espírito da Constituição de 1937. (Idem. Págs. 20 e 22).

Em outro artigo – homônimo ao capítulo da Constituição de 37 - Da Defesa do Estado, Arrais


transcreve parte dos artigos 166 a 173 que compõem o texto constitucional e que versam sobre
o tema: estado de emergência e estado de guerra.

Antes de ser mero verbete acerca do tema, nele o autor demonstra - com o seu enquadramento
- a amplitude dada ao poder Executivo Federal e o nenhum freio que - na prática - era imposto
ao Presidente da República.

Reproduzindo - tal qual Arrais o fez - os artigos do texto Constitucional de 1937 temos:

―Art. 166 – Em caso de ameaça externa ou iminência de perturbações internas ou existências


de concerto, plano ou conspiração, tendente a perturbar a paz pública ou pôr em perigo a
estrutura das instituições, a segurança do Estado ou dos cidadãos, poderá o Presidente da
república declarar em todo o território do País, ou na porção território particularmente
ameaçado, o estado de emergência.
Desde que se torne necessário o emprego das forças armadas para a defesa do Estado, o
Presidente da República declarará em todo o território nacional ou em parte dele, o estado de
guerra.

134
Parágrafo único – Para nenhum desses atos será necessário o emprego das forças armadas para
a defesa do Estado, o Presidente da República declarará em todo território nacional ou em
parte dele, o estado de guerra. ‖(Constituição de 1937)

O estado de emergência observa Arrais, seguindo o que aponta a constituição, dá ao presidente


poderes que - segundo o que delimita o artigo 168 - o autorizam a: ― a) detenção em edifício
ou local não destinados a réus de crime comum; desterro para outros pontos do território
nacional ou residência forçada em determinadas localidades do mesmo território, com
privação da liberdade de ir e vir;
b) censura da correspondência e de todas as comunicações orais e escritas;
c) suspensão da liberdade de reunião;
d) busca e apreensão em domicílio.‖

O estado de guerra, segundo a constituição, quando agravada a ameaça interna ou externa dá


ao Presidente o poder de suspender a constituição em todo território nacional ou em parte dele
– art. 171 - e agir segundo a sua consciência na defesa do Estado. Poderá também o
Presidente, segundo o Art. 169, suspender a imunidade e proceder a detenção do parlamentar
―...que se haja envolvido no concerto, plano ou conspiração contra as instituições, e segurança
do Estado ou dos cidadãos‖, mediante autorização da Câmara ou Conselho Federal. Porém
caso haja demora ou recusa a solicitação do Presidente o Parágrafo 1º do Art. 169 garante ao
Chefe do Executivo a prerrogativa.

A decretação do estado de emergência ou o de guerra ocorrerá, portanto ―... como móvel de


salvação da coletividade, das instituições ou do Estado‖. (CP, – novembro de 1943 – ano III
número 34, pág. 83).

135
Comum as constituições - observando-se as especificidades de cada país e com nomenclaturas
que podem divergir dependendo do caso - a garantia de que o governante possa declarar
estado de emergência ou de guerra teve no Brasil daquele regime a característica do poder
exacerbado. Esta condição fica clara no artigo também transcrito por Arrais:

―Art. 167 – Cessados os motivos que determinaram a declaração do estado de emergência ou


do estado de guerra, comunicará o Presidente da Republica à Câmara dos Deputados as
medidas tomadas durante o período de vigência de um ou de outro‖

Lembremos que a decretação do estado de emergência ou de guerra era prerrogativa do


Presidente da República. Assim na sequência do Art. 167, agora em seu Parágrafo único, fica
patente o volume de poder concedido ao Presidente durante o Estado Novo:

―A Câmara dos Deputados, se não aprovar as medidas, promoverá a responsabilidade do


Presidente da República, ficando a este salvo o direito de apelar da deliberação da Câmara
para o pronunciamento do País, mediante a dissolução da mesma e a realização de novas
eleições‖. (Constituição de 37)

No que implicava os artigos da constituição elencados por Arrais fica clara a relevância da
centralidade do poder executivo dada pelo autor e a concordância com a inexistência de freios
constitucionais ao Presidente da República exemplificados com a abordagem do autor em sua
análise.

Uma das marcas do regime - o processo de centralização que marcou o Estado Novo- foi

136
relatada em CP por outro artigo de Monte Arrais. O artigo A forma federativa e a Constituição
de 10 de novembro de 1937 levará a publicação do DIP novamente a discorrer sobre o tema,
vinculando-o à nossa formação cultural.

Se a figura dos interventores teve o condão de centralizar a administração e o poder no


Executivo Federal outro tema regulamentado pela Constituição de 37 tratou de por os limites
para os Estados da Federação.

Arrais – remetendo a sua reflexão a questão da história e a cultura como formadora da ordem
política e social das nações – afirma que os Estados brasileiros de maneira diversa dos Estados
que formaram os EUA não nasceram como Estados confederados soberanos. Assim na
formação da federação brasileira, deve-se observar a incoerência de se pensar que os Estados
que a formam possam se arvorar portadores de soberania.

No decorrer de sua reflexão o autor afirma: ―Se, já agora, é a própria opinião norte-americana
que recusa assentimento à decaída idéia da existência de Estados com direitos iguais, ou
superiores aos do poder central, como se explicaria que no Brasil, onde a dualidade do
governo foi um mero acidente histórico, sem raízes no passado, o constituinte aquiescesse em
impô-la como um instrumento categórico? (CP, – outubro de 1943 – ano III número 33, pág.
36).

Comentando a unidade conseguida no país com as políticas e a condução que o Estado Novo
imprimiu a Nação, CP esclarece não só a perspectiva da revista, mas a sintonia entre ela e o
pensamento de Vargas.

137
Afirma na seção O Pensamento do Presidente que: ―Em verdade, nada simbolizou melhor a
reforma operada na vida do Brasil com o advento do regime vigente que a abolição das
insígnias estaduais, engendradas quando a organização política da República, adstrita a mal
concebido federalismo, de ação centrífuga em relação ao poder central, dava a impressão de
que a nossa Pátria caminhava para fragmentar-se, cada parte surgindo com uma autonomia
mais exagerada em relação às outras. Todas elas tinham, então, as suas armas, as suas
bandeiras os seus hinos, e os seus filhos se distinguiam pela sua naturalidade e nem sempre se
confundiam na mesma nacionalidade, pois que as pretensões de hegemonia, de comando, de
superioridade não permitiam se considerassem iguais, em direitos e em obrigações, os
brasileiros de todas as regiões do país.‖ (CP, – fevereiro de 1944 – ano IV número 37, Págs.
27 e 28).

A publicação irá durante suas publicações então demonstrando a formatação a que o Estado
brasileiro iria passar a perceber sob a égide do Estado Novo.

O tratamento dado pelos autores da revista a uma das questões fundamentais que originou o
desfecho político do movimento que culminou com o golpe de 37 e a instauração do Estado
Novo - a redefinição da forma federativa - fica evidenciada em suas características: ela terá
caráter centralizador e autoritário.

4.1 - Formação política do Brasil Novo

A configuração política que se buscava com o Estado Novo não é fenômeno cultural advindo

138
com o regime de 1937 pelo menos na visão da revista Cultura Política. Cassino Ricardo50 em
Estado Novo e o seu sentido bandeirante, busca empreender a genealogia do que chama de
―governo forte e disciplinador‖.

Já vimos análises acerca da falta de uma cultura política na formação da população brasileira
que a possibilitasse a assimilação dos elementos concernentes a democracia ao estilo norte
americano e assim pudesse viver dentro da organização política da democracia representativa
e na convivência com instituições semelhantes as dos EUA.

Há um ponto em comum entre estas perspectivas e a de Cassiano Ricardo. Elas concordam em


que a importação de modelos institucionais estrangeiros a que a nação brasileira deveria se
encaixar, sem o devido cuidado em se observar a nossa cultura, foi expediente ineficaz para a
organização política do país e para a condução do povo rumo ao bem estar.

Ao buscar as origens do ―governo forte e disciplinador‖. Cassiano Ricardo se propõe a


confirmar a seguintes premissas: ― a) que o Estado Novo não é cópia de nenhum figurino
constitucional importado; b) que o Estado Novo é o reencontro do Brasil consigo mesmo‖.
(CP, – março de 1941 – ano I número 1, pág. 111).

Sua hipótese é que a sociedade do litoral com seu latifúndio e a casa grande não criaram um
espírito democrático. A conformação do latifúndio para o autor possuía cunho feudal e a
relação do senhor com os que estavam em sua órbita não comportava relações democráticas,

50
Foi membro da Academia Brasileira de Letras, historiador, ensaísta e poeta autor de Marcha para Oeste:
a Influência da bandeira na formação social e política do Brasil. (Rio, 1940) Baseado em biografia que antecedeu
o artigo citado de CP.

139
nem do ponto de vista político, nem nas relações sociais ou mesmo econômicas.

Para configurar sociologicamente aquela sociedade o autor cita Gilberto Freire: ―com a sua
monocultura absorvente – uma minoria de brancos e brancarrões dominando, patriarcais e
polígamos, do alto das casas grande de pedra e cal, não só os escravos criados aos magotes nas
senzalas como os lavradores de partido, os agregados, moradores de casas de taipa e palha –
vassalos das casas em todo o vigor da expressão‖. (Idem – pág. 111 em citação ao prefácio de
Casa Grande e Senzala).

Citada a organização social analisada por Freire, Cassiano Ricardo ao longo do texto passará a
delinear o caráter democrático das bandeiras, relatando o quanto o chefe das bandeiras era
capaz de extrair de cada etnia – negro, índio, mameluco, branco e etc - o que tinham de
característica mais interessante no sentido de dar sucesso às bandeiras.

Ricardo vê na origem das Bandeiras e em sua organização algo diverso da ordem analisada
por Gilberto Freire no que tange ao caráter democrático das relações entre as etnias que a
compunham.

―A democratização social pela mestiçagem é, pois, o seu nascedouro. Mestiçagem resultante


do conúbio de portugueses com as cunhãs do reino guaianás. Mas não eram só portugueses os
moradores do planalto. Aí vamos encontrar um bom número de flamengos, ingleses, italianos,
franceses e espanhóis não se falando nos da nação hebréa e nos africanos de Angola
importados, em 1590, por Afonso Sardinha.
O que se sabe, além disso, à luz de avultada documentação, é que a policultura e pequena
propriedade marcavam a organização do planalto‖. (Idem, pág. 113).

140
Desprendido do latifúndio e dona de uma democracia étnica superior ao do latifúndio do
litoral, as bandeiras construíram a sua organização em volta do trabalho com uma governança,
que segundo análise do autor, ia além da função fiscal e policial a qual a coroa portuguesa se
restringia.

A organização das bandeiras no que tange a ―governança‖, como observa Cassiano Ricardo,
expandia-se para além da perspectiva da Coroa. A bandeira, afirma o autor, ―Intervinha ela (tal
como hoje em dia se faz) na produção, nas questões da propriedade, na divisão de chãos para
os moradores, na concessão do campo de conselho para a pequena criação de gado em
comum, na exportação de cereais e outros produtos, no preço das mercadorias, nos problemas
de ordem pública e policiamento social, na regulação dos ofícios e nas três principais questões
da época que eram: a das bandeiras, a do caminho do mar e dos jesuítas.‖ (Idem, pág. 115)

Em seu relato o autor relembra que o autogoverno das bandeiras chegou a um grau de
organização tal que não tinha necessidade de se valer da organização política monárquica: ―A
bandeira é a revolução, ao passo que a casa-grande é a força conservadora da colônia, anti-
revolucionária, aliada do poder público. Da casa-grande é que ―saem os barões que seriam o
melhor apoio da corte51‖(Idem, pág. 126).

Era ela – no entender do autor - uma república democrática que encontrava a sua unidade no
condutor da bandeira, no chefe que tratava de unificar vontades dentro das diversidades
étnicas composta de características e interesses inicialmente diversos.

51
Citação do Autor a Gilberto Freire a obra Nordeste, pág. 32.

141
Porém, segundo Ricardo, a condução política do Brasil vai parar nas mãos de lideres ―cheios
de citações de estadistas franceses e ingleses..(...). Começa então a história incrível do nosso
liberalismo. Os sonhadores liberais não se lembraram de que, na ordem de sua complexidade,
foram a família, o clã patriarcal e a bandeira as três unidades básicas de nossa estrutura social
e, portanto, política‖. (Idem, pág. 128).

Conclui - após analisar a estrutura das Bandeiras e sua capacidade de organizar as diversas
esferas da vida dos seus componentes - que o Estado Novo é portador deste espírito
bandeirante, dada a sua capacidade e vontade de buscar nossas raízes culturais, na sua
capacidade de organizar a nação para além da função fiscal e policial e ―na soma de
autoridade conferida ao chefe nacional‖ (Idem, pág. 132).

Na apresentação do segundo número de CP em abril de 1941, Almir de Andrade reforça a


ideia da cultura como base da política. Não há uma análise especifica de um fenômeno
cultural ou de uma organização social específica em seu texto, tal qual encontramos em
Cassiano Ricardo, porém entenderá a cultura como a fonte para o estabelecimento do governo
e de onde será firmado o norte de suas ações. ―Toda política, no verdadeiro sentido da
expressão, nasce do povo. Nasce como expressão de necessidades coletivas que procuram
estabilizar-se num sistema de governo‖. (CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág. 5).

A política para Andrade é esta ação que perpassa setores diversos da organização social,
interagindo com a arte, literatura, economia e sendo a cultura um fenômeno que deve
―integrar-se na vida organizada que a política representa, como cristalização da ordem social‖.
(Idem, pág. 7). Conceito de cultura, arte e literatura que CP procurava recorrentemente

142
esclarecer no decorrer de suas edições. Já vimos no terceiro capítulo um esforço neste sentido
quando a revista faz a reconstituição do discurso de Vargas quando de sua posse na Academia
Brasileira de Letras.

A questão da cultura reaparecerá na interpretação que Rosário Fusco52, na seção O


Pensamento político do Chefe do Governo, quando do elogio que o autor faz ao texto de
Vargas em A Nova Política do Brasil.

Retomando a questão do conceito de cultura voltada à ilustração pura e simples, para


ornamento e vaidade do letrado em oposição à cultura que - em contato com o concreto, com
as coisas do dia a dia da nação - propõe ação.

Com o objetivo de mostrar os pressupostos do conceito de cultura do Estado Novo que Fusco
- partindo de a Nova Política do Brasil - irá apontar os três pilares desta cultura: ―a) o
reconhecimento do tempo; b) a condenação da cultura pela cultura; c) a indicação de um
conceito socializador de cultura‖. (idem, pág. 174).

O reconhecimento do tempo se dá na experiência diária no entendimento do passado na

52
Nascido em São Geraldo, em 19/7/1910. Formado em Direito foi romancista, funcionário federal, dramaturgo,
poeta, jornalista, publicitário, radialista, critico literário, ensaísta, Secretário da Universidade do Distrito Federal e Procurador
do Estado do Rio de Janeiro. Publicou vários livros: em 28, Fruta de Conde (poesia), 1943, O Agressor (reeditado depois, em
68, na Itália pela Editora Mandadori e no Brasil em 76 pela Francisco Alves). 1940, Amiel, (ensaio), O Livro do João
(romance), 44, Anel de Saturno e O Viúvo, em 1949 (teatro), Carta à noiva, 54, (romance), Introdução à Experiência Estética
(ensaio), em 49, Auto da Noiva (farsa), em 61 e Dia do Juízo (romance) também em 1961. Deixou dezenas de
correspondências com expoentes da literatura brasileira, especialmente Mário de Andrade, dezenas de "diários" e dois
romances e um livro de poesia erótica e de viagens. Faleceu em Cataguases em: 17/8/1977. Almir de Andrade relata que
conheceu Mário de Andrade por intermédio de Fusco. Trecho de Biografia extraída do site
http://www.tratosculturais.com.br/zona%20da%20mata/univlercidades/modernismo/Literatura/index.htm

143
formulação das ações que empreenderão o futuro. A cultura dos livros, da arte e a cultura
como forma de construção social são os pressupostos da análise do autor para a construção de
uma socialização brasileira. E finaliza anunciando que ―Estamos lançando as bases de uma
cultura brasileira, isto é, as bases de uma valorização maior de tôdas as atividades do homem
brasileiro de amanhã‖. (Idem, pág. 177)

Nesta formação do novo homem com uma nova visão de cultura, a perspectiva de tutela do
cidadão aparecerá em determinados momentos na revista de forma mais incisiva de maneira a
que no Estado esteja concentrada toda a ideologia que se possa conceber.

Trata-se aqui de característica deste pensamento, o pensamento autoritário que convergindo


em temáticas comuns dará gradações diversas a importância e a extensão do Estado na vida do
homem.

Olavo Ferreira53 afirma que ―Só há uma ideologia – a do Estado, que integra todos os valores
brasileiros, e só há um chefe – o do Governo Nacional‖. (CP, – julho de 1941 – ano I número
5, pág. 130).

A herança da Revolução Francesa e os direitos do homem criaram, segundo o autor, ―...uma


igualdade política‖ que ―...amargurou o homem e tiranizou o cidadão‖ que criou um
arcabouço que apontava para um estado de coisas que encobria um conjunto de disparidades,
uma ―...igualdade de direitos individuais, a real e constrangedora desigualdade de haveres, a
positiva e cruciante dissimilitude de meios de existência‖. (Idem, pág. 127).

53
―Professor da Faculdade de Direito do Ceará‖ extraído de CP julho de 1941 – ano I número 5, pág. 126

144
É, ao contrário, a Constituição de 1937 a cristalização, que para Ferreira, iria com medidas
como a implantação da representação corporativa, criar uma efetiva participação, que dá
soberania ao trabalho, fazendo com que as vontades individuais não se sobreponham ao
coletivo.

O que há de substantivo para o autor é o abandono do individualismo, advindo dos ideais do


liberalismo, a formação de uma cultura que se solidifica com a nova Constituição e que
privilegiava o coletivo do ponto de vista dos direitos e com a representação política pela via
corporativa54.

Quanto ao conceito de democracia que a revista busca construir baseada no pensamento


político autoritário, a frase de Castro Costa55 pode ser considerada o mote da reflexão sobre a
questão: ―Constitue tradicional confusão o conceito de democracia como liberalismo despeado
e incondicional‖ (CP, – setembro de 1943 – ano III número 32, pág. 25).

A base de sua crítica esta fundada na ideia - comum nos autoritários - da necessidade de se
fundar a organização política das sociedades no que elas efetivamente são: ―estudar os
múltiplos fatores de sua existência para por em prática os preceitos de administração que mais
lhe convêm‖.(Idem. Pág. 26).

54
Já vimos que a representação corporativa estabelecida na Constituição de 37 e mencionada pelo autor
não dava as categorias tanto de trabalhadores como de patrões a função de legislar, a eles só se faria a consulta
quanto criação das leis.
55
Nasceu no município de Trindade Estado de Goiás em 1917, formou-se em Direito na década de 40, foi
jornalista, procurador, Secretário da Fazenda, diretor de divisão do DASP e diretor-geral do DIP em Goiás. Foi
deputado estadual pelo PSD na década de 40 e suplente de deputado federal pelo MDB na década de 60. Faleceu
em 1992. (Dados biográficos contidos no site do CPDOC em verbete acerca do autor).

145
Estes elementos que são trazidos agora por Costa já haviam sido analisados percebendo-se que
não só autores como Oliveira Vianna possuem a mesma abordagem, mas outros como Sérgio
Buarque de Holanda convergem para esta mesma perspectiva no tema organização social e
cultura.

Leopoldo Peres56 em Concepção brasileira da democracia se baseia em citação de discurso de


Vargas57 ilustrando o que foi tema para reflexão dos autores mencionados.

Peres buscará formar um conceito de democracia a brasileira advinda do Estado Novo que
possui elementos de caráter econômico, políticos e culturais inerentes a vida e a história
brasileira. Assim entende o autor ao embasar-se nesta citação de Vargas: ―Somos uma
democracia estruturada sobre novas bases, aberta à evolução das forças econômicas,
conciliadora dos princípios de autoridade e liberdade inspirada nas tradições históricas e nos
postulados de um nacionalismo construtivo.‖ (CP, – março de 1944 – ano IV número 38, pág.
19).

Na construção deste ordenamento social que o Estado Novo estava empenhado, tem-se - por
parte dos seus partidários - a preocupação de se dar importância a questão do bem estar do
homem e a dependência que isto tem na relação homem e Estado.

Partidário da crítica ao Estado liberal, Paulo Augusto de Figueiredo afirma ao iniciar Fins

56
Presidente do Conselho Administrativo do Estado do Amazonas.
57
O autor observa que se trata de palavras de Vargas, mas não apresenta referência donde buscou o
referido trecho.

146
humanos e políticos do Estado Brasileiro que ―O melhor Estado é aquele que, por meios
políticos adequados, melhor realiza os seus fins políticos‖. (CP, – agosto de 1941 – ano I
número 6, pág. 121).

O autor além de sua própria perspectiva acerca da questão embasa suas críticas ao liberalismo
e lança sua ode ao Estado intervencionista se valendo de autores como Oliveira Vianna,
Azevedo Amaral, Ronald de Carvalho e Tristão de Athayde58.

Autores que analisaram a política de maneira a construir uma crítica a Velha República e uma
proposta de Estado antiliberal, um Estado que interviesse na gestão da sociedade nos seus
mais diversos setores e com uma visão que reputavam voltada ao homem brasileiro.

Seu texto segue com uma análise do Brasil Império de modo a avaliá-lo de maneira positiva
ao se referir ao poder moderador e a capacidade de unificar a Nação que - segundo Figueiredo
- possuía o Imperador.

Figueiredo ao se debruçar sobre a Primeira República irá elencar como característica do


período a busca de um modelo - por parte dos políticos de então - estrangeiro e desprovido de
elementos capazes de se coadunar com as características do brasileiro.

―Povo de energias complexas o brasileiro; país variadíssimo, o Brasil, em sua composição


física, ética, social, moral e política; o nosso prenhe de diversidades acentuadas; sem unidade

58
É ampla o leque de autores aberto pelo autor, vai de Oliveira Vianna a Tristão de Athayde, este último
segundo Sadek em Machiavel, Machiavéis: A Tragédia Octaviana. Edições Símbolo. S.P. 1978, fez parte da
―reação espiritualista‖ a que fizemos menção no 1º capítulo desta pesquisa.

147
o nosso caráter; regionais as nossas necessidades; típicos os nossos problemas – a democracia
liberal, entre nós, surda às nossas diferenciações étnicas, aos nossos determinismos telúricos,
ás nossas configurações sociais particulares, foi, por tudo isso, uma experiência dolorosa. ―A
democracia – diz Azevedo Amaral – isto é, em última análise, o governo orientado pela média
das tendências que se manifestam na coletividade, é por sua própria definição uma forma de
organização política em que se exige, como base insubstituível, a possibilidade de um
ajustamento de correntes intelectuais e emotivas, de modo a que delas se possa tirar mais ou
menos uma resultante representativa de um psiquismo comum. Esse psiquismo não existe no
Brasil‖ (Figueiredo Idem. Pág. 124 e Azevedo Amaral – O Brasil na Crise Atual – Companhia
Editora Nacional – 1931 – pág. 248).

Para Figueiredo um regime que nascia da abstração e não se preocupava com o homem já que
o caráter do brasileiro com toda sua diversidade ética e cultural não era levado em conta. ―Dai
um Estado fraco, impessoal, sem razões, sem personalidade, sem planos, sem fins‖. (Idem.
Pág. 126).

Portanto o Estado que forma-se com a Velha República é para Figueiredo um Estado sem
direção e incapaz de planejar e assegurar o bem estar dos homens. De acordo com a ideia com
a qual inicia seu texto: incapaz de dar conta daquilo que deveria ser sua razão primordial,
realizar ―seus fins humanos‖.

Da crise do Estado surgem as propostas, as ideologias que na concepção do autor são


igualmente desprovidas - conforme já havia demonstrando em artigo analisado no terceiro
capítulo desta pesquisa - de um conteúdo humanizante.

148
Se no Estado liberal o homem é deixado a sua sorte ―Não se pode conceber a estatização do
homem. O que se deve realizar, e o que estamos fazendo, e a humanização do Estado. Este é
um meio, e sua justificação e o seu fim estão no homem...‖ (Idem. Pág. 129).

Assim de duas outras grandes ideologias políticas que afluem no período e do liberalismo
têm-se segundo o autor que ―No Estado Liberal, no Estado Marxista e no Estado Fascista, o
homem é subjugado, anonimizado, desindividualizado, inhumanizado‖ (Idem. Pág. 128).

Figueiredo demonstra sua preocupação com o homem no tocante ao bem estar existencial.
Observa o fascismo, liberalismo e comunismo e afirma que em todos estes regimes há ―...a
dissociação do homem em categorias sensoriais, políticas, éticas, quando ele é um só, uma
fusão distinta e superior de elementos , de categorias. O homem total nunca foi considerado
em tais regimes‖. (Idem. Pág. 131).

O Estado para Figueiredo constitui-se uma técnica, uma ―unidade política, social,
administrativa e jurídica‖, que deve ser ―...encarado como instrumento de aperfeiçoamento
dos homens...‖ e origina-se de um conjunto de fatores que vão desde a observação ao
entendimento do funcionamento da já citada diversidade étnica e cultural.

Da percepção destes fatores alia-se uma técnica que irá conduzir o homem brasileiro ao
aprimoramento da cultura total, que une ― - o meio físico, o meio técnico, o meio social,
econômico, etc, etc...‖ questões apreendidas por Getúlio Vargas que ao empreender o Estado
Novo ―...compreendeu as solicitações da nossa alma e os imperativos do nosso meio, e foi por
isso que pode disciplinar as nossas forças, harmonizar e hierarquizar os nossos valores,
coordenar os nossos traços essenciais, enfim, revelar a nação e traçar-lhe um destino, que o

149
Estado Novo vai realizando.‖ (Idem. Págs. 132, 134 e 135).

Em texto de outubro de 1942 Figueiredo esmiúça de forma mais precisa uma das
características e possivelmente o ponto central de sua concepção acerca da relação entre
autoridade e liberdade na construção da Nação. Liberdade e autoridade devem ser medidas na
formação do individuo considerando-o como elemento que constitui o povo.

A técnica que o autor se refere quando se reporta ao Estado Novo e a Constituição de 37 deve
estar imbuída de perceber, também, que a ―Liberdade será garantia do quantum de
movimentos livres necessários ao desenvolvimento do homem como individuo; e autoridade o
quantum de força coercitiva indispensável à garantia do desenvolvimento do homem como
povo, isto é, o mínimo de força necessária a assegurar o desenvolvimento de todos os
homens‖ (CP. nº 20; pág. 93)

Condensa-se no pensamento de Figueiredo a negação de outras formas de organização do


Estado, a necessidade de se apreender as necessidades do homem brasileiro e a presença do
líder que soube dar andamento e organizar o Estado de forma a valorizar o homem e construir
a Nação. Sua concepção de Estado em conjunto com a de Cassiano Ricardo, Arrais, Costa e
Fusco apontam novamente para uma política que deve estar calcada no que há de original em
nossa cultura política realçando a figura da liderança sensível a esta questão.

A organização política das bandeiras, a característica de seu líder em conjunto com a


perspectiva de liderança e percepção que aparece em Figueiredo - como qualidades contidas
na figura de Vargas – nos dão bons elementos para configuração de um panorama do que foi
no entender de CP o Estado Novo e seus objetivos quanto a construção da Nação e em

150
especial a relação entre autoridade, povo e sua cultura.

4.2 – DIP, DASP e algumas ações do regime

O objetivo central desta pesquisa é registrar e analisar os itinerários ideológicos pelos quais
passou o Estado Novo, por meio das concepções de intelectuais que colaboraram na revista
Cultura Política em sua maioria intelectuais vinculados ao pensamento autoritário, sem se ater
nas inúmeras ações a que o regime de 37 se propôs e em muitos casos empreendeu como
política de governo.

Algumas exceções serão feitas. A primeira delas será em relação ao Departamento


Administrativo do Serviço Público - DASP, dada a sua função de instrumento que deu ao
regime e ao país - quando se sua criação - melhores instrumentos para as necessárias inserções
do Estado na sociedade e economia. É a profissionalização e o aperfeiçoamento técnico da
administração do Estado condição básica para os empreendimentos do Estado na esfera civil 59.

CP irá dedicar espaço em suas edições para cuidar da questão. O primeiro artigo de autoria de
Aristeu Aquiles60 trata da administração pública brasileira, sua história até a revolução de 30
culminando com a criação do DASP em 1937 quando da Constituição de novembro que
instaurou o Estado Novo.

59
O DASP é criado a partir da Constituição de 1937 que também, instituiria o instrumento fundamental
para o caráter impessoal e técnico da administração pública ―a primeira investidura nos cargos de carreira far-se-á
mediante concurso de provas ou de títulos:‖ Art. 156 item b
60
Aristeu Aquiles foi jornalista e Chefe do Serviço de Documentação do DASP e autor de Revolução da
Burocracia, obra que trata de analisar a organização do DASP.

151
Quanto ao período imperial Aquiles relata que ―Os cargos públicos estavam à mercê da
constante flutuação política do poder, ora nas mãos de um, ora nas mãos de outro dos dois
grandes partidos então existentes – liberal e conservador, a semelhança de um ―spoils system‖.
Substituído o Ministério, substituído era também o mais modesto funcionário, desde a Cortê à
mais remota Província‖. (CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág. 119).

Também a Primeira República, segundo o autor, não proporcionou ao Estado brasileiro uma
administração pública capaz dar conta das novas demandas do período no que tange a questão:
―De 1907 a 1929, nada menos de sete projetos de Estatuto foram discutidos no Poder
Legislativo e logo abandonados, sem votação, pela impraticabilidade de conciliar os interêsses
eleitoralistas com qualquer ideia de organização dos serviços Administrativos‖. (Idem, pág.
121).

O autor relata que logo após 30 são criados o Ministério do Trabalho e da Educação e Saúde
Pública. Porém ―...ampliando a administração, pondo-se em contato com os fatos sociais, sem
um organismo capacitado e eficiente, o Estado não fazia mais do que agravar uma situação já
insustentável‖. (Idem, pág. 121).

Sobre a situação anterior a sua criação Arísio de Viana no estudo D.A.S.P. Instituição a
Serviço do Brasil observa: ―A situação anterior a 1936 se caracterizava pela predominância de
interesses contrários à administração cientifica no tratamento dos problemas relativos ao
funcionalismo civil. Todos os atos fundamentais da vida funcional dos servidores públicos, -
nomeação, remuneração, promoções, aposentadoria, - em síntese, os direitos e deveres da
grande massa teoricamente a serviço do Estado – sofriam influências políticas‖ (Viana, 1953.
pág. 59).

152
Já Souza entende o DASP e os Daspinhos, como se refere aos órgãos do DASP nos estados,
como parte do sistema de poder que Vargas havia criado em substituição as instituições
democráticas e funcionavam em conjunto com as interventorias, posto que: ―Enquanto o
interventor agia como coordenador político, sob instruções diretas de Vargas, o departamento
administrativo, dirigido por engenheiros, agrônomos, estatísticos, etc. – indivíduos que se
consideravam e eram considerados imunes a pressões clientelísticas – funcionava como um
corpo legislativo‖. (Souza, 1990. págs. 96 e 97).

Entre a perspectiva de Souza e Arísio Vianna temos duas visões que não convergem. A autora
preferiu privilegiar o entendimento da criação do DASP como um elemento a mais na forma
de governar de maneira autoritária da ditadura de Vargas.

Porém é interessante observar que o DASP marca a preocupação de dotar o Estado de um


corpo técnico e burocrático capaz de agir de maneira mais ―cientifica‖ como observa Viana.

No entendimento desta pesquisa temos que criado o DASP após a extinção de seu antecessor o
Conselho Federal do Serviço Público Civil que havia surgido com a pela Lei ° 284, de 28 de
outubro de 1936, ampliou-se a possibilidade de estruturar a máquina do Estado brasileiro de
maneira a livrá-lo de seu caráter patrimonialista e não profissional, pelo menos enquanto
característica determinante.

Além disso, o Conselho Federal do Serviço Público Civil e posteriormente o DASP, marcam o
início de um Estado que passa a planejar de forma mais sistemática - e de maneira
centralizada - a economia do país e que necessitava para tanto de um funcionalismo diverso do

153
de até então, ou seja, mais técnico e menos dirigido pelo patrimonialismo dos políticos.

O Estado iria passar a intervir na produção, no planejamento econômico e necessitava de uma


organização capaz de dar conta desta função. A profissionalização dos quadros
técnico/burocráticos e a redução do patrimonialismo político se faziam necessários, como
pressuposto mínimo para que o Estado, enquanto agente planejador e participante do próprio
processo produtivo na economia, possuísse eficiência suficiente para sua nova tarefa, coisa
que sob a égide de um regime com as características da Primeira Republica se inviabilizaria.

O Estado a partir daí, com Vargas, será agente ativo no setor produtivo. A relação
Estado/economia e planejamento aparecem na revista Cultura Política em artigo de José da
Rocha Lagoa61, que trata da inserção do Estado na produção: ―Pois bem, é dessa viga mestra
da economia nacional que o Presidente Getúlio Vargas acaba de dotar o país, dando um
exemplo fecundo de como só a mentalidade construtiva e realizadora, trabalhada e alertada
constantemente pelo devotamento a causa pública pode resolver eficientemente os nossos
problemas fundamentais.‖ (CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 14).

Refere-se o autor, especificamente, à construção da primeira indústria siderúrgica no país.


Afora a postura apologética do autor, tem-se que foi na política empreendida por Vargas e com
a forma que o Estado brasileiro começava a tomar que a economia do país começa a deslocar
seu eixo.

O questionamento do pensamento autoritário advindo dos que apoiavam o regime é

61
―Professor na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil‖ (CP, – julho de 1941 – ano I
número 5, pág. 11)

154
efetivamente válido e da margem a debates, entretanto a estruturação de um corpo técnico
burocrático, afora as observações de Souza e que acredito devam ser relativizadas é fato que o
DASP foi um importante esforço no sentido de se dotar o Estado brasileiro de meios de ação
na sociedade.

De volta ao artigo de Aquiles é interessante observar a já moderna visão de planejamento


dentro do Estado contida no DASP:

―O fato do DASP haver sido creado no capítulo constitucional consagrado à elaboração


orçamentária e o não estar ainda organizada a Divisão do Orçamento mostra a importância
deste setor de atividade futura do DASP, e a complexidade da sua organização. Na realidade,
sem a racionalização do processo orçamentário, toda e qualquer tentativa de racionalização
administrativa resultará infrutífera, não indo além das boas intenções. O orçamento é, ao
mesmo tempo, um meio de ação e um plano de governo‖.
(CP, – abril de 1941 – ano I número 2, pág. 124).

Quanto às influências teóricas que deram fundamento à estrutura e a ação da reforma da


administração pública brasileira, em Razões de ser do DASP, Beatriz Marques de Souza62,
observa a modelagem que o governo federal deu ao DASP, baseando-se na administração
pública norte americana. O Conselho Federal do Serviço Público, órgão precursor do DASP,
segundo a autora, já era ―moldado em linhas semelhantes às da ―Civil Service Comission‖

62
Quando da publicação do artigo, além de outros cursos de aperfeiçoamento em administração pública e
privada no ―Institue of World Affairs‖, Williams College, Massachussets, EUA a autora era ―Oficial
administrativa na Divisão de Organização e Coordenação do DASP‖, especializou-se em Administração Pública
na ―School of Public Affarirs‖ da ―American University, em Washington EUA. Biografia extraída da introdução
ao artigo em questão CP nº 3, maio de 1941. pág. 148.

155
norte americana....‖. (CP nº 3, maio de 1941. pág. 151).

A autora observa que quando do período em que a administração pública brasileira passava a
ser centralmente organizada pelo DASP o polo irradiador norte americano donde o Brasil iria
inspirar-se para organizar sua administração pública, foi o ―Bureau of de Budget‖ e o
―President’s Commitee on Adminisrative Management‖. (Idem. Págs. 152 e 153).

Por fim conclui apontando os princípios doutrinários seguidos pelo DASP: ―...são da mesma
origem, e nossos administradores têm procurado aqui aproveitar, adaptando-os a nosso meio,
os ensinamentos que a experiência norte americana possa nos oferecer‖. (Idem. Págs. 153).

As políticas de governo estabelecidas pelo Estado Novo podem nos servir de suporte para
reflexão acerca dos princípios a que esta pesquisa se propõe a levantar no que concerne ao
Regime de 37 e suas razões.

A preocupação com a centralidade do poder que implica em uma remodelação do sistema


federativo, a figura do Presidente da República, irão aparecer na reflexão de alguns
colaboradores de CP que trataram objetivamente das políticas concretas do governo Vargas.

A criação do DASP e o esforço do governo com vistas a dotar o país de usinas siderúrgicas
são alguns dos temas que tratados em CP esclarecem a reestruturação do Estado de maneira a
deixar transparecer a funcionalidade do modelo político institucional adotado com Vargas.

Cria-se uma estrutura legal, administrativa, de planejamento e de propaganda com a finalidade


de dar esta funcionalidade ao Estado na busca de seus objetivos e o DASP é um dos pilares

156
desta construção.

Voltando ao texto de José da Rocha Lagoa, este irá construí-lo no sentido de ressaltar a
centralidade que Vargas dará a questão em oposição a dispersão que o tema vinha conhecendo
até então.

O presidente estaria alçando o Brasil, com a centralidade de seu poder e sua ―...mentalidade
construtiva e realizadora...‖, a um novo patamar na economia mundial fazendo com que o país
abandonasse a ―política de sobremesa‖ – produtor de café, cacau, bananas, concentrando
esforços na criação das bases de uma economia que pudesse dotar-se de comunicação,
transportes, industria naval e possuir um infraestrutura capaz de nos colocar nesse novo
patamar, além de possibilitar ao país o ―... aparelhamento do seu exército e sua marinha‖.
(Idem. Págs. 12 e 14).

Já observamos em Corsi que o Estado Novo não possuiu um programa de modernização da


economia claro com etapas bem definidas. Entretanto deve-se notar - mesmo que não esteja no
escopo desta pesquisa - que as idas e vindas desta modernização no Brasil, do ponto de vista
da economia, deu-se pela falta de recursos a que Vargas teve que lidar no financiamento
daquele processo.

Entretanto o DASP sua criação e o que ele trouxe no sentido de dotar o Estado de um corpo
técnico burocrático profissional marcaria uma nova fase na sociedade nacional, sobretudo na
capacidade do Estado se fazer presente na gestão da economia e na própria vida dos cidadãos.

Outra instituição que marcaria a disposição dos que estavam a frente do Estado brasileiro no

157
sentido de possibilitar uma inserção na vida nacional foi o Departamento de Imprensa e
Propaganda – DIP. O departamento mereceu destaque dentro das matérias publicadas pela
revista Cultura Política.

O DIP foi sucessor de duas outras experiências relacionadas a intervenção do Estado na


cultura. Antes dele o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural – D.P.D.C. e o
Departamento Nacional de Propaganda – D.N.P., que trataram de maneira reduzida de
questões relacionadas a propaganda do governo e das questões relacionadas ao jornalismo
escrito e das transmissões de rádio.

CP em reportagem realizada em seu número 21 (novembro de 1942 sem autor definido) fez o
inventário da atuação destes órgãos, sobretudo do DIP nos cinco anos do Estado Novo,
observando que o D.P.D.C. passa ser chamar D.N.P. logo após a instauração do regime de 37 e
da ineficiência referida na matéria do D.P.D.C o país passa a ter com o D.N.P. um organismo
agora mais capacitado a fazer a propaganda do Brasil ―no Brasil e fora dele‖.
Além de atuar nesta área o D.N.P. em conjunto com a Agência Nacional - A.N. tratavam de
subsidiar as empresas de jornalismo estrangeiras com o necessário material tanto de
divulgação como de informação acerca do Brasil.

A título de exemplo das atividades da A.N. CP informa que ―Cêrca de doze mil folhas
mimeografadas por semana, contendo noticias e comentarios oportunos sobre o momento
nacional, eram distribuídos a quasi dois mil jornais brasileiros. Simultaneamente, levantado o
cadastro da imprensa estrangeira, iniciou-se a distribuição de artigos, sueltos e pequenas notas
(copyright de nomes destacados das letras e ciencias patrias) para 1.318 jornais do exterior,
número que, em fins de 1938, já ascendia a 2.225, incluindo quasi todo o Continente

158
americano, muitos países da Europa e até o Japão.‖ (CP – novembro de 1942 – ano II número
21, pág. 170).

Além da imprensa escrita e das transmissões radiofônicas o D.N.P possuía uma subdivisão de
incentivo ao cinema onde também se procedia a censura dos filmes e segundo a reportagem
―...se não tinham alcançado grandes progressos, nem por isso foram menos úteis e dignos de
menção, sobretudo no que respeita à divulgação das coisas brasileiras, dentro e fora do país. A
par da censura que fazia de todos os filmes nacionais, promovia reportagens cinematográficas
em torno de assuntos nossos e iniciou a filmagem de shorts destinados à propaganda turística
do Brasil no exterior‖ (Idem. Pág. 172).

Da necessidade de se ampliar as ações do Estado no âmbito da cultura, propaganda e mesmo o


controle dos conteúdos produzidos pelas mídias da época o Estado Novo cria o DIP.

A descrição que CP faz acerca da criação do DIP merece ser reproduzida tendo em vista que
tratamos nesta pesquisa de uma publicação do próprio Departamento e que ora passaria a ser
descrito e analisado em suas funções:
―Com atribuições idoneas, diretamente subordinado à Presidencia da República. O D.I.P. – tal
como é conhecido no país inteiro – surgiu, então, sob novos e mais amplos moldes, em 27 de
Dezembro de 1939 (decreto-lei nº 1.915) para centralizar, coordenar, orientar e superintender a
propaganda nacional, interna e externa, e servir, permanentemente, como elemento auxiliar de
informação dos Ministerios e entidades públicas e privadas, na parte que interessa à
propaganda nacional, superintender, organizar e fiscalizar os serviços de turismo, interno e
externo; fazer a censura do teatro, do cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer
natureza, da radiodifusão, da literatura social e política e da imprensa, quando a esta forem

159
cominadas as penalidades previstas por lei; estimular a produção de filmes nacionais e
classificar os de carater educativo e os nacionais para a concessão de premio e favores,
sugerindo ao Governo a isenção ou redução de impostos e taxas federais, além de outras
vantagens especiais para o seu transporte; coordenar e incentivar as relações da imprensa com
os poderes públicos no sentido de maior aproximação da mesma com os fatos que se liguem
aos interesses nacionais; colaborar com a imprensa estrangeira no sentido de evitar que se
divulguem informações nocivas ao crédito e á cultura do país; promover intercambios com
escritores, jornalistas e artistas nacionais e estrangeiros; estimular atividades espirituais,
colaborando com artistas e intelectuais brasileiros,. No sentido de incentivar uma arte e uma
literatura genuinamente brasileiras, podendo, para isso, estabelecer e conceder premios;
incentivar a tradução de livros de autores brasileiros e proibindo a entrada no Brasil de
publicações estrangeiras nocivas aos interesses brasileiros, bem como interditar, dentro do
território nacional, a edição de quaisquer publicações que ofendam ou prejudiquem o crédito
do país e suas instituições, ou a moral; promover, organizar, patrocinar ou auxiliar
manifestações cívicas e festas populares com o intuito patriótico, educativo ou de propaganda
túrística, concertos, conferencias, exposições demonstrativas das atividades do Governo, bem
como mostras de arte de individualidades nacionais e estrangeiras; organizar e dirigir o
programa de radiodifusão oficial do Governo e autorizar, mensalmente a devolução dos
depósitos efetuados pelas empresas jornalísticas para importação de papel para a imprensa,
uma vez demonstrada a seu juízo a eficiencia e a utilidade pública dos jornais ou periódicos
por elas adiministrados ou dirigidos‖. (Idem, pág. 173).

Para cumprir esta gama de atribuições o D.I.P. possuía subdivisões encarregadas de cuidar de
questões específicas. Eram elas: a Divisão de Divulgação destinada ―....a elucidação da
opinião nacional sobre as diretrizes doutrinárias do regime, em defesa da cultura, da unidade

160
nacional, da unidade espiritual e da civilização brasileira‖ (idem, pág. 174).

A Divisão de Divulgação - conforme informação de C.P. - publicou quando da comemoração


dos dez anos da Revolução de 30 o primeiro volume de Os grandes problemas brasileiros,
publicação que contou com a colaboração de vinte e três escritores e continha a reprodução de
explanações de ministros do Governo Vargas e tratava também de fazer um balanço da
Presidência da República durante o período.

Dentro do escopo pelo qual foi criado a Divisão de Divulgação, informa CP, possuía
profissionais que percorriam o país no sentido de distribuir a produção realizada, além de
realizar outras publicações vinculadas as suas atribuições dentro do espírito de Os grandes
problemas brasileiros.

Havia ainda no D.I.P.: a Divisão de Cinema e Teatro, Divisão de Rádio, Divisão de Imprensa,
Agência Nacional, Divisão de Turismo, Seção de Intercambio Luso-brasileiro e os Serviços de
Administração que cuidava das questões relativas a burocracia necessária ao funcionamento
do D.I.P63. e suas subdivisões.

63
Estes são mais alguns dados estatísticos divulgados por CP acerca da produção cultural e
propagandística do D.I.P. e que denotam a amplitude de atuação do Departamento: Sobre o Cine-Jornal
Brasileiro, em 1939 foram produzidos 69 jornais e 41 shorts, num total de 110 filmes e 484 reportagens; em 1940
105 filmes e 384 reportagens rendendo 340 e 940 mil réis nos dois anos. A Agência Nacional em 1941 enviou
para o exterior 3. 135 jornais do Rio de Janeiro, o que segundo CP montavam em 13.381 noticias enviadas;
18.123 telegramas informativos ao interior do país, recebendo do exterior 22.639 telegramas informativos, que
depois de traduzidos foram publicados em 1.567 jornais matutinos e em 4.050 vespertinos, foram fornecidas
24.405 fotografias para os jornais do Brasil e do exterior. Quanto ao papel subsidiado pelo Governo Federal a
jornais brasileiros têm-se, segundo CP, que foram distribuídos segundo dados do primeiros quatro meses de
1942, para 6 jornais de Manaus, 4 de Belém, 1 na Paraíba, 7 em Fortaleza, 2 de Natal, 2 de João Pessoa, 6 de
Jaraguá, 6 de Aracaju, 7 em Salvador, 5 em Vitória, 184 no Distrito Federal, 98 em Santos, 1 de São Francisco, 8
de Florianópolis, 14 de Porto Alegre e 3 de Pelotas. Quanto a quantidade de papel disponível em maio de 1942

161
O D.I.P. assim possuía atribuições que iam além da questão da propaganda do regime e da
censura64. Estas eram funções do Departamento, que se vinculadas a todo o esforço de
fomento a cultura do país por parte do Estado naquele período nos levará a um melhor
entendimento acerca do D.I.P.

Suas funções estavam substancialmente ligadas à integração cultural do país. A divulgação e


produção de discos, peças de teatro, cinema, programas de rádio não se limitavam a
propaganda do regime. Vargas governava o Brasil, dentro da perspectiva de promover a
cultura com organismos eficientes .

Se pensarmos no tipo de cultura a que o Estado Novo - a qual CP buscou difundir – entendia
como necessária a formação do povo brasileiro, teremos aqui o regime atendo-se a um
conceito de cultura que demonstre nossos costumes e, portanto alheio a uma perspectiva
alienígena de cultura, mas sem despencar em um xenofobismo como vemos no relato de CP
quando trata do tema ao expor as funções da Divisão de radio:

―Com efeito, se o propósito é tornar agradavel a recepção, procurando ao mesmo tempo


educar o gosto do povo, nem por isso se depreende que sejam sufocadas as suas tendencias
naturais, que revelam da alma brasileira. A música folclórica é prestigiada e difundida pela
―Hora do Brasil‖, como são difundidas as produções de valor dos nossos melhores
compositores. Um exemplo do critério que preside a seleção de programas é o fato de o ano

nas alfândegas tinha-se 6.877.487 quilos de papel, sendo 3.379.271 relativos ao Distrito Federal. (Todos os dados
foram retirados textualmente de CP nº 21 – novembro de 1942 págs. 169 a 187).
64
Quanto à censura e os números que CP divulgou acerca do tema veremos em outro tópico desta
pesquisa reservado ao tema ―Repressão Política‖.

162
passado terem passado pelo microfone oficial – a Orquestra Sinfônica Brasileira, regida pelos
maestros Eugen Szenkar, José Siqueira, Eleazar de Carvalho e outros; orquestras típicas, 82
cantores nacionais, 13 violinistas, 2 violoncelistas e artistas de concerto especializados em
outros instrumentos, bandas militares, o ―Orfeão Carlos Gomes‖, de Blumenau, e númerosos
artistas estrangeiros, tais como Joseph Batista, premio Guiomar Novais nos Estados Unidos, e
os poloneses Miecio Horszonski e Jan Kiepura‖. (Idem, pág. 178 e 179).

Guardadas as devidas proporções o Estado Novo buscou por conta própria plasmar a cultura
brasileira de forma massiva. Solidificar valores que com o aparato do D.I.P. e sua
possibilidade de extensão em todo o país, possibilitaria uma unificação cultural que
contribuiria para o aperfeiçoamento da Nação.

Sem possuir a pujança da indústria cultural norte americana, sem o cinema e outras formas de
mídia tão influentes e capazes de até criarem em muitos aspectos valores e os plasmarem
dentro e fora dos EUA. O Estado Novo - em mais um aspecto da vida nacional - tomou para si
a incumbência de tratar a questão da cultura, da informação e da propaganda de maneira a
também dar conta de uma tarefa que julgava incapaz de ser realizada somente pela iniciativa
da sociedade. Mesmo que a cultura viesse da sociedade e do povo a tarefa de fazer a
propaganda e difundi-la era tarefa do Estado.

Entretanto ao centralizar de maneira autoritária as produções culturais não pode expandir a


criação de maneira a diversificar temas e abordagens acerca da cultura.

163
4.3 - A centralidade do Executivo Federal

A centralização do poder em torno do Executivo Federal e a profunda alteração no quantum de


autonomia que os Estados da Federação iriam perceber a partir de então é questão cara para o
cotidiano do regime de 37 e tema que de fato interessa a República brasileira, independente da
conjuntura da época.

Se 1930 teve centralização do poder uma de suas causas, o Estado Novo, pelo menos na
perspectiva de Oto Prazeres ,em O Federalismo brasileiro (CP, – abril de 1941 – ano I número
2, págs. 11 a 23) partia da premissa de que as leis e a organização política devem ser mutáveis,
princípio que abriria espaço para as ações do Estado Novo em sua reorganização da estrutura
legal do país notadamente na questão do Federalismo, posto que para o autor era premente a
necessidade de adequá-lo as reais necessidades do país.

Prazeres observa a relevância da questão do federalismo e em sua reflexão aponta que quando
da Constituição de 1934 ―todos estavam de acordo, porém, em dar novas cores ao nosso
federalismo, tornando os Estados menos perturbadores da ação nacional. Muitas das
disposições do ante-projeto entregue à Assembleia Nacional Constituinte demonstram isto à
evidência; mas, repetimos preocupados em fortalecer as garantias dos direitos individuais, não
quiseram, como seria lógico, aumentar a autoridade do Chefe de Estado, receando a repetição
de abusos frequentemente assinalados na vida republicana do país‖. (Idem, pág. 19).

Assim a Constituição de 1934, segundo Prazeres, não deu conta de dar o necessário poder ao
Presidente da República para governar com os Estados da Federação na composição de uma
política nacional, proporcionando assim a certeza de contar com Estados ao planejar e

164
executar suas ações de governo.

Para o autor, 1937 concretiza o espírito revolucionário de 1930, quando da difusa vontade de
vários revolucionários - que em muitos casos tinham em comum o desejo da revolução - parte
para ação concreta empreendida pelo Estado Novo e sua Constituição, e conclui que ―...a
fisionomia e a ação do Estado, em seguida à uma revolução, resultam da realidade do país, da
sua necessidade político administrativa, das lições que os novos dirigentes vão tendo no
contato com a coisa pública, com as condições da vida da sociedade política em que se institui
a nova orem das coisas‖. (Idem, pág. 23).

Partindo-se da realidade do país e em especial do federalismo, o novo formato da questão na


Constituição de 1937 é, para o autor, capaz de dar ao presidente da república, os instrumentos
legais necessários para que administrativamente possa cuidar dos interesses do país.

A centralização do poder no executivo federal de certo é ponto fundamental da política


estadonovista. As condições e a estrutura institucional para criação e funcionamento da
máquina estatal do regime tem nos interventores e nos departamentos administrativos
regionais a sua configuração.

O editorial da quarta edição de CP em junho de 1941, Brasil e a centralização do governo,


trata de como a administração dos Estados passaram a funcionar após a Constituição de 1937
e em especial após o a edição do Decreto Lei 1202/08/04 de 1932, a Lei Orgânica dos
Estados.

Trata a Lei Orgânica dos Estados de como a relação entre Presidente da República,

165
Interventores, Departamentos Administrativos Estaduais e municípios irão se estabelecer.

O interventor constituía-se como elo de ligação entre a administração do Estado e o comando


do Presidente da República ―....é um auxiliar imediato dêste último dentro dos Estados, tendo
a sua atividade limitada pelas atribuições especiais que lhe confere a Lei Orgânica‖. (Editorial,
– junho de 1941 – ano I número 4, pág. 5).

Os Departamentos Administrativos, segundo o autor, eram de natureza eminentemente técnica


e tratavam de aprovar leis e orçamentos que o Interventor propusesse. Observa ainda o autor
que tanto o Interventor como os Departamentos Administrativos eram subordinados ao
Presidente da República e ao Ministro da Justiça.

Por fim e de maneira sumária o Editorial assim observa a estrutura da administração pública
brasileira no que tange a relação entre Governo Federal, Estados e Municípios: ―A
centralização administrativa que, em globo, é enfeixada nas mãos do Presidente da República
– sendo o Ministro da Justiça o intermediário entre este e a administração estadual – compete
aos Estados, ao interventor e ao Departamento Administrativo, perante os quais são
diretamente responsáveis os prefeitos.‖ (Idem, pág. 7).

CP não era uma revista de debates ou com pauta previamente proposta por Almir de Andrade
– porém artigos podiam apresentar caráter complementar. Nada de excepcional dado que a
revista se dedicava a assuntos relacionados ao Estado Novo e seus artigos eram previamente
selecionados.

166
Em junho de 1941 Ulisses Ramalhete Maia e Nelson Werneck Sodré, apresentam, o primeiro a
conjuntura política imediatamente anterior a revolução de 30 e o segundo o arranjo político
articulado com a implantação do Estado Novo.

Em A situação política e econômica do Brasil em 1929 – A causa da revolução de 1930, Maia


retrata, sob o seu ponto de vista, as causas de 1930. Dentre a exposição que compreende a
crise do café, a disputa eleitoral que levaria a eleição de Júlio Prestes, candidato paulista
apoiado pelo então Presidente da República Washington Luiz, o autor comenta a disposição do
governo acerca daquelas eleições: ―...tolher a liberdade de votação num flagrante desrespeito à
soberania popular e à vontade do povo que, de qualquer modo, queria ver modificado a
situação política do Brasil‖. (CP – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 123).

Maia observa que a imposição do Governo Federal de Júlio Prestes como Presidente aliada a
crise econômica que se apresentada, levaria a ―... Aliança Liberal, com auxilio de alguns
militares, a dar o golpe fatal e decisivo de 24 de Outubro de 1930 para a queda definitiva e
final da República Liberal democrática, instituída pela Constituição de 1891 e que imperou no
Brasil durante quase dois quartos de século.‖ (Idem, pág. 122).

O texto de Maia demonstra que havia um descontentamento quanto ao ―profissionalismo


político‖ de então, constituído pelas ―...‖camouflages‖ e fraudes‖ praticadas pelos deputados e
senadores de então e enquanto o Júlio Prestes fazia sua viagem ao exterior para ―confecção de
sua plataforma de governo‖ era fortalecido ―os elos da cadeia revolucionária no seio da
Aliança Liberal‖. (Idem, págs. 122 e 125).

Nelson Werneck Sodré em Um Sentido Político empreenderá uma complementação não

167
programada ao observar que 1930 e ainda menos 1937 não podem ser confundidos com o
mero jogo da disputa de caciques eleitorais.

O embate que estava posto ―Apesar das verdadeiras ânsias e causas de inquietação política, no
Brasil anterior à revolução, estarem, quase sempre, obscurecidas e mascaradas pelo jogo fácil
e inconseqüente dos problemas de ordem eleitoral, fazendo com que, aos olhos menos
espertos os contrastes de ordem partidária, de simples domínio da coisa pública, parecessem a
própria essência das transformações...‖ não se limitava a apenas ao restrito e já carcomido
embate eleitoral da república Velha. (CP – junho de 1941 – ano I número 4, págs. 151 e 152).

De certo, utilizando-se do raciocínio de Maia, que muitos dos que estavam descontentes, com
a política eleitoral do pré 30 compunham o barco dos que empreenderam a Revolução de 30.

Além dos que viam aquele movimento político como mais uma disputa eleitoral, agora em
uma versão mais acirrada, existiam uma gama de revolucionários, cada grupo com uma
solução política especifica para o movimento.

Todas as divergências que advinham das diversificadas formas de se encarar a ação política
necessária ao país mostravam que, argumenta Werneck, ―O desdobramento da ação
revolucionária, após o termo da fase militar, continuava, mais incerto do que a sorte dos
combates‖. (Idem. Pág. 155).

O processo de integração e a continuidade da marcha revolucionária é - para o autor -


encontrado com, o golpe de 10 de novembro de 1937 e com a visão e o discernimento político
de Vargas ―...doutrinador, aquêle que elaborou o pensamento político mais claro da nossa

168
existência nacional, e que soube traduzir os anseios revolucionários e executá-los, com
clareza, precisão, conhecimento das necessidades e das características brasileiras...‖.(Idem.
Pág. 159).

Estas ―características brasileiras‖, aludidas pelo autor, estão ligadas a algumas questões
presentes nos textos de autores de CP aqui pesquisados. Na seção O Pensamento político do
Chefe do Govêrno trecho do texto de Getúlio Vargas em A Nova Política do Brasil é
novamente utilizado como mote para o desenvolvimento dos temas tratados nos artigos.
Assim, Silvio Peixoto65 cita Vargas:

―A nova Constituição, colocando a realidade acima dos formalismos jurídicos, guarda


fidelidade às nossas tradições e mantém a coesão nacional, com a paz necessária ao
desenvolvimento orgânico de todas as energias do país‖. (A Nova Política do Brasil, Vol. V,
Pág. 114. citado em CP – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 175).

Em seu artigo Peixoto refaz os caminhos da centralização política no Brasil a fim de


demonstrar que trata-se de expediente político tradicional nos momentos históricos em que o
país se viu ameaçado em sua unidade.

Seu primeiro relato remonta a independência e a atuação de José Bonifácio junto a D. Pedro
com vistas a unificar as províncias que por ordem da Corte deveriam passar a se reportar
exclusivamente a ela. A convocação do ―Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do
Brasil,... foi feito por decreto em 16 de fevereiro de 1882‖, fazendo assim com que as

65
Silvio Peixoto foi historiador e autor de No Tempo de Floriano (Rio, 1941) e Aspectos históricos do
Estado Novo (Rio, 1940) dentre outros. Extraído de CP – junho de 1941 – ano I número 4, pág. 175.

169
províncias se reunificassem agora em torno de D. Pedro. (Idem, pág. 178).

Além da questão das províncias o autor destaca a derrocada de movimentos que explodem
durante o período da Regência (1831 a 1840) como afirmação da unidade nacional.

Cabanada (1832 a 1835), Farrapos (1835 a 1845 – ultrapassando o período Regencial),


Sabinada (1837 a 1938), Setembrada (1831) influenciadas, segundo o autor, pelas ideias de
federalismo republicano da Confederação do Equador, são tidos por Peixoto como subversivos
dado que estava em jogo a ―sobrevivência e perpetuidade nacionais‖ (Idem. Pág. 182).

O autor coloca como marco aquele período, onde se delineou a oposição entre ―duas
correntes: uma nitidamente objetiva, enquanto a outra debatia-se, generosa, mas
romanticamente, no empirismo vago das soluções subjetivas‖ (Idem, pág. 181).

Passa então ao período da proclamação da República e vê em Deodoro da Fonseca a liderança


que manteve o ―princípio da centralização do poder‖ e garantiu a unidade do país e à
República tanto contra os que pensavam na volta a monarquia quanto contra os que
praticavam ―excessos e desmandos ideológicos‖, ou seja, os que desejavam uma república
mais popular.

O corolário de sua proposição acerca da tradição do princípio da unidade nacional esta em que
―As coincidências entre o Generalíssimo e o nosso atual Chefe de Governo, são de ordem
histórica, e mais do que isso, inspiram-se nas razões profundas das tradições políticas do
Brasil‖. (Idem, pág. 187).

170
A centralização aparece então como elemento da tradição política brasileira capaz de levar o
país às suas maiores realizações. Dentro desta tradição desponta a figura de um condutor
sensível e capaz de empreender a centralização. Vargas era então - naquele momento - o
político que encarnaria a tradição unificando as diversas vontades surgidas com a Revolução
de 30 em uma ação política eficaz no sentido de suprir as necessidades da Nação.

4.4 – Repressão política

Formar o que seria a perspectiva da revista no tocante à repressão política no Estado Novo é
uma tarefa que se torna difícil. O fato é que há poucas menções sobre a questão o que fez com
que compuséssemos esta temática não pelo que autores ou a revista entendiam como tal, mas
o que entendemos ser demonstrações do fenômeno.

Isso demonstra não incongruência e impossibilidade de se fazer uma leitura do que foi o
regime através das páginas de CP, mas o fato de que a questão não seria palatável,
provavelmente, em uma revista de cultura e política.

Sem outros autores que se debruçassem sobre a questão tivemos que nos ater somente a um
colaborador de CP, que refletindo sobre sua concepção de representação política discorreu
sobre a violência como forma de castigar e controlar adversários.

Até aqui este levantamento mostrou que pensamentos políticos podem diferenciar-se, mas
guardam consigo, em sua maioria, a racionalidade reivindicada pelo pensamento político
autoritário e abordam as formas pelas quais se daria a organização política nacional e mesmo a

171
representação política.

Uma visão própria de enfrentamento de adversários e participação na vida política é


apresentada por Deodato de Morais66. Visão que demonstra uma construção que se desloca da
racionalidade dos demais autoritários, mas que não se distanciou de uma das práticas do
regime.

Em sua receita quanto aos que investiram ou investissem contra o regime entende que ―...essas
investidas audaciosas merecem a execração pública e o povo deve apelar, pelos seus legítimos
órgãos de representação, para o castigo eficiente e exemplar dos culpados‖. (Idem. Pág. 18).

Morais adota a perspectiva de que a coletividade transfere ao Presidente da República a sua


soberania. Passa a haver nesta perspectiva um mandato concedido de forma tácita pelo povo
ao Chefe da Nação.

―Depositando a coletividade no Chefe da Nação a sua própria soberania, O Estado torna-se,


por este consentimento público, a única autoridade incumbida de dirigir e orientar todas as
fôrças vivas nacionais sob suas ocultas, porém, legitimas aspirações‖. (CP, – junho de 1941 –
ano I número 5, pág. 19).

E se o povo tacitamente depositou a sua soberania no Estado o castigo exemplar fica a cargo
dos que estão a testa do Estado. Assim – para o autor - estaria feita a justificativa que tornaria

66
Professor de pedagogia e psicologia experimental na escola Normal de São Paulo, membro do Instituto
Brasileiro de Cultura, técnico e chefe do 10º Distrito Educacional da Prefeitura do Distrito Federal. Extraído de
(CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 15).

172
a violência exacerbada algo consentido pelo povo.

Feita no primeiro capítulo desta pesquisa, a análise sobre as repressões a movimentos políticos
que na concepção do Regime de 37 eram passíveis de serem aniquilados, demonstra-se que a
opinião de Morais sobre a questão não é de maneira alguma incongruente em relação a prática
do regime.

Se Morais tratou de embasar as razões da repressão física a opositores é interessante que


apontemos alguns números citados por CP acerca do cerceamento da opinião e da cultura que
não se enquadravam aos cânones do regime.

Na já citada reportagem de CP - A imprensa e a propaganda no quinquênio de 1937 -1942,


além da estrutura do DIP e suas funções de propaganda e fomento a cultura é reportada a
questão da censura de maneira a colocá-la como coisa corriqueira sem maiores implicações,
não se dando relevância ao cerceamento a liberdade de opinião.

Alguns dados são citados pela revista e nos permitem alguma noção acerca da quantidade de
peças, filmes e demais veículos censurados pelo regime:

―Nos filmes submetidos ao julgamento do DIP, fizeram-se 66 cortes de legenda e de 104


cenas, equivalentes, respectivamente, a 412 a 1095 metros‖ (1940)

―Se em 1940 foram aprovados 4.576 programas de teatros, no ano passado a quantidade foi de
9.994. No mesmo período foram examinadas, censuradas e aprovadas 323 peças teatrais,
contra 204, em 1940. Nas peças interditadas há diferença de 9 para 10, no ano passado‖

173
Sobre a censura ao rádio informa CP : ―Foram proibidos 44 programas em 1941, contra 108
no ano anterior, o que demonstra a eficácia da ação do DIP na campanha que vem exercendo
com essa sua fiscalização, escoimando vícios e defeitos de que tais programas viviam
inçados‖.

Sobre publicações impressas informa que: ―...2.270 publicações diversas em todo país, entre
jornais, revistas, boletins, folhetos de propaganda e etc.........não obtiveram registro 645
publicações diversas, desta capital e dos Estados‖. (dados – que segundo CP - se reportam a
1940 até julho de 1942).

E finaliza com o que seria o intuito desta tarefa do DIP e em especial do Conselho de
Imprensa:

―A par desse labor, o Conselho interveio em diversos casos de jornais ou revistas que
desenvolveram atividades contrarias ao regime, à ordem ou às instituições ou, ainda, que
incorreram nas sanções dos dispositivos que regem a ética profissional. Alguns desses órgãos
forma suspensos e outros tiveram os seus registros cancelados‖. (CP, – novembro de 1942 –
ano II número 21, págs. 177, 180 e 181).

Quase inexistente nas páginas da publicação dirigida por Almir de Andrade, a repressão a
adversários políticos e a censura sistemática ao jornalismo e a manifestações culturais tidas
como impróprias pelo regime aparecem em matérias em que a abordagem do autor ou a
perspectiva da revista não era a de abordar diretamente a questão. Porém na formação do que
foi o ideário político do Estado Novo esta faceta do regime deve ser realçada, mesmo que não

174
tenha merecido destaque em CP.

4.5 - O Fim do Estado Novo e de Cultura Política: Revista Mensal de Estudos Brasileiros

Passando pelas matérias publicadas durante os anos em que a revista foi editada em nenhum
momento ocorreram críticas a estrutura de poder estabelecida com o regime político
instaurado por Vargas ou a políticas adotadas pelo Presidente.

Não há em absoluto nenhuma descoberta nesta afirmação, dado que mesmo contando com boa
qualidade a revista foi uma edição capitaneada pelo DIP, pelo menos durante a existência do
Departamento67.

Entretanto há a partir da leitura de alguns artigos a preocupação de CP em responder a críticas


que vinham de fora da revista proferidas por vozes dissonantes a engenharia política criada
pelo regime de 1937 e a Vargas.

Almir de Andrade trata de defender o regime ao analisar o impacto que a Segunda Guerra
Mundial traz as políticas externas dos países e a estrutura política interna.

Crê que as crises oriundas e o impacto que a guerra traz aos países e suas populações causam
e causaram alterações nas formas de governo das sociedades.

67
Além dos 50 números vinculados ao Departamento de Imprensa e Propaganda, houve mais 3 edições da
revista após o fim do DIP em maio de 1945.

175
Mas já em respostas aos que anteviam alterações na política interna do país pensando em
mudança de regime e o restabelecimento da representação política com eleições nos moldes
anteriores a 1930 e, sobretudo 37, adverte: ―Nada mais ingênuo do que julgar-se que o triunfo
das democracias, nesta guerra, acarretará o retorno às velhas fórmulas do liberalismo político,
à onipotência legislativa das câmaras populares, ao ―governo de partidos‖ e a todo o
maquinismo demagógico do antigo regime‖. (CP, – outubro de 1943 – ano III número 33, pág.
32).

No texto A Economia Corporativa, sem citar exatamente quais eram os opositores, Djacir
Meneses,68 após analisar o contexto econômico do período conclui que a economia da
competição havia se exaurido dada a concentração da produção com a tendência a ―fusão das
empresas‖.

Observa que como consequência da concentração da economia o Estado poderia gerir a


economia e a organização corporativa em substituição a competição entre capital e trabalho,
papel que o Estado Novo estaria dando conta de desempenhar tendo a frente a figura de
Vargas.

Porém alerta que ―A receptividade das massas apreende e sente as diretivas da nova política
em consonância com os grandes interesses coletivos. Mas sua percepção é deformada por
elementos oriundos das antigas situações em desagregação, que insinuam o descrédito em
nome de um liberalismo suficientemente falido. As instituições nascentes sofrem a campanha
sutilmente derrotista de incompreensão ou má-fé, criando uma atmosfera que não condiz com

68
Professor interino da Faculdade Nacional de Filosofia. Diretor da faculdade de Ciências Econômicas do
Ceará. Catedrático da Faculdade de Direito do Ceará. Citação de biografia que antecede o artigo em questão.

176
o sentir da verdadeira nação‖. (CP, – outubro de 1943 – ano III número 33, pág. 100).

A Guerra cria no país ambiente propicio ao questionamento do regime político instalado em


30 e em especial ao Estado Novo.

Se o clamor por democracia dos críticos do regime eram sentimentos efetivamente ligados a
preocupação com a liberdade ou - como apontavam os aliados do regime de Vargas - pura
aglutinação de interesses de grupos políticos ligados a interesses regionalistas e antipopulares
ou - utilizando-se de termo literalmente extraído de CP - de políticos que buscam apenas
―interesses subalternos‖ e ―vantagens individuais‖, isto é outra questão. (CP, – julho de 1941 –
ano I número 5, pág. 190).

Provavelmente o jogo político democrático, sobretudo no Brasil foi e ainda é o misto de


―interesses subalternos‖, ―vantagens individuais‖ e preocupação com o bem estar social e com
a liberdade política. (CP, – julho de 1941 – ano I número 5, pág. 190).

Não há em política pureza de sentimentos, mas o fato é que o clima engendrado entre aliados
– muitos regidos por regimes democráticos, sobretudo os EUA - que combatiam inimigos
cujos principais protagonistas eram regidos por regimes totalitários, deu margem ao
questionamento a um regime ditatorial como o estabelecido em 37.

Na seção O Pensamento do Presidente, são analisados pela revista, sem identificação do autor
do texto, três discursos de Vargas.

Na introdução às análises dos pronunciamentos do Presidente, CP deixa novamente

177
transparecer as críticas ao regime que desta vez aparecem, na concepção da publicação do
DIP, como oriundas de grupos que buscavam a desestabilização do regime.

Aponta a revista ao reproduzir a opinião de Vargas que ―Ainda agora, depois de denunciar a
existência de elementos perturbadores, empenhados em sabotar o esforço bélico que absorve
todas as atividades do país, elementos que, abusando da liberdade de que gozam, mesmo sob
as leis de guerra, procuram espalhar a desconfiança, criar dissídios e intranqüilizar as
populações laboriosas, numa campanha derrotista feita contra a administração, visando
desprestigiar as personalidades que servem o Brasil, e atinge até as gloriosas Forças
Armadas‖. (CP, – fevereiro de 1944 – ano IV número 37, pág. 21).

Penúltimo ano do regime as criticas afloram e a defesa e a própria réplica aos liberais
aparecem na revista dirigida por Almir de Andrade.

O inimigo número um do regime começa a tomar vulto na sociedade e o fantasma do


liberalismo vai aos poucos dando suas caras para preocupação dos partidários do regime.

Para os colaboradores de CP esta preocupação começaria a se fazer presente em textos como o


de Leopoldo Peres, mesmo que subliminarmente.

Aos liberais, responde Peres: ―Iludem-se, nada obstante, esses ingênuos e obstinados
saudosistas, quando supõem e insinuam à sorrelfa que o Brasil, para assentar-se com altivez
ao lado das nações democráticas à mesa da paz, como ao lado delas ora varonilmente aparece
no esforço de guerra, precisará regredir aos velhos quadros políticos, de que se desgrilhoou
apenas em tempo de não perecer; e assim, terá de refundir o plano atual das suas instituições,

178
para se ajustar, de novo, ao figurino vieux regime da liberal democracia.‖ (CP, – março de
1944 – ano IV número 38, pág. 14).

E em seguida complementa: ―É tola e vazia de sentido a atoarda desses profetas‖. (Idem. Pág.
14)

Nem tola, nem vazia e muito menos um simples boato. Fato é que já no final de 1944 os
partidários da democracia liberal já se articulavam em torno da União Democrática Nacional –
UDN. Como observa Skidmore, quando do final da Segunda Guerra Mundial ―...à medida que
a maré montante da vitória aliada tornava a redemocratização uma esperança palpável, os
constitucionalistas liberais organizaram um novo movimento político...‖ (Skidmore, 1979;
pág. 83).

Fato é também que o enfraquecimento político de Vargas, ao que tange ao apoio político dos
militares, constituía-se como real causa do começo do fim do Estado Novo e da deposição de
Vargas em 29 de outubro e a ida para São Borja no Rio Grande do Sul em 30 de outubro de
1945.

Ainda segundo Skidmore, Vargas receberia em 1944 relatórios em que oficiais ―...que
lutavam lado a lado com o 5º Exército Americano, na Itália‖ criticavam a falta de democracia
inerente ao Estado Novo, sendo que anteriormente ao recebimento dos relatórios em ―...10 de
novembro de 1943 ....Vargas falou a nação e prometeu que, depois da guerra‖ a democracia
liberal – fazendo uso da denominação corrente em CP e não das palavras de Vargas - seria
retomada. (idem. Pág. 72).

179
A conjuntura política estava em franca modificação. Em abril de 1945 Vargas concede anistia
aos presos políticos e Luís Carlos Prestes retoma a sua vida política como militante e líder do
Partido Comunista Brasileiro.

Em franco embate político, conforme observa Hélio Silva, Vargas ―...arranca a bandeira da
anistia das mãos da oposição, contemplando os culpados de crime de injúria ao poder público.
Liberta democratas, integralistas e comunistas, inclusive Luís Carlos Prestes. A 3 de outubro,
recebendo uma manifestação queremista, no palácio Guanabara, solenemente afirma, que não
será candidato‖ (Silva. 1980. pág. 64).

Antes disto, em 28 de fevereiro de 1945 uma emenda a constituição69 de 37 previa eleições


diretas. O Brigadeiro Eduardo Gomes é o candidato da UDN e o Partido Social Democrático –
PSB fundado naquele ano – lança a candidatura do General Dutra. Sobre o PSB e sua
organização enquanto partido que apóia a candidatura de Dutra temos que ―A direção vinha de
cima, já que Vargas supervisionava pessoalmente a organização do PSB, de maneira a apoiar a
candidatura oficial de Dutra‖ (Idem. Pág. 81).

A conjuntura política internacional com a iminência da vitória dos aliados e a consolidação


desta vitória em conjunto com a política interna vão influir de maneira decisiva nas matérias
que passariam a compor as páginas de Cultura Política e mais do que isso iniciarão o começo
do fim da publicação dirigida por Almir de Andrade e capitaneada pelo DIP.

A partir da matéria de Leopoldo Peres as colaborações que se debruçavam sobre as questões

69
O estudo encomendado por Vargas a Secretaria da Presidência da República que previa a elaboração da
emenda constitucional será analisado nesta pesquisa.

180
da política do Brasil, tal qual analisamos nos tópicos anteriores deste e do terceiro capítulo,
escasseiam-se. Duas colaborações de Paulo Augusto de Figueiredo 70 ainda irão – de maneira
mais relevante - analisar o Estado Novo ainda de uma perspectiva em que o futuro seria
possível sob a égide das concepções que nesta pesquisa já levantamos sobre o que o autor
entende como o ideal de Estado.

As outras temáticas da revista continuam a ser tratadas de maneira habitual. Há entre maio de
1944 quando da edição de número 40 de CP até janeiro de 1945 na edição de número 48 a
incidência de 4 matérias acerca do tema leis trabalhistas ou organização sindical temas que
demonstram a revista procurando relatar questões que fazem parte do universo do Estado
Novo e em especial sobre a evolução que o regime de 37 trouxe a organização dos
trabalhadores e a legislação que cuida da organização do trabalho.

A matéria de Vicente Umberlino de Souza71, Novos Rumos do Sindicalismo, editada em maio


de 1944 no número 40 de CP, faz um apanhado da organização do trabalho efetuada pela
Constituição de 37 e observa de maneira positiva a nova situação criada pela legislação criada
no governo Vargas:

― A criação da Justiça do Trabalho, a proscrição constitucional das greves, tanto de

70
As matérias em questão são: O Estado Nacional e a Ordem Social Futura CP nº 39 de abril de 1944 e
Todo Estado Real é Nacional CP nº 43 de agosto de 1944. Em seu número 43 em agosto de 1944 a revista faz um
balanço intitulado Dois anos de guerra (De agosto de 1942 a agosto de 1944) em que faz um balanço do esforço
de guerra no Brasil sob a batuta de Vargas. O rompimento com os países do Eixo, a organização dos serviços de
retaguarda, a Força Aérea Brasileira, a mobilização da população, as bases em Natal, a economia nacional em
tempos de guerra são as questões levantadas nesta reportagem em que não há especificação de autor.
71
Na época da edição desta matéria o autor era Diretor de Divisão de Organização e Assistência Sindical
do Ministério do Trabalho.

181
empregados como de patrões (lock out), consolidaram a nova política de reerguer e dar outro
norte aos sindicatos. Tornavam-se assim as instituições sindicais órgãos colaboradores do
Poder Público, depositários da vontade de uma classe, escudos do interêsse das diversas
categorias profissionais‖. (CP. nº 40. maio de 1944. págs. 38 e 39).

Eis então uma sinopse do que o Estado Novo pretendeu organizar - obtendo razoável sucesso -
na relação dos trabalhadores com o Estado e com o capital. O autor aponta para um
sindicalismo que não busca o embate com o Estado e tampouco entre classes sociais. É o
trabalhador - organizado em seu sindicato atrelado ao Estado - um colaborador na construção
do ordenamento social e da nação.

Como começo da transformação de sua linha editorial – no que tange as matérias sobre
política - acreditamos que a revista passa a não mais dar ênfase a organização política da
sociedade tal qual fazia em números anteriores em que o regime não se encontrava na
berlinda. Matérias desta natureza aos poucos vão desaparecendo da revista tal qual vimos ao
apontar as últimas matérias de Paulo Augusto de Figueiredo sobre o tema.

Porém com colaborações que retratam a organização sindical nos moldes traçados pelo Estado
Novo e principalmente ao valorizar a estrutura criada pelo regime que teve Vargas a sua
frente, busca elencar os feitos do regime criando um somatório de valores positivos do regime
de 37, mesmo que a democracia chamada de maneira depreciativa por CP de liberal estivesse
de voltando.

Dada a conjuntura e a própria direção que era dada a política Cultura Política não pode deixar
de editar matérias que se configuravam como um anti-discurso daquilo que em termos

182
políticos e crítica ao que chamava de democracia liberal havia feito desde março de 1941.

Em janeiro de 1945 CP publica a primeira matéria que efetivamente demonstra a mudança de


rumos políticos do país e, por conseguinte uma necessária alteração no conteúdo da
publicação do DIP no tocante a matérias que abordariam a política nacional. Trata-se na
verdade de transcrição na integra de discurso do Presidente da República proferido em 31 de
dezembro de 1944 em almoço oferecido por militares a Vargas.

Afora o levantamento de Vargas acerca da colaboração do Exército, Marinha e Aeronáutica no


tocante às tarefas de construção do país durante os anos em que esteve à frente da Presidência
da República e do levantamento que faz dos avanços conseguidos na siderurgia, transportes,
fabricação de aviões e ―reaparelhamento material‖ das forças armadas, fará também menção a
conjuntura política interna do país e ao que já vislumbrava para um futuro próximo.

―Os problemas de organização política estão naturalmente condicionados à evolução das


circunstâncias internas e externas e hão de ser resolvidas a seu tempo. A agitação prematura,
as perturbações demagógicas, as ameaças à tranqüilidade pública, só poderão servir para
dificultar o bom entendimento de tôdas as correntes e matizes de opinião‖ (CP. nº 48. janeiro
de 1945. pág. 13).

Mais adiante apontaria para o que - se estivéssemos em um jogo de xadrez – seria uma
situação de cheque para a revista Cultura Política, ao mencionar que para efetuar um processo
de ―....evolução gradual, sob o império da lei e da ordem.......todos os esforços serão feitos de
forma a conseguirmos o ambiente pacífico necessário à complementação constitucional, que
se efetuará brevemente em moldes de ampla e livre consulta à opinião‖ (Idem. Pág. 13).

183
Se Vargas teve que se curvar a realidade CP também deveria. A democracia representativa
constituída pelo voto direto dos cidadãos estava batendo à porta. Restava à revista adaptar-se-
mesmo que a fórceps - à nova conjuntura política do país.

Assim é que em fevereiro de 1945 CP transcreve estudo acerca da revisão constitucional a que
Vargas havia incumbido a Secretaria da Presidência da República a elaboração.

Em uma frase o estudo em questão, entregue ao Presidente em 22 de fevereiro de 1945 em


Petrópolis, procurará fundamentar a mudança de rumos do país sem que os quinze anos
anteriores e principalmente o Estado Novo não soassem como antagônicos ao futuro político
que viria:

―Seja-nos permitido aqui repetir o conceito de Rui Barbosa, de que o primeiro de todos os
princípios é o da relatividade prática da aplicação dêles à variedade infinita das circunstâncias
dominantes.
Acresce ainda que ninguém ignora o permanente interêsse com que o alto e compreensivo
espírito de Vossa Excelência tem procurado atender aos anseios da opinião e às conveniências
do país‖ (CP. nº 49. fevereiro de 1945. pág. XII).

Sem considerar que haja a necessidade da elaboração de nova constituição e contando com
longa consideração acerca da conjuntura política do pós-guerra - sem deixar de levantar as
realizações de Vargas - o texto elaborado pela Secretaria da Presidência da República procura
demonstrar a necessidade de uma reforma constitucional no que tange principalmente ao tema
representação política e - ao considerar o formato previsto para eleições tal qual determinado

184
na Constituição de 37, afirma:

―No sistema adotado pela Constituição, a qualidade de eleitor não resulta, em todos os casos,
de uma delegação direta do povo, mas da circunstância de pertencer o eleitor a determinada
categoria política ou econômica. A influência do povo na constituição dos órgãos supremos do
Estado é assim remota e mesmo os eleitores escolhidos por sufrágio direto, como, por
exemplo, os vereadores, êstes próprios, no momento em que vão dar seu voto na eleição
indireta, não oferecem segura garantia de que ainda representam a opinião pública, no que
tange à escolha de que vão participar, por não terem sido eleitos para êsse expresso e único
fim.
Tôdas estas considerações denotam a conveniência de restabelecer-se o sufrágio direto para
eleição do Presidente da República, da Câmara dos Deputados, do Conselho Federal, dos
Governadores e das Assembléias Legislativas estaduais. (Idem. Pág. XI).

Em maio de 1945, Cultura Política vai as bancas de jornais pela última vez ainda vinculada ao
DIP. O Departamento seria extinto naquele mês, sendo que o último número da revista -
número 50 - seria referente aos meses de março, abril e maio de 45, ou seja, pela primeira vez
desde seu lançamento em março de 1941 a revista deixou de manter a característica de
publicação mensal72.

Porém o último número de CP ainda como publicação do DIP apontou para algumas questões
que diziam respeito ao futuro político do país e a própria carreira política de Vargas após o
72
A única exceção seria agosto de 1943, quando além do número 30 lançou a Edição Extraordinária – O
Brasil na Guerra – número 31 que fez um balanço da participação do Brasil da Segunda Guerra, o que
demonstrava na época não sinal de crise, mas de força de CP.

185
Estado Novo.

É neste número publicada a integra da reforma constitucional que iria permitir eleições gerais
no Brasil. Trata-se da Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945. A revista também
iria publicar no mesmo número o anteprojeto da Lei Eleitoral que embasaria as eleições
previstas na reforma constitucional.

Na abertura desta publicação de CP duas matérias que tratam do Presidente da República


chamam a atenção. Uma delas O 19 de Abril faz referência ao aniversario de Vargas. CP
enaltece a personalidade do homem e do político Getúlio Vargas, destacando em especial o
que seria a marca do político gaúcho: sua vinculação com os trabalhadores.

A respeito de Vargas CP observa o quanto ―Eram antigas as aspirações mínimas, nunca


conseguidas, antes postergadas, da grande massa de trabalhadores brasileiros. Aspiravam a um
pouco mais de justiça, a um pouco mais de confôrto, queriam, enfim, um lugar ao sol‖. E
observa em seguida a obra de Vargas ao comentar: ―O grande sôpro vivificador que haveria de
animar o monumento que são as leis de amparo ao trabalhador, somente poderia ser dado a
partir dêsse ano73. Foi pois, na vigência do seu governo, que o Presidente Vargas conseguiu
codificar as leis que regulam o Trabalho‖. (CP. março/abril/maio de 1945. nº 50. págs. 7 e 8).

Era momento de transição para Vargas, para o Brasil e para revista Cultura Política. Dos dois
discursos de Vargas transcritos por CP em seu número 50, temos que ambos apontam para a
conjuntura política marcada pelos últimos meses do Estado Novo e o período democrático que

73
O trecho se refere a Revolução de 1930.

186
se aproximava. Uma conjuntura em que Vargas e Cultura Política buscavam se apresentar
como partidários da democracia do voto direto.

E é da imagem que Vargas construiu durante o Estado Novo e que pretendia perpetuar que
advém um dos seus discursos reproduzidos por CP.

Em 1º de maio de 1945 Vargas proferiu discurso aos trabalhadores no estádio do Vasco da


Gama no Rio de Janeiro. Pronunciamento que além da reprodução integral feita por CP contou
com transmissão radiofônica para todo país.

Em seu discurso se coloca ao lado dos trabalhadores no processo de construção do país.


Disserta sobre os feitos da Revolução de 30 – considerando o período de 30 a 45 como
oriundos daquele movimento – fala acerca das melhores condições a que o trabalhador passou
a vivenciar, critica a oposição ―negativista‖, os ―golpista e reacionários‖, fala da morte do
nazi-fascismo e da campanha do Brasil na Segunda Guerra.

E observa que ―A candidatura do General Eurico Gaspar Dutra, chefe militar com assinalados
serviços à defesa nacional, merece a confiança da Nação e já reúne a maioria das suas forças
políticas‖. (Idem. Pág. 20).

Ainda no mesmo discurso se compromete a transmitir o cargo ao próximo presidente que seria
eleito e que garantiria a ordem necessária para a realização das eleições. Informava ainda aos
ouvintes que se recolheria a vida privada após a transmissão do cargo.
―Já fiz a minha parte na grande tarefa de mobilizar, para o engradecimento comum, as forças
criadoras da nacionalidade. Ultimada a recomposição política e reajustados os quadros

187
governamentais, retornarei às atividades de simples cidadão, recolhendo-me à vida privada‖.
(Idem. Pág. 15).

Os últimos números de CP - ainda vinculada ao DIP - demonstram esforço da publicação em


acompanhar a guinada que a política nacional sofria. Além de relatar as ações de Vargas no
sentido de retornar o país à democracia política, mantém a imagem do Presidente da
República como o estadista que empreendeu as mudanças advindas da Revolução de 30 e que
se manteve do lado do povo, ressaltando o vínculo de Vargas com os trabalhadores. E o faz
abrindo o espaço de costume a fala de Getúlio.

Este processo que se dá desde os primeiros sinais de que o regime perdia a sua força até a
saída de Vargas da Presidência da República continuarão a influenciar nos destinos da
publicação de Almir de Andrade.

Em agosto de 1945 Cultura Política voltaria as bancas no que seu Diretor Almir de Andrade
chamou em editorial de “Cultura Política” em sua nova fase. No editorial Andrade faz um
balanço positivo dos 50 números anteriores e observa a importância que a revista passou a ter
após os anos em que foi as bancas.

Observando que a revista passou a ser fonte para pesquisadores nacionais e estrangeiros,
salienta que ―Cultura Política é hoje conhecida lida e procurada em mais de uma centena de
bibliotecas e de universidades americanas – como poderá verificar pela consulta aos seus
boletins bibliográficos e aos Handbooks editados nos Estados Unidos.‖ (CP. agosto de 1945.
nº 51. pág. 6).

188
Quanto a linha editorial Andrade afirma que será a mesma e para corroborar sua colocação
transcreve as primeiras páginas do exemplar de número 1 da revista, onde na época a revista
discorria sobre a noção de cultura e política que embasaria Cultura Política.

Relendo o conceito elaborado por CP - após conhecermos a trajetória da revista - notamos que
ele se presta enquanto texto a conjunturas diversas.

O conceito de democracia e suas instituições políticas que apresenta, em alguns pontos, aponta
para um regime que flutuaria conforme o momento histórico como quando afirma:

―Não podemos forçar transformações prematuras, nem precipitar acontecimentos que ainda
não chegaram à completa maturidade. Por outros termos, o arbítrio humano não pode
modificar o que, por qualquer causa, ainda não é socialmente modificável.
Mas também não podemos impedir que as instituições se modifiquem e renovem, quando a
sua própria história indica um novo rumo, quando a própria vida impõe novas tendências
adaptativas e novas diretrizes para o futuro‖ (CP. março de 1941. nº 1. pág. 5).

Porém em outros pontos do texto a esperança no que viria com o Estado Novo fica clara e se
distancia do momento político que chegava com a republicação em 1945 do editorial de
abertura de CP de 1941:

―A democracia moderna não pode se desligar da grande crise social e econômica do mundo.
De um mundo que clama por novas soluções, que nos arrasta, a passos de gigante, para o
limiar de uma nova era – em que novas formas de vida e de organização social virão substituir
as antigas, que já cumpriram a sua missão.

189
O verdadeiro ideal democrático impõe uma aproximação cada vez maior entre o govêrno e o
povo, entre o Estado e o homem comum – afim de que possa aquêle servir, não mèramente a
fins políticos, mas essencialmente à cultura, à alegria, ao bem-estar, à felicidade de todos e de
cada um em particular‖ (Idem. Pág. 7).

É, portanto com esta ambiguidade que CP voltaria às bancas. Porém, como a própria
Secretaria da Presidência da República fundamentaria a flexibilidade que alguns conceitos
podem ter em razão da conjuntura ao utilizar-se de frase de Rui Barbosa, CP também parte
para sua ―nova fase‖.

Coerente com a trajetória que caberia a parte dos partidários do regime CP publica O
programa do Partido Social Democrático. Segundo a introdução que faz dos catorze capítulos
do programa do P.S.D. a revista neste editorial sem especificação de autor vê que ―...pela
forma humana com quês e ocupa dos interêsses nacionais, pela visão segura com que aponta e
promete solucionar os principais problemas do país, representa uma peça de relevante
significado na história da nossa vida republicana, afirmando-se ainda como um documento
oportuníssimo nessa fase de pronunciamentos eleitorais em que se acha empenhada a opinião
brasileira‖. (CP. agosto de 1945. nº 51. pág. 6).

Apesar de não apresentar o programa do Partido Trabalhista Brasileiro da mesma forma com
que havia feito em agosto de 45 ao dedicar editorial ao programa do P.S.D. CP publica em
setembro de 1945 em seu número 52 o editorial O Brasil e o Programa do Partido Trabalhista
Inglês.

Com este editorial e a cobertura que fez acerca do programa do P.S.D. CP ao mesmo tempo

190
em que demonstra que efetivamente está em nova fase. Apóia o partido que lança a
candidatura de Dutra e aponta para a outra força político partidária que surgiria no Brasil, o
trabalhismo.

Em suma procura novamente ressonância com a conjuntura política do país buscando refletir
que o momento é - tal qual Vargas entende ao proferir discurso em 7 de setembro de 1945 -
outro em relação àqueles das eleições de antes de 1930:

―O povo brasileiro possui hoje uma mentalidade política bem diferente da que imperava nas
antigas campanhas eleitorais. Sabe o que quer e há de decidir por si mesmo na hora de votar.
Para tanto, não lhe faltarão garantias e a liberdade de escolher entre os que forem dignos de
sua confiança‖ (Discurso reproduzido por Hélio Silva em O pensamento político de Vargas.
Coleção Pensamento Político Brasileiro vol. 1 . L&PM editores. 1980. pág. 65)

O tempo era outro e CP procurou participar do embate político que as novas ações do governo
Vargas suscitavam. A nova fase que o país começava a adentrar voltaria a ser marcada pelo
conflito permanente. Nada incomum dado que se pretendia voltar à democracia.

Assim é que se configuram os editoriais dos números 51 e 52 de CP. Respectivamente


intitulados A Luta Anti-Truste publicado em agosto de 1945 e A Luta Anti-Truste no Brasil e
nos Estados Unidos publicado em setembro de 1945, que tratam do decreto lei 7.666, de 22 de
junho de 1945 e procuram demonstrar a necessidade de se criar uma legislação no Brasil, tal
qual os EUA criaram basicamente com a ―Lei Sherman – Federal Anti-Trust Act de 1890.‖
(CP. agosto de 1945. ano V. nº 51. pág. 57)

191
Observa o editorial do número 51 de CP, que apesar das falhas da legislação norte americana,
o decreto lei 7.666 seria inspirado na legislação dos EUA, embora potencialmente mais eficaz.
O editorial assinalaria ainda que a luta contra o domínio dos mercados por um número
reduzido de empresas constitui-se em tarefa necessária para defesa da economia e produção do
Brasil.

Em defesa da necessidade da criação de uma legislação pertinente a questão no Brasil cita


exemplos da ação dos trustes:

―Os trustes de casa e os de fora, em luta entre si, ou unidos para a destruição dos mais fracos,
fizeram desaparecer, entre nós, indústrias prósperas, como aconteceu, por exemplo, com as
indústrias das linhas no Nordeste; com a do fósforo e das sêdas; com as empresas elétricas.
Aparecem laboratórios que, para açambarcar mercados, dominaram redes de propaganda, não
escolhendo processos, não parando nem mesmo nas barreiras da calúnia‖ (CP. agosto de 1945.
ano V. nº 51. pág. 57).

A revista também relatou a polêmica que a lei antitruste causou nos meios políticos ao se
referir ―...a organização de comícios em praça pública, como o realizado defronte ao Teatro
Municipal, para calcularmos a extensão da lei e a sua profunda repercussão‖ (Idem. Pág. 56).

Tratava-se daquela que ficou conhecida por lei Malai que marcada pela oposição da UDN -
que segundo Skidmore – via na legislação uma ação dirigida ―...principalmente contra cadeia
de jornais de propriedade de um anti-getulista declarado, Assis Chateaubriand‖. Porém outra
questão levantada pelo autor seria mais pertinente: ―Os interesses comerciais dos Estados
Unidos também ficaram alarmados com o decreto, por motivos óbvios. Discretamente, estes

192
procuraram obter modificações na sua regulamentação‖. (Skidmore. 1979. pág. 76).

Em outubro de 1945 – mês da deposição de Vargas pelos militares - Almir de Andrade


publicou o último número de Cultura Política – Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Trata-
se do número 53 que coincidentemente traz em seu editorial um balanço dos quinze anos em
que Vargas esteve a frente da Presidência da República.

Após uma breve reflexão do momento político em que o país vivia e citando o discurso de
Vargas proferido no 7 de Setembro daquele ano, conclui – concordando com o Presidente –
que o povo e as instituições políticas do país estavam preparados para as eleições diretas que
se aproximavam.

Repassa a obra do Presidente no tocante à administração pública, economia, discorre sobre as


qualidades pessoais do Presidente e as razões pelas quais o Brasil teve que passar por um
período ditatorial, refletindo:

―Houve uma série de circunstâncias objetivas, cujas causas históricas residem, talvez, nos
primórdios da República, que provocaram em nosso país o movimento revolucionário de 1930
e os acontecimentos que a êste sucederam, - cuja conseqüência final foi a momentânea
concentração do poder político nas mãos do Chefe do Executivo. E não foi um fenômeno
apenas brasileiro, mas universal, que no Brasil assumiu feição sui generis‖. (CP. outubro de
1945. ano V. nº 53. pág. 4).

Salienta o editorial, entretanto, que somente um homem poderia ter enfeixado tamanha
concentração de poderes e usá-la de maneira equilibrada.

193
―...qualquer outro homem, que não fôsse Getúlio Vargas, e que tivesse liderado o país depois
de 1930, teria governado fazendo largo uso e talvez abuso de mais poderes, quiçá de muitos
mais poderes‖. (Idem. Pág. 5)

Encerra o editorial relatando a manifestação de 3 de outubro de 1945, em que manifestantes


pró-Getúlio reivindicam uma nova Constituição com Vargas na Presidência. Era a
configuração em termos de manifestação popular do que ficou conhecido como o
queremismo.

A revista mostra durante seus três últimos números esforço no sentido de manter-se ao lado de
Vargas e das ações que o Presidente ainda tomaria nos últimos meses de poder, procurando
manter a mesma visão que Vargas buscava demonstrar acerca do povo e de eleições diretas.

Quando a revista publicou em seu número 51 texto de Odorico Costa74 que criticava o perfil
do político brasileiro da República Velha - intitulada Eleições, eleitos e eleitores do passado, a
análise é feita olhando-se para algo que procura ser visto como superado, tanto que o nome
dado por CP ao item do sumário daquele número onde estava a matéria do autor é Política de
ôntem.

Observa Costa: ―Na República, o processo eleitoral foi desfigurado inteiramente. A consulta
dirigida ao povo, através do teste do voto, que durante o período republicano, nunca
74
O autor publicou a matéria A dissolução dos partidos políticos brasileiros (CP, – março de 1943 – ano
III número 34, págs. 166 a 175), analisada no capítulo 3 desta pesquisa que se comparadas demonstra a mudança
na abordagem do autor e da revista.

194
representou a verdade. Se o voto é o instrumento por meio do qual o povo afirma a sua
vontade e a sua soberania, no Brasil êsse instrumento aviltou-se, erigindo-se em um
instrumento de ignomínia. Servia apenas para demonstrar que a massa votante brasileira
estava exatamente naquele ponto da definição irreverente: povo é um grupo de homens, como
porcada é um grupo de porcos....‖ (CP. agosto de 1945. ano V. nº 51. pág. 54).

Ainda em sua última edição, publica artigo de Altamiro Nunes Pereira75 intitulado O petróleo
no Brasil texto que segundo CP trata-se da ― primeira síntese completa, até hoje feita, dos
esforços do Governo Brasileiro para o descobrimento do petróleo nacional – desde o início até
o presente momento‖ (CP. outubro de 1945. ano V. nº 53. pág. 9).

A publicação de editoriais acerca da lei antitruste, sobre o trabalhismo, a matéria comentada


em que se apresenta parte do programa do P.S.D. e mesmo o artigo que trata da questão do
petróleo no Brasil ou a que mostra que a cultura política das eleições no Brasil havia mudado,
buscou inserir a revista em outro patamar: o do embate dentro de um contexto em que as
ideias passariam a competir de maneira mais acirrada. Porém não foram suficientes para
manter a revista em circulação.

Calcada em praticamente toda sua existência na construção e reprodução de um ideário avesso


a democracia que ela mesma chamava de liberal, CP teve na nova ordem política que se
formava uma realidade que era o avesso de sua razão de ser.

Não há por parte de Almir de Andrade detalhes acerca do fim da revista. O que diz a respeito

75
Tenente Coronel do Exército e Professor do Colégio Militar.

195
não se coaduna com a exposição de motivos que fez no número 51 da revista. Em depoimento
Almir de Andrade descreve o fim de Cultura Política:

― Porque aí o DIP acabou, e continuei com a revista. E como eu é que tinha fundado, que a
tinha organizado e dirigido, registrei o título no meu nome e fiquei até com a patente industrial
da revista. Mas com a queda do governo não havia mais ambiente para continuar. E aí
passados uns dez anos, sem ser publicado, caducou. De modo que o título hoje está aí para
quem quiser usar‖.

(Almir de Andrade (depoimento, 1981). Rio, FGV/CPDOC- História Oral, 1985. págs. 10 e
11).

196
Considerações finais

Em uma abordagem superficial da revista Cultura Política e dos intelectuais que colaboraram
em suas 53 edições, pode-se ter a impressão que muitos daqueles colaboradores viveram um
processo dicotômico. Escreveriam imbuídos da perspectiva de que influenciariam nos destinos
da vida política nacional ao mesmo tempo em que serviam a propaganda política do regime.

Porém, o fato a que devemos nos ater é que a política vive mergulhada em questões que não se
circunscrevem a um só elemento quando vamos à procura do entendimento dos processos
pelos quais ela funciona.

A política não pode, sobretudo a partir do tempo em que a cultura de massa se fez presente, se
reduzir a ação dos atores políticos na administração do Estado ou a debates restritos. No caso
de Cultura Política os autores que colaboraram com a revista pretendiam ser atores em um
cenário político em que a propaganda não mais poderia ser desprezada.

O projeto político do Estado Novo e de seu líder - Getúlio Vargas - continha como elemento
de destaque a propaganda. E se o intelectual pretendia participar deste projeto como ator teria
que se adaptar aos novos tempos.

Autores como Paulo Augusto de Figueiredo, Nelson Werneck Sodré, Azevedo Amaral,
Gilberto Freire, Almir de Andrade, Cassiano Ricardo e outros que colaboraram com Cultura
Política contaram - para ampliar a sua participação na vida política nacional – com uma mídia
com tiragem mensal de 3000 exemplares, distribuída nas bancas de jornais dos principais

197
centros do Brasil. Suas ideias deixaram de circular em meios mais acadêmicos ampliando sua
margem de influência, mesmo se tendo em conta que Cultura Política não foi uma publicação
de compreensão possível ao cidadão menos letrado.

Vimos no relato de Almir de Andrade que Vargas não estava contente com o ideário com o
qual o Estado Novo estava sendo reconhecido quando visto, por exemplo, pela perspectiva de
Francisco Campos. Daí a necessidade de se criar um veículo que transmitisse aquilo que o
próprio regime entendia que fosse sua imagem do ponto de vista ideológico.

Os intelectuais que participaram da revista, alguns de já reconhecida relevância no que tange


suas reflexões acerca das questões da política nacional e outros de nem tanta projeção,
colaboraram com o projeto de Cultura Política no sentido já comentado de se configurarem
como atores políticos naquilo que era especialidade do intelectual engajado à política: a
reflexão, a crítica e a construção das soluções políticas no campo das ideias.

As soluções apresentadas no caso de Cultura Política tiveram o condão de serem aprovadas


pelo regime. Apesar de não estarem escrevendo sob encomenda do DIP os autores que
procuravam a revista - no que se refere às temáticas que levantamos nesta pesquisa - se não
necessariamente estavam plenamente de acordo com o regime, concordavam - pelo menos nos
temas relativos aos textos publicados – com a perspectiva política do regime quanto à questão.
Estavam dentro do escopo ideológico do regime.

Esta questão nos leva a reflexão realizada nos dois primeiros capítulos desta pesquisa,
sobretudo o primeiro.

198
As temáticas que levantamos durante esta pesquisa no terceiro e quarto capítulos nos levaram
a demonstrar uma gama de ideias dos autores. Não eram totalmente convergentes, mas
demonstraram questões abordadas pelo regime e ilustram que soluções dadas pelo regime -
como no caso de alguns pontos da Constituição de 37 - tinham franca correlação com o que os
autores entendiam como encaminhamento ideal. Neste sentido a conformação política do
regime pode ser configurada em algumas linhas mestras.

O Estado Novo não foi uma importação de algum regime específico da Europa, teve
conformações próprias, influenciado como vimos, por exemplo, com o positivismo, mas com
formatação própria dada por Vargas na ação política e pelos intelectuais que se aproximavam
do pensamento de Comte no campo das ideias.

Um pensamento político que teve influências como a do positivismo, mas procurou manter-se
fiel ao que entendia serem as raízes da cultura brasileira.

Aqui, voltando à crítica de Pécaut acerca do deformado realismo dos autoritários, entendemos
que aqueles intelectuais conseguiram ler a conjuntura e a cultura política de sua época no
sentido de entender pontos centrais da lógica e do funcionamento da política nacional e da
sociedade do seu tempo: a insipiência do que deveria ser um cidadão que participaria da vida
política nacional e a cultura autoritária que existia em conjunto com esta insipiência.

Quanto ao destino, sobretudo do pensamento político autoritário dentro da revista Cultura


Política e de alguma forma dentro da própria política nacional, vimos que teve que se curvar a
nova conjuntura política. E aí a revista e seu diretor demonstraram a medida de suas
vinculações com Vargas.

199
Cultura Política, nos seus últimos meses, vai abandonando as publicações de textos
vinculados ao pensamento político autoritário e passa a buscar uma linha editorial, no que se
refere à política, de revalorização da democracia do voto direto e centra suas atenções nas
ações do Presidente da República e o direcionamento que Vargas - na medida do possível -
tenta dar a vida política nacional.

A publicação deixa de ser uma reunião de intelectuais que pensavam a política principalmente
sob a égide do pensamento político autoritário e passa a dar cobertura ao que pontualmente
apresentava a política nacional em um período caracterizado por seu dinamismo do ponto de
vista da conjuntura política.

Muitas questões estavam circulando: reforma da constituição de 37, Constituinte sem Getúlio,
com Getúlio, anistia cobrada pela oposição, anistia concedida por Getúlio, eleições diretas e a
hipótese de que Getúlio estaria pensando em um novo golpe são algumas delas.

Cultura Política procurou nos seus últimos números ater-se a conjuntura política e apontar
realizações e conquistas oriundas do Estado Novo que não necessitavam vincular-se ao
pensamento político autoritário. Passa de publicação que demonstrava ideias e suas relações
com o regime e Vargas para publicação que buscou - ao seu final - adaptar o político Getúlio
Vargas aos novos ares que a política nacional passaria a ter.

Em suma, procuramos com esta pesquisa um melhor entendimento acerca do ideário do


regime e qual o papel que os autores que participaram de Cultura Política – Revista Mensal de
Estudos Brasileiros buscaram ter na vida política nacional daquele período histórico. Nesta

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busca acabamos por reconstruir o relato e a análise que a revista dirigida por Almir de
Andrade fez da política nacional, especialmente no que se refere à República Velha,
Revolução de 30, Estado Novo e o início da redemocratização do país que se dava com o
enfraquecimento do regime de 37.

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Os cinquenta primeiros exemplares digitalizados constam do ―site‖ CPDOC:
www.fgv.br/cpdoc/

CULTURA POLÍTICA. 1941 a 1945. (3 volumes – 51 a 53). Editadas por Almir de Andrade.

SITES CONSULTADOS

(www.cpdoc.fgv.br ) - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do


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ENTREVISTAS

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