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Pará: Grude vale ouro na cidade de Vigia

Enviada em 15 de fevereiro de

Eles têm as casas mais bonitas da cidade, o carro do


ano, propriedades espalhadas pelo estado e o sonho de consumo de muitos vigienses:
uma casa ou apartamento na capital paraense, geralmente para que os filhos venham
cursar o ensino médio e a universidade. São os ‘reis ‘da’ grude’, empresários que
enriqueceram exportando para diferentes países um subproduto do peixe,
especialmente da gurijuba, típica da região do salgado. Quase todos moram próximo
aos rios do município de Vigia, não nasceram na cidade e em comum têm a mesma
forma de ganhar dinheiro e o medo em falar sobre ele.

O grude - ou ‘a’ grude como a população prefere chamar - é a bexiga natatória do


peixe (órgão que faz o animal flutuar). Ela é retirada no barco, ainda em alto mar.
Depois, é colocada para secar na embarcação, após ser amassada, para que fique em
um formato plano. Os pescadores dizem que se o produto não for ‘esticado’, o sol não
penetra por todo o grude e ele perde o valor comercial.

Em época de chuvas intensas, os atravessadores compram o chamado ‘grude verde’


(produto fresco) e secam em estufas em um dos vários entrepostos de comércio do
produto existentes em Vigia. A cadeia econômica que movimenta mensalmente
milhares de reais no município começa com a ‘contratação’ dos barcos que irão
fornecer o produto. O atravessador financia a viagem, pagando uma quantia
estipulada previamente com o dono do barco. Terceirizar a contratação do barco é a
melhor alternativa, pois o mercado se ramifica: enquanto uns trabalham com o filé do
peixe, a outra parte fica com o grude, que é até mais valiosa.

Após voltarem das viagens na costa, a tripulação, que conta com em média cinco
pescadores, entrege o produto para o atravessador e este negocia com os
compradores do exterior. Além dos pescadores, os atravessadores de grude
empregam diretamente cerca de 20 pessoas, que cuidam dos depósitos, descarregam
a produção e embalam o que será exportado.

O lucro desse mercado não costuma ser revelados e os compradores de grude também
não gostam de dar entrevistas. Quem se dispõe a contar o quanto já ganhou com o
mercado de grude faz a exigência de não ser identificado. A explicação é simples: ‘ a
cidade é pequena e revelar essas coisas chama muita atenção’, conta o segundo maior
revendedor de grude da cidade. Nas ruas, quando a população vigiense é questionada
sobre as pessoas que mais têm dinheiro na cidade, sempre respondem que ’são
aqueles que mexem com peixe’.

O empresário diz ainda que o número de assaltos na cidade aumentou nos últimos três
anos, ‘e quem tem família, não pode dar mole de ficar divulgando o dinheiro que tem’.
Ele já foi vítima de oito assaltos. Hoje, os carros que saem para levar o produto até
Belém, de onde segue de navio para exterior, são escoltados por segurança particular.

Os compradores de Vigia pagam, em média, R$ 80 reais pelo quilo do grude aos donos
dos barcos e vendem até pelo triplo ao mercado externo. Como exportam cerca de
três toneladas mensalmente, para países como China e Inglaterra, o faturamento pode
chegar a mais de R$ 200 mil. Contudo, a crise internacional abalou o mercado do grude,
que hoje está quase sem procura, mesmo quando a oferta ainda é alta. Há dois anos,
conta o empresário, já foi possível vender o quilo do grude a R$ 250 e mais de dez
empresários trabalhavam no ramo, concorrência que encolheu para apenas quatro.

Falta legislação específica para a pesca da gurijuba no Estado do Pará

Ao contrário do que ocorre no estado do Amapá, o Pará não tem legislação específica
para a pesca da gurijuba. Não existe aqui um período de defeso, o que compromete a
reprodução da espécie, segundo levantamento feito pelo Centro de Pesquisa e Gestão
de Recursos Pesqueiros do Litoral Norte (Cepnor) e pela Universidade Federal Rural da
Amazônia (Ufra), sob a coordenação da engenheira de pesca Rosália Cotrim Souza.

Os pesquisadores monitoraram durante os anos de 2005 e 2006 a cadeia comercial do


grude, acompanhando desde o desembarque do produto no cais da cidade até o Ver-
o-Peso. Fizeram contato com o casal de chineses que compra quase toda a produção
vigiense e exporta para o país de origem. Além da sopa, os engenheiros souberam que
o material é usado na fabricação de cosmésticos como o batom.

Um dos principais problemas encontrados para a proteção da espécie é que não há


legislação que proíba a captura na época do defeso e não estipula tamanho mínimo
para que o peixe possa ser comercializado. ‘É preciso muita cautela com qualquer
proibição naquela área, pois são muitos os pescadores artesanais que vivem disso,
ainda mais que a proibição não atingiria só o comércio do peixe, mas do grude, de
maior valor econômico’, afirma Rosália Cotrim

A gurijuba tem, ainda, uma peculiaridade: Joga poucos ovócitos para a fecundação e é
um peixe de baixa fertilidade. Além disso, protege os filhotes na boca, um risco se
capturada antes do tempo. Para Rosália Cotrim, é necessário investimento em uma
campanha que estimule a preservação da espécie. A equipe de pesquisadores continua
monitorando o comércio, medindo e pesando os peixes.

‘Acredito que não há exploração dentro desse mercado. O pescador que trabalha com
grude tem uma margem de lucro muito maior que os demais. Já é rentável para eles,
mesmo quando o atravessador ganha o valor quadriplicado’, diz Rosália Cotrim.

Fonte: O Liberal

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