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, 2018
1. Introdução3
1
O presente estudo constitui uma versão corrigida e desenvolvida da apresentação sob o mesmo tema efectuada no colóquio
«Troisièmes Rencontres de Numismatique Asiatique: Les monnaies de l’Empire portugais d’Asie (XVIe-XXe siècles)», realizado
em 25-11-2017.
2
Investigador Colaborador do Centro de História da Universidade de Lisboa.
3
Serão utilizados ao longo do presente estudo as seguintes abreviaturas referentes a bibliotecas e arquivos: ACM (Arquivo Histórico
da Casa da Moeda), AGI (Archivo General de Indias), AGS (Archivo General de Simancas), AHU (Arquivo Histórico Ultramarino),
ANTT (Arquivo Nacional da Torre do Tombo), BA (Biblioteca da Ajuda), BNB (Biblioteca Nacional do Brasil), BPE (Biblioteca
Pública de Évora), BM (British Museum), BMP (Biblioteca Municipal do Porto), BNE (Biblioteca Nacional de España), BnF
(Bibliothèque nationale de France).
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2. Antecedentes históricos
4
Dias, 1963-1964, 2: 337-352.
5
Godinho, 1981-1983, 1: 8-14, 36-49. 2: 232-255.
6
Cobb, 2015.
7
Periplus Maris Erythraei 28, 49, 56. In Casson, 1989: 9/67, 16/81, 18/85.
8
Naturalis Historia 34.163 (Plínio, 1961b: 244-245).
9
Naturalis Historia 6.101 (Plínio, 1961a: 416-417).
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
111
cobre em circulação no império, Plínio refere múltiplas fontes, entre as quais o sul
da Hispânia e o Chipre10.
A tradição textual das viagens de Marco Polo, que se reportam aos finais do
século XIII, revela a persistência milenar do padrão de trocas entre Mediterrâneo
e Índico desenvolvido no período romano e confirma a importância do cobre
nas importações indianas de metais. Segundo a versão francesa das viagens (F),
Cambaia, Tana e o Malabar importavam grandes quantidades de cobre, transportado
pelos navios mercantes como lastro11.
Nos séculos XIV e XV, Génova e especialmente Veneza surgiam como o
principal canal de transmissão do cobre, essencialmente de proveniência europeia,
através do seu comércio marítimo com a Síria e o Egipto mameluco, donde parte
substancial do metal era escoado para a Índia por via do Mar Vermelho12.
Nos finais do século XV e inícios do século XVI, o cobre desempenhava
claramente um papel de primeiro plano nos carregamentos venezianos e genoveses
da rota do Levante. Os diários de Marco Malipiero, Girolamo Priuli e Marino
Sanudo revelam que Veneza e Génoa encaminhavam anualmente para Alexandria e
Beirute largas centenas de toneladas deste metal. Em 1495, Alexandria recebia 1100
miera de cobre (524,7 t)13; em 1496, a mesma cidade acumulava um stock de 10 000
cântaros (941,9 t)14, enquanto 300 miera (143,1 t) eram encaminhados para Beirute15;
em 1501, o volume de cobre expedido para Alexandria atingia os 800 miera (381,6
t)16. Refira-se ainda, em 1503, o carregamento de 1400 miera de cobre (667,8 t) do
mercador Michiel Foscari com destino a Alexandria17.
Os portugueses puderam testemunhar a persistência deste fluxo de cobre pela via
do Mar Vermelho logo em 1498, embora sem qualquer tentativa de quantificação. O
relato da primeira viagem de Vasco da Gama inclui os preços de algumas mercadorias
trazidas pelos mercadores de Meca, à cabeça das quais figura o cobre, avaliado em
3 cruzados a faraçola, ou seja, a 17 cruzados o quintal do peso velho18. Cerca de
10
Naturalis Historia 34.4 (Plínio, 1961b: 128-129).
11
Livre qui est appelé le divisiment dou monde, fls. 88 v., 89 v. (BnF, Français 1116, manuscrito datável das primeiras décadas
do século XIV). Existem variações apreciáveis entre as diversas versões das viagens de Marco Polo, mas o reconhecimento da
importância do cobre no comércio da Índia é partilhado com a versão VB, de c. 1439-1446 (Ms. Donà delle Rose 224, fls. 273 r. – v.)
e com a versão ramusiana (Dei viaggi di Messer Marco Polo, fls. 56 v. – 57 r.), embora esta última coloque alguns problemas de
interpretação quanto à proveniência do cobre. Para a versão VB, vd. Gennari (2009).
12
Ashtor, 1971: 55-64.
13
Priuli, 1: 30. Miera computados a 1580 libras subtis de Veneza, segundo a Pratica della mercatura de Pegolotti (1936: 137, 139).
14
Sanudo, 1879-1903, 1, col. 380. Malipiero, 1844: 634. Assume-se que o cântaro corresponde ao qintār jarwī alexandrino de 312
libras subtis de Veneza. Vd. Tariffa de pexi, fls. 2 v. – 3 r. (Pasi, 1503) Tariffa dei pesi, fls. 9 r., 17 r., 57 v. (Pasi, 1557). A libra subtil
de Veneza pesava aprox. 0,3019 kg (vd. Zupko, 1981: 130. Martini, 1883: 818).
15
Priuli, 1912-1940, 1: 48.
16
Para diversas recolhas de dados quantitativos sobre as remessas de cobre para a Síria e o Egipto nos finais do século XV e
inícios do XVI, embora com divergências a nível dos equivalentes métricos, vd. Ashtor (1971: 83), Arbel (2004: 75)
Braunstein (1977: 91-92).
17
Priuli, 1912-1940, 2: 254.
18
BMP, Ms. 804, f. 41 r. In Marques, 1999: 120.
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1515, nos seus relatos circunstanciados do comércio oriental, Tomé Pires e Duarte
Barbosa confirmam igualmente a presença do cobre nesse circuito comercial19.
Todavia, importa mencionar que a corrente do cobre era acompanhada por uma
corrente paralela de metais preciosos mais significativa em termos de valor. Entre
1495 e 1503, Veneza remeteu para Alexandria espécies num valor estimado superior
a 1,2 milhões de ducados20. Procurando caracterizar o comércio entre Alexandria e a
Índia anteriormente à presença portuguesa, Castanheda corrobora a importância dos
metais preciosos, não deixando, porém, de valorizar a relevância comercial do cobre.
No seu relato, surgem em primeiro lugar as remessas de ouro amoedado em xerafins
(’āšrafī), de ouro não amoedado e de prata, e apenas depois o cobre e outros metais,
ligas metálicas e mercadorias21. Mas em Jiddah, os oficiais mamelucos pagavam aos
mercadores parte do valor da pimenta importada em cobre sobrevalorizado, a 12
cruzados o quintal, posteriormente expedido e revendido em Calecute22.
19
Suma Oriental, fls. 120 r., 131 r., 174 r. (Cortesão, 1978). Barbosa, 1946: 37, 41.
20
Vd. compilação de dados de Sanudo, Priuli e Malipiero em Ashtor (1971: 66).
21
Castanheda, 1552a: 150.
22
Castanheda, 1552a: 151.
23
Godinho, 1981-1983, 1: 241-242.
24
ANTT, CC-1-14-12 e 1-14-15. In Pato, 1884-1935, 1: 194, 240. Apesar de em CC-1-14-15 Afonso de Albuquerque estabelecer
a equivalência do bar em quintais do peso velho (51,408 kg), o peso do cobre é normalmente expresso em quintais do peso novo
(58,752 kg). O valor nominal do cruzado foi de 390 reais até 1517, data em que passou a valer 400 reais (Resende, 1545: 39 r.).
25
ANTT, CC-1-13-10. In Pato, 1884-1935, 1: 135. Já em Novembro de 1510 Afonso de Albuquerque observava que o cobre se
gastava em toda a Índia, sendo convertido em vasilhas e em moeda fraccionária (ANTT, Colecção de Cartas, Núcleo Antigo 872. In
Pato, 1884-1935, 1: 423).
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
113
Porém, o consumo real deste mercado seria bastante mais modesto. Em Outubro
de 1523, António da Fonseca afirmava que Diu costumava absorver anualmente
2000 a 3000 quintais de cobre (117,5 – 176,3 t) durante o governo de Malik Ayyaz
(falecido em 1522)26 e em Agosto/Setembro de 1525 o autor das Lembranças das
cousas da Índia estimava o consumo de cobre de Diu em 800 bares, i. e. 3275
quintais (192,4 t), valendo cada quintal cerca de 15,4 cruzados27.
Os juízos de Francesco Corbinelli (Francisco Corvinel) e de André da Silveira
são particularmente enfáticos. Em carta de 22-10-1513, Francesco Corbinelli, então
feitor de Goa, chamava a atenção do rei para os elevados lucros do comércio do
cobre na Índia e sobretudo em Cambaia, e apelava enfaticamente: «estimai muito
esta mercadoria, que é ouro em pó». Segundo o feitor, em 1512 o cobre era vendido
em Dabul e Chaul a 90 pardaus o candil, i. e. a 17,3 cruzados o quintal28. Na sua
missiva de 05-03-1520, André da Silveira dava conta das conversações com Hans
von Schüren (João de Xurem), agente da companhia dos Fugger, acerca da renovação
do contrato de fornecimento de cobre e rematava o assunto afirmando: «e lembre-se
vossa alteza que tão necessário lhe é cobre como pimenta»29.
Multiplicam-se nas fontes exemplos das elevadas cotações atingidas pelo cobre
nos mercados da costa ocidental indiana. Por exemplo, em 1512 o quintal era vendido
por 17,3 cruzados em Dabul e Chaul30, mas em Novembro de 1514 a cotação subira
para 21 cruzados, enquanto em Diu, no mesmo período, ficava pelos 18 cruzados,
uma cotação considerada baixa31. Sendo o cobre adquirido em Antuérpia a valores
que rondavam os 4 cruzados por quintal, como adiante se verá, tal significava a
realização de um lucro bruto potencialmente superior a 400%. Mas o benefício
poderia ser ainda maior, reduzindo o cobre a moeda.
A informação disponível sobre os fluxos e volumes de cobre em trânsito, tanto
no segmento europeu do circuito como no segmento euro-asiático, é especialmente
abundante até à década de 1520. Serão examinados de seguida os dados referentes
aos circuitos, volumes de produção e importação, e aos agentes no espaço europeu.
26
ANTT, CC-1-30-36, f. 10 r.
27
Felner, 1868: 40.
28
De acordo com o Livro dos pesos, f. 20 r. (ANTT, Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 865), o candil de Chaul pesava 4 quintais
(novos) = 235,008 kg (vd. Felner, 1868: 30).
29
ANTT, CC-1-25-134, f. 2 r.
30
ANTT, CC-1-13-80. In Pato, 1884-1935, 3: 69.
31
ANTT, CC-1-16-127. In Pato, 1884-1935, 3: 99.
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4. O cobre europeu
32
Vd. carta de privilégios de D. Manuel I aos mercadores alemães Anton Welser e Konrad Vöhlin, datada de 13-02-1503 (BPE, Ms.
CXII/1-13. In Silveira, 1958). Quanto ao cobre, a importação deste metal estava apenas sujeita ao pagamento de um direito de 10%
(fls. 13 r. – 13 v.).
33
Toma-se como referência o quintal de Antuérpia (100 libras), que segundo o alvará régio de 10-11-1515 (ANTT, CC-1-18-10, f.
1 r.) pesaria ± 4/5 do quintal português (58,752 kg). De acordo com o documento citado, 1 quintal de Antuérpia equivalia a 0,79896
quintais de Portugal, i.e. cerca de 46,94 kg.
34
Dias, 1963-1964: 290-291.
35
ANTT, Chancelaria de D. João III, Privilégios, liv. 5, f. 6 v. In Freire, 1908-1910 (doc. 53).
36
ANTT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Privilégios, liv. 11, f. 91 v.
37
ANTT, CC-1-24-89.
38
ANTT, CC-1-18-10.
39
Uma carta fragmentária de Antonio Salvago sugere que os 12 000 quintais terão sido fornecidos pelo peso de Antuérpia e não,
como inicialmente previsto, pelo peso do reino (ANTT, Fragmentos 1-3-4).
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
115
no mais breve termo possível, destinando-se os restantes 10 000 quintais a serem
reexportados para a Índia na armada de 151640. Duas cartas de Fevereiro de 1516
indicam que o rei contratara com Affaitati o fornecimento de 60 000 quintais de cobre
num prazo de 5 anos mas que decidira agora denunciar o contrato, liquidando apenas
os 12 000 quintais do primeiro ano, entretanto adquiridos por Filippo Gualterotti à casa
Fugger e já entregues, pelo valor de 54 000 cruzados (4,5 cruzados por quintal)41.
A casa Fugger era, na verdade, o grande fornecedor internacional de cobre
nos principais mercados europeus. A preponderância de Jakob Fugger tornava-o,
por conseguinte, num interlocutor dificilmente prescindível42. Os oficiais régios na
Flandres e destacados em missões comerciais e diplomáticas acompanhavam de
perto a evolução da posição de Fugger no mercado do cobre. Em carta de 16-02-
1515, Tomé Lopes informava o rei de que os Fugger tinham tomado posse da mina
que os Höchstetter tinham do imperador, com a clara intenção de monopolizarem
o comércio de cobre da Alemanha43. A notícia poderá reportar-se ao contrato de
financiamento de 07-11-1514, através do qual o governo do Tirol cedia à companhia
dos Fugger toda a produção de cobre de Schwaz durante 4 anos, estimada em 77 823
quintais de Viena (4358 t)44.
A afirmação de Lisboa e da feitoria portuguesa de Antuérpia na mediação
do comércio oriental levara a companhia dos Fugger a privilegiar o escoamento
da produção de cobre para Antuérpia, em detrimento de Veneza, que passou a
desempenhar um papel manifestamente secundário. Entre 1507 e 1518, mais
de metade de todo o cobre adquirido pelos Fugger foi encaminhado directa ou
indirectamente para Antuérpia, num total de mais de 10 300 t. E entre 1519 e 1525,
os Fugger fizeram chegar a Antuérpia mais de 3400 t de cobre. Até 1535, somar-se-ia
a estas remessas de cobre um volume superior a 5800 t 45.
O testemunho de Rui Fernandes de Almada, escrivão na feitoria de Antuérpia, é
particularmente eloquente acerca da reputação da companhia dos Fugger. Em carta
missiva de 04-02-1520, Rui Fernandes afirmava que que Jakob Fugger era «o maior
homem da Alemanha, e que governa todos os príncipes e reis; e é de maneira que
nenhum príncipe vive sem ele»46. Por isso, quanto ao cobre, era forçoso recorrer-
se a Fugger, «salvo se se descobrir alguma nova alquimia, o que crerei quando
40
ANTT, CC-3-2-30.
41
ANTT, CC-1-19-111. Gualterotti dá quitação do pagamento dos 54 000 cruzados em 16-10-1516.
42
Em 1511, a administração régia reconhecia as desvantagens desta preponderância num apontamento marginal ao contrato da
pimenta por 5 anos proposto pelo consórcio Fugger-Imhoff-Chamorro: propondo-se o consórcio pagar os 100 000 cruzados anuais
da pimenta em mercadorias, apontavam os oficiais que o cobre estava todo nas mãos dos mercadores e que estes poderiam, por isso,
alterar facilmente o preço em prejuízo da Coroa (ANTT, Colecção de Cartas, Núcleo Antigo, n.º 73, f. 2 r.).
43
ANTT, Fragmentos 1-1-11.
44
Schick, 1957: 100, 144-145.
45
Wee, 1963: 522-523. O autor utiliza a equivalência 1 quintal de Antuérpia = 47,0156 kg, ligeiramente diferente da utilizada neste
trabalho e baseada nas fontes portuguesas (vd. supra nota n.º 33).
46
ANTT, CC-1-26-122, f. 1 v.
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116
vir»47. De referir ainda que segundo carta de Tomé Lopes, que em Maio de 1515
negociava com Fugger um contrato de fornecimento de cobre, o mercador alemão
estava bem informado das necessidades de cobre da Coroa portuguesa, as quais sabia
rondarem os 4000 a 5000 quintais anuais48. Importa notar que os Fugger tinham um
agente destacado em Lisboa desde cerca de 1504 e que tiveram participação directa
no financiamento da armada de 1505 (4000 cruzados), juntamente com outros
investidores alemães de vulto como os Welser, os Höchstetter e os Imhoff49.
As aquisições directas aos Fugger estão documentadas pelo menos desde
Setembro de 1513, momento em que Silvestre Nunes comprou à companhia dos
Fugger, em Antuérpia, cobre no valor de 3761 libras e 17 soldos50. Admitindo
conjecturalmente um preço de 25 soldos o quintal51, este cobre corresponderia a
cerca de 3009 quintais de Antuérpia (141,3 t). Foi já mencionada a aquisição de
12 000 quintais de cobre aos Fugger através de Affaitati e de Gualterotti, em 1516, e
aquisições directas de maior vulto se seguiriam nos anos subsequentes.
Segundo o testemunho tardio de Damião de Góis, em 1517 o rei D. Manuel I
encarregou Lourenço Lopes de negociar com Jakob Fugger um contrato de fornecimento
de 10 000 quintais de cobre (587,5 t) anuais durante 5 anos52. Efectivamente, deverá ter
sido por esse ano que foi celebrado um contrato de grande envergadura. Corroboram-
no três documentos: (1) uma minuta de carta a Silvestre Nunes, datável de 151753; (2)
uma minuta (incompleta) de uma carta de instruções a Silvestre Nunes, datável de c.
151854; (3) e uma carta missiva de Rui Fernandes, de 16-11-1519, que negociava então
em Augsburgo a celebração de um novo contrato com Jakob Fugger55.
Na primeira minuta, o rei comunicava ter destacado Lourenço Lopes para
negociar a aquisição de 30 000 quintais de cobre (1762,6 t) num prazo de 3 anos,
com abertura para contratar até 60 000 quintais (3525,1 t) em prazo de 3 ou 4 anos.
Na minuta de c. 1518, o rei informava Silvestre Nunes de que, apesar de faltarem 3
anos para se cumprir o contrato vigente, os Fugger estavam interessados em renovar
o fornecimento anual de 10 000 quintais de cobre por um prazo adicional de 4 anos.
47
ANTT, CC-1-26-122, f. 2 v.
48
ANTT, CC-1-17-126.
49
Pohle, 2015: 24-28. Dias, 1963-1964, 2: 210-212, Azevedo, 1929: 97. Ehrenberg, 1955: 91, 99. Kellenbenz, 2000: 61.
50
ANTT, CC-2-45-165.
51
Preço referente a 1514, extraído da carta de Silvestre Nunes, de 03-05-1516, em ANTT, Gavetas 20-2-9.
52
Góis, 1567: 27 r. O valor de referência indicado por Góis — 20 soldos — não corresponde às cotações da época, p. e. 26 a 28
soldos em Fevereiro de 1517 (ANTT, CC-1-21-26), 27 soldos em Março (ANTT, CC-1-21-20), 27 a 28 soldos em Julho (ANTT,
CC-1-22-25). Importa também referir que se o contrato foi efectivamente celebrado por Lourenço Lopes, as perspectivas pareciam
muito diferentes em Junho e Julho de 1517, pois cartas desses meses davam conta de negociações com outro fornecedor alemão
não identificado e em cujo cobre tanto os Fugger como os Höchstetter estavam vivamente interessados (ANTT, Fragmentos 1-1-28.
CC-1-22-25).
53
ANTT, Fragmentos 3-1-17.
54
ANTT, Fragmentos 3-1-36. Note-se que Silvestre Nunes abandonara o cargo de feitor em Julho de 1517 (Freire, 1908-1910:
390-391).
55
ANTT, CC-1-44-4.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
117
56
ANTT, CC-1-25-134.
57
ANTT, CC-2-75-155.
58
ANTT, CC-2-75-155, 2-27-124, 2-76-30, 2-76-33, 2-76-35, 2-76-36, 2-27-39, 2-76-114 e 2-27-162.
59
Para além dos conhecimentos de 1518 já referenciados, consultem-se, igualmente ordenados por ordem cronológica: ANTT, 2-59-
35, 2-82-153, 2-82-155, 2-83-18, 2-156-144, 2-83-135, 2-157-86, 2-84-9 (assume-se que o contrato referido se reporta a Fugger),
2-87-57, 2-87-62, 2-87-66, 2-90-93, 2-90-94, 2-90-95, 2-90-122, 2-90-123 e 2-92-58.
60
ANTT, CC-1-4-63.
61
Haebler, 1903: 19. Kellenbenz, 2000: 61.
62
Assumindo a taxa 6,5 soldos = 1 cruzado de 390 reais (ANTT, CC-1-18-10).
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118
cobre vendido. O feitor em Antuérpia considerava que o cobre dos Höchstetter era de
qualidade superior, claramente melhor que o cobre vendido pelos Fugger63.
Em carta de 18-09-1518, Rui Fernandes dava conta da antiguidade e reputação
dos Höchstetter e relatava as conversações com um representante da companhia
em Nuremberga. Aparentemente, por motivo de um conflito com Antonio Salvago,
os Höchstetter pretendiam liquidar as suas operações em Lisboa. Tinham ainda
imobilizado em Portugal um stock de 800 a 1000 quintais de cobre — «melhor que o
do Fugger» — que desejavam vender antes de se retirarem do reino64. Rui Fernandes
recomendava vivamente a celebração de um contrato. Em Novembro de 1519, o
enviado negociava activamente com a companhia dos Höchstetter a celebração de
um novo contrato de fornecimento de cobre, reafirmando a qualidade superior do seu
cobre. Chegara mesmo a estar pré-acordado um contrato de fornecimento de 4000
quintais anuais pagos em pimenta, mas em Dezembro de 1519 o rei decidia abortar
as negociações65.
A documentação regista a existência de outros fornecedores alemães de dimensão
comercial e financeira variáveis. Nalguns casos, o seu estatuto relativamente às
grandes companhias não é claro.
Em primeiro lugar, refira-se o caso de Leão Alemão, mercador que em Outubro
de 1519 entregava 1000 quintais de cobre (58,8 t) em Lisboa66 e que em Dezembro
do mesmo ano fazia uma entrega adicional de 253 quintais e 19 arráteis (14,9 t) de
manilhas de latão, cobre e fruseleira67. Trata-se provavelmente de Leo Ravensburger,
que em 1508 e 1511 surgia ligado ao consórcio Welser-Vöhlin através de Lucas
Rem68, mas que em Maio de 1517 desempenhava funções em Lisboa como agente
da companhia de Ambrosius e Hans Höchstetter69. Por conseguinte, é razoável
assumir que as entregas de cobre e de manilhas que efectuou em 1519 fossem em
representação da companhia dos Höchstetter.
Os Herwart estiveram igualmente entre os fornecedores de cobre à Coroa
portuguesa. Em Julho de 1518, Francisco Pessoa, feitor régio em Antuérpia, expedia
para Portugal 1000 quintais e 4 libras de Antuérpia (47,2 t), dos quais pelo 704
quintais e 60 libras (33,1 t) pertenciam ao «contrato dos Herbertes»70. Em finais de
Janeiro de 1520, seguiam de Antuérpia para Lisboa mais 1000 quintais de cobre
63
ANTT, Gavetas 20-2-9.
64
ANTT, CC-1-25-41.
65
ANTT, CC-1-44-4, 1-25-76 e 1-25-127.
66
ANTT, CC-2-85-61.
67
ANTT, CC-2-86-113.
68
ANTT, CC-2-16-105 (procuração de 18-05-1518) e CC-1-10-24 (procuração de 04-03-1510 e quitação de 07-10-1510).
69
ACM, Receita e Despesa, 1517, f. 68 v. Entre Maio de 1517 e Setembro de 1518, Ravensburger faz entregas de prata na Casa da
Moeda de Lisboa superiores a 1077 marcos (247,17 kg). Vd. Fernandes, 1878 (mapa n.º 7 de 1517 e mapa n.º 8 de 1518). Godinho
(1981-1983, 3: 199) contabiliza 785 marcos, 2 onças e 4,5 oitavas referentes a 1518, omitindo as entregas de 1517.
70
ANTT, CC-2-76-102.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
119
71
ANTT, CC-2-87-76.
72
Vd. Schick, 1957: 37-41. Ehrenberg, 1955: 102-103. Kellenbenz, 1960: 129.
73
Em Antuérpia, há notícia de um empréstimo de 3000 cruzados feito a Silvestre Nunes pela companhia de Christoph Herwart no
início de Maio de 1516 (ANTT, Gavetas 20-2-9).
74
Kellenbenz, 2000: 63.
75
ANTT, CC-1-44-4 e CC-2-100-118. Em 09-02-1520, um alvará régio compensava Georg Herwart e sócios de perdas sofridas no
contrato do cravo e da canela, cedendo-lhe 200 quintais de pimenta (ANTT, CC-1-25-119).
76
ANTT, CC-1-25-129.
77
Godinho, 1981-1983, 3: 199.
78
Greiff, 1861: 9.
79
Dias, 1963-1964, 2: 210-212. Azevedo, 1929: 97. Ehrenberg, 1955: 91, 99. Kellenbenz, 2000: 61. Pohle, 2015: 26.
80
Nos livros da receita e despesa da Casa da Moeda de Lisboa, o mercador assina «Johanj Becut» (ACM, Receita e Despesa, 1520,
fls. 93 v., 97 r., 99 r.).
João Pedro Vieira
120
arrobas e 30 arráteis de chumbo (50,9 t)81. Em Maio do mesmo ano, Becut fazia
uma entrega adicional de manilhas de latão e de cobre com o peso de 184 quintais, 2
arrobas e 5 arráteis (10,8 t)82.
Em Abril de 1522, Jany Becut surge referido como representante de Erasmus
(Schetz) em dois contratos de aquisição de mais de 600 quintais de pimenta83. Terá
sido certamente para pagamento de semelhantes aquisições que Becut entregou na
Casa da Moeda de Lisboa, entre 1517 e 1526, mais de 15 600 marcos de prata (3582
kg), que corresponderiam, uma vez amoedados, à avultada soma de mais de 91 200
cruzados84. É possível que as entregas de cobre, chumbo e manilhas acima referidas
tenham sido efectuadas em representação da companhia dos Schetz, com os quais a
Coroa portuguesa viria a celebrar um contrato de fornecimento de artigos de latão
na década de 1540.
Friedrich Loner (conhecido das fontes portuguesas por Fradique ou Frederico
Alemão) é outro dos pequenos fornecedores documentados em 1520. Sabe-se
que actuava então em Lisboa como agente dos Hirschvogel, de Nuremberga85. A
companhia dos Hirschvogel encontra-se entre os investidores alemães na armada de
1505, com uma participação de 2000 cruzados. Em Maio de 1520, Loner efectuava
a entrega de 121 quintais, 3 arrobas e 11 arráteis de cobre (7,2 t) na Casa da Mina86.
Uma vez mais, a par das entregas de cobre, há relativamente a este mercador o
registo de entregas de prata na Casa da Moeda de Lisboa, entre 1518 e 1524, num
total de mais de 2946 marcos (676 kg)87. Em Abril de 1522, Loner encontrava-se
entre os devedores da Casa da Índia, com a qual tinha contratado a aquisição de
maças e gengibre, provavelmente em representação dos Hirschvogel88.
Hans Annerot é uma figura menos conhecida, embora esteja envolvido num
fornecimento de cobre de grande envergadura. Surge nas fontes portuguesas sob
o nome «Haans Emrate» e corresponderá possivelmente ao mercador de metais de
nome Jan Annerot, da Baviera, activo em Antuérpia em 150989. Sabe-se que em
data anterior a 10-12-1519 fora contratado a Hans Annerot o fornecimento de 4000
quintais de cobre (187,8 t, se computados pelo quintal de Antuérpia), a prestar durante
81
ANTT, CC-2-88-83.
82
ANTT, CC-2-89-119. Assumindo a talha de 180 a 185 peças por quintal indicada em carta de Alonso de Torres, de 31-12-1526
(ANTT, CC-1-35-56), Becut terá entregue entre 33 217 e 34 140 manilhas. De referir que Jany Becut possuía casa na Rua Nova
em Setembro de 1514 (ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 15, f. 141 v.) e que foi beneficiado por carta de 29-12-1519 com os
privilégios concedidos aos mercadores alemães (ANTT, Chancelaria de d. Manuel I, liv. 36, f. 125 v.).
83
ANTT, CC-2-100-118, fls. 1 v. e 2 r.
84
Vd. Godinho, 1981-1983, 3: 197-198, 209.
85
Kömmerling-Fritzler, 1968: 147.
86
ANTT, CC-2-89-66.
87
Godinho, 1981-1983, 3: 198.
88
ANTT, CC-2-100-118, f. 2 v.
89
Harreld, 2004: 132.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
121
4.2. As proveniências
90
ANTT, CC-1-25-76, 2-89-168.
91
Quintal de Portugal. Taxa de conversão 1 soldo = 60 reais, conforme se deduz dos cálculos no verso de ambos os conhecimentos
(vd. nota seguinte).
92
ANTT, CC-2-89-125, 2-89-168.
93
ANTT, CC-1-21-70.
94
ANTT, CC-1-21-26.
95
ANTT, CC-1-25-76 (carta de 09-12-1519) e 1-26-129 (carta de 27-11-1520), ambas publicadas em Freire (1908-1910, docs. 41 e
48). Para a restante informação utilizada nesta secção, vd. a discussão supra sobre os intervenientes no comércio de cobre. Para uma
reconstituição similar, baseada no mesmo testemunho de Rui Fernandes, vd. Kellenbenz, 2000: 68.
João Pedro Vieira
122
consideração, tendo efectuado pelo menos uma aquisição de cobre aos Osterlinge.
A Hungria era claramente a principal região produtora — «a fonte de todas as
minas» —, com uma capacidade máxima estimada de 25 000 quintais por ano (1468,8
t)96, embora na sua fase alta tivesse alegadamente atingido os 40 000 quintais anuais
(2350,1 t). Os Fugger tinham aqui grandes investimentos em regime de exploração
quer indirecta, através de arrendamentos de longo prazo, quer directa, com numerosas
aquisições de minas. Curiosamente, Rui Fernandes é omisso em relação ao consórcio
Fugger-Thurzó, que garantira a Jakob Fugger o acesso ao mercado de metais do
Reino da Hungria e o controlo da produção de cobre de Neusohl (Banská Bystrica,
actual Eslováquia)97. Os dados apresentados por Vlachović confirmam de forma
genérica os volumes reportados por Rui Fernandes, assim como a recente quebra de
produção: do pico de 8514 t, ou 2838 t anuais, atingido em 1510-1512, a produção
húngara caíra em 1516-1518 para 4725 t, ou 1575,2 t por ano98.
Em termos quantitativos, as minas do imperador (= Tirol) constituíam a segunda
região cuprífera mais importante, com uma produção anual estimada entre 16 000
e 18 000 quintais de cobre (940 – 1057,5 t). Porém, do ponto de vista qualitativo, o
cobre do Tirol era manifestamente superior — «bom e doce» —, sendo distribuído
sobretudo pela companhia dos Höchstetter. Era essencialmente consumido na
Alemanha, sendo adicionalmente exportado para a Itália, Lombardia (Veneza) e
França. Para o período de 1510-1519, as minas do Tirol — entre as quais Schwaz,
Falkenstein, Ringenwechsel e Alte Zeche — terão produzido cerca de 17 500 t de
cobre, que correspondem a uma média anual de 1750 t99. Portanto, as informações de
Rui Fernandes aparentam subestimar a produção desta região.
Quanto ao cobre da Saxónia, a sua produção anual atingia volumes
comparáveis aos do Tirol, mas a maior parte do cobre produzido era vermelho e era
preferencialmente encaminhado para Nuremberga, grande centro metalúrgico onde
se transformavam anualmente cerca de 10 000 quintais (587,5 t) em barris, caldeiras,
fio e outros produtos metálicos. Os restantes 5000 a 6000 quintais (293,8 – 352,5
t) tinham como destino o mercado de Antuérpia. Os 4000 quintais contratados a
Hans Annerot e a fornecer durante 1520 seriam provenientes desta região. Muito
provavelmente, estará aqui subentendida a prolífica produção de Mansfeld e Eisleben,
que Hildebrandt estima em 10 000 t para o período 1510-1519 (média de 1000 t
anuais) mas que só atingiria o seu pico nas décadas imediatamente seguintes100.
Finalmente, Rui Fernandes menciona o cobre da Suécia e de Ostland, i. e. dos
territórios hanseáticos. Como referido, a oferta de cobre da Suécia em Antuérpia
96
Nas conversões aqui efectuadas utiliza-se como referência o quintal português. Contudo, não é de excluir a possibilidade de que o
padrão ponderal subjacente às informações de Rui Fernandes seja o quintal de Viena (c. 56 kg).
97
Schick, 1957: 54-55, 186-187, 281.
98
Vlachović, 1977: 171.
99
Hildebrandt, 1977: 193. Pickl, 1977: 118-119.
100
Hildebrandt, 1977: 193.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
123
101
ANTT, CC-1-27-3.
102
Blanchard, 2005: 1502.
103
Kumlien, 1977: 414.
104
Hildebrandt, 1977: 193.
João Pedro Vieira
124
105
Para além dos conhecimentos referentes à companhia dos Fugger, a Georg Herwart e Hans Annerot, já mencionadas, num total de
30 conhecimentos, foram detectados os seguintes, organizados cronologicamente: ANTT, CC-2-65-87, 2-65-93, 2-65-142, 2-66-11,
2-68-119, 2-68-127, 2-69-36, 2-71-50, 2-71-49, 2-1-68, 2-71-122, 2-71-123, 2-71-124, 2-72-28, 2-72-30, 2-72-35, 2-42-244, 2-42-
249, 2-5-29, 2-35-95, 2-72-90, 2-43-220, 2-14-7, 2-76-112, 2-76-149 e 2-91-55.
106
ANTT, Leitura Nova, Místicos, liv. 6, f. 149.
107
ANTT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Privilégios, liv. 3, f. 93 v. In Baião, 1918: 203. Estranhamente, a carta de
quitação referente ao exercício de João Gomes, tesoureiro da Casa da Índia entre Janeiro de 1529 e Abril de 1534, regista a receção
de apenas 16 quintais, 3 arrobas e 3 arráteis de cobre (ANTT, Chancelaria de D. João III, Doações, liv. 27, f. 59 v.).
108
Pese embora a existência de algumas sobreposições temporais na série de dados, designadamente entre o primeiro exercício de
João Brandão em Antuérpia (Janeiro de 1509 a Agosto de 1514) e o de João de Sá na Casa da Mina, caso em que se preferiram
os dados deste último; e entre o exercício de João de Barros na Casa da Índia e o de Rui Fernandes em Antuérpia, caso em que se
preferiram os dados relativos à Flandres.
109
Godinho, 1981-1983, 2: 11.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
125
colocado no mercado, entre 1497 e 1533, cerca de 47 300 t de cobre, das quais
cerca de 19 700 t foram encaminhadas para o mercado de Antuérpia — 2/5 do total
exportado110. A maior parte deste cobre seria de origem húngara. Por conseguinte,
as importações portuguesas de cobre acima apuradas representavam quase ⅔ de
todo o cobre colocado pelos Fugger em Antuérpia. No entanto, numa perspectiva
mais alargada, essas importações representariam apenas 9,5% da produção total
combinada da Hungria, Tirol e Mansfeld, estimada, de acordo com Hildebrandt, em
mais de 135 800 t para semelhante período.
5.1. c. 1500-1530
a) Volumes de exportação
É chegado o momento de abordar uma das questões nevrálgicas do presente
estudo: qual a dimensão das remessas de cobre de Lisboa para a Índia? Como
anteriormente, a primeira abordagem ao tema será circunscrita ao arco cronológico
compreendido entre c. 1500 e 1530.
Segundo a relação de Cà Masser, a armada de 1504 transportava 2800 quintais
de cobre (164,5 t), reforçados no ano seguinte com uma remessa estimada pela
mesma fonte entre 3500 a 4000 quintais (205,6 – 235 t)111. Em 1509, a armada de D.
Francisco Coutinho contava com uma carga de 1834 quintais, 2 arrobas e 30 arráteis
de cobre (107,8 t) no valor de 21 885 cruzados112. Em Fevereiro de 1513, as naus
destinadas à Índia tinham já carregados nos seus porões 4000 quintais de cobre (235
t), ponderando-se a inclusão de uma carga adicional de 1500 quintais recentemente
chegada a Lisboa113. Já em 1516, a pequena e acidentada armada de João da Silveira
transportou 2514 quintais, 2 arrobas e 6 arráteis de cobre (147,7 t)114. Sabe-se ainda
que em 1518 o feitor da nau Conceição recebeu 2009 quintais e 15 arráteis de cobre
(118 t) destinados à Índia115.
No que se reporta às cargas por navio, refiram-se os exemplos da nau Santiago
da armada de 1506, que transportava uma carga superior a 1206 quintais (70,9 t)116;
da nau Belém da armada de 1507, que transportou 550 quintais de cobre (32,3 t) para
110
Wee, 1963: 522-523.
Peragallo, 1892: 73-74. Assume-se que o termo «cantara» se reporta a quintais portugueses (58,752 kg, com base no arrátel
111
a feitoria de Cananor117; da carga mais modesta de 330 quintais de cobre da nau Santa
Maria de Luz, pertencente à armada de 1516 e naufragada em Moçambique118; ou
finalmente dos 592 quintais e 2 arrobas de cobre (34,8 t) da nau Santiago, integrada
na armada de 1528119.
As cartas de quitação dos feitores da Índia, combinadas com documentação
diversa, fornecem dados globais sobre os volumes de cobre movimentados pelas
feitorias. Entre 1502 e 1518, os feitores de Cochim receberam um volume total
de cobre superior a 49 332 quintais (quase 2900 t)120. Para a carga da pimenta em
Cochim, em 1521, André Dias recebeu, entre outros, 3355 quintais, 3 arrobas e 25
arráteis de cobre (197,2 t)121. Simultaneamente, entre 1503 e 1521, as feitorias de Goa,
Calecute, Cananor e Coulão registaram um movimento de cobre de 20 537 quintais
(1206,6 t), destacando-se aqui a feitoria de Goa, responsável pela movimentação de
9736 quintais (572 t) entre Novembro de 1510 e Novembro de 1521122.
Aparentemente, em meados da década de 1520 as remessas anuais de cobre
para a Índia atingiam um nível muito elevado e possivelmente sem precedentes.
Uma estimativa dos rendimentos e despesas do reino e da Índia, datável de c. 1525-
1526, previa o envio anual de 8000 quintais de cobre (470 t), num valor total de 50
000 cruzados (6 ¼ cruzados o quintal). Sendo o valor do capital das armadas orçado
em 135 000 cruzados, as remessas de cobre representavam 37% do valor do capital
embarcado e perfaziam 5/6 do valor enviado em moeda123. Em Janeiro de 1528,
Afonso Mexia registava a existência de um stock de 5700 quintais de cobre (334,9 t)
na feitoria de Cochim124.
117
ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 3, f. 35 r. In Freire, 1903-1916 (doc. n.º 457).
118
ANTT, Fragmentos 4-4-203A. O naufrágio é referido na carta de quitação citada na nota anterior. Um volume semelhante de cobre
foi recuperado da nau Bom Jesus, naufragada em 1533 (Hauptmann et al., 2016: 182).
119
Baião, 1918: 316.
120
Dias, 1963-1964, 2: 340-341, com correcção no montante de cobre referente ao exercício de Diogo Fernandes Correia, que
recebeu 2981 quintais, 2 arrobas e 28,5 arráteis de cobre (ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, liv. 36, f. 27 r. vd. Freire, 1903-
1916, doc. n.º 130). Para os pesos da Índia, assume-se a utilização do peso novo (adoptado em Portugal em 1502), cuja utilização é
explicitamente referida em diversos documentos desde pelo menos os inícios de 1510 (vd. p. e. ANTT, CC-2-24-160, conhecimento
de 08-01-1511, e CC-2-20-178, mandado de 03-02-1510).
121
ANTT, Chancelaria de D. João III, Doações, liv. 1, f. 86 v. In Freire, 1906-1913, doc. n.º 652.
Para Coulão, vd. carta de quitação de Heitor Rodrigues, referente ao período entre Janeiro de 1517 e finais de Dezembro de 1521
122
2, cap. 27; pte. 3, cap. 9 (Albuquerque, 1557: 136 v. – 138 r., 184 r. – 185 r.)
126
ANTT, CC-2-24-122.
127
Para além do documento anterior vd. ANTT, CC-2-4-160, 2-24-200, 2-24-246, 2-25-158, 3-4-72, 2-26-85, 3-4-82 e 3-28-63;
Fragmentos 4-4-72, 4-4-73 e 4-4-6. Assume-se que os 287 quintais e 24 arráteis entregues à Casa da Moeda na sequência do mandado
de 26-11-1511 (ANTT, CC-2-26-85) constituem uma entrada de cobre autónoma relativamente às entradas seguintes.
128
ANTT, CC-1-9-51.
ANTT, Gavetas 20-2-2. Vd. Godinho, 1981-1983, 2: 10. Importa notar, todavia, a existência de períodos de inactividade na
129
amoedação de cobre.
130
BPE, cód. CIII/2-26. In Pato, 1884-1935, 1: 413.
131
Rivara, 1857-1877, 5.1: 8-9. Aragão, 1875-1880, 3: 455. Godinho, 1981-1983, 2: 38. Considera-se aqui que a conversão para
reais dada pelo regimento de Fernão de Alcáçova estará incorrecta. Vd. infra nota n.º 134.
João Pedro Vieira
128
132
Valor calculado com base na talha do ceitil (120 peças em marco), atestada pela ordenação nova sobre soldos, libras e ceitis (carta
régia de 12-06-1499; vd. ANTT, Hospital de S. José, liv. 938, f. 28 v.) e pelas Ordenações Manuelinas (Liuro quarto das ordenações,
tít. 1, f. 4 r.), onde a referida ordenação foi incorporada.
133
Rivara, 1857-1877, 5.1: 8-9 (doc. n.º 5). Aragão, 1875-1880, 3: 455-456 (docs. n.os 2 e 3).
ANTT, Fragmentos 5-1-6. De acordo com a receita e despesa do feitor, em Junho de 1525 o cobre era lavrado em leais na Casa da
134
Moeda de Goa a 23 ¼ pardaus o quintal, i. e. 7440 reais ou 18,6 cruzados (f. 21 v.). O leal valia na época 2 reais, cotação verificável
no referido livro e em variadas fontes da época, p. e. ANTT, CC-2-135-72. Da conjugação destes dados se deduz a talha de 3720
peças no quintal e consequentemente o peso teórico de 15,79 g por leal.
135
ANTT, CC-2-134-121.
136
ANTT, Fragmentos 5-1-6.
137
ANTT, CC-1-38-1.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
129
138
ANTT, CC-2-135-72.
139
ANTT, CC-2-135-72, 2-136-60, 2-144-96.
140
Além das utilizações referidas, refira-se a aplicação da moeda de cobre na distribuição regular de esmolas através das Misericórdias.
Entre Janeiro de 1525 e Setembro de 1527, o feitor Miguel do Vale entregou aos mordomos da Misericórdia de Goa 522 560 reais (i.
e. 261 280 leais), à razão de 11,5 pardaus por cada sexta-feira (ANTT, CC-2-144-149).
141
Vd. Barbosa, 1946: 84. ANTT, CC-1-13-103.
142
ANTT, CC-2-20-71, 2-20-93, 2-20-132, 2-91-94, 2-33-102, 2-29-11, 2-29-184, 2-34-21, 2-37-112, 2-37-217, 2-42-48, 2-42-51,
2-112-30, 2-43-100, 2-45-60, 2-53-122.
João Pedro Vieira
130
despesa total realizada em cobre. Restava um saldo de 221 quintais e 1 arroba, parte
do qual destinado a aquisições adicionais de gengibre143.
A aquisição de drogas e especiarias, especialmente a pimenta, foi efectivamente
uma das aplicações de relevo do cobre exportado para a Índia. Aproveitando o elevado
valor desse metal nos mercados indianos, era possível obter prata e ouro amoedados
e reinvesti-los na constituição das cargas de retorno, limitando as remessas de metais
preciosos amoedados e não amoedados do reino. Logo em Janeiro de 1503, Vasco da
Gama assentou com o rei de Cochim o pagamento do bar de pimenta ao preço de 8
cruzados, dos quais ¾ seriam prestados em dinheiro e ¼ em cobre, avaliado em 12
cruzados o quintal144.
Contudo, com o aumento das remessas anuais do reino, às quais se juntavam
frequentemente as remessas do Estreito, o cobre tornou-se rapidamente num meio
de pagamento menos atractivo para os fornecedores locais. Em Setembro de 1514,
Afonso de Albuquerque informava o rei de que em Cochim os mercadores indianos
revendiam prontamente e a desconto o cobre recebido em pagamento da pimenta e
que esse metal era desprovido de interesse para os produtores da especiaria145. Tal
falta de interesse mantinha-se em 1527146. Em Cananor, a situação parece ter sido
diferente, pois aparentemente nos anos anteriores a 1535 o rei de Cananor aceitara
o pagamento integral da pimenta em cobre, aproveitando preços de mercado mais
favoráveis relativamente ao preço oficial da feitoria (12 cruzados)147. Apesar disso,
o pagamento parcial da pimenta com cobre subsistiria pelo menos até à década de
1560148.
O cobre não era uma mercadoria estratégica apenas do ponto de vista comercial,
mas igualmente do ponto de vista militar, pois constituía a principal matéria-
prima usada na fundição de artilharia. Os crescentes volumes de cobre exportados
para a Índia eram, por isso, motivo de inquietação. Em Janeiro de 1507, Álvaro
de Noronha aconselhava que se refreassem os envios de cobre com o argumento
de que era desviado para a produção de artilharia e espingardas149. Já por volta de
1510, a administração régia procurava inteirar-se do uso e da quantidade de artilharia
existente nas várias regiões da Índia e ainda apurar qual a contribuição do cobre
expedido do reino para essa produção150. Em 1542-1543, o problema revelava-se tão
ou mais actual que há três décadas e terá sido uma das forças motrizes da política
143
ANTT, CC-1-37-76.
144
Godinho, 1981-1983, 3: 17.
145
ANTT, CC-1-16-82. In Pato, 1884-1935, 1: 329-330.
146
ANTT, CC-1-37-76, f. 4 v.
147
Ramusio, 1550: 152 v. (relação de Tomé Lopes, 1502). ANTT, Gavetas 20-7-13, f. 4 r.
148
ANTT, CC-1-87-50, 1-103-31. Vd. infra a discussão acerca da década de 1560.
149
ANTT, Gavetas 20-4-15, f. 14 v. In Rego, 1962-1977, 10: 368.
150
ANTT, Fragmentos 3-3-16A.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
131
5.2. c. 1530-1560
a) Volumes de exportação
Retomemos a questão das remessas de cobre do reino para a Índia a partir de c.
1530 e até à década de 1560, quando se operou uma viragem no aprovisionamento
de cobre do Estado da Índia. Os dados quantitativos disponíveis são escassos
comparativamente ao período anterior, mas ainda assim suficientes para se formar
uma percepção genérica acerca dos volumes e ritmos de exportação do cobre europeu
para a Índia através da rota do Cabo, pelo menos até 1545. As flutuações da oferta
parecem ter sido significativas.
Em Dezembro de 1532, Estêvão Gago denunciava a grande escassez de cobre
em pasta sentida em Goa desde 1530. Segundo o feitor de Goa, não havia cobre
na feitoria quando assumiu o cargo; em 1531, as remessas do reino tinham sido
muito reduzidas e em 1532 a armada do reino não trouxera nenhum cobre156. A
administração régia na metrópole parece ter reagido à notícia com a retoma das
remessas em 1533. Numa carta ao vedor da Fazenda datada de 14-01-1533, D. João
III aprovava a quantidade de cobre a expedir para a Índia na armada da Primavera
desse ano; a dimensão da remessa não é, porém, especificada. Todavia, na mesma
carta, o rei instruía ainda o vedor da Fazenda a preparar uma carga adicional de cobre
151
ANTT, Colecção de S. Lourenço, liv. 4, f. 265 r.
152
ANTT, CC-1-66-32.
153
Segundo se infere das Lembranças das cousas da Índia, fls. 19 r. – v. In Felner, 1868: 29-30.
154
Lembranças, fls. 5 v. – 6 v. In Felner, 1868: 11-13.
155
BA, 51-VI-54, fls. 39 r. – 43 v. In Jesus et al., 2014.
156
ANTT, CC-1-50-50.
João Pedro Vieira
132
157
Ford, 1931: 63-64 (doc. n.º 29).
158
Chirikure, 2010. Hauptmann et al., 2016.
159
Wee, 1963: 522-523.
160
Ford, 1931: 260 (doc. n.º 225).
161
Ford, 1931: 335-336 (doc. n.º 306).
162
ANTT, Colecção de S. Lourenço, liv. 4, fls. 264 v., 267 r.
163
Carta de quitação de Gaspar Tibão, referente ao período entre 24-05-1546 e 24-05-1550 (ANTT, Chancelaria de D. João III,
Privilégios, liv. 1, fls. 349 v. – 350 r.) e carta de quitação de Álvaro Mendes, referente ao período entre 21-05-1550 a 27-07-1554
(ANTT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Privilégios, liv. 4, fls. 128 r. – v.).
164
Stols, 1973: 20. De notar que não foram localizadas as cartas de quitação de Jorge de Barros, Manuel Cirne e João Rebelo, feitores
régios em Antuérpia entre 1533 e 1549.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
133
cobre e latão para o comércio da Mina que terminara nos finais de 1547. Em Janeiro
de 1548, recusando-se a baixar o preço contratual, Schetz perdeu o contrato para
Anton Fugger, que já tinha possivelmente em execução um contrato de fornecimento
de cobre à Coroa portuguesa pelo preço de 9 cruzados o quintal (3600 reais), mantido
no novo contrato com a duração de 3 anos165.
Nos anos seguintes, a Coroa teve de recorrer a financiamento externo para
garantir a continuidade do aprovisionamento de cobre. Entre 1550 e 1554, de acordo
com a carta de quitação do tesoureiro Álvaro Mendes, a Casa da Mina recebeu quase
54 650 cruzados provenientes de empréstimos contraídos «a câmbio» para satisfação
do contrato do cobre166.
Sabe-se ainda que em Agosto de 1566 Rui Mendes desenvolvia negociações
para a aquisição de cobre em Antuérpia, pedindo a esse propósito que lhe fosse
disponibilizada uma cópia do anterior contrato do cobre, o que corrobora a
continuidade do aprovisionamento de cobre através da celebração de contratos de
fornecimento em Antuérpia167. Entre Janeiro de 1564 e Setembro de 1568, a Casa
da Mina recebeu 6493 quintais e 2 arrobas de cobre em pasta (381,5 t)168. Mas nessa
época, como adiante se verá, o Estado da Índia voltara-se para outras fontes de
aprovisionamento e a fundição de artilharia adquiria paulatinamente um maior peso
no consumo de cobre.
165
ANTT, CC-1-80-16. Pereira, 2003: 286. Godinho, 1981-1983, 2: 9-10. Kellenbenz, 2000: 483-484, 572.
166
ANTT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Privilégios, liv. 4, f. 128 r.
167
ANTT, CC-1-107-143.
168
ANTT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Privilégios, liv. 12, f. 163 r.
169
BnF, Portugais 23, fls. 510 r. – 513 r. A carta encontra-se reproduzida, com pequenos lapsos, em ANTT, Colecção de S. Lourenço,
liv. 4, fls. 264 v. – 271 v., onde surge datada de 06-10-1545.
170
BnF, Portugais 23, fls. 510 r., 511 r. – v., 512 v. ANTT, Colecção de S. Lourenço, liv. 4, fls. 264 v., 267 r., 271 r.
João Pedro Vieira
134
contadores e moedeiros de Goa declaram que no período em que o cobre era lavrado
a 25 pardaus o quintal (7500 reais) — i. e. anteriormente ao alvará do governador
de 16-05-1545171 —, a Casa da Moeda de Goa convertia em moeda, por semana,
45 quintais de cobre, ou seja, 2160 quintais por ano (126,9 t). Posteriormente à
reforma de Maio de 1545, lavrando o quintal de cobre ao preço de 32 pardaus, 3
tangas e 42 leais (9830,4 reais), a Casa da Moeda conseguia amoedar semanalmente
30 quintais, o que correspondia a uma produção anual potencial de 1440 quintais
de cobre amoedado (84,6 t)172, ou seja, ⅔ da produção potencial realizável com o
quintal avaliado em 25 pardaus.
Assumindo ex hypothesi 3,5 meses de laboração contínua de acordo com a nova
estiva, a Casa da Moeda de Goa teria convertido até meados de Setembro cerca de
420 quintais de cobre (24,7 t), equivalentes à enorme quantidade de 3,44 milhões de
bazarucos173.
Durante o efémero período de execução da reforma de 16-05-1545, que reduziu
o peso do bazaruco a 1,5 oitavas e estabeleceu a paridade bazaruco/real174, o volume
de cobre transformado em moeda por semana terá sido ainda mais baixo. Porém, o
quintal de cobre amoedado atingiu então um máximo histórico de 10 922 ⅔ reais
— mais de 36 pardaus e 2 tangas ou 27,3 cruzados —, o que correspondia a um
benefício adicional superior a 42% sobre o preço do cobre amoedado na metrópole
(7680 reais)175.
Porém, quanto ao período entre 1542 e 1544, em que decorreram as
desvalorizações de 18 para 20 pardaus e posteriormente de 20 para 25 pardaus176,
os volumes de produção terão sido significativamente superiores ao habitual, de tal
modo que Martim Afonso de Sousa providenciou a construção de duas novas oficinas
de fabrico, cuja capacidade produtiva máxima Aleixo de Sousa estimava em 5500
quintais de cobre177. Além disso, presumivelmente em finais de 1543 ou inícios de
1544, a Casa da Moeda de Cochim, aparentemente inactiva, iniciou a cunhagem de
bazarucos em abundância para satisfação de empréstimos, soldos e outras dívidas178.
O objectivo era, declaradamente, a canalização da maior parte do cobre recebido das
armadas do reino para a lucrativa operação de emissão monetária.
Em resposta aos veementes protestos da câmara da cidade, mesteirais, povo e
171
Contra Godinho (1981-1983, 2: 41), que situa a grande desvalorização em 1544. De notar que Gaspar Correia coloca a polémica
reforma dos bazarucos no Inverno (austral) de 1545 (ANTT, Códices e documentos de proveniência desconhecida, n.º 43, f. 355 r.
In Correia, 1864: 429-430).
172
BA, 51-VII-22, f. 67 v.
Bazaruco com valor de 50 na tanga e peso de 2 oitavas (7,17 g), segundo informação de Aleixo de Sousa (BnF, Portugais 23, fls.
173
179
BA, cód. 51-VII-22, fls. 71 r. – 73 r.
180
ANTT, CC-1-30-36.
181
ANTT, CC-1-35-30.
182
ANTT, CC-1-81-93.
183
ANTT, Gavetas 15-9-28. In Rego, 1962-1977, 4: 178-179.
184
ANTT, Colecção de Cartas, Núcleo Antigo 876, n.º 146, f. 2 r.
185
ANTT, CC-1-81-30 (carta de 28-08-1548).
Vd. a carta de Lourenço Pires de Távora de 30-11-1560 (in Leal, 1886: 108-112), a correspondência de Tomás de Zornoza em
186
ANTT, CC-1-106-8 (22-08-1562) e CC-1-06-82 (10-08-1563) e a missiva de Gaspar e João Ribeiro, datada de 27-08-1564 (ANTT,
CC-1-107-9).
187
Carta de Lourenço Pires de Távora. In Leal, 1886: 111-112.
188
CC-1-108-15, f. 3 v. In Rego, 1947-1958, 10: 157.
João Pedro Vieira
136
189
Ford, 1931: 376 (doc. n.º 346).
190
ANTT, Gavetas 15-19-38. In Rego, 1962-1977, 5: 316.
191
ANTT, Gavetas 15-19-37. In Rego, 1962-1977, 5: 328.
192
ANTT, Gavetas 15-9-28, f. 7 v. In Rego, 1962-1977, 4: 180.
193
ANTT, CC-1-103-31, f. 11 v.
194
Aragão, 1875-1880, 3: 458.
195
Hildebrandt, 1977: 193-200. Kellenbenz, 1977: 300-305.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
137
196
Sousa, 1844: 415-417. Azevedo, 1929: 129-135. Vd. alvará de 22-02-1560 in Gomes (1883: 149-150).
197
Sousa, 1844: 408-410.
198
Sousa, 1844: 417. BnF, Portugais 62, fls. 191 v. – 192 r. («Memória das cortes em que se jurou o Príncipe D. João, que el-rei D.
João III ordenou em Almeirim o ano de 1544»).
199
Vd. p. e. as cartas para D. Álvaro de Noronha (ANTT, CC-1-74-91), D. Rodrigo de Castro (CC-1-75-16), D. Henrique de Noronha
(CC-1-75-31), D. Pedro da Silva (CC-1-75-32) e Manuel de Sousa (CC-1-175-33. Para a lista dos privados a quem foram solicitados
empréstimos, vd. BNB, Cód. 4,2,11, f. 14 r. ss.
200
Sousa, 1844: 421.
201
Sousa, 1844: 437.
202
ACM, Registo Geral, liv. antigo, f. 83 r. In Peres, 1957: 91.
203
ACM, Registo Geral, liv. antigo, fls. 82 r. – 83 r. In Fernandes, 1878: 48 (doc. n.º 132).
João Pedro Vieira
138
204
Colmeiro, 1903: 549-550, 857.
205
Leis extravagantes, pte. 5, tít. 8, lei 5, f. 196 v. (Leão, 1569). Aragão, 1878-1880, 1: 414-415 (doc. n.º 61).
206
ACM, Registo Geral, liv. 1, f. 43 v.
207
ANTT, CC-1-106-145. Em Novembro de 1565, são descobertos em Baiona 11 barris de moeda de cobre de 5 reais contrafeita
proveniente da Flandres (ANTT, CC-1-107-111).
208
ANTT, Gavetas 14-7-4, CC-1-106-145, 2-247-33.
209 ACM, Registo Geral, liv. 1, fls. 51 v. – 52 r. Leis extravagantes, pte. 5, tít. 8, lei 6, fls. 196 v. – 197 r. (LEÃO, 1569). In ARAGÃO,
1875-1880, 1: 417 (doc. n.º 64).
210
Leis extravagantes, pte. 5, tít. 8, lei 6, f. 197 v. (Leão, 1569). Aragão, 1878-1880, 1: 418 (doc. n.º 65).
211
De assinalar a breve excepção constituída pelas cunhagens de D. António em Angra.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
139
6. O cobre oriental
212
Godinho, 1981-1983, 2: 49. Vd. infra a discussão sobre o cobre do Japão.
213
O que em parte se deve às limitações da pesquisa efectuada relativamente ao período pós-1560.
214
Golas, 1999: 89. Vogel et al., 1991: 12-13.
215
Glahn, 1996: 83-153.
João Pedro Vieira
140
216
Alessandrini, 2011: 392-393. Godinho, 1981-1983, 3: 63. Rau, 1968: 87.
217
Boyajian, 1993: 19-27. Godinho, 1981-1983, 3: 62-68. Kellenbenz, 1956.
218
Godinho, 1981-1983, 2: 91.
219
Hamilton, 1934: 38-42.
220
Aragão, 1875-1880, 3: 460 (doc. n.º 9).
221
Aragão, 1875-1880, 3: 462 (doc. n.º 9).
Sassetti, 1874: 286, 288 (carta de 09-11-1585). Linschoten, 1997: 74, 133-134. Laval, 1619: 68. Vd. Godinho, 1981-1983, 2:
222
223
Brandão, 1923: 162-164.
224
Brandão, 1923: 185.
225
Oliveira, 1554: 40 v.
226
Quintal castelhano de 46 kg e marco de 230 g (Pellicer i Bru, 1999: 177-178).
227
Sánchez Gómez, 1989: 126.
228
García Guerra, 1999: 17-18, 59.
229
AGS, Consejo y Juntas de Hacienda, leg. 1708. Vd. Sánchez Gómez, 1989: 144.
230
Suma Oriental, f. 162 v. (Cortesão, 1978: 372-373).
231
Albuquerque, 1557: 187 v.
232
Ramusio, 1559: 56 v.
233
Orta, 1563: 53 v., 57 v.
234
Cruz, 1569 (cap. XI). Na verdade, as moedas eram produzidas em bronze.
João Pedro Vieira
142
pelas duas viagens, o antigo capitão de Malaca prometia beneficiar a Fazenda Régia
com a entrega de 3000 quintais de cobre (176,3 t) pelo preço oficial, no valor de mais
de 60 000 pardaus (45 000 cruzados), e todo o mais cobre que pudesse, a pagar pela
Fazenda a preço conveniente235.
Segundo uma retrospectiva de cerca de 1622, o Estado da Índia enfrentava um
1565 um excesso de oferta de cobre proveniente da China que desvalorizava esse
metal e causava alegadamente perdas significativas aos mercadores da pimenta
de Cochim. Por esse motivo, o pagamento parcial em cobre foi abandonado e
substituído pelo pagamento em fanões velhos. Em 1566, também os mercadores
de Coulão e Calecoulão rejeitaram o pagamento estipulado em cobre236. Em 1582,
fazendo uma retrospectiva da política monetária do Estado da Índia, a Câmara de
Goa lembrava que durante o primeiro governo de D. Luís de Ataíde (1568-1571) o
cobre — certamente de proveniência oriental — era abundante e barato237.
A partir de então, o cobre da China dominou totalmente o aprovisionamento
do Estado da Índia e consequentemente a cunhagem de moeda divisionária. Em
1583, era esse cobre, importado por conta da Fazenda, que alimentava a produção de
bazarucos de Goa238. Já em 1588, esperava-se que o arrendamento da produção de
bazarucos de cobre na Casa da Moeda de Goa produzisse um ganho de 700 quintais
de cobre (41,1 t) para a Fazenda Régia no valor de 37 000 pardaus239. Em 06-02-
1588, um alvará régio mandava que todos os que importassem mercadorias da China
passassem a pagar os direitos alfandegários exclusivamente em cobre240. Nesse
mesmo ano, o governo celebrou um contrato de fornecimento de cobre da China
pelo qual os mercadores se comprometiam a entregar ⅓ do metal importado, o qual
renderia 50 000 pardaus anuais241.
A propósito da sua passagem por Malaca, em 1587, o inglês Ralph Fitch dedica
algum espaço do seu relato ao lucrativo comércio dos portugueses com o Japão e
a China, não deixando de referir o cobre. De acordo com este viajante, as cargas
de retorno do Japão para Macau eram exclusivamente constituídas por prata no
valor aproximado de 600 000 cruzados, os quais, juntamente com outras remessas
provenientes de Goa, no valor de 200 000 cruzados, eram investidos na China com
vista à importação de diversos produtos de luxo e metais, entre os quais o cobre242.
Em 1591, encontra-se nova referência à abundância de cobre que todos os
235
ANTT, CC-1-106-107. A ascensão ao governo do Estado da Índia fê-lo desistir da viagem concedida (ANTT, CC-1-92-6).
236
AGS, Secretarias Provinciales, cód. 1571. In Rego, 1960-1967, 3: 373-376.
237
Aragão, 1875-1880, 3: 479 (doc. n.º 16).
238
Aragão, 1875-1880, 3: 716 (doc. n.º 18).
239
AHU, cód. 500, f. 4 v. In Matos, 2004: 236.
240
Rivara, 1857-1877, 3.1: 128-129. Aragão, 1875-1880, 3: 485 (doc. n.º 22).
241
AGS, Secretarias Provinciales, cód. 1551, f. 491. In Matos, 1994: 86.
242
Hakluyt, 1904: 198.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
143
243
Rivara, 1857-1877, 3.1: 256.
244
Arquivo Histórico de Goa, Livro das Monções, 2-A, f. 199 r. In Sá, 1954-1988, 5: 209.
245
Solis, 1628: 17 r.
246
Rivara, 1857-1877, 3.1: 576 (carta de 02-01-1596).
247
Rivara, 1857-1877, 3.1: 760-761 (alvará de 15-04-1597), 240-241 (carta missiva de 08-01-1598).
248
Couto, 1645: 10.
Couto, 1645: 11. Carta régia ao vice-rei, de 10-12-1598 (ANTT, Miscelâneas manuscritas do Convento da Graça, tomo 6L, p.
249
229). A datação da decisão é sugerida por um parecer de Junho de 1597, aparentemente emitido pelos religiosos de Goa (BPE, cód.
CXXII/2-11d, fls. 102 r. – v.).
250
Rivara, 1857-1877, 3.2: 904-905.
251
BPE, cód. CXXI/2-11d, f. 271 r. – v.
252
Pato et al., 1880-1982, 1: 45.
João Pedro Vieira
144
253
Aragão, 1875-1880, 3: 503-504 (doc. n.º 45).
254
Aragão, 1875-1880, 3: 507 (carta da Câmara de Goa, de 25-12-1608).
255
Pato et al., 1880-1982, 1: 287 (carta ao vice-rei Rui Lourenço de Távora, de 23-01-1610).
256
ANTT, Miscelâneas manuscritas do Convento da Graça, tomo 6F, f. 35 r.
257
ANTT, Miscelâneas manuscritas do Convento da Graça, tomo 6F, f. 35 r. – v.
258
Rivara, 1857-1877, 3.1: 113.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
145
259
Murteira, 2008. Godinho, 1981-1983, 3: 47-49. Boyajian, 1993: 24-26.
260
Nos seus apontamentos ao vice-rei D. Francisco de Mascarenhas, redigidos em 1582, a Câmara e cidade de Goa instavam-no a
autorizar a cunhagem de bazarucos de calaim «como até aqui se batiam» caso o preço do quintal de cobre em barra excedesse os 35
pardaus (Aragão, 1875-1880, 3: 480, doc. n.º 16).
261
Salgado, 2009: 237-239.
262
Aragão, 1875-1880, 3: 457 (doc. n.º 5).
João Pedro Vieira
146
263
Aragão, 1875-1880, 3: 458 (doc. n.º 7).
264
Aragão, 1875-1880, 3: 460 (doc. n.º 9).
265
Aragão, 1875-1880, 3: 458 (doc. n.º 7).
266
Aragão, 1875-1880, 3: 462 (doc. n.º 9).
267
Aragão, 1875-1880, 3: 479 (doc. n.º 16).
268
As análises à composição elementar por activação neutrónica conduzidas por Maria Filomena Guerra demonstraram a identidade
calaim/estanho relativamente ao século XVI (Magro et al., 2000).
269
Aragão, 1875-1880, 3: 476 (doc. n.º 13).
270
Aragão, 1875-1880, 3: 480 (doc. n.º 16).
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
147
271
Aragão, 1875-1880, 3: 480-481 (doc. n.º 16).
272
Aragão, 1875-1880, 3: 481 (doc. n.º 17). Portanto, o bazaruco valia menos de 0,8 reais.
273
Aragão, 1875-1880, 3: 482 (doc. n.º 17).
274
BPE, cód. CXII/2-11d, fls. 270 v. – 271 r.
275
Aragão, 1875-1880, 3: 483 (doc. n.º 19).
João Pedro Vieira
148
este rendimento afigurava-se nitidamente inferior aos 50 000 a 60 000 pardaus
anuais que habitualmente se produziam com recurso a cobre importado da China por
conta da Fazenda276. A esta produção acresciam ainda as produções efectuadas em
Goa por conta de privados através de licenças concedidas pelo governo, o que seria
expressamente proibido pela carta régia de 06-02-1588277. Ainda assim, o contrato
de arrendamento da moeda de cobre celebrado em 1588 assegurava 3,7% dos
rendimentos totais do Estado da Índia, que ascendiam então a 1 000 141 pardaus278.
Todavia, o cobre estava a perder gradualmente terreno para o estanho na
economia monetária do Estado da Índia. Os dados do orçamento de 1588 sugerem
que a amoedação de cobre estivera suspensa nos anos anteriores, enquanto o estanho
continuara a ser convertido em moeda a 31 ou 32 xerafins por quintal (23 ¼ - 24
cruzados), através de licenças concedidas pelo governo a particulares279.
Em 1592, continuavam as emissões de moeda divisionária nos dois metais,
circulando os bazarucos de cobre por um valor nominal 25% superior ao dos
bazarucos de estanho. Como a moeda divisionária de cobre já não representava o
estrato mais baixo da circulação monetária, a insuficiente oferta de moeda de estanho
tinha um impacto inflacionário nos preços, planeando-se por isso a emissão de 25
quintais (1,5 t) a 33 xerafins por quintal (24 ¾ cruzados)280. Em Junho de 1593, a
Câmara de Goa tinha lavrados 322 quintais de estanho (18,9 t) a 28 pardaus por
quintal (21 cruzados), mas a subvalorização do estanho relativamente aos territórios
circunvizinhos provocara a drenagem dos bazarucos, motivara a imposição de
limitações à sua exportação, em Abril, e levara ao aumento do estanho amoedado
para 34 pardaus281.
Esse aumento deveria ser temporário, mas a confiar nas informações fornecidas
pelo alvará de 01-07-1600, o vice-rei Matias de Albuquerque autorizou em 1595
a cunhagem de bazarucos de estanho a 35 xerafins o quintal (26 ¼ cruzados),
desencadeando com essa sobrevalorização uma inundação da circulação monetária
com contrafações provenientes do exterior282.
Durante a restante década de 1590, são várias as referências à importância das
emissões de bazarucos de cobre para as despesas correntes do Estado da Índia com
o pagamento dos oficiais da Ribeira e o aprovisionamento das armadas, mas muito
escassa a informação referente à sua cunhagem efectiva e aos volumes de emissão.
Um assento da Câmara de Goa de 13-08-1597 dava uma vez mais conta da intensa
drenagem dos bazarucos de cobre para a «terra firme». Teriam sido aparentemente
276
AHU, cód. 500, f. 2 v. In Matos, 2004: 235.
277
Aragão, 1875-1880, 3: 485 (doc. n.º 22).
278
AHU, cód. 500, f. 117 r., 118 v. In Matos, 2004: 338, 340.
279
AHU, cód. 500, f. 2 v. In Matos, 2004: 235-236.
280
Aragão, 1875-1880, 3: 489-490 (doc. n.º 26).
281
Aragão, 1875-1880, 3: 491-492 (doc. n.os 28-29).
282
Aragão, 1875-1880, 3: 500 (doc. n.º 41).
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
149
cunhados com o valor de 60 por tanga, pois a Câmara de Goa considerava esse valor
desfavorável aos interesses da população e pedia agora a desvalorização para 75
bazarucos por tanga (bazaruco = 0,8 reais), caso se optasse pela amoedação de cobre.
Quanto aos bazarucos de estanho, a oferta era ainda adequada e não havia, portanto,
necessidade de emissões adicionais283.
Durante o vice-reinado de D. Francisco da Gama (Maio de 1597 – Dezembro
de 1600), o governo da Índia voltou a conceder uma licença de amoedação de cobre
a privados. Segundo um relatório de Matias de Albuquerque, o vice-rei autorizara
D. Fernando de Noronha a adquirir todo o cobre disponível em Goa e a convertê-
lo em moeda por sua conta, no que obtivera um lucro de 10 000 xerafins. Não é
conhecido o preço do quintal amoedado, mas o lucro supostamente gerado aponta
para a produção de algumas centenas de quintais284.
A produção da Casa da Moeda de Goa deverá ter aumentado significativamente,
pois para além do aumento das importações de cobre da China (a partir de 1597), o
parecer anónimo de Julho de 1603 lembrava que de uma oficina com 4 forjas a casa
monetária passara a contar com duas oficinas equipadas com 9 forjas. A Câmara
de Goa pediu a recolha dos bazarucos de estanho, mas o aumento significativo da
oferta de cobre barato estimulou a drenagem do metal em barra para os territórios
muçulmanos envolventes e acabou por estancar a exportação dos bazarucos de cobre,
meio de pagamento essencial no abastecimento alimentar da cidade285.
Em Julho de 1600, o vice-rei voltava a prover sobre a moeda divisionária de
estanho e atribuía a origem das perturbações monetárias à sobrevalorização dessa
moeda determinada durante o governo de Matias de Albuquerque. O valor nominal
do bazaruco foi conservado (75 por tanga), mas o preço do quintal amoedado foi
corrigido para 25 xerafins e 3 tangas (19,2 cruzados), ou seja, uma redução nominal
de 27%286. Em Maio de 1605, no contexto de novas perturbações monetárias,
a Câmara de Goa notava a ausência de cobre para amoedação287. O governo não
conseguia controlar a importação de contrafações e a hemorragia da moeda de
cobre. Consequentemente, em 23-02-1606, um alvará régio ordenava a suspensão da
cunhagem de cobre, sob pena de morte e de confisco de bens, e a recolha de toda a
moeda já produzida nesse metal288.
A inexistência de cobre e de estanho em Goa obrigou ao recurso a um terceiro
metal igualmente de importação chinesa: a tutanaga (liga de zinco)289. Em 21-06-1606,
283
Aragão, 1875-1880, 3: 496-497 (doc.. n.º 36).
284
BM, Ms. Add. 28 432, f. 110 r. In Sá, 1954-1988, 6: 413.
285
BPE, cód. CXXII/2-11d, fls. 271 r. – 271 v.
286
Aragão, 1875-1880, 3: 500-501 (doc. n.º 41).
287
Aragão, 1875-1880, 3: 504 (doc. n.º 46).
288
Aragão, 1875-1880, 3: 504 (doc. n.º 47).
289
Dalgado, 1919-1921, 2: 394 (s. v. «tutanaga»). Bedini, 1994: 109. Estão ainda por realizar análises de composição elementar
sobre as cunhagens efectuadas nesta liga metálica.
João Pedro Vieira
150
290
Aragão, 1875-1880, 3: 505 (doc. n.º 48).
291
Pato et al., 1880-1982, 1: 96.
292
Murteira, 2011: 180-182.
293
Glahn, 1996: 161-170.
294
Glahn, 1996: 178.
295
Aragão, 1875-1880, 3: 507 (doc. n.º 50).
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
151
296
Laval, 1619: 185-186.
297
Pato et al., 1880-1982, 1: 287.
298
Aragão, 1875-1880, 3: 509-511 (docs. n.os 53 e 55).
299
Aragão, 1875-1880, 3: 510 (doc. n.o 54).
300
Aragão, 1875-1880, 3: 536-537 (doc. n.o 84, carta missiva de 09-12-1634).
301
ANTT, Miscelâneas manuscritas do Convento da Graça, tomo 6F, fls. 35 r. – v.
João Pedro Vieira
152
China302. Pyrard de Laval também não inclui no seu relato qualquer menção ao cobre
do Japão, mas aqui o cobre da China está igualmente omisso303. Aliás, são várias as
fontes deste período e mesmo da década de 1620 que excluem referências ao cobre
do Japão — e por vezes até mesmo ao da China —, concentrando a sua atenção nos
abundantes caudais de prata304.
A presença do cobre japonês no comércio marítimo da Ásia Oriental está
historicamente bem estabelecida. Em 1433, a expedição comercial japonesa
destinada à China transportava cerca de 2,6 t de cobre e em 1453 a quantidade de
cobre aportada foi superior a 90 t305. Durante a primeira metade do século XVI,
perante as limitações impostas pelas autoridades chinesas ao comércio com o Japão,
a sua importação para a China era realizada através da mediação comercial dos
mercadores de Ryukyu, como testemunhado por Tomé Pires c. 1515. Todavia, no
terceiro quartel do século XVI, há indícios de que a economia japonesa se tornara
deficitária em cobre, pois este metal constava das cargas transportadas anualmente
para o Japão pelos mercadores chineses do Fukien306.
Nas últimas décadas do século XVI, as disponibilidades de cobre na economia
japonesa começaram a aumentar com o ressurgimento da actividade mineira. Iniciou-
se a exploração de novos depósitos cupríferos em Kawakami, Akazawa e Gamo, e
em 1601 foram abertas as minas de Ashio, que se tornariam o principal produtor de
cobre no Japão durante a maior parte do século XVII307.
No que respeita a exportação do cobre japonês, sabe-se que este metal abastecia
com regularidade os estabelecimentos espanhóis nas Filipinas durante os finais
do século XVI e inícios do século XVII308. Em 1613, os navios de Ryukyu, sob
o domínio de Satsuma desde 1609, carregaram para a China 10 000 kin de cobre
(6 t)309. É precisamente a partir deste momento que a VOC vai surgir como um
importante veículo de transmissão do cobre japonês para os mercados indianos e
para a Pérsia. A partir de 1614, a VOC exporta cobre japonês para o Coromandel e
na década de 1620 iniciam-se inclusivamente remessas para a Europa: cerca de 22,9
t em 1624, 60,5 t em Fevereiro de 1626 e mais de 147,6 t entre Novembro de 1627
e Janeiro de 1628310. Em Novembro de 1623, a VOC introduzia na Pérsia 3,5 t de
cobre japonês; a operação comercial foi bem sucedida e continuou a ser reproduzida
302
BNE, Mss/3015, fls. 100 r. – v. In Rego et al., 1963-1967, 2: 114.
303
Laval, 1619: 182-186.
304
Para além das já citadas, veja-se p. e. a Alegacion en favor de la Compañia de la India Oriental (Solis, 1628) e os memoriais de
Jacques de Coutre (BNE, Mss/2780, fls. 260 v. – 261 r.).
305
Glahn, 1996: 90-91.
306
Renchuan, 1990: 181.
307
Tang, 1995: 71.
308
Boxer, 1967: 242.
309
Sakai, 1964: 393.
Glamann, 1981: 170. Os valores foram calculados assumindo a equivalência 1 pico = 125 ponds e 1 pico = 1 quintal e 6 arráteis
310
311
Matthee et al., 2013: 47-48.
312
BPE, cód. CXV/2-1, f. 160 v.
313
BPE, cód. CXV/2-1, f. 151 r.
314
BPE, cód. CXV/2-1, fls. 90 v., 151 r, 159 v, 162 r.
315
Aragão, 1875-1880, 3: 514 (doc. n.º 58).
316
Aragão, 1875-1880, 3: 515 (doc. n.º 59).
317
Aragão, 1875-1880, 3: 515-516 (doc. n.º 60).
318
Pato et al., 1880-1982, 5: 159-160 (alvará de D. João Coutinho, de 21-01-1619); 6: 36-37 (carta régia a D. João Coutinho, de
08-03-1619).
João Pedro Vieira
154
319
Pato et al., 1880-1982, 6: 37.
320
BNE, Mss/2780, fls. 263 v. – 264 r.
321
Biker, 1881: 266-267 (carta de 09-02-1635). De acordo com o Livro das plantas de todas as fortalezas, de António Bocarro,
estavam em Macau 4000 picos (246 t) e não quintais, sendo que cada pico pesava 1 quintal e 6 arráteis, i. e. 61,506 kg (BPE, cód.
CXV/2-1, f. 90 v.). O peso atribuído ao pico da China por Bocarro é muito próximo do registado no Livro dos pesos em 1554: 133
⅓ arráteis, ou seja, uma diferença de ⅔ de arrátel.
322
Laval, 1619: 260-261.
323
Gomes, 2013: 562. Rebello, 1985. Vd. exemplares constantes da colecção numismática da Casa da Moeda, n.os 25 549 (1627);
25 548 e 25 550 (1628). Fenelon Rebello considera que as cunhagens de Diu se terão iniciado ainda durante o reinado de D. João
III ou de D. Sebastião. Vd. considerações tecidas na secção final do presente artigo. Em 1623, Cochim recebeu licença para cunhar
bazarucos para serviço do povo, mas desconhece-se o metal em causa (Pato et al., 1880-1982, 9: 3).
324
Subrahmanyam, 2012: 153-186. Murteira, 2011.
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
155
7.1. Índia
Nesta época, há muito que os fluxos de cobre através da rota do Cabo tinham
sido interrompidos. No entanto, poderá assumir-se idêntica evolução para os fluxos
do Estreito? Como observado, o comércio do Estreito ressurgira nas décadas de 1550
e 1560, e fora acompanhado pela retoma dos fluxos de cobre com destino à Índia.
Dada a continuidade deste comércio nas décadas seguintes326, é provável que o cobre
continuasse a participar desse circuito comercial. Qual a proveniência desse cobre?
A Hungria surge como uma das fontes prováveis a considerar, assim como o
Tirol. Quanto à Hungria, a sua produção continuava a chegar a Veneza em grandes
325
Pato et al., 1980-1982, 2: 144 (carta missiva do vice-rei D. Jerónimo de Azevedo, de 26-01-1612).
326
Vd. Casale, 2006.
João Pedro Vieira
156
quantidades. Entre 1581 e 1600, a feitoria dos alemães em Veneza recebeu quase
4000 t de cobre327, o que correspondia a mais de ¼ da produção da região de
Banská Bystrica durante o mesmo período328. No entanto, os registos alfandegários
apontam para a exportação de apenas 170 migliara de cobre (81,1 t) com destino a
Alexandria329. Além disso, as autoridades otomanas tinham adoptado uma política
restritiva relativamente à exportação de metais estratégicos como o cobre pela via
do Mar Vermelho, embora esses metais continuassem a transitar clandestinamente330.
Embora num período mais recuado, para Alexandria seguia também cobre de
uma antiga proveniência asiática: as minas de Kastamonu (Turquia). Nos séculos
XIV e XV, esta era uma das proveniências que alimentava o comércio de cobre com
destino a Alexandria, especialmente através da intermediação comercial veneziana331.
Em 1507, com o fim de auxiliar a luta contra os portugueses, os otomanos enviaram
para a Alexandria uma remessa de 800 miera de cobre de Kastamonu (381,6 t)332.
Apesar disso, é provável que a maior parte da produção de Kastamonu e de outras
minas na Anatólia fosse destinada a consumo interno durante o século XVI.
No respeita às proveniências ocidentais, é obrigatória a referência ao cobre da
Suécia, que se começou a afirmar nos mercados europeus a partir dos finais do século
XVI. Entre 1582 e 1640, as minas da região de Falun terão produzido um volume
total de 42 000 t de cobre, metade do qual no período entre 1625 e 1640. Boa parte
deste cobre foi exportada para Lubeque, Hamburgo e Amesterdão, daí irradiando
pelos mercados da Europa Ocidental333. Mas uma vez mais, parece pouco provável
que a irradiação deste cobre tenha alcançado os mercados do Índico; pelo contrário,
era o cobre japonês que chegava à Europa durante a década de 1620, através da VOC.
7.3. Portugal
327
Tucci, 1977: 111.
328
Vlachović, 1977: 171.
329
Tucci, 1977: 112.
330
Winter, 1992: 201.
331
Braunstein, 1977: 85-86.
332
Sanudo, 1879-1903, 7: 163.
333
Kumlien, 1977.
334
Domergue, 1987: 495-508.
335
Regimento d’aires do quintall. Em Agosto de 1519, o feitor-mor recebia 120 000 reais pelo exame de cobre efectuada em Olivença
As amoedações de cobre do Estado da Índia: Proveniências, fontes de aprovisionamento (...)
157
angariar fundidores alemães para o reino, pois tinham sido recentemente descobertas
minas de cobre no país de que se esperava obter uma quantidade apreciável de
metal336.
Em 1524 ou data anterior próxima, foram descobertos depósitos de cobre e
mercúrio na região de Beja, cuja exploração foi concedida por D. João III a Rui Lopes,
conselheiro régio e vedor da Casa Real, por carta régia de 08-09-1524337. Os depósitos
de cobre descobertos seriam significativos, pois em 14-07-1525 o rei concedia licença
para a cunhagem de 1000 quintais de cobre (58,8 t) em ceitis na oficina monetária
de Beja338, cujo estabelecimento fora igualmente concedido em Setembro de 1524. A
exploração das minas de cobre continuava em 1532, uma vez que em Agosto desse
ano D. João III concedia licença a Rui Lopes para instalar um martinete destinado ao
lavramento do cobre339. Não é de excluir a possibilidade de este cobre ter participado
nas remessas para a Índia, embora seja mais provável a sua retenção total no reino, face
aos elevados volumes de cobre contratados em Antuérpia.
(ANTT, CC-1-25-24).
336
ANTT, Fragmentos 3-1-36.
337
ANTT, Chancelaria de D. João III, Doações, liv. 37, f. 128 v. In Viterbo, 1896: 50-51.
338
ACM, Registo Geral, liv. antigo, f. 7 r. In Fernandes, 1878: 4 (doc. n.º 13).
339
ANTT, Chancelaria de D. João III, Doações, liv. 18, f. 99 r. In Viterbo, 1896: 53.
340
ANTT, Gavetas 18-6-6. In Rego, 1962-1977, 8: 603-611.
AGI, Contaduría, 425, N. 1, R. 1, f. 107 r. Segundo o documento, o cobre deixado em Tidore formava um conjunto de 611 peças
341
7.5. África
8. Considerações finais
ANTT, Gavetas 15-19-14 (carta de c. 1500). In Rego, 1962-1977, 5: 268) e 20-5-32 (carta de 04-06-1514. In Rego, 1962-1977,
343
10: 442).
344
ANTT, Gavetas 20-5-24. In Rego, 1962-1977, 10: 428-429.
345
Vd. carta de António Vieira a D. Catarina de Áustria, de 08-04-1566 (ANTT, CC-1-107-120).
346
Vd. carta do bispo do Congo ao rei, de 07-09-1619 (AHU, Conselho Ultramarino, Angola, Cx. 1, n.º 112).
347
ANTT, Livros das Monções, liv. 16, f. 63 r. In Pato et al., 1880-1982, 8: 34.
348
Magro et al., 1994.
349
Magro et al., 2000.
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