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Pré-Vestibular Social

Grupo SOA • Suporte à Orientação Acadêmica

Temáticas transdisciplinares
Sessões especiais de orientação acadêmica

TRANSPORTE E
DESENVOLVIMENTO HUMANO
Este texto de trabalho foi elaborado pelo Grupo SOA
com vistas exclusivamente ao debate no âmbito do Pré-Vestibular Social

◄  1  ►
Foto: Zsuzsanna Kilian. Disponível em: http://www.sxc.hu/photo/980459
Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
Luiz Fernando Pezão

Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia


Gustavo Tutuca

Fundação Cecierj

Presidente
Carlos Eduardo Bielschowsky

Vice-Presidente de Educação Superior a Distância


Masako Oya Masuda

Vice-Presidente Científica
Mônica Damouche

Pré-Vestibular Social

Rua da Ajuda 5 - 16º andar - Centro - Rio de Janeiro - RJ - 20040-000


Site: www.pvs.cederj.edu.br

Diretora
Celina M. S. Costa

Coordenadores do Grupo SOA


Bruno A. França
Lenise L. Fernandes
Maria F. C. M. Gomes

Material Didático

Elaboração de Conteúdo
AAlbert J. S. Stirling
Aparecida B. M. Pedro
Bruno A. França
Carlos F. S. Cunha
Cristiana L. Januario
Edson D. M. Menezes
Elaine F. C. Cordeiro
Jose C. T. Silva
Juliana M. Sousa
Leandra M. C. Melim
Lenise L. Fernandes
Leyza B. Lucas
Marcela M. Gomes
Maria F. C. M. Gomes
Munique F. Gomes
Paloma C. S. Feitosa
Rafael C. Neves
Simone M. Silva
Vanessa R. Tinoco
Victor H. Vassallo
Ygor C. M. Oliveira
PRÓLOGO
Neste texto dedicaremos nossa atenção ao tema dos transportes, presente em nossa vida
diária de forma cada vez menos silenciosa e que, por sua relevância social, pode vir a ser
abordado no ENEM e em outros exames de acesso ao Ensino Superior. Porque interfere dire-
tamente na possibilidade de circulação de pessoas, objetos e até mesmo de informações, este
assunto se torna pauta tanto do planejamento público quanto de conversas informais, sendo
frequentes as críticas à insuficiência deste tipo de serviço no atendimento das necessidades
da população brasileira, principalmente se comparadas aos padrões encontrados em outras
cidades do mundo.
Pela importância desta discussão, é necessário considerarmos os diversos ângulos impli-
cados nas condições que atualmente caracterizam tanto as demandas quanto o oferecimento
destes serviços. Conforme veremos, a busca pelos avanços no campo dos transportes se re-
laciona com fatores econômicos, sociais, culturais e políticos, ao longo da história humana.
Nosso objetivo neste texto é, portanto, abordar a relação entre transporte e desenvolvimento
humano, visando apresentar uma perspectiva crítica e macroscópica sobre o assunto para
que, ultrapassando as visões fundadas nas experiências individuais e no senso comum, pos-
samos requisitar soluções mais consistentes e democráticas para os problemas identificados.
Neste sentido, algumas indagações atravessarão as próximas páginas. Por que o sistema
de transportes no Brasil difere tanto dos encontrados em outros países? Como o progres-
so tecnológico tem sido aplicado no atendimento da necessidade milenar de deslocamento
humano? Que vantagens e desvantagens as estruturas de transporte oferecem? Se o “caos
urbano” nas grandes cidades brasileiras parece ser assunto cotidiano entre a população que
busca o direito diário de ir e vir, por que governos e profissionais da área ainda não viabi-
lizam soluções que parecem óbvias à maioria dos cidadãos? Postas estas primeiras provo-
cações, aceite nosso convite e embarque conosco em mais uma interessante viagem através
desta leitura.

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EIXO 1: O transporte como necessidade essencial ao
desenvolvimento humano
A análise da história humana indica que a necessidade de deslocamento de pessoas e
mercadorias se sofisticou - ultrapassando as práticas nômades -, conforme o sistema de tro-
cas de produtos se tornou mais complexo e determinado pelos processos de monetarização
de bens de consumo. A geração de riquezas passou a ocorrer atrelada ao desenvolvimento
e aperfeiçoamento dos transportes. Em consequência disto, tal desenvolvimento passou a ser
determinado por disputas cada vez mais acirradas no campo das relações de poder. Veja-
mos, a seguir, alguns aspectos importantes que marcam as relações entre estes processos.

1.1 A produção histórica dos meios de transporte e a


“expansão do mundo”

Nos dias atuais podemos reconhecer a existência de inúmeras profissões cujo exercício
está relacionado ao desenvolvimento técnico e logístico dos mais diversos meios de transporte
e das redes de infraestrutura necessárias ao seu suporte. Antes disso, a raça humana contava
apenas com os recursos motores imediatamente disponíveis: a capacidade oferecida por suas
próprias pernas e braços, e aquela posteriormente adquirida com a domesticação dos ani-
mais. Esta última permitiu o deslocamento de cargas mais pesadas, por trajetos mais longos
e difíceis, aumentando a rapidez e a mobilidade, em alguns casos. As relevantes invenções
da roda e do trenó, por sua vez, tornaram mais eficiente o transporte já feito por animais.
A percepção do amplo potencial de exploração dos recursos hídricos como via de loco-
moção estimulou o aprimoramento e a intensificação do uso do transporte aquático, crucial
para a expansão do mundo. As Grandes Navegações (séculos XIV ao XVI) demonstraram
a importância destas novas vias de circulação na conquista dos territórios sob o domínio da
nobreza europeia. A ampliação dos mercados veio propiciar o abastecimento de produtos
que interessavam ao consumo direto desta classe e a extração de outros, como os metais
preciosos, essenciais à sua hegemonia. Assim, expansão marítimo-comercial Ibérica pode
ser indiscutivelmente destacada como um dos maiores registros históricos que confirmam a
relevância dos meios de transporte para o crescimento de Nações e regiões, bem como para
o estabelecimento de uma hierarquia de poder político e econômico entre elas.
A Revolução Industrial também se revelou fundamental para impulsionar invenções que
modificaram radicalmente o transporte a partir do século XIX. O desenvolvimento do sistema
ferroviário integrou locais de produção, fontes de matérias-primas e centros de distribuição
e consumo, estratégia crucial à expansão dos mercados e à dinamização das relações co-
merciais. Este sistema foi ainda o primeiro a gerar grande impacto na expansão da malha
urbana e na conexão entre as cidades, como veremos em outro item, adiante neste texto.
Estendendo-se progressivamente ao atendimento das demandas individuais, os avanços do
motor à combustão interna favoreceram a produção do automóvel na virada do século XIX
para o XX, massificada por décadas no contexto do Fordismo. O primeiro metrô foi projetado
no fim da primeira metade do século XIX e construído na cidade de Londres. Com o nome oficial
de Métropolitain ou “metropolitano”, este sistema de transporte subterrâneo passou a ser usado
no início do século XX, na cidade de Paris, e foi progressivamente adotado por várias nações
em suas redes de circulação.

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O século XX foi marcado, ainda, por outras duas grandes surpresas: a exibição do primei-
ro avião, em 1906, pelo brasileiro Alberto Santos Dumont, e a concretização do transporte
espacial, iniciado na década de 1950, com rápido crescimento até os anos 1970. Embora
utilizados com propósitos absolutamente distintos, estas duas formas de locomoção definitiva-
mente impactaram a percepção humana tanto sobre o “tamanho do mundo” quanto sobre a
capacidade da conquista humana sobre ele, estimulando ainda a infinita busca de expansão
de fronteiras no próprio Universo.
Inventado na década de 1960 e aprimorado ao longo dos anos, o popularmente conhe-
cido “trem bala” revolucionou o trânsito em longas distâncias. Desenvolvendo velocidades
que costumam variar entre 250 e 300 km/h (embora possam alcançar a marca dos 500
km/h), eles são amplamente difundidos em países da Ásia e da Europa, beneficiando os des-
locamentos nacionais e entre nações. Áreas que normalmente consumiriam longas horas de
deslocamento tiveram seus trajetos reduzidos a minutos. No Brasil, previa-se a viabilização
deste modal para a Copa do Mundo 2014, ligando os estados de São Paulo e Rio de Janei-
ro. Contudo, a efetivação deste serviço foi adiada para 2020. Até lá, o Maglev-Cobra, um
trem de levitação magnética criado pela Coppe/UFRJ, talvez seja uma opção de transporte.
Segundo especialistas, esta novidade dispensa rodas, não emite ruído e nem gases de efeito
estufa, sendo um dos veículos mais limpos do mundo em termos de emissões. Além disso,
requer obras de infraestrutura até 70% mais baratas do que as obras necessárias ao metrô
subterrâneo, gerando muito menos impacto na vida da cidade.
Portanto, se a evolução dos meios de transporte se relaciona dialeticamente com o desen-
volvimento infraestrutural, tecnológico, informacional, político e econômico das sociedades,
não será fundamental refletir sobre as consequências históricas das ações humanas, acarre-
tadas pela busca da circulação de pessoas e mercadorias?

1.2 Transporte e meio ambiente

Para satisfazer a demanda energética relacionada aos sistemas de transporte, combustí-


veis fósseis como o petróleo e o carvão mineral, altamente poluente, são utilizados. Assim,
os transportes se destacam entre os maiores poluentes atmosféricos, contribuindo para a
incidência da chuva ácida, para a disseminação de doenças ligadas à poluição e para o
agravamento do aquecimento global. Alguns centros de pesquisa no mundo já desenvolve-
ram modelos de carros e ônibus movidos a hidrogênio e que têm, como produto final de sua
combustão, o vapor de água. Contudo, estes protótipos ainda exigem alto custo para sua
aquisição, manutenção e segurança, visto que o gás hidrogênio é extremamente inflamável,
o que tem contribuído para retardar a sua produção e comercialização em larga escala.
Devemos lembrar que os sistemas de transporte em uso geram impactos ambientais que
ultrapassam a poluição provocada pelo uso de combustíveis fósseis. O trânsito de veículos
desgasta as rodovias e gera partículas sólidas que ficam em suspensão no ar, poluindo o
mesmo, e/ou que se depositam nas próprias estradas. Esta poeira é levada aos corpos hí-
dricos pela água da chuva, o que diminui a qualidade da água e aumenta a turbidez que,
por sua vez, interfere na fotossíntese, na reprodução e sobrevivência das espécies. Além
disso, a construção de estradas e rodovias exige que quilômetros de áreas sejam asfaltados,
impermeabilizando grandes extensões de solo. A infiltração e o escoamento superficial dá
água, sendo afetados, compromete o potencial hídrico destas localidades, afetando o abaste-

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cimento de água para o uso doméstico, agrícola e comercial. A construção de rodovias, com
o desmatamento destas áreas, afeta o habitat das espécies da região, contribuindo para a
extinção de algumas delas e para a consequente diminuição da biodiversidade.
A circulação de veículos também desestrutura os taludes, promove a formação de racha-
duras no solo, as chamadas “cicatrizes erosivas” e potencializa o risco de eventos catastrófi-
cos como os deslizamentos de terra. Isto acresce a taxa de produção e deposição de sedimen-
tos, contribuindo para o assoreamento dos rios e para a diminuição da qualidade da água.
As ferrovias causam, basicamente, os mesmos efeitos nocivos provocados pelas rodovias:
poluição atmosférica e geração de partículas sólidas, desestruturação de taludes, alterações
hídricas ecossistêmicas, erosão e desmatamento de grandes extensões de áreas verdes.
O modal hidroviário também gera impactos ambientais. O desmatamento para criar ou
expandir áreas de embarque e desembarque para passageiros e mercadorias, bem como a
diminuição da mata ciliar, desencadeiam processos erosivos e suas consequências. Hidro-
vias de grande porte, utilizadas para o transporte de mercadorias em maior quantidade e
frequência, requerem intervenções de engenharia mais significativas, exigindo ações que
podem envolver o fechamento de braços do curso fluvial, a retificação do leito, a construção
de canais fluviais, portos e terminais, entre outras estruturas. Estas operações geram impactos
ambientais em múltiplas escalas, com efeitos imediatos e em longo prazo.
Foto: Celina Costa

Barca de passageiros entre a Praça XV e a Ilha de Paquetá, na Baia de Guanabara, Rio de Janeiro.

Como vimos, todos os modais de transporte contribuem para degradar o meio ambiente.
Entretanto, desenvolver combustíveis menos poluentes, aplicar medidas mitigadoras de im-
pactos ambientais e planejar uma boa infraestrutura de serviços de transportes coletivos são
alternativas para atenuar tais efeitos.

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1.3 Transporte e tecnologia

Conforme vimos até aqui, o mundo dos transportes sofreu diversas e profundas modificações
impulsionadas pelos avanços tecnológicos, ao longo da história humana. Com o telégrafo,
por exemplo, a comunicação se tornou instantânea e independente do transporte físico. Nas
últimas décadas, entretanto, temos notado que os impactos provocados pela introdução de
novas tecnologias neste campo incidem decisivamente no mercado de trabalho. O advento da
automação, quando presente em determinados meios de transporte, altera a organização da
rotina dos serviços, interferindo na quantidade de trabalhadores envolvidos neste processo, as-
sim como na cadeia produtiva que ele articula. A criação de cartões eletrônicos, por exemplo,
permite que o próprio passageiro compre sua passagem, eliminando desta etapa a cobrança
física feita pela mão de obra humana. Alguns trens são 100% automatizados, eliminando a
necessidade de maquinistas. O desemprego causado pela tecnologia é chamado “desemprego
estrutural”, pois reflete a perda irreversível de postos de trabalho para os meios tecnológicos.
Essa revolução tecnológica vem modificando as cidades e a sua população, interferindo
inclusive na relação entre as pessoas e os meios de transporte. Hoje, o simples fato de pegar
um ônibus, um trem ou um transporte aquaviário exige algum conhecimento prévio da tecno-
logia ali empregada. Por um lado, a não adaptação a essa realidade pode levar o cidadão
a um isolamento econômico e social, restringindo-lhe as possibilidades de emprego e até
mesmo de mobilidade. Porém, a disponibilidade de outras tecnologias favorece esta rotina:
através de smartphones podemos acessar mapas virtuais interativos (google maps, por exem-
plo) e o Sistema de Posicionamento Global (GPS, Global Positioning System), ferramentas ba-
seadas no uso de informações de satélites que orbitam nosso planeta, subsidiando o traçado
de rotas e a localização de pontos específicos, além do deslocamento de mercadorias e/ou
pessoas no espaço terrestre.
O aumento do consumo fez crescer também a quantidade de produtos em trânsito nas
diferentes modalidades de transporte. No caso do Brasil, que tem nas rodovias sua principal
malha de transporte, há cada vez mais mercadoria circulando nas estradas. O uso da tecno-
logia dos rastreadores nos veículos transportadores auxilia os processos de acompanhamen-
to do produto comprado ao longo de toda a sua rota, até sua entrega. Do mesmo modo, esta
tecnologia ajuda na localização de cargas diante de situações de furto ou roubo. O próprio
código de barras, que usamos em nosso dia a dia, aperfeiçoa e agiliza etapas necessárias à
circulação dos produtos, como na etiquetagem (labelling) e conferência eletrônica de cargas
(scanning). As informações contidas nestes códigos podem ainda identificar o valor, a origem
e o destino das peças, fatores que contribuem para uma circulação mais rápida e efetiva.
Os avanços informacionais interferem também na espacialização produtiva, pois viabilizam
a ocorrência de fluxos imateriais (controle de produção de filiais, negociação, venda, compra).
Como veremos mais adiante, a logística tornou-se um importante campo de consumo das novas
tecnologias. Afinal, a preocupação das empresas, indústrias e de produtores agrícolas já não
se define mais pela proximidade com os espaços fornecedores de matérias-primas e insumos,
mas com a fluidez das mercadorias no que se refere a sua distribuição e entrega.

◄  7  ►
1.4 Transporte e poder: a geopolítica energética

A infraestrutura de transporte permite a realização e expansão da atividade produtiva


e social dos diferentes atores que produzem o espaço: agentes hegemônicos (empresas, in-
dústrias setores governamentais) e não hegemônicos (todos os demais). Logo, ter controle e
poder de regulação dos modais de transporte significa exercer poder político, econômico e
espacial. Diversas situações históricas confirmam esta análise, como veremos a seguir.
O monopólio de Gênova e Veneza sobre as rotas comerciais, no século XV, é exemplo his-
tórico de como o domínio sobre uma rota de circulação de mercadorias influencia na lucra-
tividade e na hegemonia comercial das nações. As disputas pelo controle e acesso ao Canal
de Suez, no Egito, excediam as preocupações por domínio territorial. As nações que reivin-
dicavam a soberania e direito de uso do canal na realidade, defendiam seus interesses pela
circulação de produtos entre Europa, África e Ásia. Somente no século XX, com a descoberta
e posterior comercialização de petróleo no Oriente Médio, pôde-se observar o aumento da
importância da região para a dinâmica econômica mundial. Ainda que com algumas carac-
terísticas distintas, as disputas que marcaram a história deste canal ainda se fazem presentes.
Nos dias atuais, a Bolívia se recusa a vender gás natural para o Chile devido a ressenti-
mentos decorrentes na Guerra do Pacífico (1879-1883), que implicou na perda de território
e regiões ricas em minérios, inviabilizando o acesso boliviano ao mar. Isto torna esta nação
dependente dos portos do Brasil para o escoamento e recebimento de mercadorias, uma vez
que é pelos portos que ocorrem, predominantemente, as trocas materiais internacionais. Por
não ter acesso ao mar devido à derrota para os chilenos, a Bolívia faz, então, da recusa de
comércio energético gasífero uma estratégia para, de algum modo, exercer poder e mostrar
soberania perante o Chile.
A criação da Organização dos Países exportadores de Petróleo (OPEP), em 1969, foi uma
estratégia geopolítica que reflete as dinâmicas econômicas internacionais. Além de sua rele-
vância perante a produção industrial mundial como importante matéria-prima, os derivados
do petróleo ainda são amplamente utilizados como fontes de energia. A alta e baixa dos
preços dos barris de petróleo refletem na elevação dos preços dos combustíveis. No caso do
Brasil, boa parte dos produtos que consumimos circula pelas rodovias em caminhões movidos
a diesel. Como o aumento do custo dos combustíveis é repassado aos preços d o que consu-
mimos (bebidas, alimentos, eletrônicos, etc.), o que acontece no mercado de combustíveis que
abastecem os modais rodoviários acaba influenciando o custo de vida da população.

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EIXO 2: O papel dos transportes no desenvolvimento
das cidades
Ao conhecermos a história do desenvolvimento dos transportes no mundo, é fundamental
compreendermos que a disposição e o controle de um modal de transporte podem definir o
papel e o futuro de determinadas áreas: a emergência e valorização de umas se contrapõem
à obsolescência e à perda de prestígio de outras. Vejamos, então, alguns efeitos da relação
entre o desenvolvimento dos sistemas de transportes e dos territórios.

2.1 A ampliação da malha de transporte


e o crescimento urbano

O Império Romano transformava as cidades em instrumento de manutenção de sua sobe-


rania militar. A construção de estradas e pontes em diversos locais, visando facilitar o movi-
mento dos exércitos, o tráfego comercial e as comunicações administrativas entre as cidades
conquistadas, fazia com que elas fossem incorporadas territorialmente ao império. A articu-
lação destes centros e a intensificação da dinâmica urbana entre eles propiciou a formação
da primeira “rede de cidades” de que se tem notícia (BENÉVOLO, 1983).
Desde a Primeira Revolução Industrial (iniciada nos anos de 1750), as cidades passaram
a enfrentar a aglomeração de pessoas em busca de oportunidades de trabalho, apesar das
péssimas condições em que este lhes era oferecido: longas jornadas, cumpridas em espaços
insalubres e precários, em troca de baixíssimos salários, com elevado risco de acidentes. A
ausência de sistemas acessíveis de transporte para o deslocamento da massa trabalhadora,
ainda proveniente de regiões afastadas destes centros, contribuiu para o início do crescimen-
to urbano desordenado, que se tornaria um fenômeno histórico, sobretudo na medida em que
garantir uma moradia próxima aos estabelecimentos fabris se tornava necessidade premente.

Europa Industrial.
Fonte: Wikipédia.org

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A aglomeração urbana desprovida de um sistema sanitário proporcional à concentração
do contingente populacional tornou as áreas fabris cada vez mais inóspitas. Por essa razão
as elites buscaram locais mais aprazíveis para sua moradia, desencadeando o povoamento
de regiões entre as cidades e os espaços rurais, fenômeno verificado em vários países. Isto
deu origem aos primeiros subúrbios e à ocupação de áreas periféricas localizadas nos perí-
metros dos centros urbanos. No campo da geografia, essa “faixa de transição entre o uso da
terra tipicamente rural e o urbano” é denominada de “região periurbana” (SOUZA, 2003).
Aos poucos, a expansão horizontal das cidades foi inevitável, intensificando a demanda
por sistemas de deslocamento. O aumento desta mobilidade proporcionou a ocupação de
áreas mais distantes das centrais, com custos de vida menores. Como os centros ainda deti-
nham funções políticas e de geração de riquezas e a classe trabalhadora precisava se deslo-
car diariamente para exercer suas funções na divisão social do trabalho, retornando às suas
casas após esta jornada, a popularização dos subúrbios acabou produzindo o fenômeno
conhecido como “movimento pendular”.
Na fase em que as indústrias ainda se localizavam perto dos locais que detinham maté-
rias-primas, as ferrovias realizavam o transporte de mercadorias para os centros de distri-
buição e comercialização. Contudo, o desenvolvimento deste modal de transporte contribuiu
para que a instalação de unidades de produção tivesse outros critérios como determinantes.
A disposição de ferrovias permitia que áreas mais longínquas contribuíssem com matérias-
-primas para a produção industrial. Logo, povoados distantes e pouco adensados passaram
a integrar as dinâmicas de abastecimento do mercado. Ao redor das estações cresceram as
atividades comerciais de modo a suprir as necessidades dos negociantes e de compradores
que ali transitavam. Através da ampliação deste comércio e das moradias no entorno das
estações, os locais de paradas dos trens, antes pequenos vilarejos espaçados, foram se trans-
formando em núcleos urbanos mais densos, tornando atrativa a ocupação de áreas distantes
dos grandes centros e com baixo custo de vida. No mundo inteiro, muitas das cidades exis-
tentes surgiram a partir deste tipo de expansão.
A ocupação do território brasileiro e seu reconhecimento por nossos colonizadores tem
relação intrínseca com os sistemas de deslocamento. Inicialmente, a ocupação litorânea foi
considerada fator primordial, uma vez que os mares eram as principais vias de expansão
territorial, por onde possíveis inimigos chegariam.
Durante muito tempo, devido à falta de estradas, os rios brasileiros foram utilizados pelos
portugueses como vias para o reconhecimento territorial do mesmo modo que os rios pouco
navegáveis apresentavam-se como um fator limitante ao desbravamento de muitas regiões
do novo domínio português.
Assim como nos moldes europeus, as ferrovias no Brasil foram estabelecidas para o trânsito
de mercadorias e, posteriormente, de pessoas. Ainda, do mesmo modo que na Europa, os
núcleos urbanos foram surgindo radialmente às estações e linearmente às estradas de ferro.
Cabe lembrar que a descoberta do Caminho Novo ocasionou a transferência da capital do
Brasil para o Rio de Janeiro no século XVIII. Este fator tornou a região econômica e politi-
camente relevante para o país, reduzindo a soberania absoluta da cidade de São Paulo em
relação ao território brasileiro.

◄  10  ►
2.2 Expansão da metrópole do
Rio de Janeiro e os sistemas de transporte

Os registros oficiais afirmam que o Rio de Janeiro se inicia com a ocupação do Morro do
Castelo, considerado o primeiro núcleo urbano da cidade, em 1567. Desde então, diversos
movimentos estimularam a expansão para além desta área. Entre eles, merece destaque a
substituição dos antigos sistemas coletivos de transporte terrestre, movidos por tração animal,
pelos elétricos (os bondes) ou a vapor, ao final do século XIX.

Bondes movidos a tração animal.


Fonte: commons.wikimedia.org

Bondes Elétricos.
Fonte: commons.wikimedia.org

◄  11  ►
Em 1858, novo impulso foi dado à ocupação de novas áreas quando D. Pedro II inau-
gurou o primeiro trecho da estrada de ferro, que levava seu nome e interligava a Corte às
regiões fornecedoras de gêneros agrícolas. Posteriormente, outras estações foram estabeleci-
das em distintas localidades (atuais Japeri, Duque de Caxias, Cascadura e Madureira, entre
outros) ao longo e no eixo desta via. Isto permitiu a ocupação de outras regiões e produziu
o deslocamento pendular ao centro, o que transformou as antigas freguesias agroprodutoras
em núcleos urbanos, posteriormente identificados como bairros ou municípios.

Linha Férrea do Rio de Janeiro no Século XIX


Fonte: Abreu, 1987

A Estrada de Ferro Rio d’Ouro foi criada para transportar o material necessário ao estabe-
lecimento da rede de abastecimento que captava água dos mananciais da baixada fluminen-
se. Essa ferrovia atravessava as freguesias de São Cristóvão, Engenho Novo, Inhaúma e Irajá
(ABREU, 1997). Embora não tenha sido inicialmente projetada para o transporte de passa-
geiros e não tivesse a mesma relevância que a D. Pedro, a Rio d’Ouro permitiu desenvolver
outro eixo da cidade ao longo de suas linhas (Inhaúma, Vicente de Carvalho, Irajá, Colégio,
Areal - atual Coelho Neto - e Pavuna). Assim, a população podia alcançar o centro da cidade
através de baldeação para os trens da Dom Pedro II, na altura de São Francisco Xavier.
Para fugir da “cidade fétida” que era o Rio de Janeiro, a elite se deslocou para áreas mais
afastadas e beneficiadas pelo poder público com a abertura de vias de circulação. Instalan-
do-se na área atualmente conhecida por Centro e Zona Portuária, esta classe promoveu a
ocupação de bairros como Lapa, Catete, Glória e, São Cristóvão, posteriormente. O atual
bairro de Botafogo é contemporâneo e fruto deste mesmo processo (ABREU, 1997). Inicial-
mente, os bondes serviam ao deslocamento para estas áreas. Em um segundo momento, estes
equipamentos passaram a atender a classe trabalhadora, estendendo seus serviços a locali-
dades ocupadas por ela, tais como Santo Cristo, Gamboa, Saúde e Catumbi.

◄  12  ►
Em 1962, a inauguração dos serviços de barcas a vapor (sistema Ferry) empreendeu as
instalações portuárias da linha Rio-Niterói, impulsionando a ocupação e o crescimento urba-
no na cidade de Niterói, bem como o início do movimento pendular de trabalhadores desta
ao centro do Rio de Janeiro.

2.3 Cidades, transportes e logística.

Atualmente, ouvimos falar muito em logística, compreendida como a expressão moderna


de um conjunto de competências infraestruturais e operacionais que permitem maior efetivi-
dade das dinâmicas de produção e distribuição de mercadorias. Como as áreas de produção
e consumo nem sempre estão ligadas espacialmente, a localização de uma empresa, indús-
tria ou centro gestores depende essencialmente de uma malha de transporte para garantir
a circulação de seus fluxos materiais. Assim, a logística tem no setor de transportes uma de
suas bases fundamentais: o investimento neste setor passa a ser crucial para economias que
ambicionem o crescimento ou desenvolvimento econômico, pois têm o poder de condicionar
novas estruturas de divisão territorial do trabalho influenciando a localização de atividades
industriais, extrativas e agrícolas (BARAT, 1973).
Mas mesmo em outros contextos esta relação já se revelava importante. Na década de
1940, o município de Volta Redonda (RJ), situado no Vale do Rio Paraíba do Sul, foi escolhi-
do para abrigar a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) que, a partir de 1941, viabiliza-
ria o abastecimento industrial de minérios. A escolha da região do Vale do Paraíba se deu
em função da sua proximidade com dois importantes centros de gestão, São Paulo e Rio de
Janeiro, além do fato de dispor de vias de circulação indispensáveis ao pleno escoamento da
produção industrial.
A expansão da malha viária brasileira foi fortemente impulsionada por Kubitschek que,
para garantir a vinda das fábricas automobilísticas ao Brasil e também atrair empresas de
outros segmentos, iniciou um intenso processo de construção de estradas e rodovias, tornan-
do-as os principais sistemas modais de nosso país.
Como vemos, as regiões que apresentam condições mais favoráveis para a produção atra-
em investimentos. A cidade de Sorocaba (SP) também foi progressivamente transformada em
um polo industrial devido ao sistema rodoviário. A importância dos incentivos fiscais utiliza-
dos para atrair as empresas e sua localização próxima a importantes rodovias foram fatores
cruciais para a industrialização da região, pois aperfeiçoa o escoamento de mercadorias
para o consumidor. A empresa do setor automotivo, General Motors, instalada na cidade em
1996, é um exemplo da importância da localização espacial das empresas. Tamanho é o
potencial logístico desta região que parte dela foi delimitada como área industrial a partir da
década de 1970, sendo proibido, portanto, o estabelecimento de construções residenciais.
Como vimos a expansão urbana tem na abertura de vias o seu processo de gênese, o que
torna difícil o controle da expansão desordenada ao longo de vias. O Rodoanel localizado
no estado de São Paulo, por exemplo, representa importante via para a circulação e a logís-
tica, tendo sido estrategicamente construído sem o estabelecimento de ramificações em sua
extensão, o que impede o trânsito para as imediações da estrada, inviabilizando a ocupação
de suas margens.

◄  13  ►
2.4: Os transportes e outros debates contemporâneos

Outro eixo interessante que vem ganhando ênfase nos debates de assuntos correlatos aos
transportes é aquele que aborda a relação entre a produção de combustíveis e a produção
de alimentos. Os biocombustíveis são aclamados por muitos como uma grande saída para o
impasse ambiental proveniente da queima dos combustíveis fósseis. Contudo, o alargamento
das áreas destinadas ao plantio de matéria-prima destes produtos, com priorização do aten-
dimento a este setor, pode ser uma ameaça à segurança alimentar mundial.
Observamos no México um exemplo das consequências das alterações no uso de uma
importante matriz alimentar como matéria-prima para a fabricação de matriz energética.
O país já foi um dos maiores exportadores mundiais de milho. Porém, com o crescimento
da produção de etanol à base de amido de milho, incentivada pela estratégia de consumo
de biocombustíveis nos Estados Unidos, a produção deste item passou a estar especialmente
voltada à exportação, prejudicando o abastecimento interno. Em 2008 uma crise alimentar
afetou o México devido à falta deste produto. A tortilha, tradicional guloseima dele derivada,
triplicou de valor, em média.
Outro ponto que merece destaque se refere à relação entre transporte e saúde. A queima
de combustíveis fósseis por veículos automotores libera na atmosfera substâncias poluidoras,
tais como: óxidos de carbono, nitrogênio e enxofre, além de hidrocarbonetos. Estas substân-
cias podem provocar danos à saúde conforme foi mencionado no texto Saúde, consumismo
e meio ambiente.
Em 2009 uma epidemia da Influenza A (H1N1), mais conhecida como gripe suína, causou
centenas de mortes. A H1N1 contaminou milhares de pessoas em diferentes países como Mé-
xico, Estados Unidos, Espanha, Reino Unido e, em menor número, no Brasil, Países da Ásia,
Oceania e outras nações Europeias. Embora a dinâmica dos animais migratórios também
contribua no processo de desenvolvimento e expansão geográfica dos vírus, a circulação
internacional de pessoas contribui consideravelmente para a transmissão de doenças. Isto
ocorreu em 2002, por exemplo, quando a epidemia de Pneumonia Asiática alcançou o
Canadá, na América, devido à circulação de pessoas, processo que propiciou o avanço do
vírus. Em 2014, o mundo foi alarmado pela epidemia do Ebola.Embora já reconhecido como
existente desde a década de 70 do século XX, o vírus passou a chamar a atenção das auto-
ridades de saúde internacionais desde que voltou a matar maciçamente na África Ocidental,
espalhando-se por outras regiões do planeta.
É importante lembrar que a construção de rodovias e ferrovias e a adaptação de áreas
para o funcionamento de hidrovias também contribuem para agravar certas situações deste
tipo. Na medida em que tais empreendimentos requerem intervenções ambientais, podem
destruir o habitat natural de diversas espécies, dentre elas os vetores de doenças, que migram
para as áreas urbanas em busca de alimento.

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Pessoas usando máscaras no metrô da cidade do México durante a
epidemia da Influenza A em 2009.
Fonte: Wikipédia.org

As múltiplas dificuldades encontradas para o deslocamento diário da população geram ain-


da outros efeitos adversos na saúde, muitas vezes agravando o quadro de estresse já provoca-
do pela permanente correria da vida urbana: irritabilidade, crises de ansiedade em indivíduos
com predisposição a este distúrbio, dificuldades de concentração e mal-estares diversos, como
dores de cabeça, enxaqueca e aumento da pressão arterial. A ansiedade pode ser associada a
quadros de gastrite nervosa e insônia. O mau estado de conservação das vias, má sinalização,
falta de cercas para evitar o trânsito de animais, falta de passarelas, uso de celular ao volante,
além das situações decorrentes da imprudência e da agressividade de motoristas e pedestres,
aumentam os índices de acidentes e mortes nas estradas, avenidas e rodovias.
Visando diminuir a fatalidade no trânsito gerada pela imprudência, em 2008 foi aprova-
da a lei 11.705, conhecida como Lei Seca, que modifica o código de trânsito, proibindo os
condutores de dirigirem após a ingestão de álcool. Os que desrespeitarem a lei ficam sujeitos
a pena de altíssima multa, suspensão da carteira de habilitação por 12 meses e podem ser
detidos, dependendo da concentração de álcool por litro de sangue.

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Como funciona um bafômetro?
Os bafômetros mais simples, descartáveis, consistem em pequenos tubos com uma
mistura sólida de solução aquosa de dicromato de potássio (K2Cr2O7) e sílica, ume-
decida com ácido sulfúrico (H2SO4). A detecção da embriaguez por esse instrumento
é visual, pois a reação que ocorre é a oxidação de álcool (CH3CH2OH) a aldeído
(CH3CHO) e a redução do dicromato (K2Cr2O7) a cromo (III) [Cr2(SO4)3]. A colora-
ção inicial é amarelo-alaranjada devido ao dicromato (K2Cr2O7), mas a final é verde,
devido ao cromo (III). Estes bafômetros portáteis são preparados e calibrados apenas
para indicar se a pessoa está abaixo ou acima do limite legal.
A Figura abaixo mostra o funcionamento dos bafômetros descartáveis.

Os instrumentos normalmente utilizados pelas polícias rodoviárias, do Brasil e de ou-


tros países são bem mais sofisticados. Neles, os “suspeitos” sopram para dentro do apa-
relho através de um tubo (descartável) onde ocorre a oxidação do etanol (CH3CH2OH)
em meio ácido sobre um disco plástico poroso coberto com pó de platina (catalisador)
e umedecido com ácido sulfúrico (H2SO4), sendo um eletrodo conectado a cada lado
desse disco poroso.
O sistema detector/medidor é eletroquímico, baseado no princípio da pilha de com-
bustível (como as usadas nos ônibus espaciais da NASA para produzir energia elétrica
a partir da reação entre os gases hidrogênio e oxigênio). A corrente elétrica produzida,
proporcional à concentração de álcool no ar expirado dos pulmões da pessoa testada,
é lida numa escala que é proporcional ao teor de álcool no sangue. O funcionamento
e a química desse detector podem ser vistos na Figura abaixo.

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Infelizmente a Lei não alcançou o sucesso pleno. Muitos condutores ainda insistem em be-
ber antes de dirigir, motivados pela inconsequência, irresponsabilidade, pouca credibilidade
das instituições punitivas. São frequentes as divulgações em páginas das redes sociais, e por
outras vias, nas quais os pontos onde haverá fiscalização são compartilhados, reduzindo a
eficiência destas operações.

EIXO 3: A questão dos transportes nas grandes


cidades brasileiras
Nos itens anteriores, procuramos mostrar a complexa relação entre a criação histórica das
distintas modalidades de transportes e diversos aspectos do desenvolvimento humano. Afinal, sem
reconhecermos a sobreposição destas dimensões, torna-se impossível compreender melhor as si-
tuações que cotidianamente enfrentamos na busca pelo uso satisfatório dos serviços relacionados
a este setor. Vejamos a seguir, então, algumas das questões que merecem atenção para construir-
mos uma visão sobre este campo quando enfocamos a situação atual dos transportes no Brasil.

3.1. Atual panorama dos transportes no Brasil

Apesar do serviço essencial que presta à sociedade, os modais de transporte brasileiros


não atendem plenamente os indivíduos que diariamente os utilizam. Equipamentos lotados,
sucateados, inadequados às necessidades de acessibilidade daqueles que possuem dificulda-
des de locomoção e com altos preços fazem parte do cotidiano urbano da maior parte das
grandes e médias cidades do país.

Ônibus lotado, a realidade cotidiana do trabalhador.


Fonte: www.flickr.com

Quando os serviços de transporte se caracterizam como serviço coletivo, passam a ser


tomados como públicos, uma vez que requerem grandes investimentos, geralmente sob a
responsabilidade do Estado. Contudo, no caso brasileiro, vemos que este agente historica-
mente incentivou a participação da esfera privada na prestação deste serviço. Aos poucos,

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os órgãos públicos tornaram-se apenas agentes reguladores, enquanto que a gestão e o ofe-
recimento do serviço de transporte ficaram progressivamente a cargo das empresas privadas.
O slogan primordial destas parcerias público-privadas é sempre a melhoria dos serviços
prestados. Porém, o que efetivamente vem ocorrendo é a crescente desresponsabilização do
Estado diante das suas atribuições. Neste processo, o setor privado sai amplamente benefi-
ciado, pois passa a contar com uma fonte geradora de capital que, na maioria dos casos,
não investiu para implementar. Alguns modais podem apresentar melhorias pontuais, mas
nunca alcançam um padrão de qualidade que atenda a todas as necessidades da população.
Além disso, muitas vezes, as melhorias são efetivadas mediante a transferência deste custo
para a composição do valor das altas e crescentes tarifas pagas pelos usuários. Em linhas
gerais, esta lógica se reproduz no sistema de transporte brasileiro como um todo, ainda que
cada modalidade enfrente questões específicas para a superação destes limites.
O metrô, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, pode ilustrar bem algumas destas si-
tuações, na medida em que vem recebendo críticas há algum tempo. Sua recente expansão foi
profundamente questionada tanto do ponto de vista dos recursos quanto do planejamento, mas,
principalmente, por impasses sociais. As elites, detentoras de influencia espacial, não medem
esforços para dificultar ou mesmo impedir a construção de estações em áreas valorizadas da
cidade, já que isto facilitaria o deslocamento pendular da massa trabalhadora para além dos
dias em que ela presta serviços a estas mesmas elites, isto é, quando estivessem em busca de
lazer.

Metrô da cidade do Rio de Janeiro.


Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a4/Metro_Rio_01_2013_Estacio_5394.JPG

As rodovias brasileiras apresentam limitações de tráfego generalizadas, que vão desde a


insuficiência de trechos e sinalizações à má conservação da estrutura em seu conjunto. Os ór-
gãos públicos, responsáveis pela reforma e ampliação das vias, não realizam todas as obras
necessárias para sua melhoria. E, quando realizam tais reparações, não as fazem de modo
direto. Atualmente, grande parte das obras públicas é realizada por empresas licitadas.
O sistema ferroviário apresenta estado precário de conservação, na maioria das cidades.
A baixa disponibilidade de trens para encurtar os intervalos entre os horários das composi-

◄  18  ►
ções, bem como a não extensão das linhas do sistema para onde existe maior demanda, são
fatores que tiram do setor ferroviário qualquer aclamação pelo título de melhor alternativa de
transporte. Além disso, devemos lembrar que grande parte das pequenas cidades brasileiras
não dispõe deste serviço e as cidades mais afastadas dos grandes centros, quando possuem
trens, frequentemente constatam que o uso de seus modais prioriza o transporte de cargas
com valor internacional agregado, em detrimento do transporte de passageiros.
Por nosso país ser detentor de uma grande rede hidrográfica há também os que defendem
a ampliação das hidrovias como estratégia pouco custosa, supondo que esta só apresente
vantagens a todos os agentes envolvidos em suas dinâmicas de implantação e uso. Entretan-
to, conforme já ponderamos anteriormente, este modal, como qualquer outro, gera impactos
ambientais e socioambientais de diferentes tipos e em múltiplas escalas.

3.2 O transporte público no foco das recentes


mobilizações populares no Brasil

Em janeiro de 2012 a presidência da república sancionou a Lei 12.587/2012 (Lei de


Mobilidade Urbana), com o propósito de contribuir para instituir as diretrizes e dotar os mu-
nicípios de instrumentos para melhorar as condições de mobilidade nas cidades brasileiras.
Segundo os princípios destacados nesta Lei, o sistema de transportes no país deve visar: aces-
sibilidade universal, desenvolvimento sustentável, equidade no acesso ao transporte público
coletivo, eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte e na circu-
lação urbana, segurança nos deslocamentos, justa distribuição dos benefícios e ônus no uso
dos diferentes modos equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros.
Entretanto, as decisões necessárias para transformar estas diretrizes em ações têm resultado
de acordos firmados a portas fechadas entre o setor público e o setor privado. Com participação
insignificante dos usuários do sistema neste processo, as prioridades destas ações terminam por,
de fato, atender majoritariamente aos interesses das grandes empresas, e não aos da população.
A ineficiência do cumprimento das diretrizes firmadas pela própria lei e o aumento de tarifas
desencadearam diversas manifestações populares nos últimos anos, tais como a Revolta do Buzú
(2003, em Salvador) e a Revolta da Catraca (em Florianópolis), que deu origem à Campanha
pelo Passe Livre e, posteriormente, inspirou nacionalmente o Movimento Passe Livre (MPL), consti-
tuído durante plenária do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2005, na cidade de Porto Alegre.

Movimento Passe Livre, Cartaz de outubro de 2006.


Fonte: www.flickr.com

◄  19  ►
3.3 Do transporte como demanda coletiva
à criminalizarão dos movimentos

O Movimento Passe Livre se apresenta enquanto movimento autônomo, sem lideranças


formalmente estabelecidas, que preza pela representação horizontal, independente e apar-
tidária, embora não discrimine indivíduos ou outras organizações com relações partidárias.
Sua principal bandeira de luta propõe a migração do sistema de transporte privado para
um sistema efetivamente público, visando a garantia do acesso universal da população ao
passe livre para, assim, combater as situações de exclusão social aprofundadas pela desigual
mobilidade da população no espaço.
As sucessivas denúncias de não cumprimento de acordos nos contratos pelas empresas, e
de cumplicidade dos governos locais para com estas situações, geraram pressões incontor-
náveis, resultando na constituição de diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs),
no ano de 2013, em importantes cidades brasileiras, tais como São Paulo, Rio de Janeiro,
Campinas e Curitiba.

Protesto no Congresso Nacional ocorrido nas jornadas de junho de 2013.


Fonte Wikipédio.org

Porém, na medida em que conseguiu atingir alguns de seus maiores objetivos - isto é,
mobilizar distintos segmentos da população, contribuir para desconstruir a visão estreita e
preconceituosa de que “transporte público é coisa de pobre”, impedir ou fazer retroceder a
aplicação do reajuste das passagens de ônibus e metrô, principalmente -, o MPL, como outros
movimentos que deram forma às Jornadas de Junho, passou a sofrer duras críticas por parte
das elites governantes. Estas, com o apoio da grande mídia, investiram na criminalização
destes movimentos, procurando atribuir a eles a responsabilidade pelas formas de manifes-
tações mais radicais (quebra-quebras com danos a patrimônio privado e/ou público), regis-
tradas em meio aos sucessivos atos públicos por eles organizados.
De qualquer forma, a demanda por transportes que atendam às múltiplas e complexas ne-
cessidades de mobilidade da população permanece, desafiando desde os avanços tecnológi-
cos até os compromissos e valores ético-políticos na nossa sociedade e no mundo, em geral.

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Conclusão
Apesar das tecnologias desenvolvidas ao longo dos séculos e, principalmente, nas últimas
décadas terem tornado os modais de transporte sistemas mais ágeis e abrangentes, esta não
é uma realidade aplicável ao espaço brasileiro como um todo. Vimos que os processos de im-
plantação de um modal de transporte e sua posterior administração e fiscalização ficam res-
tritos às esferas de poder públicas e privadas. As possibilidades de intervenção efetiva neste
processo, para os demais membros da sociedade, são constantemente restritas, impondo-lhes
a aceitação pacífica da condição de usuários.
Embora seja fundamental para integrar diferentes espaços, dinamizar a economia mun-
dial e, indissociavelmente, facilitar a sobrevivência diária e o bem-estar das pessoas, a im-
plantação de rodovias, ferrovias e outros sistemas, sem as devidas medidas de preservação
ambiental, podem proporcionar consequências danosas, das quais podem emergir doenças,
além de perdas relativas a biodiversidade. Cabe ainda ressaltar que uso de transportes coleti-
vos diminuiria consideravelmente a demanda por combustíveis que, conforme já vimos, sejam
estes fosseis ou não, geram impactos ambientais, sociais e até alimentícios.
Para que as redes de transporte coletivo historicamente desenvolvidas possam cumprir seus
diversos objetivos, torna-se necessário que as sociedades estabeleçam um conjunto de proce-
dimentos que devem servir como parâmetros especificamente voltados para tal propósito. Esta
dinâmica se apoia em um ambiente legal (leis, códigos, regulamentos, etc.) que é também per-
passado por interesses políticos e econômicos. Como vimos, esta correlação de forças frequen-
temente subjulga os interesses sociais representativos da maior parte da população.
Transporte e qualidade de vida possuem uma relação intrínseca ainda pouca percebida
por nossos governantes e pela maioria das pessoas.

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Bibliografia
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Revistas e jornais eletrônicos

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cias/geral,homem-e-agredido-com-barra-de-ferro-em-briga-de-transito,177408
http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN0DU22Y20140514
http://scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142010000100017
http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=633417

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