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Universidade de BrasíÂlia

Departamento de Matemática
Prof. Celius A. Magalhães

Cálculo III
Texto 06/1 ∗

Derivadas Parciais
Uma ideia importante no estudo de funções de várias variáveis é, a menos de uma, fixar todas as
demais. Com isso, o estudo fica reduzido ao caso de uma variável, e é possível usar tudo o que já
se sabe sobre derivada de funções de uma variável. É essa a ideia por traz das derivadas parciais.
Definição e Interpretação Geométrica

Sejam f : D → R uma função e P0 = (x0 , y0 ) um ponto


interior a D, isto é, B(P0 , δ ) ⊂ D para algum δ > 0. Seja
ainda P(t) = P0 + t(0, 1) = (x0 , y0 + t) uma parametrização
da reta por P0 e paralela ao eixo Oy. Como P0 é interior,
o ponto P(t) está no domínio D se |t| é pequeno, e fica
definida a composta f (P(t)).
Essa composta é função de uma variável, e já se sabe y0
como derivá-la, por exemplo. A figura ao lado ilustra a reta x0

P(t) (no plano Oxy) e o gráfico da função composta (curva


acima da reta P(t) contida no gráfico da f ).
Definição 1 Caso exista, a derivada parcial de f em relação a y no ponto P0 é dada por

d f (x0 , y0 + t) − f (x0 , y0 )
f (P(t)) t=0 = lim

fy (P0 ) =
dt t→0 t
Assim, fy (P0 ) é a inclinação da reta tangente ao gráfico de f (P(t)) no instante t = 0, e é claro
que esse número é importante no estudo da função f . Veja a figura acima. Várias outras notações
são usadas para denotar a deriva parcial, como por exemplo

fy (P0 ) = f (P0 ) = ∂y f (P0 ) = Dy f (P0 ) = D2 f (P0 )
∂y
Analogamente define-se a derivada parcial com respeito à variável x como sendo
f (x0 + t, y0 ) − f (x0 , y0 )
fx (P0 ) = lim
t→0 t

e são usadas também as notações fx (P0 ) = ∂x f (P0 ) = ∂x f (P0 ) = Dx f (P0 ) = D1 f (P0 )
 Exemplo 1 Calcular as derivadas parciais da função f : R2 → R dada por f (x, y) = x2 + y2 em
um ponto genérico P0 = (x0 , y0 ). 

Solução. Começando com a derivada parcial em relação a y, tem-se que


f (x0 , y0 + t) − f (x0 , y0 ) x2 + (y0 + t)2 − x20 − y20
fy (x0 , y0 ) = lim = lim 0
t→0 t t→0 t
y20 + 2y0t + t 2 − y20 2y0 t + t 2
= lim = lim = 2y0
t→0 t t→0 t 
∗ Texto digitado e diagramado por Yuri Santos a partir de suas anotações de sala
A interpretação geométrica desta derivada está ilus-
trada na figura ao lado, derivada que é negativa se y0 < 0,
é nula se y0 = 0 e é positiva se y0 > 0.
É claro que, em um ponto arbitrário P = (x, y), a deri-
vada é fy (P) = 2y, valor obtido apenas derivando a expres-
são f (x, y) = x2 + y2 em relação a y (e mantendo x fixo).
Essa é a ideia das derivadas parciais: são fáceis de calcular,
x
y por serem as derivadas ordinárias em uma variável.

Analogamente, a derivada com respeito a x é fx (x, y) = 2x, e tem interpretação análoga à fy .

Função de Cobb-Douglas
As derivadas parciais ocupam um lugar de destaque tanto na Física como na Matemática, e isso
deste meados do século XVIII. Mais recentemente, muitas outras áreas têm buscado modelar seus
problemas usando a linguagem matemática, e fazem uso exaustivo das derivadas parciais. É o
caso da Economia, com a função de produção de Cobb-Douglas. Charles Cobb e Paul Douglas
usaram um modelo matemático para descrever o produto interno americano, e os resultados foram
tão bons que o modelo passou a ser usado em muitas outras situações.
Para descrever o modelo considere, primeiro, o caso em que a produção g(x) de uma industria
seja função do número x de horas trabalhas. Em geral, em uma industria, x assume valores muito
grandes e, comparado com ele, o número 1 é próximo de zero. Assim

g(x + 1) − g(x) g(x + t) − g(x)


≈ lim = g′ (x) (1)
1 t→0 t
De fato, os economistas assumem que g(x+ 1)− g(x) = g′ (x), o que fornece uma interpretação
interessante para a derivada: é o aumento correspondente na produção caso o número de horas seja
aumentado em uma unidade. Devido à essa interpretação, a derivada g′ (x) é conhecida como a
produtividade marginal do trabalho. Os economistas estudam essa derivada para saber se vale a
pena aumentar o número de horas trabalhadas em uma determinada industria.
Uma forma de estudar a produtividade marginal é compará-la com a produtividade média
g(x)/x, que é o total da produção dividido pelo total de horas trabalhadas. No modelo proposto
por Cobb-Douglas, uma quantidade é proporcional à outra, isto é, supõe-se que

g(x)
g′ (x) = α . (2)
x
Essa é uma maneira interessante de modelar problemas, por meio de equações diferenciais.
No caso, por uma equação diferencial ordinária, pois é a derivada ordinária em relação à uma
única variável. A equação (2) pode ser escrita na forma g′ (x)/g(x) = α /x, que integrada resulta
em ln(g(x)) = ln(xα ) + k. Finalmente, tomando a exponencial, obtém-se que
g(x) = Kxα
para alguma constante positiva K. Assim, como consequência do modelo proposto pela equação
(2), a função g(x) deve ser necessariamente da forma acima.
Mas por que essas observações estão relacionadas com funções de duas variáveis? Porque, em
uma industria, os gastos estão classificados segundo duas categorias: a quantidade x de trabalho
e a quantidade y de capital usadas na produção. Nesse caso, a produção é uma função f (x, y) de
duas variáveis, e vale a interpretação feita acima, isto é:
i) fx (x, y) = produtividade marginal do trabalho
ii) fy (x, y) = produtividade marginal do capital

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O modelo de Cobb-Douglas nesse caso faz as mesmas hipóteses usadas acima, e isso em cada
uma das variáveis separadamente. Explicitamente, o modelo supõe que

f (x, y) f (x, y)
fx (x, y) = α e fy (x, y) = β (3)
x y
Estas são equações diferencias parciais, por envolverem as derivadas parciais. Entretanto, são
equações muito simples e, comparando com o que se fez acima, não é difícil perceber que as
soluções agora são da forma
f (x, y) = Kxα yβ
Esta é, afinal, a função de produção de Cobb-Douglas, que ilustra bem o uso das derivadas parciais
em áreas distintas da Matemática e da Física. Essa função será estudada em detalhes mais adiante,
em conexão com os multiplicadores de Lagrange.
Derivadas Segundas
Voltando pao caso geral, as derivadas parciais podem ou não existir. Por exemplo, a função
f (x, y) = x2 + y2 , definida em R2 , possui derivadas parciais em (x, y) 6= (0, 0), onde
x y
fx (x, y) = p e fy (x, y) = p .
2
x +y 2 x + y2
2

No entanto, na origem O = (0, 0), não existe o limite

f (0, 0 + t) − f (0, 0) |t|


lim = lim
t→0 t t→0 t

e portanto a função não possui derivada parcial com respeito a


x y
y nesse ponto. Veja a figura ao lado.
Se f : D → R possui derivada parcial com respeito a y em todos os pontos de D, então fica
definida a função fy : D → R. Nesse caso pode-se perguntar pelas derivadas parciais de fy , ditas as
derivadas parciais segundas. Essas derivadas são indicadas com a notação ( fy )x = fyx e ( fy )y = fyy .
Analogamente para a derivada parcial fx . A figura abaixo ilustra a relação entre essas derivadas.

♦ f ❖❖❖❖
♦♦♦♦♦ ❖❖❖
♦ ♦♦♦ ❖❖❖
❖❖❖
♦ ♦♦♦ ❖❖'
w ♦
fx ❄ fy ❄
⑧⑧ ❄❄ ⑧⑧ ❄❄
⑧⑧ ❄❄❄ ⑧⑧ ❄❄
⑧⑧ ❄❄ ⑧⑧ ❄❄
⑧⑧  ⑧⑧ ❄
fxx fxy fyx fyy

 Exemplo 2 Calcule as derivadas parciais segundas de f (x, y) = xy , com x > 0 e y ∈ R. 

Solução. A função pode ser escrita na forma f (x, y) = eyln(x) , e é fácil calcular as derivadas
y y
fx (x, y) = eyln(x) = xy = yxy−1 e fy (x, y) = eyln(x) ln(x) = xy ln(x)
x x
que estão definidas para x > 0 e y ∈ R. Pode-se então estudar as derivadas de fx , que são

fxx (x, y) = y(y − 1)xy−2 e fxy (x, y) = (y)y xy−1 + y(xy−1 )y = xy−1 + yxy−1 ln(x)

Já as derivadas de fy são dadas por

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fyx (x, y) = (xy )x ln(x) + xy (ln(x))x = yxy−1 ln(x) + xy−1

fyy (x, y) = (xy )y ln(x) = xy ln2 (x) 

De acordo com o gráfico ao lado, a função f (x, y) = xy é bas-


tante assimétrica em relação às variáveis x e y. No entanto, apesar
dessa assimetria, parece curioso o fato das derivadas parciais mistas
coincidirem, isto é, que fxy (x, y) = fyx (x, y). De acordo com o pró-
ximo teorema, cuja demonstração pode ser encontrada nos bons livro
y de Cálculo, isso não é uma coincidência, mas uma consequência da
x continuidade das derivadas.

Teorema 1 Seja f : D → R uma função dada e P0 ∈ D um ponto tal que B(P0 , δ ) ⊂ D para
algum δ > 0. Se as funções fx , fy e fxy existem em B(P0 , δ ) e, além disso, são funções contínuas
nessa bola, então existe fyx (P0 ) e fyx (P0 ) = fxy (P0 ).

A igualdade entre as derivadas parciais mistas será muito usada ao longo do curso. É neces-
sário, entretanto, verificar com cuidado as hipóteses do teorema, pois existem casos em que essas
derivadas não coincidem. Esse é o conteúdo do
 Exemplo 3 Seja f : R2 → R dada por
2 2

 xy(x − y )

se (x, y) 6= (0, 0)
f (x, y) = x2 + y2
0 se (x, y) = (0, 0).

a) Calcule fx (0, y) e fy (x, 0) usando a definição de derivada parcial.


b) Use o item anterior para verificar que fxy (0, 0) 6= fyx (0, 0) 

Solução. a) Usando a definição, obtém-se que

f (0 + t, y) − f (0, y) y(t 2 − y2 )
fx (0, y) = lim = lim 2 = −y
t→0 t t→0 t + y2

e
f (x, 0 + t) − f (x, 0) x(x2 − t 2 )
fy (x, 0) = lim = lim 2 2 = x
t→0 t t→0 x + t

b) Usando o item anterior segue-se que

fx (0, 0 + t) − fx (0, 0) −t
fxy (0, 0) = lim = lim = −1
t→0 t t→0 t

e
fy (0 + t, 0) − fy (0, 0) t
fyx (0, 0) = lim = lim = 1
t→0 t t→0 t

o que mostra que as derivadas parciais mistas são de fato distintas. 


O resultado desse exemplo pode ser explicado por meio dos gráficos das funções f , fx e fxy ,
ilustrados nas figuras abaixo. Dos gráficos percebe-se que as funções f e fx são contínuas em
toda uma vizinhança da origem. No entanto, a função fxy apresenta uma forte descontinuidade na
origem, e portanto a função f não satisfaz as hipóteses do Teorema 1.

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Gráfico de f Gráfico de fx Gráfico de fxy

Finalmente vale notar uma analogia interessante entre os casos de uma e várias variáveis.
No caso de uma função de uma variável g(x), os pontos críticos x0 são aqueles para os quais

g (x0 ) = 0. Além disso, esses pontos podem ser classificados como de mínimo ou máximo local
de acordo com o sinal da derivada segunda: o ponto x0 é de mínimo local se g′′ (x0 ) > 0, e de
máximo local se g′′ (x0 ) < 0.
No caso de funções de duas variáveis f (x, y), os pontos críticos (x0 , y0 ) são aqueles para os
quais fx (x0 , y0 ) = fy (x0 , y0 ) = 0. A pergunta natural agora é se as derivadas segundas podem ser
usadas para classificar esses pontos como de mínimo ou de máximo local. Para isso, o primeiro
passo é organizar as derivadas parciais de acordo com a matriz Hessiana
 
fxx (x, y) fxy (x, y)
H f (x, y) =
fyx (x, y) fyy (x, y)

Nas hipóteses do teorema acima essa matriz é simétrica, o que facilita muito o seu estudo. Por
exemplo, sendo simétrica, ela certamente possui dois auto-valores reais λ1 e λ2 . Pode-se mostrar
então o seguinte critério: o ponto crítico (x0 , y0 ) é de mínimo local se λ1 > 0 e λ2 > 0, e de máximo
local se λ1 < 0 e λ2 < 0. Esse fato é curioso por estabelecer um paralelo interessante entre os casos
de funções de uma e de duas variáveis.

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