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Regina Zilberman Doutora em Letras pela Universidade de Heidelberg Ligia Cademartori Magalhaes Mestre em Letras pela Pontificia Universidade Catélica — RS LITERATURA INFANTIL: AUTORITARISMO E EMANCIPACAO 3.3 edicao Sao Paulo, Editora Atica, 1987. © TEXTO E A RECEPGAO 63 reflexdo sobre o cardter ideolégico da literatura para criancas enquanto introdutora de normas do mundo adulto no Ambito da infancia, revelando o lugar social do género. 4.1 © texto ¢ a recepeao 4.1.1 Antecedentes: formalismo russo ¢ estruturalismo tcheco A atribuiciio de um papel ao recebedor no processo de valoragéo do texto artistico remonta a Aristételes e 4 Poética. Contrapondo-se a Platao e a seu interesse pelos problemas relativos a produgao poética, Aristételes avaliou a eficdcia da obra em vista do efeito alcangado, para ele, de natureza catartica®. Esta tradi¢ao manteve-se ao longo da histéria, através da permanéncia da teoria do prazer estético, fundada na coincidéncia entre a composi¢ao do texto e o gosto do leitor. Todavia, a ascensao dos programas de vanguarda a partir das wltimas décadas do século 19 provocou uma ruptura num relacionamento que, até entao, vinha se dando harmonicamente, levando a ciéncia literdria a necessidade de uma nova tomada de posicéo perante este acon- tecimento. E o formalismo russo a primeira resposta teoricamente organizada a esta circunstancia original dentro da historia da arte. Voltados primordialmente a valorizacao das produgdes de vanguarda, e pela primeira vez na hist6ria da teoria literdria, os formalistas unicamente por este fato ja teriam assegurado sua importancia. Entretanto, suas idéias, mesmo quando equivocadas ou incompletas, disseminar-se-do, de modo mais ou menos con- fesso, ao longo da filosofia da literatura’ elaborada durante o século 20. E € © fato de terent convivido proximamente aos principais eventos da era atual (modernismo e futurismo no Ambito artistic © © inicio da época contemporanea, desencadeado pela Guerra de 14 e pela Revolugio de 17) que propiciard esta sensibilidade para as modificaces, assim como a tendéncia para a formulagéo de uma teoria fundada na nogdo de transformagio *, *Cf. @ interpretagéo da obra aristotélica a partir da perspectiva recep- cional em FUHRMANN, Manfred. Einfiihrung in die antike Dichtungstheorie. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1973; © WEINRICH, Harald. Para una historia literaria del lector. In: GUMBRECHT, Hans Ulrich et alii. La actual ciencia literaria alemana. Salamanca, Anaya, 1971. *Para a histéria e pensamento formalista, cf. EIKHENRAUM, B. et alii Teoria da literatura — formalistas russos. Porto Alegre, Globo, 1971: Sktovskis, Viktor, Theorie der Prosa, Frankfurt, Fischer, 1966; TINIANOV, 64 4 LITERATURA INFANTIL E O LEITOR Sao estes dois conceitos — o de transformacao da e pela arte; e o de percepcéo do fenémeno estético e da mudanga — que esto na base do formalismo russo. Viktor Sklovskij, num ensaio célebre +, procurou estabelecer as principais teses iniciado- ras do movimento. A arte resulta de uma série de procedimentos ou artificios utilizados pelo escritor; sua finalidade nao é a veicula- cao de uma mensagem, mas a manipulagao dos recursos estilisticos existentes, estendendo ao maximo seus limites e legitimando o experimento (e o modernismo). Por sua vez, se nao privilegia na obra a manifestacdo de uma visio de mundo, esta concepgao nao desemboca no oposto, proniulgando um fechamento das fronteiras entre a arte e a realidade. Fundada no reconhecimento do anseio, por parte do artista, de alargamento dos limites da representacio, um encastelar-se em torno a si mesmo, na admisséo da arte pela arte, nao se justificaria. Um certo efeito é visado e participa da produgdo da obra; s6 que evita uma alianca com o gosto vigente ou a harmonizagao com o leitor. Pelo contrario, cabe-lhe provocar o estranhamento e, por meio do resultado surpreendente, aumentar a percepgio do destinatério, desgastada pela repeti¢ao dos mesmos gestos no contexto cotidiano. O estranhamento advém dos artificios empregados, e a per- cepgdo estética é intensificada no momento preciso em que a expectativa é contrariada. A apreensdo do sentido é conseqiiéncia, pois, de uma relacao complexa, mas o resultado é compensador, Jurij. Das literarische Kunstmittel und die Evolution in der Literatur. Frankfurt, Suhrkamp, 1967; Id. El problema de la lengua poética. Buenos Aires, Siglo XXI, 1972; Eruicu, Viktor. El formalismo ruso. Barcelona, Seix Baral, 1974; Baxutin, M. & Mepvepev, P. The formal method in literary scholarship. Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1978; Faker, Alexander & ZMeEcac, Viktor, ed. Formalismus, Strukturalismus und Geschichte. Kronberg, Scriptor, 1974; Kotue, Flavio R. Narrativa trivial: estranhamento e formalismo. Lerras de Hoje. Porto Alegre, Pon- tificia Universidade Catélica, (39), mar. 1980; Lacumann, Renate. Die “Verfrendung” und das “Neue Sehen” bei Viktor Sklovskij. Poetica. Amsterdam, Verlag B. R. Griiner, (3), 1970; Lima, Luiz Costa. Estrutura- lismo e teoria da literatura. Petropolis, Vozes, 1971; Id. Teoria da lite- ratura em suas fontes. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975; STEMPEL, Wolf-Dieter. Zur literarischen Semiotik Miroslav Cervenkas. In: CERVENKA, Miroslav. Der Bedeutungsaufbau des literarischen Werks. Miinchen, Fink, 1978; StriepTeR, Jurij. Einleitung, In: Vooicka, Felix. Die Struktur der literarischen Entwicklung. Miinchen, Fink, 1976; Tovorov, Tzvetan. As estruturas narrativas. Sio Paulo, Perspectiva, 1970. + Sktovskis, Viktor. A arte como procedimento. In: EIKHENBAUM, B. et alii, Teoria da literatura — formalistas russos. Porto Alegre, Globo, 1971. Nao é seu primeiro trabalho teérico, mas o mais divulgado,

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