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MENTALIDADE

TATICA POLICIAL
&
AS QUATRO ETAPAS DO TREINAMENTO
DE ALTO RENDIMENTO

DESENVOLVIMENTO
DO PROGRAMA
MOTOR

TREINAMENTO

PROTOCOLO
DOUTRINÁRIO

IRLAN MASSAI CALAÇA


DOS SANTOS
( ,r
EDITORAGARCIA
MENTALIDADE TÁTICA POLICIAL
& AS QUATRO ETAPAS DO TREINAMENTO DE ALTO RENDIMENTO
© 2021 Irlan Massai Calaça dos Santos
Todos os direitos reservados

1ª Ediçaã o – Editora GARCIA


Brasil – Janeiro de 2021
ISBN 978-65-000134-0

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


__________________________________________________________________________________
Santos, Irlan Massai Calaça
Mentalidade taá tica policial & as quatro etapas do
treinamento de alto rendimento/Irlan Massai Calaça dos
Santos – 1ª ed. – Juiz de Fora, MG: Editora Garcia, 2021.

ISBN 978-65-000134-0

1. Operaçoã es militares. 2. Taá ticas. 3. Treinamento. I. Tíátulo.

CDD 355.4
________________________________________________________________________________

Editado por: Editora Garcia


Impressão: Editora Garcia
Site: www.editoragarcia.com.br
E-mail: editorial@editoragarcia.com.br
“O mais belo pensamento corre o perigo de ser
irremediavelmente esquecido quando não é escrito”

Arthur Schopenhauer
Para minha esposa, Géssica, e meu filho,
Pedro, pois é por eles que me acordo todos
os dias e saio para trabalhar.
Para os Policiais Brasileiros, pois é graças a
eles que retorno para casa.
SOBRE O AUTOR

Dizem que os livros devem possuir uma página fa-


lando sobre o autor, uma espécie de: “- Confie no que
vou falar, pois já fiz isso e aquilo outro e já estudei em tal
local!”. Apesar de não concordar plenamente com essa
forma de convencimento, confesso que sempre leio essa
parte de todos os materiais didáticos que tenho acesso e
considero importante saber “quem” está falando.
Nasci em 1990, na cidade de Maceió-AL, ingressan-
do na Polícia Militar do Estado de Sergipe (PMSE) aos
18 anos, em 2008, através do Concurso para Oficial
Combatente. Realizei o Curso de Formação de Oficiais
na Polícia Militar da Bahia (PMBA), uma vez que a
PMSE, na época, não formava os próprios oficiais, e en-
viava os Cadetes (nome dado ao aluno-oficial) para ou-
tros Estados da Federação para realizar sua capacitação.
Formei em 2011, aos 21 anos de idade.
Trabalhei em unidades do interior do estado de
Sergipe e aos 22 anos fui para a Força Nacional de Se-
gurança Pública. Lá, fiz parte de 47ª INC (Instrução de
Nivelamento de Conhecimento, capacitação obrigatória
que dura cerca de 18 dias). Passei um ano em missões
nos Estados de Goiás, Amazonas e Rio de Janeiro, onde
nesse último tive a oportunidade de fazer o VI COCD
(Curso de operações de controle de distúrbios), promo-
vido pela PRF, e lá, então, tive a alegria de me tornar o

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Choqueano 14 do VI COCD, ou Choqueano 209, na nu-


mérica nacional.
Após o período na Força Nacional, tive a oportuni-
dade de servir brevemente no Batalhão de Choque da
PMSE e depois de cerca de 4 meses, fui convidado, em
2014, para fazer parte do Comando de Operações Especi-
ais – COE, unidade pela qual eu guardava a mais pro-
funda admiração e não me considerava capacitado o su-
ficiente para fazer parte, mas estava disposto a aprender.
No mesmo ano, tive a oportunidade de fazer o
Curso de Ações Táticas Especiais no BOPE da Polícia
Militar de Alagoas (PMAL), onde me tornei o Cateano
04 do V CATE ou Cateano 79, na numérica geral.

No ano seguinte, tive a oportunidade de realizar o I


CTEP (Curso de Técnico Explosivista Policial) no BOPE
da PMBA.
De 2016 até o início de 2018, tive a oportunidade de
realizar uma pós-graduação na Universidade Federal
de Sergipe (UFS) sobre Criminalidade Violenta, Contro-
le Social e Políticas Públicas, onde apresentei uma mo-

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Irlan Massai Calaça dos Santos

nografia que versava sobre a capacitação em tiro no âm-


bito do curso de formação de soldados da PMSE.
Entre os anos de 2014 e 2018, tive a honra e a res-
ponsabilidade de fazer parte do corpo de instrutores de
alguns cursos de formação da PMSE, dentre estes: três
turmas de formação de Soldado, algumas de formação
de Cabos, de Sargentos, de habilitação de Oficiais, bem
como do primeiro COTAM (curso que habilita o profis-
sional do GETAM – Grupamento Especial Tático de
Motos), do primeiro EMOPAT (estágio que habilitou os
operadores do GETAM da cidade de Itabaiana-SE), do
Estágio de Aplicações Táticas, o qual capacitou a Força
Tática do 5ºBPM (Quinto batalhão da Polícia Militar),
do estágio que capacitou policiais da CPTRAN (Com-
panhia de Policiamento de Trânsito) para atuação táti-
ca, além de ter sido coordenador do II EATE (Estágio de
Ações Táticas Especiais), o qual consiste na habilitação
mínima para compor os grupos táticos do COE/PMSE.
Fora da instituição, participei da formação de Guardas
Municipais de várias cidades do interior do estado de
Sergipe e do curso de perícia em material explosivo, mi-
nistrado para os peritos criminais do estado.
Em 2019 tive a oportunidade de participar do XVI
CAP – Curso de Atiradores de Precisão, ministrado pe-
los profissionais do COT – Comando de Operações
Táticas da Polícia Federal, no qual, após trinta dias de
instruções e avaliações, me tornei o Sierra 220. Sierra é o
nome dado ao Sniper/atirador de precisão, na lingua-

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

gem técnica do gerenciamento de crises. Ainda em


2019, tive a felicidade de fazer o 5º Curso de Contrater-
rorismo da Guarda Nacional Republicana de Portugal,
ministrado pelos operadores do Grupo de Intervenção
de Operações Especiais – GIOE, que durou 12 semanas
e foi para mim um novo divisor de águas na forma de
encarar o treinamento.

Desde que ingressei na instituição, interesso-me


fortemente em compreender qual a melhor forma de
treinar e de dar treinamento, focado em resultados
práticos, preservação da vida do operador e máximo
rendimento operacional. Com esse intuito, criei a FA-
TOR 3 TREINAMENTO TÁTICO, que tem como mis-
são primordial juntar ciência e atuação tática em uma
linguagem simples e acessível, fugindo sempre dos em-
bustes sem conexão com a realidade e teorias vazias
que muitas vezes desorientam operadores. Bem, acho
que é isso. Vamos ao que interessa!

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AGRADECIMENTOS

Não se escreve um livro sozinho, ainda mais sobre


treinamento e assuntos policiais. Sempre será uma
construção com a ajuda de muitas pessoas. Um momen-
to para agradecer a essas pessoas é fundamental. Aos
meus pais por respeitar e apoiar a vontade de um ado-
lescente que decidiu ser Policial. Aos meus irmãos, que
estiveram relacionados com a produção desse livro di-
reta e indiretamente (várias filmagens com Yuri Mazzo-
ni e pedidos reiterados de artes, logomarcas e dicas
para manejo de redes sociais). À Minha Esposa, Géssi-
ca, que ao mesmo tempo que agradeço também peço
desculpas pelos momentos de ausência, tanto para es-
crever o livro quanto para as capacitações que me de-
ram condição para tal. À minha amiga Rayanne Gois
pela paciência em receber e revisar várias vezes o mate-
rial e me dar dicas preciosas. Aos irmãos de turno do VI
COCD-PRF, V CATE-PMAL, I CTEP-PMBA, XVI CAP-
PF e 5º CCT-GIOE, pois estar ao lado dos senhores sem-
pre foi uma honra inestimável e que me deu condição
de aprender sempre junto aos melhores. Aos amigos Fe-
lipe Palma, Davidson Neres, Pedro Henrique, Rafael
Pontes, Vinícius Nunes, Wellington Júnior, Samuel, Pe-
dro Paulo, André e tantos outros que me ajudaram com
informações, discussões, relatos, prefácio do livro, ma-
teriais de leitura, artigos e incentivo moral para seguir
no projeto. Aos irmãos do COE-PMSE, meu local de tra-
balho por seis anos e onde construí uma família forjada
em bons e maus momentos (além de muito café de ma-

11
drugada). Eles me ensinaram quase tudo que sei sobre
ser exemplo e seguir mesmo quando todos querem ir
embora. Aos amigos do curso de formação de oficiais,
principalmente meu irmão Rafael Nascimento, que me
ensinou a arte de encarar a realidade e rir nos momen-
tos mais improváveis. Aos mestres/instrutores que me
ensinaram tudo que sei, seja sobre técnicas e procedi-
mentos ou sobre iniciativa e perseverança. Se eu esque-
ci de agradecer alguém não foi falta de importância, foi
apenas dificuldade no processo de recuperação da me-
mória de longo prazo.

“A vontade acima da possibilidade”


“Força e honra”
AÇÕES TÁTICAS!!!

12
SUMÁRIO

SOBRE O AUTOR...............................................................7

AGRADECIMENTOS......................................................11

PREFÁCIO..........................................................................17

PRECEITOS FUNDAMENTAIS....................................21

1 O QUE É MENTALIDADE TÁTICA POLICIAL?...27

2 CICLO O.O.D.A: OS ENSINAMENTOS DE BOYD. 37


Destruindo e criando padrões.................................47
O ciclo na prática........................................................50

3 FRICÇÕES DE GUERRA: OS ENSINAMENTOS


DE CLAUSEWITZ.............................................................55

4 RELAÇÃO ENTRE ESTRESSE E PERFORMANCE...63


Distorções de percepção..........................................68
O operador de alto rendimento................................72

5 SIMPLICIDADE TÁTICA............................................75
Simplicidade como princípio de operações de na-
tureza especial...........................................................79

6 ESTÁGIOS DE COMPETÊNCIA E OS NÍVEIS DE


HABILIDADE MOTORA................................................83
Os 4 estágios de competência..................................86
Estágios de Fitts e Posner do desenvolvimento da
habilidade motora......................................................88
7 INOCULAÇÃO E ESTRESSE.......................................93
Fatores estressores e sua utilização em ambiente
de treinamento, segundo Terry N. Wollert e Jeff
Quail...........................................................................97
• Pressão do tempo:............................................98
• Distância:...........................................................99
• Acúmulo de tarefas:........................................99
• Ameaça:...........................................................100
• Ambiguidade da tarefa:................................100
• Novidade:.......................................................101
• Conflito de função:........................................102
• Ambiguidade da função:..............................102
• Demandas de coordenação:.........................103
• Barulho:...........................................................104
• Pressão por performance:.............................104
• Privação sensorial:.........................................104
• Dor:..................................................................105

8 PRINCÍPIO DE PARETO...........................................107

9 VYGOTSKY, ZONA DE DESENVOLVIMENTO


PROXIMAL E TREINAMENTO TÁTICO.................111
Vygotsky e a “ZDP”...............................................112
ZDP e o treinamento tático....................................114
Utilização da ZDP em treinamentos com estresse 118

10 AS QUATRO ETAPAS DO TREINAMENTO DE


ALTO RENDIMENTO....................................................123
Sobre métodos e modelos......................................125
Modelo de elementos da performance:...............125
Pirâmide do desenvolvimento da habilidade:....126
Um modelo de 4 etapas que atende a complexida-
de do Treinamento Tático no Brasil.....................128
11 DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA MO-
TOR:...................................................................................131
Definição de Metas Ambientais:...........................133
Qualidade do Feedback.........................................140
Transferência e generalização da habilidade......144
Exemplos de treino de programa motor.............146
Exemplo de metodologia específica de treino de
programa motor para ações táticas......................147

12 TREINO COGNITIVO.............................................149
Consciência situacional...........................................152
Tomada de decisão..................................................153
Exemplos de exercícios cognitivos........................155

13 PROTOCOLO DOUTRINÁRIO.............................157
Exemplos de treinamentos que envolvem protoco-
lo doutrinário...........................................................160

14 REALIDADE SIMULADA.......................................161
Fidelidade física versus fidelidade psicológica......162
Regras gerais da simulação de realidade “force-on-
force”...........................................................................165
Exemplos de treinamento de realidade simulada..167

15 MÉTODO RAIO.........................................................169

16 BANNER DE TREINO COGNITIVO CICLO


O.O.D.A.............................................................................179
Hipóteses científicas...............................................181
Movimentos sacádicos e a percepção..................182
Plasticidade neural.................................................183
Filtros de atenção....................................................184
Estrutura do banner................................................185
Treinando com o banner:.......................................189
Nível I: Exercícios de escaneamento simples........190
Nível II: Exercícios de escaneamento em movi-
mento........................................................................191
Nível III: Exercícios de resposta motora simples. .192
Nível IV: Exercícios de resposta motora tática...194

17 FERRAMENTAS E ACESSÓRIOS DE TREINO


SEM MUNIÇÃO REAL..................................................199
Munição inerte........................................................201
Munição laser..........................................................203
Barrelplug................................................................204
Blueguns...................................................................205
Paintball....................................................................208
Airsoft.......................................................................211
SIMUNITION/UTM..............................................213
Simuladores virtuais...............................................216
Simuladores híbridos.............................................218
Alvos eletrônicos.....................................................220

CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................225

REFERÊNCIAS................................................................231
Índice de sítios eletrônicos utilizados como fonte de
consulta:..........................................................................236
PREFÁCIO
Por Felipe Palma Freitas

Costumo dizer que, de maneira geral, um confron-


to armado é um sopro violento. Caótico, rápido, impre-
visível. Aqueles que se veem envolvidos em situações
de vida e morte desta natureza experimentam uma va-
riedade incomum de reações psicológicas, emocionais,
físicas e de percepção. Esta afirmação não traz nada de
novo. Policiais, militares, estudiosos e cientistas vêm
apontando para isto há muito tempo. Ardant Du Picq,
por exemplo, em sua obra não concluída Estudos sobre o
Combate, redigida no século XIX, pontua que:

“Acontece, frequentemente, que os que tratam


das coisas da guerra, tomando o armamento
como ponto de partida, supõem, sem vacilar,
que o homem chamado a utilizá-lo fará isso da
maneira prevista, ditada em regras e preceitos.
Mas o combatente, visto como ser racional, que
abdica de sua natureza móvel e variável para
tornar-se peão impassível e comportar-se como
unidade abstrata nas combinações do campo de
batalha, é o homem das especulações de gabine-
te, não é o homem real. Este é de carne e osso, é
corpo e alma. Por mais forte que seja sua alma,
ela não pode dominar o corpo a tal ponto que
não se revolte a carne e se perturbe o espírito
em face da destruição.” (p. 55)

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Como treinar, então, homens e mulheres para per-


formarem adequadamente em situações extremas assim?
No universo policial, as academias de polícia deveriam
dispor de metodologia, técnicas e equipamentos para que
o profissional delas saísse devidamente preparado para
enfrentar esta realidade. Mas é isto que ocorre?
Bem, muito cedo, tive a oportunidade de observar,
na prática, a extrema colisão entre o currículo de forma-
ção policial e o universo real das ocorrências diárias. Pou-
co após minha formatura, vivenciei uma experiência que
mudaria - e moldaria - minha forma de enxergar a ativi-
dade, treinamento e mentalidade policiais. Ao me ver en-
volvido em um confronto armado a curtíssima distância,
pude perceber, uma série de sensações e dilemas para os
quais, sem vergonha alguma de dizer, eu não me encon-
trava preparado e treinado para lidar. Apesar do desenro-
lar favorável, não posso me furtar de reconhecer que meu
pouco conhecimento e domínio técnico agravaram os ris-
cos da situação vivenciada.
Nesse sentido, é preciso reconhecer a necessidade
de reformulação de métodos de treinamento policial, de
forma que o profissional esteja realmente capacitado
para enfrentar uma situação de vida e morte. E como é
possível esta reformulação? Bem, na realidade brasilei-
ra, poucos autores se debruçam sobre a natureza dos
confrontos armados e a influência do estresse na perfor-
mance de policiais em ocorrências. São poucos os que,

18
Irlan Massai Calaça dos Santos

conhecendo a realidade das ruas, buscam registrar mé-


todos científicos para a adequação do treinamento e re-
ciclagem capazes de preparar, efetivamente, o profissio-
nal para os cenários com os quais se deparará em sua
vivência diária. Em suma, são poucos os que realizam
um estudo metodológico sobre mentalidade policial e
treinamento tático.
O livro Mentalidade tática policial e as quatro etapas do
treinamento de alto rendimento vem para suprir relevante
parcela dessas lacunas.
O Capitão Calaça, com sua ampla experiência ope-
racional e de instrutor das mais diversas disciplinas po-
liciais, mas, acima de tudo, com sua perspicácia e busca
incessante pelo conhecimento, nos apresenta um mate-
rial capaz de ampliar os horizontes curriculares polici-
ais e auxiliar em sua estruturação mais adequada.
Seguindo a teoria da simplicidade tática (aliás, um
dos temas abordados neste livro), relaciona o estresse à
performance, aborda o desenrolar do processo de
aprendizagem, incentiva a identificação das habilidades
mais corriqueiramente demandadas na atividade de se-
gurança pública, evidencia equívocos no processo de
formação, sugere a inclusão de fatores estressores ade-
quados no treinamento voltado para a realidade. Mas,
acima de tudo, municia o leitor com insumos para o de-
senvolvimento de padrões de treinamento voltados
para o alto rendimento, ao desenhar sua estrutura do

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

treino tático, abordando, por exemplo, temas como rea-


lidade simulada, ferramentas de treino e, até mesmo,
uma metodologia de treino cognitivo própria funda-
mentada sobre o tão famoso Ciclo O.O.D.A.
Este livro se apresenta, assim, em meu entender,
como um divisor de águas na abordagem do treina-
mento e mentalidade policiais. Estude, treine, trabalhe
suas habilidades e mentalidade. Permaneça vivo, volte
sempre para casa!
Desejo a você uma boa leitura!

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PRECEITOS FUNDAMENTAIS

Antes de começar, gostaria de salientar que esse li-


vro tem como base os preceitos da educação de adultos,
formulados a partir das ideias de Malcolm Knowles, re-
ferência em uma nova abordagem do ensino chamado
de Andragogia. Pode parecer uma forma não tão praze-
rosa de começar um livro sobre mentalidade tática e
treinamento, mas creio que seja fundamental que você
compreenda, antes de cada conceito que será apresenta-
do aqui, que direcionamos nosso aprendizado para a
vida. Os princípios descritos abaixo (e resumidos no di-
agrama ao final) são a base para compreender a forma
de utilizar o que será discutido nas próximas páginas.

Os seis princípios da Andragogia e desse material são:

1. Necessidade de saber

Os adultos escolhem aquilo que irão aprender de


acordo com a necessidade real que possuem ou perce-
bem. Isso é muito complicado na área policial, pois é
preciso ensinar aspectos da atividade que muitos nunca
foram expostos na vida e convencê-los da importância
do tema para que se interessem em aprender. Na maio-
ria das vezes, ensinar bem gira em torno de convencer
alguém a aprender.

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

2. Autonomia do aluno

Os adultos possuem uma forte inclinação para esco-


lher seu próprio caminho, decidir o que e como aprender.
Em muitas instruções de técnica individual nota-se no
olhar do aluno o seguinte pensamento : “- Estou fazendo
agora dessa forma, mas não estou convencido de que isso
funciona. Ao sair daqui vou fazer do meu jeito.” O pro-
blema disso é que nossa mente constantemente nos leva
para o caminho mais fácil e não necessariamente para o
correto. O instrutor precisa saber a forma correta de guiar
cada aluno para o aprimoramento da performance. Não
existe apenas uma forma de fazer isso.

3. Experiências anteriores do Aluno

O aprendizado é um processo de empilhar blocos.


Aquilo que o aluno aprendeu antes é fundamental para
a forma como ele irá reagir ao próximo conceito. Sem-
pre que possível, tentarei estimular você a relacionar os
conceitos que iremos tratar nesse livro com os que você
já viveu em sua vida profissional ou que já ouviu de ou-
tros profissionais.

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Irlan Massai Calaça dos Santos

4. Prontidão para aprender

Quando o adulto se depara com um problema real


para o qual não possui a solução adequada e observa
que alguém possui essa resposta, nesse momento ele
está pronto para aprender. Algumas vezes, nas instru-
ções, é preciso promover avaliações em que o aluno ten-
te resolver o problema da forma dele, antes mesmo de
ser ministrado devidamente o assunto. Quando ele fa-
lha, ao agir de acordo com suas próprias convicções e
utiliza sua própria técnica, certamente estará pronto
para aprender uma forma de não falhar mais.

5. Orientação para a aprendizagem

Os adultos orientam sua aprendizagem para a


vida. Quando é ministrada aula para um policial, é pre-
ciso ensiná-lo a ser um operador melhor. E isso prova-
velmente envolva conhecer a sociedade e conhecer as
leis, mas o instrutor precisa entender que não estará en-
sinando um policial a ser sociólogo ou advogado. Tal-
vez, esse seja um dos grandes problemas no ensino de
temáticas teóricas para quem irá fazer uso desses con-
ceitos em uma prática específica. Os alunos possuem
orientações individuais para a aprendizagem. Também
não faz muito sentido comparar um aluno a outro para
obter uma medida de eficiência.

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

6. Motivação

Certamente a motivação é a força que faz movi-


mentar todas as engrenagens do aprendizado. Não é à
toa que o requisito fundamental para fazer parte de
uma unidade especial é o voluntariado. Querer é a ca-
racterística que torna tudo possível. Você está lendo
esse livro, por exemplo, porque você quer. Se você esti-
ver lendo por se sentir obrigado, possivelmente seu
aprendizado será muito menor.

“A organização de motivos e valores dentro do


indivíduo é relevante. Alguns objetivos de longo
prazo afetam atividades de curto prazo. Assim,
estudantes universitários com as mesmas habili-
dades podem se sair melhor em cursos percebidos
como importantes para suas especializações do
que naqueles percebidos como irrelevantes.”
(Aprendizagem de resultados, 2009, P. 80).

Bem, agora que já falamos sobre isso, observe o di-


agrama a seguir, que condensa esses princípios e esta-
belece que existem questões individuais, situacionais e
institucionais que alteram a ordem de importância de
cada princípio. Para treinar melhor, você precisará en-
tender e aplicá-los em sua vida e em sua rotina de capa-
citação. Agora vamos ao que interessa!

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Irlan Massai Calaça dos Santos

Andragogia na prática (Knowles, Holton & Swanson, 1998).

25
Q uando se pensa sobre o nome “tático” e suas vari-
ações, de maneira intuitiva, somos remetidos às
questões relacionadas com o confronto armado,
ações policiais ou de guerra. Ao menos é o que vai passar
na cabeça de qualquer agente de segurança, ainda mais ao
ler um livro sobre “mentalidade tática”, que foi escrito
por um Policial Militar. Porém, quando se digita “menta-
lidade tática” nas páginas de busca da internet, uma das
primeiras respostas remete ao trabalho do Professor Ri-
cardo Luiz Pace Júnior, profissional de educação física
com atuação voltada para a “mentalidade tática” no trei-
namento de futsal. Isso mesmo, futebol de salão!
Diante disso, você poderia se questionar: mas qual
seria a relação entre o conceito de mentalidade tática do
futsal, a atividade de segurança pública e confronto ar-
mado? É aí que a coisa fica interessante, pois a relação é
curiosamente intensa!
No decorrer desse livro, irei tentar destrinchar o
conceito do esporte, sua similaridade com as necessida-
des da atividade policial e sua aplicabilidade prática no
policiamento ostensivo, no confronto armado dentro e
fora do serviço, bem como nas Ações Táticas Especiais.
Segundo a definição do professor Ricardo, Mentalidade
Tática é:

“A capacidade que deve possuir o jogador de


futsal, para analisar com rapidez as ações do
jogo durante uma partida. Desta forma, poderá

28
Irlan Massai Calaça dos Santos

assumir responsabilidade de realizar gestos téc-


nicos tanto quando tem a posse de bola ou não,
tenha a sua equipe a posse ou não.” (JÚNIOR,
2009, p. 02).

A importância desse conceito no futsal, deve-se ao


fato de que, por conta das dimensões da quadra serem
bem menores do que as de um campo de futebol, o jogo
acontece de forma muito mais rápida, o que faz com
que os jogadores não tenham muito tempo para pensar,
eles precisam agir. Dessa forma, devem realizar gestos
técnicos que ajudem a atingir o objetivo do time, que é
fazer gols e não sofrê-los. Os jogadores precisam enten-
der qual o posicionamento mais eficiente para receber
ou passar a bola, num cenário que é extremamente di-
nâmico, que muda o tempo todo, onde uma interpreta-
ção errada pode significar a derrota.
Essa capacidade de compreender o jogo e estar pre-
parado para atuar nele da forma mais eficiente possível
é o que chamamos de “Mentalidade Tática”. Ao anali-
sar esse conceito do esporte, nota-se a impressionante
semelhança com o que é exigido de um operador de se-
gurança pública durante sua atividade.
As ocorrências policiais são como os jogos de fut-
sal, pois se desdobram de forma muito rápida e exigem
que o operador possua a capacidade de compreender
tudo que está ocorrendo em fração de segundos, ado-

29
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

tando uma postura que salvaguarde sua vida, da sua


equipe e da sociedade em geral. Essa é a Mentalidade
Tática Policial.
Nas discussões sobre o conceito esportivo de Menta-
lidade Tática (que alguns também chamam de “Leitura
de Jogo” ou “Leitura Tática de Jogo”), presentes não ape-
nas no futsal, mas também no vôlei e basquete, pois é co-
mum observarmos princípios a serem seguidos pelo joga-
dor, com objetivo de ter mais eficiência na partida. No fut-
sal, por exemplo, o professor Ricardo Pace fala em:

1. Fazer sempre o mais fácil (vamos falar mais à


frente sobre a importância dessa simplicidade);
2. Assegurar o controle da bola;
3. Procurar as linhas diagonais de passe.

Esses princípios possibilitam que o jogador tenha


um comportamento mais eficiente durante a partida,
além de permitir maiores oportunidades para quem
possui a melhor “leitura do jogo”.
Porém, esse material não é sobre futsal. Precisa-se
entender como esse conceito influencia ou deveria in-
fluenciar o comportamento no serviço policial, bem
como fora dele.
O grande diferencial da Mentalidade Tática Policial
é o risco de morte envolvido em toda e qualquer ação, o
que faz com que detalhes não percebidos ou até menos-

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Irlan Massai Calaça dos Santos

prezados pelas pessoas comuns, tenham grande impor-


tância e caráter decisivo no desfecho de ocorrências. O
operador de segurança precisa prever comportamentos,
posicionar-se de maneira favorável para mitigar riscos,
fazer análise legal de suas ações, dominar as técnicas e
táticas que irá aplicar, realizar um planejamento míni-
mo antes de agir, além de possuir a resiliência necessá-
ria para transpor os obstáculos que, sem dúvida, irão
aparecer no desenrolar de suas ações. O número de de-
mandas cognitivas é muito grande. Por esse motivo, é
fundamental seguir princípios e protocolos de atuação e
treinamento adequados à realidade, para reduzir o nú-
mero de possibilidades de erro. Erro, na atividade poli-
cial, geralmente significa a morte do operador, de ou-
tras pessoas inocentes ou a liberdade do infrator.
No que diz respeito ao treinamento, veremos que a
estrutura e metodologias aplicadas no ambiente de for-
mação dos operadores de segurança pública, na maioria
das vezes é inadequada ou completamente alienada da
realidade operacional vivenciada posteriormente por
estes profissionais. Seja por falta de investimento em ca-
pacitação ou por falta de pesquisa e desenvolvimento
de uma metodologia eficiente de instrução. A verdade é
que as instituições, não raramente, capacitam os opera-
dores de forma equivocada, ensinando técnicas muitas
vezes inúteis e deixando de ensinar aquelas que o ope-
rador utilizaria todos os dias.

31
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

A ciência tem ajudado as forças de segurança do


mundo todo a treinar melhor e de forma mais eficiente,
ajudando a entender quais são as necessidades do Policial
e como melhorar sua performance tática. As discussões
sobre questões como a influência da visão de túnel e
como ela deve ser considerada no treinamento, ou a res-
peito do ciclo cognitivo sob estresse e como simular esses
fatores estressores, bem como de que forma adquirir o
programa motor adequado, e até a maneira de treinar a
visão e capacidade de “ler” cenários com maior eficácia
nos mostram o quanto a ciência pode ser um poderoso
impulso para formas mais eficazes de capacitar.
No decorrer do livro, serão discutidas algumas
dessas temáticas de cunho teórico e sua relação prática
com a Mentalidade Tática Policial, mas antes eu quero
que você leia esse relato de um amigo Policial Militar do
Distrito Federal, descrevendo uma ocorrência em seu pri-
meiro dia de trabalho no patrulhamento com viatura:

“Era um sábado e eu dirigia a viatura pelo Ita-


poã/DF, junto a outro policial do meu curso.
Dois novinhos, pouco experientes, mas vibran-
do e, de uma forma um tanto quanto prepoten-
te, acreditando que seriam capazes de desenro-
lar qualquer cenário que se apresentasse. Até
que, ainda sob a luz do dia, um cidadão nos fez
parar e informou que, dobrando a esquina, ha-
via “4 caras encapuzados roubando uma casa e
fazendo reféns. Todos armados. Já tinham ten-

32
Irlan Massai Calaça dos Santos

tado ontem, mas não conseguiram”. Confesso


que, em um primeiro momento, duvidei daquela
narrativa. É que o cidadão, muitas vezes, tem
um dom para aumentar histórias, quando faz
contato com a polícia.
Dobramos a esquina. A rua estava calma. Visu-
alizamos um gol vermelho parado de ré na en-
trada da garagem de uma casa. Havia um ho-
mem na frente do carro, com as mãos nos bol-
sos, mas nada de capuz. Fora esta situação,
nada chamava atenção. Parei a viatura, no mo-
mento em que o homem olhou para nós e de-
monstrou aquele nervosismo, aquela colada de
placas típica. Íamos pedir apoio pelo rádio, mas
ele funcionava muito mal naquela área... E nem
deu tempo. Desembarcamos e verbalizei para
que ele colocasse as mãos na cabeça. Ele correu
para dentro da casa. Fui atrás.
Ao chegar na entrada da garagem, ouvi os dis-
paros, vi a silhueta do criminoso atrás do carro
e uma senhora atrás dele.
− “Esse filho da puta atirou pra cima de mim”?
Revidei, mas não como eu gostaria. Atirei no
carro. Não tinha ângulo para atirar contra ele,
fiquei muito nervoso e, como o cidadão havia re-
latado, havia mesmo mais gente na casa. Meu
parceiro caiu no chão e, por um breve instante,
pensei que ele havia sido alvejado. Ele levantou.
Estávamos totalmente vendidos no meio daque-
la rua estreita. A vantagem tática estava com
quem quer que estivesse dentro daquela casa.
Tentamos nos abrigar em uma chapa de metal
que estava na frente da casa ao lado. Era uma

33
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

chapa de zinco. Não seguraria nada. Vi uma


casa com o portão aberto do outro lado da rua.
Corremos para lá. E eu atirando no carro. Ía-
mos pedir apoio pelo rádio. Mas o único rádio
que tínhamos havia caído do colete do meu par-
ceiro, no meio da rua. Ele fez contato via celular
para o Batalhão, enquanto eu atirava no carro.
Foi um pedido confuso. No calor do momento,
não soubemos informar a quadra com precisão.
Se os 4 criminosos relatados resolvessem entrar
com tudo no confronto para fugir, a gente esta-
ria em um cenário ruim. Era melhor desencora-
jar eles atirando. Foi tudo muito rápido, mas,
contraditoriamente, durou uma eternidade.
Neste meio tempo, desacelerei a cadência dos
disparos no carro. Eu só enxergava o carro. E
repetia mentalmente que eu não acreditava que
aquele filho da puta tinha atirado em mim. Ver-
balizamos pouco, eu e meu parceiro, naquela si-
tuação. Faltavam palavras. Primeiro dia, como
pode? Até que duas mãos apareceram levanta-
das no canto da garagem da casa onde os crimi-
nosos estavam e quebraram este ciclo. “Eles es-
tão se rendendo”, pensei. Saíram 2 homens, um
idoso e um adolescente. Mandamos que deitas-
sem. Saiu uma senhora. Não consegui pensar
direito, mandei que ela deitasse também, mas
ela estava nervosa demais para me obedecer. O
apoio chegou, guiado pelo som dos disparos. Sa-
ímos da casa em que estávamos. Confirmamos
que aqueles que saíram eram as vítimas.
Iniciou-se um cerco na casa. Mais viaturas che-
garam. Entramos. Um buraco imenso no forro

34
Irlan Massai Calaça dos Santos

da casa, telhas retiradas. Eles haviam fugido


pelo telhado. Iniciou-se uma busca nas redonde-
zas, com todos os policiais disponíveis na área,
que resultou em 3 criminosos presos e 2 armas
de fogo apreendidas.
O carro? Nem ligava.
Um policial de minha unidade, o primeiro que
chegou em apoio, disse que só conseguiu nos lo-
calizar pelo som dos disparos. “Porra, foram
tantos assim? Que bizarro, nem percebi”.
Meu parceiro se aproximou de mim, após a si-
tuação acalmar.
− “Ele atirou mesmo”?
− “Porra, você não ouviu? Que bizarro”.
Eu estava gelado, com uma fotossensibilidade
imensa. E um cansaço incomum. Bizarro, bi-
zarro.
Descobrimos que a casa era um depósito de mí-
dias piratas (havia milhares) e que os crimino-
sos estavam lá para roubarem os lucros da ati-
vidade.
Para piorar, horas depois, dois dos criminosos
fugiram da delegacia, que estava com um con-
tingente muito reduzido à época, o que, de fato,
prejudicava a correta execução das inúmeras
atribuições daqueles agentes comprometidos – e
camaradas – que nela trabalhavam. O que im-
porta é que ambos foram presos por nossas equi-
pes dois dias depois. Mas esta é outra história.
O que importa é que sobrevivemos – e inocentes
também – a uma experiência que me abriu os
olhos para o seguinte fato: o combate não é
igual aos filmes e minha percepção sobre ele era

35
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

totalmente equivocada. E isso me fez buscar co-


nhecimento, através de cursos, treinamentos e
estudos. E me considero um profissional muito
melhor, graças a essa primeira experiência tão
cedo em minha carreira.”

O objetivo desse livro, tal qual o desse relato, é


mostrar a realidade do treinamento e atuação policial
como ela é. Aceitar a realidade e trabalhar em cima dela
é crucial para um treinamento eficaz. Aspectos do relato
acima serão destrinchados em vários capítulos do livro.

36
O
Ciclo O.O.D.A (acrônimo para: Observar, Ori-
entar-se, Decidir e Agir) foi o resultado de uma
vida de análises de um Piloto da Força Aérea
Norte Americana chamado John R. Boyd. Ele foi piloto
na guerra da Coréia e lá pode observar algo incomum
no combate aéreo. Na época, os americanos utilizavam
os F-86 Sabres contra os MIG-15, de fabricação Russa.
Os MIGs eram considerados tecnologicamente superio-
res ao modelo americano. Eram mais rápidos, maiores e
mais potentes. Mesmo com toda essa vantagem para os
Russos, os pilotos Americanos alcançaram uma taxa de
abate de 10:1 contra os MIG-15, algo que despertou a curi-
osidade de Boyd. Ele analisou as táticas de combate utili-
zadas e verificou que a grande vantagem do F-86 estava
na maior visibilidade que o piloto possuía, provocando
uma maior “consciência situacional”, aliada com capaci-
dade de manobra da aeronave de maneira menos cansati-
va. Essa análise inicial levou Boyd a uma série de estudos
sobre tática de combate, estratégia de guerra e até o de-
senvolvimento de novos modelos de caça.
Durante sua vida profissional, Boyd organizou o
que viria a ser conhecido como ciclo de Boyd, ou ciclo
O.O.D.A. Ele percebeu que nosso pensamento funciona
de maneira cíclica, em loops. Fazemos isso centenas de
vezes todos os dias. Por exemplo: quando estamos em
um local conhecido pela alta taxa de crimes e “observa-
mos” dois homens em uma moto, passamos a entender
(nos “orientamos”) que é provável que sejam assaltantes

38
Irlan Massai Calaça dos Santos

e “decidimos” entrar em um estabelecimento comercial


com maior movimento, “agindo” assim com o objetivo
de evitar o assalto.

Ciclo OODA: versão simplificada

Na maioria dos cursos e análises no Brasil sobre o


ciclo O.O.D.A e sua utilização por profissionais de se-
gurança pública dentro e fora de serviço, é falado que
devemos realizar nosso ciclo de maneira mais rápida
que o nosso adversário, pois quando fazemos isso o
obrigamos a reiniciar o próprio processo e obtemos
vantagem tática sobre o oponente.
De fato, isso faz sentido, mas não nos diz tanto as-
sim sobre nossas formas de treinar. Além do mais, a
maioria das pessoas relaciona o ciclo O.O.D.A apenas
com a necessidade de agir preventivamente (por exem-
plo: se eu não estiver no celular e estiver “observando”

39
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

o ambiente, tenho vantagem sobre meu adversário na


realização do ciclo O.O.D.A e vou conseguir entender o
cenário de forma mais rápida), citando uma série de ca-
sos práticos que mostram como é importante estar aten-
to ao que acontece ao redor, mas nem sempre isso expli-
ca uma série de problemas que são experimentados em
ocorrências reais, como quando não se percebe algo que
está a sua frente, ou quando não se entende um contex-
to que era óbvio para os demais.
A maioria das pessoas ignora as melhores análises de
Boyd sobre o que ele chamou de “Grande O”, que é a
“Orientação”. Na próxima página, temos a versão expan-
dida e mais profunda do ciclo, mostrando os principais
pilares que tornam a orientação algo complexo e multi-
fatorial. Esse esquema é estudado no mundo todo por
militares, policiais e empresários, dentre outros seg-
mentos onde a tomada de decisão oportuna e correta é
o maior vetor de sucesso ou fracasso.

40
Irlan Massai Calaça dos Santos

O CICLO OODA

Ciclo OODA: versão expandida e traduzida

41
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

De acordo com o gráfico, a herança genética, tradi-


ções culturais, experiências passadas, novas informações e
capacidade de análise e síntese definem a forma como ire-
mos entender as informações que chegam ao nosso cére-
bro através dos sentidos (principalmente a visão).
Desde os antigos filósofos, existe a noção de que o
que é visto pode ser totalmente diferente daquilo que é
entendido. Ver é algo físico, resultado de estímulo lumi-
noso no globo ocular que se transforma em estímulo
elétrico e chega ao cérebro. Entender o que está sendo vis-
to é algo psicológico e os fatores supracitados e que estão
no esquema de Boyd são como filtros, lupas ou barreiras
que alteram essa percepção a respeito do que foi visto.
A compreensão disso é vital para o operador que
trabalha no patrulhamento tático, em blitz de trânsito,
em unidades especiais que realizam resgate de reféns
ou agentes de segurança de qualquer atividade que lida
diretamente com os riscos da imprevisibilidade. A for-
ma como se age está sujeita a influências específicas que
nem sempre poderão ser identificadas facilmente por
quem irá analisar essas ações (judiciário, imprensa, so-
ciedade), e o operador precisa ser treinado de maneira
adequada para compreender essas interferências e reali-
zar um julgamento mais adequado sob forte estresse.
Muitas vezes, o simples fato de o operador de se-
gurança pública ser daltônico pode alterar todo o resul-
tado de uma ocorrência passada pelo rádio que alerta

42
Irlan Massai Calaça dos Santos

sobre um veículo sedan de cor vermelha que acabou de


ser tomado de assalto. Pelo fato de ter uma herança ge-
nética que traz uma condição de percepção de cores di-
ferente, esse operador pode ter sua capacidade de ori-
entação limitada para essa ocorrência. Falei apenas uma
das várias questões genéticas, mas existem ainda ques-
tões culturais que influenciam diretamente na percep-
ção de informações, experiências que marcaram a vida
do operador e que podem acionar gatilhos emocionais e
perturbadores em ocorrências extremamente simples.
Quando se está em um ambiente com baixa inci-
dência criminal, tende-se a não observar as pessoas
como ameaça. Quando se encontra em local conhecido
pela existência de maior número de crimes violentos,
espera-se por padrões violentos em qualquer esquina.
É o que a Escritora e historiadora da arte Amy E.
Herman aponta em seu livro “Inteligência Visual” (2016)
como a “Visão Desejosa”. Temos uma tendência em ver
aquilo que esperamos ver. No trecho a seguir, a autora
exemplifica de maneira bem prática essa questão:

“Esse filtro muito comum tem vários nomes di-


ferentes: viés cognitivo, viés de confirmação,
viés de engano, visão desejosa e visão em túnel.
Ele nos põe em risco de reunir informação de
maneira seletiva, buscando inconscientemente
dados que sustentem as nossas expectativas e
ignorando aqueles que não as sustentam. É

43
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

uma armadilha comum em muitos campos.


Pode-se constatá-la quando policiais fazem per-
fis raciais, quando jornalistas entrevistam ape-
nas especialistas que apoiam sua opinião inicial
sobre um determinado tópico, quando acadêmi-
cos constroem estudos de caso para sustentar
suas hipóteses e quando agentes responsáveis
pela avaliação de empregados se concentram so-
mente em fatos de desempenho que correspon-
dam à sua opinião preexistente de um funcioná-
rio.” (Inteligência Visual, 2016, p. 72)

Essa forma de compreender a realidade em geral


ajuda a concentrar recursos nos momentos que mais
importam, porém também leva a cometer erros irrever-
síveis. Malcolm Gladwell escreveu sobre essas questões
da tomada de decisão em seu livro Blink (2016) e rela-
tou um exemplo muito interessante de ocorrência poli-
cial nas quais vários desses fatores da compreensão de
cenário se entrelaçam de maneira equivocada para a de-
finição de uma consequência trágica. Ela se passa em
um bairro periférico de Nova Iorque, durante a tentati-
va de abordagem de um indivíduo negro chamado Di-
allo, que acaba desobedecendo à determinação da polí-
cia e corre para dentro de um prédio residencial. Segue-
se a citação do livro:

“Arma de fogo! Ele tem uma arma!”, gritou


Carroll. Mas Diallo não parou. Continuava a
retirar algo do bolso e agora começava a erguer

44
Irlan Massai Calaça dos Santos

o objeto na direção dos policiais. Carroll abriu


fogo. McMellon instintivamente pulou para
trás e caiu de lado, atirando enquanto estava no
ar. Quando suas balas ricochetearam na entra-
da, Carroll achou que elas estavam vindo da
arma de Diallo e, quando viu McMellon cain-
do, presumiu que tivesse sido baleado. Assim,
ele continuou atirando, mirando, como os poli-
ciais são ensinados a fazer. Havia pedaços de ci-
mento e estilhaços de madeira voando em todas
as direções e viam-se os clarões dos disparos e
as faíscas das balas.
Boss e Murphy também tinham saltado do car-
ro e corriam na direção do prédio. “Vi Ed Mc-
Mellon”, testemunharia Boss depois, quando os
quatro policiais foram levados a julgamento sob
acusações de massacre em primeiro grau e ho-
micídio em segundo grau. “Ele estava do lado
esquerdo da entrada e voou para fora do degrau.
Ao mesmo tempo, Sean Carroll, à direita, descia
a escada correndo. Ele fazia o que podia para
sair dali. E Ed estava baleado. Foi o que conse-
gui ver. Ed atirava com sua arma. Sean dispa-
rava na entrada... e então vi Diallo. Ele estava
nos fundos do hall, com as costas na parede, en-
colhido perto da porta interna. Ele estava enco-
lhido e tinha o braço esticado. E vi uma arma.
Então eu disse: ‘Meu Deus, vou morrer’. Dis-
parei minha arma. Atirei enquanto caminhava
para trás e, a seguir, pulei para a esquerda. Es-
tava fora da linha de tiro...As pernas dele esta-
vam dobradas, e as costas, eretas. Parecia al-
guém que queria expor um alvo menor. Parecia

45
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

uma posição de combate, a mesma que me ensi-


naram na academia de polícia.”
A essa altura, o promotor público que interro-
gava Boss interrompeu:
“E como estava a mão dele?”
“Estava para fora da calça.”
“Totalmente fora?”
“Sim, totalmente fora.”
“E na mão dele você viu um objeto. Isto é correto?”
“Sim, pensei ter visto uma arma... O que tinha
visto era uma arma inteira. Uma arma quadra-
da. Foi o que parecia ser naquela fração de se-
gundo, depois de todos os tiros à minha volta,
em meio à fumaça e com Ed McMellon caído.
Ele parecia segurar uma arma, havia acabado de
balear Ed e eu era o próximo.”
Carroll e McMellon dispararam 16 tiros cada:
um pente inteiro. Boss atirou cinco vezes e
Murphy, quatro. Fez-se silêncio. Com as armas
na mão, eles subiram a escada e se aproxima-
ram de Diallo. “Olhei para a mão direita dele”,
contou Boss mais tarde. “Estava afastada do
corpo, com a palma aberta. E onde deveria ha-
ver uma arma havia uma carteira...Então eu fa-
lei: ’Onde está a maldita arma?”
Boss correu pela rua na direção da Westchester
Avenue porque, com a gritaria e o tiroteio, per-
dera a noção de onde estava. Mais tarde, quan-
do chegou a ambulância, ele estava tão pertur-
bado que não conseguia falar.
Carroll sentou-se na escada, perto do corpo cri-
vado de balas de Diallo, e começou a chorar.
(Blink, 2016, p 175-177)

46
Irlan Massai Calaça dos Santos

Essa ocorrência teve sérias repercussões, onda de


manifestações que acusavam os policiais de racismo e
grande comoção popular. Diallo era um imigrante da
Guiné e trabalhava como vendedor ambulante. Eu esco-
lhi trazer um exemplo tirado de um livro, mas poderia
trazer centenas de exemplos tirados das ruas, vivencia-
dos por mim ou por meus colegas, que seriam bem pa-
recidos com esse, o que mostra que tomar decisões em
ocorrências policiais não é algo simples. Entender o que
está acontecendo pode ser algo quase impossível em al-
gumas situações.

Destruindo e criando padrões

John R. Boyd deixou pouco material escrito sobre


suas ideias. Grande parte do seu conhecimento foi pas-
sado através das intermináveis palestras que proferia,
algumas com mais de seis horas de duração. Mesmo as-
sim, ele deixou alguns artigos que sintetizam bem seu
pensamento. O artigo que resume melhor sua ideia so-
bre como se deve entender o mundo e adotar uma es-
tratégia eficiente de sobrevivência foi escrito em 1976,
com o título: “Destruição e criação”.
Apesar de uma linguagem bastante filosófica e
buscando referências no Teorema da Incompletude de
Gödel, no Princípio da Incerteza de Heisenberg e na Se-
gunda Lei da Termodinâmica (Conceitos da ciência que
Boyd pegou emprestado para sustentar os conceitos por
ele propostos), as conclusões extraídas por ele são sim-
ples e pertinentes quando se analisa o mundo real e

47
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

principalmente as ocorrências policiais.


Na introdução do artigo pode-se entender e verificar
a importância de tais afirmações. O trecho a seguir é a li-
vre tradução do início do artigo “Destruição e Criação”:

“Para compreender e lidar com nosso ambiente,


desenvolvemos padrões mentais ou conceitos de
significado. O propósito deste trabalho é traçar
como destruímos e criamos esses padrões para
nos permitir tanto moldar como ser moldados
por um ambiente em constante mudança. Nesse
sentido, a discussão literalmente mostra porque
não podemos evitar esse tipo de atividade se
pretendemos sobreviver por conta própria. A
atividade é dialética na natureza, gerando tanto
desordem quanto ordem, que emerge como um
universo de conceitos mentais em mudança e
expansão, combinado com um universo de reali-
dade observada em mudança e expansão.”

Compreender a questão de como se criam concei-


tos de significado é a chave para entender o motivo das
ocorrências darem errado. Essa questão de ambiente em
constante mudança e atividade dialética pode parecer
algo não tão relevante, mas pare e pense com honesti-
dade: existe muita ocorrência parecida, mas há uma
ocorrência exatamente igual a outra? Como disse Amy
E. Herman em seu livro:

48
Irlan Massai Calaça dos Santos

“Quando médicos ou policiais ou professores di-


zem “Já vi isso antes”, estão errados. Eles podem
ter visto ou lidado com coisas ou casos ou pessoas
similares, mas não aquela nova que está diante
deles; essa nunca existiu antes.” (Inteligência
Visual, 2016, p. 78)

Será que para todo carro que foge de uma blitz


deve ser apresentada a mesma resposta tática e isso ne-
cessariamente dará sempre certo? Será que toda vez
que alguém desobedecer à determinação policial de co-
locar a mão na cabeça e ao invés disso colocar a mão na
cintura para puxar algo, esse algo será necessariamente
uma arma? Como se decide, em fração de segundos, na
penumbra, sob estresse, em ambiente urbano de alto
risco, que o instrumento apontado por um transeunte é
um celular e não uma arma de fogo?
Boyd informa que a sua sobrevivência depende da
sua capacidade de construir padrões e poder destruí-los
para construir novos. Quanto mais rápido você conse-
gue fazer isso, maiores serão as chances de você se
adaptar e sobreviver ao mundo. O problema disso é
que a mente quer fazer o mínimo de esforço possível e
anseia viver em um mundo perfeitamente ordenado.
Desordem é desconfortável para o bem-estar, mas ne-
cessário para nossa sobrevivência. Não é à toa que to-
dos os autores de autoajuda e coachings vão falar sobre a
necessidade de sair da zona de conforto. Se nas primei-

49
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

ras ocorrências que você participar em blitz a pessoa


que fugir da blitz for um criminoso armado, a sua men-
te projetará esse cenário para interpretação das próxi-
mas ocorrências. Essa análise indutiva é menos desgas-
tante para o cérebro do que ter que analisar todos os in-
dícios momentâneos que podem corroborar ou refutar
essa ideia.
Boyd fez essas afirmações na década de 70 e quase
todas as áreas do conhecimento (filosofia, psicologia,
neurociência, etc.) trataram de fatiar esse problema,
ofertando explicações específicas que corroboram com
as conclusões do piloto americano. Algumas dessas
abordagens serão apresentadas no decorrer deste livro.

CICLO O.O.D.A na prática

• Posicionamento em ambientes de acesso público

Para ter maior “consciência situacional”, você deve


ficar num local (bares, lotéricas, restaurantes, farmácias)
onde possa ver de maneira antecipada quem vai entrar
e quem já está dentro do ambiente.
Quem Observa primeiro, consegue se Orientar an-
tecipadamente e tem vantagem no tempo de Decisão
para Agir.

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Irlan Massai Calaça dos Santos

 Briefing de operações

Tenha consciência de que você não conseguirá de-


corar todas as informações passadas, então selecione as
mais importantes e não as defina como 100% corretas,
pois frequentemente ocorrem enganos em levantamen-
tos de dados e a interpretação incorreta pode levar a
um erro de decisão por parte do operador.
Se você será responsável por realizar o briefing de
uma missão, tenha em mente que você já está familiari-
zado com os dados, mas os operadores que irão partici-
par da missão talvez não. Seu papel é proporcionar essa
familiarização para que os operadores tenham seguran-
ça para operar. Alguns briefings precisam de alguns mi-
nutos, outros precisam de várias horas. Esteja atento a
isso. Frequentemente o que faz missões darem errado
são erros muito simples de percepção.

 Informações do rádio

Diversos são os relatos em que informações são


passadas de maneira equivocada no rádio, fazendo com
que os operadores decidam as próximas ações com base
em uma premissa falsa. Ter em mente que a informação
pode não ser verdadeira ou completa permitirá que o
operador interprete com maior eficácia as novas infor-
mações que serão apresentadas durante o decorrer da
ação. Isso reduzirá as chances de erro na ação policial.

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

• “A previsibilidade do imprevisível é previsível”

Essa frase era dita por um instrutor meu na Acade-


mia de Polícia Militar da Bahia e deve ser levada sempre
em consideração por todos que trabalham na segurança
pública. Muitos operadores trabalham como se nada de
anormal fosse acontecer no seu serviço, tendo em vista
que já desempenharam vários serviços semelhantes e
nada ocorreu. Esse tipo de profissional, inclusive, mantém
uma rotina de preparação que considera apenas os fatos
que se repetem em sua atividade e ignora completamente
as possibilidades reais, embora pouco frequentes.
O problema disso é que a natureza da atividade po-
licial está na capacidade de agir em situação de ANOR-
MALIDADE. Então, é previsível que em algum mo-
mento o operador será cobrado para que tenha perfor-
mance adequada em situações críticas. Mentalizar e es-
tabelecer planos de ação para essas situações pouco fre-
quentes, porém prováveis, é fundamental e está total-
mente relacionado com o conceito do ciclo OODA.

 Quebre o ciclo O.O.D.A do adversário

Para obter vantagem tática é fundamental quebrar


o ciclo OODA do adversário. Quem nunca presenciou
uma cena do cotidiano em que alguém faz algo total-
mente inesperado e as pessoas em volta demoram a rea-

52
Irlan Massai Calaça dos Santos

gir, pois não esperavam aquela atitude e precisam ava-


liar a reação diante de um estímulo novo? Diversas são
as técnicas pautadas no objetivo de quebrar o ciclo
OODA, como a utilização de granadas na entrada táti-
ca, cargas de distração e até o princípio da “surpresa”
que é aprendido nas aulas sobre abordagem policial.
Todo indivíduo que é confrontado com um estímulo
novo tende a demorar mais a reagir, e isso fornece mai-
or segurança para ação policial.

• A experiência

Ela é fundamental para obter repertório profissional,


que possibilita o desenvolvimento da capacidade de iden-
tificar padrões com maior facilidade. Isso permitirá que o
operador consiga atuar com maior segurança e eficácia.
Nem todas as pessoas absorvem da mesma forma o
aprendizado promovido pela prática. Isso significa que a
experiência não se mede pelo tempo que a pessoa está em
uma determinada profissão, mas pela intensidade do que
viveu e o quanto de aprendizado foi extraído disso. Boyd
identificou como fundamental o repertório de vida e ca-
pacidade de analisar informações e identificar padrões
para o entendimento do que está acontecendo.

53
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

 Ver é fundamental

A maior fonte de informação sensorial vem da vi-


são (apesar de ser um erro grave achar que os outros
sentidos não são fontes importantes de dados). O que
foi visto será confrontado com o que foi ouvido, com o
que o sujeito conhece sobre o que foi visto e o que essas
coisas significam. Logo, é importante sempre garantir
boa visualização. Tenha lanterna sempre disponível,
mesmo no serviço durante o dia. Em alguns momentos
é importante ver e ser visto, em outros é significativo
não ser visto (para quebrar o ciclo OODA adversário).

54
“Tudo é muito simples na guerra, mas a coisa
mais simples é difícil”
Clausewitz

N
o meio policial existem expressões do tipo: “só
sabe como é quem está na rua”, “Na área (ambi-
ente operacional) é diferente”, “Fulano não sabe
comandar, pois nunca trabalhou na rua”. Essas frases são
estimuladas por uma cultura específica, porém, trazem
consigo uma verdade tratada por teóricos de guerra, gran-
des líderes militares, psicólogos e instrutores policiais de
várias partes do mundo: só entende as particularidades do
ambiente operacional quem tem experiência nesse ambien-
te! Nós chamamos essas particularidades de “Fricções”.
O conceito de Fricção foi descrito por Clausewitz,
General do Reino da Prússia no final do século XVIII,
início do século XIX. Ele escreveu um clássico sobre es-
tratégia de guerra chamado “Da Guerra” (Originalmen-
te escrito em 1832, mas uso aqui a data da versão tradu-
zida para o português em 1979)), onde dedica um capí-
tulo para descrever o que seriam essas fricções que
tanto interferem no resultado das batalhas e que devem
ser encaradas com seriedade pelo comandante de uma
força militar.
Em resumo, Fricção é o que distingue a guerra no pa-
pel da guerra de verdade. É a diferença entre pensar e fa-
zer. Só consegue compreender o valor de considerar as
fricções em um planejamento, aqueles que possuem expe-

56
Irlan Massai Calaça dos Santos

periência com elas. Na época em que o livro foi escrito,


uma das fricções que mais atrapalhavam os resultados
das batalhas era o clima. Para quem nunca esteve em
uma batalha não seria simples de entender o quanto
uma chuva podia mudar o curso de uma guerra, mas
quem vivenciou as fricções e deu a devida importância a
elas, esteve em vantagem na batalha.
Será que esses conceitos de guerra do início do sé-
culo XIX servem para analisar e criticar as formas de
operar e de treinar para atuação tática nas demandas de
segurança pública atuais?
A resposta é sim. Os tipos de fricções mudaram,
entretanto continuam sendo de extrema importância
para uma intervenção eficiente na resolução de confli-
tos, execução de operações policiais e sobrevivência no
confronto armado. Quem nunca esteve envolvido em
operações policiais de alto risco não compreende com
facilidade a importância de ter um objetivo de missão
bem definido, comunicação eficiente, realizar checagem
de abandono, briefing detalhado, estar preparado para
lidar com alterações no plano e compreender o que é
sucesso e o que é fracasso no ambiente operacional.
Vejam esse relato de um grande amigo meu, extre-
mamente técnico e com uma mentalidade de combate
invejável, mas que foi baleado em uma operação por
conta de um detalhe em seu fuzil que tenho certeza que
quase ninguém verifica antes de ir para o serviço, mas
que para ele foi a fricção quase mortal da batalha:

57
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

“...nós adentramos uma área de mata, por onde


conseguimos chegar até o local do objetivo. Mo-
mentos depois, já na área de alto risco, a guarnição
se deparou com cerca de quatro indivíduos arma-
dos e no momento que foi dada a voz para a execu-
ção da abordagem, os indivíduos reagiram com dis-
paros de arma de fogo em nossa direção. Com o in-
tuito de revidar a injusta agressão, tentei efetuar
disparos em direção aos meliantes, mas a minha
arma apresentou falha (depois do ocorrido soube-
mos que se tratou de uma folga no cano do fuzil).
Durante essa troca de tiros fui alvejado na região
das costas (eu estava de colete mas o projétil entrou
logo abaixo da placa traseira, em trajeto ascenden-
te, parando na placa frontal, depois de atravessar
minha barriga), no momento em que eu tentava me
abrigar dos disparos do oponente. Importante frisar
que no momento em que fui alvejado, não percebi
de imediato que havia sofrido um disparo de arma
de fogo. A sensação era de que eu tinha tropeçado
em algum obstáculo. Cessado os disparos, eu perce-
bi que não conseguia levantar, mas não sentia dor
ainda. Em seguida, a guarnição chegaria até o local
onde estava, onde verificaram que, de fato, havia
sido alvejado. Somente aí passei a sentir dor, uma
dor insuportável.”

Esse relato nos mostra como um pequeno detalhe


pode mudar todo o curso do combate. Tenho certeza que,
para esse operador, a verificação completa do armamento

58
Irlan Massai Calaça dos Santos

com o qual trabalha, incluindo a necessidade de testes de


tiro periódicos, não são agora apenas uma preciosidade
ou exagero. São determinantes para o sucesso.
Quem elabora planos complexos para uma ação
operacional, geralmente, é quem possui pouca expe-
riência nisso. O treinamento deve proporcionar ao
máximo a aproximação do operador com o maior nú-
mero possível de fricções, objetivando o fortalecimento
de mapas mentais eficientes, que provoquem uma res-
posta mais rápida do operador, diante da situação inu-
sitada. Ninguém treina a possibilidade de escorregar,
de não conseguir romper o cadeado para a entrada táti-
ca, da comunicação falhar de maneira repentina. O trei-
namento precisa ser próximo da realidade.

“Inúmeros incidentes de pequena importância-


do tipo que você nunca pode realmente prever-
combinam-se para reduzir o nível geral de de-
sempenho, de modo que ficamos sempre aquém
da meta desejada.” (Clausewitz)

Quando o operador não sabe lidar direito com as


fricções, ele pode acabar entrando no que o autor Gary
Klugiewicz chama de “fixação tática” (Grossman, On
Combat, 2017, p. 104), que é quando nosso cognitivo es-
barra com um problema, mas não tem capacidade de
resolver de outra forma que não seja a que já tentou e

59
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

não funcionou.
Exemplo: um membro da equipe tática, responsá-
vel por fazer a abertura de uma porta com aríete, enten-
de que o plano é bater o mais forte possível em um pon-
to e então provocar a abertura da porta. Quando come-
ça ele percebe que a porta possui uma série de treliças
de contenção, além de ser feita de um material extrema-
mente resistente, ou seja, não será possível provocar a
abertura da porta com aquele aríete, porém, o operador
continua batendo indefinidamente, sem nem ao menos
variar a posição do ataque. Isso ocorre pelo fato de que,
no momento de tensão, segundo o autor, perdemos boa
parte da capacidade adaptativa para traçar outros pla-
nejamentos e propor uma nova solução para o proble-
ma. Como não foi considerada a possibilidade de a por-
ta não abrir, o operador não consegue se afastar da
ideia que foi treinada ou decidida antes de operação.
Você já parou para pensar que as barras antipânico
da saída de emergência do cinema são feitas daquela
maneira pelo mesmo motivo?
Com relação ao treinamento, as instituições falham
frequentemente em não conseguir oferecer o ambiente
de instrução mais próximo possível da realidade, seja
por questões logísticas e de baixo investimento ou para
garantir a segurança da instrução, já que o ambiente
operacional real é extremamente arriscado. Algumas situ-
ações são até mais fáceis de contornar, como o treinamen-
to em casas mobiliadas ao invés de casas de instrução

60
Irlan Massai Calaça dos Santos

vazias. O treinamento com uso de airsoft ou paintball são


soluções que também fornecem uma experiência mais
rica em termos de fricção e proporcionam melhor
aprendizado e em menor tempo, devido à importância
da “Inoculação de estresse” para o aprendizado tático.
Falaremos disso em breve.

61
“Em termos biológicos, o stress representa
qualquer estímulo percepcionado pelo organis-
mo como uma ameaça (potencial ou real) para o
seu equilíbrio. Quando confrontados com estí-
mulos estressantes, os organismos vivos inici-
am uma série de respostas com vistas à manu-
tenção da homeostasia e à formação de memó-
rias que permitam respostas proporcionadas em
situações idênticas futuras. Contudo, quando
ativados contínua ou excessivamente, os siste-
mas de resposta ao stress podem tornar-se pre-
judiciais, condicionando défices funcionais im-
portantes.” (Neurociências, 2017. Pedro
Morgado, et. al. p. 401)

Q uando comecei a estudar com maior profundi-


dade a estrutura do treinamento tático e suas
consequências para a atividade de segurança
pública, chamaram-me a atenção os trabalhos do Psicó-
logo e Oficial do Exército americano Dave Grossman
(2017). O nível de praticidade e importância acadêmica
e operacional dos comentários contidos em seus livros
são notáveis, porém pouco incrementados aos proces-
sos de ensino para forças policiais no Brasil. Em uma de
suas constatações, que reuniu diversas pesquisas corro-
borando sua conclusão, o autor nos apresenta o gráfico
a seguir, que relaciona estresse e performance:

64
Irlan Massai Calaça dos Santos

Gráfico proposto por Grossman no livro “On Combat, 2017”.

Ele é a junção do tradicional modelo de U invertido


da curva de performance mediante estresse, proposto
por Robert M. Yerkes e John Dillingham Dodson em
1908, com os trabalhos sobre os níveis de tensão e suas
consequências fisiológicas, que resultaram no modelo
de cores, o qual se tornou famoso através da difusão fei-
ta pelo coronel Jeff Cooper em suas aulas, com livros de
diversos autores comentando sobre esse modelo. É de
suma importância compreender de forma antecipada
(sem precisar ter passado por situações críticas) como a

65
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

tensão de uma ocorrência pode mudar o rendimento e a


capacidade de pensar e de agir.
As cores, de acordo com Jeff Cooper e livros de ou-
tros autores que também relatam o mesmo modelo
(Jerry Ahern, em 2010 e Joe Rosenberg em 2011) , repre-
sentam os estados da mente, o qual na condição BRAN-
CA, o indivíduo está completamente relaxado e vulne-
rável. Na condição AMARELA o indivíduo está calmo,
porém alerta ao que ocorre ao seu redor. A condição
amarela é a que deve se encontrar todo policial durante
seu período de serviço. A condição VERMELHA é rela-
cionada ao momento da intervenção em uma ocorrência
crítica, uma vez que o ritmo cardíaco vai estar mais ele-
vado, uma série de hormônios entra em ação e o indiví-
duo estará em sua capacidade máxima de performance
para sobreviver (lutando ou fugindo).
Após a condição vermelha, estudos mostram que
os indivíduos comuns perdem rendimento de maneira
proporcional ao aumento do ritmo cardíaco provocado
pela tensão (esses estudos estão simbolizados principal-
mente no modelo de curva de performance de Yerkes e
Dodson, mas também foram reproduzidos nas pesqui-
sas do F.L.E.T Center, em 2004). Grossman em sua obra
retirou a cor LARANJA (que segundo o código de cores
de Cooper, significa um alerta especifico, como quando
se identifica um indivíduo em situação suspeita e se de-
cide fazer uma abordagem, ou quando percebe um car-
ro com a mesma placa que foi passada no rádio como a

66
Irlan Massai Calaça dos Santos

de um carro roubado instantes antes) e acrescentou a


condição CINZA e PRETA, as quais detalham basica-
mente os problemas relacionados à deterioração do de-
sempenho, porém a condição cinza e preta foram nega-
das por Cooper, que destacou isso em publicação que
fazia periodicamente com comentários sobre diversos
assuntos (1996, p. 637).
O grande destaque das observações de Dave
Grossman (2017), no entanto, é entender as cores como
uma representação não apenas de um estado da mente,
mas uma sólida consequência fisiológica e psicológica
da elevação do ritmo cardíaco mediante tensão. Pode-se
estar em uma viatura, numa situação calma, ao lado de
uma pessoa que já está passando da condição vermelha
para a condição cinza, por exemplo. Esse padrão de es-
tímulo estressante causará alterações na percepção, que
tornam a experiência do encontro letal muito diferente
daquilo que é visto nos filmes.
A figura abaixo resume o entrelaçamento das idei-
as de Jeff Cooper e Grossman de maneira prática e útil.
Seria produtivo, então, controlar os batimentos? É
isso possível? Como? Estressando o máximo possível o
instruendo?

67
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Distorções de percepção:

Para entender melhor sobre os fenômenos psicoló-


gicos durante momentos de extrema tensão, a Dra. Ale-
xis Artwohl (1997) realizou uma pesquisa com diversos
oficiais de polícia que haviam se envolvido em confron-
to armado. Os resultados foram importantes para des-
mistificar um pouco do efeito dos filmes de hollywood
no imaginário da população e de boa parte dos opera-
dores, trazendo-os para a realidade e destacando ques-
tões que tornam muitos treinamentos inúteis ou inade-

68
Irlan Massai Calaça dos Santos

quados, no entanto dando sentido a outros treinamen-


tos que até instrutores utilizavam sem saber o verdadei-
ro motivo. Sob forte tensão, não conseguimos ouvir di-
reito, ver direito, e muitas vezes não conseguimos sim-
plesmente pensar. O quadro abaixo organiza de forma
simplificada e com o percentual de operadores que
apresentaram cada tipo de distorção perceptual.

Distorções de percepção em combate


Fonte: Deadly Force Encounters, por Dra. Alexis Artwohl e
Loren Christensen, baseado na pesquisa com policiais ameri-
canos que passaram por confronto armado, 1997.
% Tipo de distorção
85 Diminuíram a percepção do som (Exclusão auditiva)
16 Intensificaram a percepção do som
80 Visão de túnel
74 Piloto automático
72 Aumentaram a claridade visual
65 Tempo de movimento lento
7 Paralisia temporária
51 Perda de memória para partes do evento
47 Perda de memória para algumas de suas ações
40 Dissociação (Separação)
26 Pensamentos distraídos intrusivos
22 Distorção de memória
16 Tempo de movimento rápido

69
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Tabela retirada da Obra de Dave Grossman, “On Combat”, 2017.


Essas distorções possuem muita relação com o gráfi-
co de estresse e performance que foi discutido anterior-
mente. São efeitos físicos e psicológicos resultantes do au-
mento do ritmo cardíaco provocado pela tensão da ocor-
rência. De acordo com isso, pode-se entender a importân-
cia de exercícios de técnica individual que favoreçam o es-
caneamento do ambiente, checagem da arma de fogo, co-
nhecimento prévio de onde está localizado cada carrega-
dor de pistola ou arma longa e formas de comunicação vi-
sual como linguagem das armas. Deve-se fazer com que o
treinamento desafogue o nosso cognitivo, deixando-o li-
vre para as fricções específicas da ocorrência.
O relato a seguir foi escrito por um operador do Co-
mando de Operações Especiais da Polícia Militar do Esta-
do de Sergipe, explicando resumidamente o que sentiu du-
rante intervenção tática em uma ocorrência de crise onde
um homem em surto psicótico tinha feito uma senhora
como refém. Ele foi designado previamente para ser o pri-
meiro a entrar no ambiente, portando uma espingarda com
munição de elastômero (conhecida popularmente como
“bala de borracha”), como parte do plano tático para afas-
tar o causador do evento crítico e salvar a refém.

“Quando fui designado para operar a calibre 12


senti um mix de emoções, a adrenalina já subiu
e a responsabilidade toda da ocorrência nas

70
Irlan Massai Calaça dos Santos

mãos me deixou um pouco apreensivo, porém


treinamos para em situações como esta manter
o controle emocional. Decidido tudo sobre a in-
tervenção e como seria o start me posicionei
junto da porta e aí que comecei a sentir muito
mais sensações, os segundos que antecederam o
start pareciam intermináveis, tive a impressão
de sentir tudo mais “aguçado”, fiquei ofegante,
com sudorese e consegui perceber que tive uma
melhora considerável na audição. Dado o start
adentrei no cômodo e mais uma vez consegui
perceber meus sentidos mais aguçados como se
eu olhasse toda a situação em câmera lenta, é
engraçado dizer isso pois foram segundos ape-
nas, mas eu consigo ainda hoje lembrar de di-
versos detalhes da ocorrência e do quarto onde
se encontrava o perpetrador e a vítima, porém
eu não consigo lembrar de detalhes da sala, cô-
modo esse que passamos antes de chegar no
quarto, caracterizando que eu tive visão de tú-
nel no momento da invasão tática.”

Nesse breve relato pudemos perceber sintomas


clássicos do efeito da tensão sobre a percepção da reali-
dade e como isso pode interagir para o sucesso ou fra-
casso de uma ação. No caso relatado, a ação era planeja-
da e de tempo limitado, com ambiente e recursos co-
nhecidos, com uma linha de ação já prevista, além de

71
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

todos os prováveis efeitos colaterais terem sido imagi-


nados e inclusos no planejamento. Era a ação de uma
tropa especial, com treinamento específico. Nada disso
foi suficiente para que o policial deixasse de sentir os
efeitos causados pelo estresse e tivesse seu entendimen-
to da realidade alterado de forma significativa.
Esses efeitos podem ser determinantes para que
um policial se concentre melhor em uma ameaça e per-
ceba padrões de agressão com maior eficácia. Entretan-
to, os mesmos efeitos podem provocar a total falta de
precisão em um disparo de arma de fogo ou impossibi-
litar a percepção de uma segunda ameaça no confronto.

O operador de alto rendimento:

Ainda sobre o gráfico de estresse x performance, a


última e mais importante observação é a respeito da li-
nha pontilhada do gráfico, mostrando uma extensão do
pico de performance até a condição cinza. Essa linha
pontilhada se refere aos profissionais de ALTO RENDI-
MENTO, ou seja, profissionais que treinaram tanto (e
de maneira adequada) que conseguem se manter no
pico de performance, mesmo com toda a carga de ten-
são da condição cinza, em que efeitos psicológicos
como o de “piloto automático”, no qual a pessoa não
pensa sobre o que está fazendo, agem no indivíduo. A
qualidade e intensidade do treinamento provocam as-

72
Irlan Massai Calaça dos Santos

sociações tão eficientes que promovem o reconhecimen-


to quase instantâneo de padrões de ameaça, além de re-
lacionar esses padrões com reações táticas treinadas que
possivelmente nem passarão pelo cognitivo consciente
na hora da reação. É aquilo que as pessoas chamam de:
- eu fiz sem nem pensar! Sim, isso existe! Falaremos so-
bre isso ao tratar da “Inoculação de estresse” e “Treina-
mento de exposição ao estresse”.

“Esses estágios de respostas inatas valem para


todos os seres humanos (e para os mamíferos em
geral), apesar de o desencadeador que provoca
cada um pode variar muito de pessoa para pes-
soa. Dependendo da força de estímulo de amea-
ça, a resposta pode pular estágios. Por exemplo,
uma explosão inesperada provoca imediatamen-
te uma resposta de fuga em alguns e de entrega
em outros. O treinamento pode alterar a sensi-
bilidade a disparos e à sequência de estágios.
Outro exemplo, os soldados são treinados para
congelar e depois lutar e, em alguns casos, para
nunca fugir ou se entregar” (Princípios Uni-
versais do Design, 2010, p. 110)

Aí reside a motivação pela qual se deve levar a sé-


rio a forma como se instrui e o quanto se investe em ca-
pacitação, a fim de evitar formar operadores que não
compreendem as próprias limitações e que acham que
desenvolveram uma determinada habilidade por ter
praticado algumas vezes.

73
“Leo Frankowski é um brilhante engenheiro
com várias patentes e muitos livros de ficção ci-
entífica em seu nome. Ele e eu colaboramos em
várias obras militares de ficção científica. Ele
diz que, “nas paredes dos vestiários dos enge-
nheiros, você encontrará uma placa onde se lê
‘KISS!’ Quando alguém pergunta do que se
trata, lhe dizem que significa “Keep It Simple
Stupid” (Que em tradução livre pode ser inter-
pretado como “não complique seu estúpido!”
Esta regra fundamental também se aplica no
treinamento e preparação de guerreiros para o
combate.” (GROSSMAN, 2017, p. 27).

M
esmo com quase todos os seriados policiais
tentando mostrar o contrário, a simplicidade
sempre foi o maior vetor de sucesso, mesmo
para as ações mais audaciosas já vistas em termos táticos.
Quem já participou de uma operação policial, com ou
sem confronto armado, vai entender e concordar com a
importância da simplicidade e com o poder que a tensão
das ocorrências tem de complicar as coisas e fazê-las da-
rem errado para quem não se preparou para situações ab-
surdamente obvias.
A atuação policial é extremamente complexa por si
só, pois é necessário tomar decisões vitais em segundos,
com consequências muito sérias para a sociedade e para
a integridade física do próprio operador. Além disso, o
policial precisa dominar o uso de uma série de equipa-
mentos que podem estar disponíveis para o seu trabalho,

76
Irlan Massai Calaça dos Santos

como armas de fogo, instrumentos de menor potencial


ofensivo, equipamento radiotransmissor, dentre outros.
A demanda de treinamento específico é gigantesca,
uma vez que o policial precisa estar preparado para fa-
zer uso de cada instrumento e equipamento, de forma
rápida, precisa, sob grande tensão e realizando análises
jurídicas sob pena de ser responsabilizado pelo abuso
de sua autoridade, excesso no uso da força ou pela
omissão do dever de agir.
O psicólogo experimental William Edmund Hick, em
1952, pesquisou e escreveu sobre um assunto que ficaria
conhecido posteriormente como “lei de Hick”. Em seu
trabalho, ele analisou o tempo de tomada de decisão me-
diante o número de escolhas apresentadas como opção.
Com isso, chegou à conclusão de que ao aumentar o nú-
mero de opções de uma para duas, o tempo de resposta
sobe mais de 50%, de maneira logarítmica. Esse tempo de
resposta é chamado de “taxa de ganho de informação”.
Algumas questões interferem nesse tempo de res-
posta e a principal delas é o estímulo ser conhecido ou
não, pois estímulos conhecidos geram respostas mais
rápidas, e é aí que precisamos trazer essas noções da
ciência para nossa realidade da atuação tática e metodo-
logia de treinamento, pois precisamos refletir sobre a
relação entre carga horária e conteúdo ministrado para
desenvolver uma nova habilidade.
Algo que sempre observei nas instruções de tiro

77
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

que ministrei formalmente pela instituição (PMSE) nos


cursos de formação é que dificilmente o aluno saía pre-
parado para solucionar uma pane de tiro, simplesmente
pelo fato de que passávamos mais de uma forma de so-
lucionar a pane e não havia tempo para simular essas
panes e transformar o estímulo em algo conhecido,
além do aluno ser bombardeado com várias opções, que
iriam demandar maior tempo para uma resposta ade-
quada no cenário real.
No manual sobre armamento e tiro dos Marines,
eles ensinam uma técnica para solução de panes chamada
“Tap Rack and Bang” (Bater, ciclar e atirar), que se resume
a bater no carregador, manobrar o ferrolho da arma e ten-
tar atirar novamente. Essa solução serve para a maioria
das panes e se torna muito mais simples de ser ensinada
no curso de formação e é muito mais compatível com o
cenário de prejuízo cognitivo das situações de estresse. A
simplicidade da ação torna o procedimento eficiente, mes-
mo que não resolva todos os casos.
Quem planeja e/ou executa operações táticas, tanto
de cunho convencional quanto de ações táticas especi-
ais, consegue perceber com maior facilidade quais são
as fricções envolvidas em cada situação e como se pre-
parar melhor para isso.
Outro aspecto a ser observado é sobre a simplicida-
de da orientação aos operadores que participarão da ação,
a respeito do que devem fazer e qual objetivo deve ser
atingido. Para isso, faço referência ao trabalho dos pesqui-

78
Irlan Massai Calaça dos Santos

sadores Franklin Henry e Donald Rogers, que em 1960


verificaram em suas pesquisas que aumentar o número
de tarefas aumenta também o tempo de execução da pri-
meira tarefa. Você pode estar achando que isso parece ób-
vio, mas te convido a tentar enxergar de outra forma.
Eles mediram o tempo em que uma pessoa levava
para cumprir uma tarefa simples (acender uma luz), de-
pois adicionaram outras tarefas e mediram novamente o
tempo que esse mesmo indivíduo levava para cumpri-las,
porém só estava sendo analisado o tempo levado para
execução da primeira , que não tinha mudado. Pelo fato
de ter outra atividade para executar após acender a luz, a
pessoa demorava mais para acender. Isso nos mostra o
motivo pelo qual precisamos ser objetivos nas orienta-
ções, de modo a exigir o mínimo possível do cognitivo do
operador com questões desnecessárias à compreensão da
tarefa dele e do objetivo da missão.
Compreender o conceito de simplicidade tática, ali-
ado ao correto entendimento das fricções do ambiente
operacional certamente provocarão efeitos no planeja-
mento de missões, processos de tomada de decisão e
condução de ocorrências.

Simplicidade como princípio para operações


de natureza especial

Para além da ciência, William McRaven, em seu li-

79
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

vro "Spec Ops" (1996), listou seis princípios para condu-


ção de Operações Especiais:

 Simplicidade;
 Segurança;
 Repetição;
 Surpresa;
 Rapidez;
 Propósito.

Fonte: McRaven (1996, p. 11).

Simplicidade é o primeiro item e isso não é à toa,


pois, segundo o autor:

80
Irlan Massai Calaça dos Santos

"Simplicidade é o mais crucial e algumas vezes


o princípio mais difícil de cumprir. Como se faz
um plano simples? Existem três elementos da
simplicidade que são críticos para o sucesso: Li-
mitar o número de objetivos, boa inteligência e
inovação." MCRAVEN (1996)

Para ser simples e ter maior chance de fazer o pla-


no dar certo, não se pode querer tudo ao mesmo tempo.
Limitar o número de objetivos é vital para vitória. Sobre
a observação do autor a respeito da boa inteligência,
isso se refere às informações obtidas sobre a missão.
Quanto menos incógnitas tivermos, melhor será o pla-
nejamento. Sobre inovação, pode-se entender como o
uso da tecnologia e a criatividade para pensar soluções
não convencionais para os problemas. Atentar para es-
sas características é a chave para tornar todos os passos
seguintes mais favoráveis e menos arriscados.
Analisando os dados da ciência, da história e da
prática policial enquanto operador e instrutor, não te-
nho receio algum em dizer que buscar excelência e alta
performance é sinônimo de buscar a simplicidade em
sua essência. Entretanto, gostaria de encerrar esse capí-
tulo com o aviso do autor Kenneth Murray, que em seu
livro "Training at the speed of life" (2004) alerta para a di-
ferença entre simplicidade e facilidade, dizendo que
simplicidade é buscar o menos complexo, enquanto fa-

81
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

cilidade significa buscar menor esforço. Nem sempre a


solução mais simples será a mais fácil, mas possivel-
mente terá maior chance de dar certo por ser a menos
complexa para solucionar o problema. Busque simplici-
dade, não facilidade!

82
D
esenvolver uma nova habilidade definitiva-
mente é um processo. Não acontece da noite
para o dia, ainda mais quando essa habilidade
envolve o manuseio de equipamentos específicos, sob
forte estresse, em situação de risco real. Quando estou
preparando minhas instruções, sempre recorro à análise
do meu próprio processo de aprendizagem durante a
carreira (pois me considero uma pessoa com capacida-
de cognitiva na média da sociedade) para poder definir
o tempo mais adequado para passar certos conhecimen-
tos e poder avaliar se o aluno está tendo o rendimento
esperado no aprendizado daquela habilidade.
Um exemplo prático foram as minhas experiências
com a espingarda calibre 12. Tive o primeiro contato no
manuseio dessa arma durante o Curso de Formação de
Oficiais, na Bahia em 2009, porém nunca disparei com ela
durante o curso. Tive contato novamente em 2011 duran-
te estágio realizado na Companhia de Policiamento Espe-
cializado de Caatinga, onde me perguntaram se eu era ha-
bilitado para utilizar a arma e eu afirmei que não, pois
nunca havia disparado e o tempo que tive de instrução
não foi suficiente. Após algumas instruções e alguns dis-
paros me senti apto para utilizar naquele momento.
Depois dessa experiência só fui ter contato com a
arma novamente no final de 2012, na Instrução de Nive-
lamento de Conhecimento da Força Nacional de Segu-
rança Pública, onde mais uma vez aleguei que não me
sentia seguro para fazer o uso da arma e pedi por mais

84
Irlan Massai Calaça dos Santos

instrução. Finalmente, em 2013, realizei o curso de Ope-


rações de Controle de Distúrbios, ministrado pela Polí-
cia Rodoviária Federal (PRF) no Rio de Janeiro (RJ),
onde a habilidade no manuseio da espingarda era bas-
tante cobrada. Ainda assim, depois de todas essas expe-
riências de aprendizagem, o instrutor percebeu que eu
não era extremamente familiarizado com a arma e me
deu algumas dicas e pude treinar bastante durante as
atividades de instrução e avaliação.
Onde quero chegar com tudo isso? Simplesmente
afirmar que desenvolver alguma capacidade leva certo
tempo e que uma nova habilidade atrofia muito mais
rápido que outra que foi sedimentada por mais tempo.
Outra conclusão seria sobre a necessidade de elencar
quais habilidades são mais importantes para poder in-
vestir maior carga horária nelas. Não adianta querer ca-
pacitar um aluno para utilizar todas as armas da insti-
tuição se para isso eu acabar prejudicando o processo
de aprendizagem dele para o uso da pistola, sendo que
a pistola será utilizada por todos os policiais em todos
os serviços e as outras armas não.
Autores de diversas áreas conexas à tática policial,
psicologia do combate, tiro tático, programação neolin-
guística e neuropsicologia citam o conceito dos níveis
de competência para explicar de forma simplificada
como funciona o processo de aprendizagem. Dentre os
autores temos: Joseph O’Connor (2012), Dave Gross-

85
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

man (2008), Pellegrini (2018).


A teoria é atribuída originalmente ao autor Noel
Burch (1970), mas frequentemente associada ao psicólo-
go Abraham Maslow, o mesmo que desenvolveu a fa-
mosa pirâmide das necessidades de Maslow.

Os 4 estágios de competência:

• Incompetência inconsciente: O operador não


sabe e não sabe que não sabe. É o nível mais peri-
goso, pois muitas vezes o operador não com-
preende que precisa desenvolver certa habilida-
de, tendo em vista que ainda não se tornou cons-
ciente da própria incompetência.
• Incompetência consciente: Nesse estágio, o ope-
rador começou a praticar determinada habilida-
de e percebeu que precisa treinar muito ainda
para dominá-la. Ele entendeu que não sabe algo.
Isso é muito bom para o manuseio de qualquer
material potencialmente lesivo, dado que o ope-
rador ao menos já se dá conta dos riscos envolvi-
dos e age com maior prudência.
• Competência consciente: Nesse estágio o opera-
dor já possui pleno domínio da nova habilidade,
mas ainda precisa investir seu cognitivo consci-
ente para executar a habilidade de forma correta.

86
Irlan Massai Calaça dos Santos

• Competência inconsciente: Esse é o estágio al-


mejado por todos para qualquer habilidade. Che-
gar nele significa que você dominou e treinou de
tal forma que não é mais necessário pensar em
como fazer, o processo é automático e intuitivo.
O operador faz sem pensar e terá mais chances
de conseguir fazer sob forte tensão.

O’CONNOR (2012) adiciona ainda o estágio de


Maestria, onde poucos indivíduos conseguem chegar e
que transcende a competência inconsciente, permitindo
que o indivíduo execute uma determinada habilidade
em altíssimo nível de rendimento e perfeição, fazendo
parecer algo fácil aos olhos alheios. Ele relaciona ainda
uma carga horária média de treinamento para atingir
cada nível de competência já descrito, ficando a relação
como mostra o quadro abaixo:

Estágio de competência Carga horária


Incompetência Inconsciente ------------
Incompetência Consciente ------------
Competência Consciente 1.000 horas
Competência Inconsciente 5.000 horas
Maestria 25.000 horas

O estágio de Incompetência Inconsciente é associa-


do geralmente ao indivíduo que nunca teve contato
com o treinamento para desenvolver determinada habi-
lidade, então não consegue nem ao menos compreender

87
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

se aquilo é algo difícil de fazer ou não. Sobre esse as-


pecto, devemos fazer uma referência ao treinamento de
tiro policial, em que isso se observa em diversos profis-
sionais, os quais possuem contato apenas com o tiro es-
tático e entendem que foram capacitados para o “tiro
policial”. Esses policiais não sabem atirar sob as condi-
ções de uma ocorrência e ainda não sabem disso. Acre-
dito que esse seja o maior risco operacional que as insti-
tuições policiais passam hoje em dia: formam operado-
res para uma atividade, afirmando que estão formando
para outra completamente diferente.
Outras formas de classificar os níveis de desenvol-
vimento de habilidades foram propostas por outros au-
tores, dentre os quais gostaria de destacar aqui aqueles
que desenvolveram um conceito focado na habilidade
motora, que certamente é tema de interesse dos profis-
sionais de segurança de uma maneira geral, uma vez
que grande parte das demandas da atividade policial
envolvem a execução de habilidades dessa natureza.

Estágios de Fitts e Posner do desenvolvimento


da habilidade motora

Leva-se um certo tempo para desenvolver uma


nova habilidade motora, certo? Andar de bicicleta, diri-
gir, ou manusear uma arma de fogo não se aprende da
noite para o dia. É notório que diferentes pessoas pos-

88
Irlan Massai Calaça dos Santos

suem diferentes níveis de habilidade para certas ativi-


dades, e no contexto tático isso pode ser a diferença en-
tre vida e morte.
Dois pesquisadores, Fitts e Posner, classificaram as
habilidades motoras em três estágios:

 cognitivo;
 associativo;
 autônomo.

No estágio inicial, cognitivo, o indivíduo precisa


pensar em tudo para conseguir executar a habilidade,
requerendo um nível alto de atenção (como a pessoa
que está aprendendo a andar de patins e caso converse
com outra pessoa não consegue se equilibrar).
No segundo estágio, associativo, o indivíduo já re-
aliza a atividade com certa tranquilidade e menor de-
manda cognitiva, redirecionando a atenção para conse-
guir maior performance na habilidade aprendida (como
o atirador que percebe que deu uma gatilhada e procu-
ra corrigir o próximo disparo).
No terceiro estágio, autônomo, a habilidade requer
pouca ou nenhuma atenção do indivíduo, que apresenta
uma série de respostas motoras de forma automática, a li-
berar o cognitivo para outros níveis de análise (como o jo-
gador que começa a prestar atenção no posicionamento e

89
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

expressão dos outros jogadores para interpretar quem


está livre e pronto para receber um passe). Mas a questão
do treinamento e atuação tática, onde fica?
Bem, é comum observar operadores que estão em
fases iniciais do desenvolvimento motor e acham que
isso será suficiente para resolver as ocorrências. É co-
mum observar também capacitações promovidas com
carga horária limitada e ementa extensa, fazendo com
que não se desenvolva habilidade nenhuma em nível
operacional.
Vamos nos utilizar de um exemplo: se um instrutor
quiser “mostrar” como sanar panes de tiro em pistolas,
vai levar cerca de dez minutos e será necessário uma
pistola e dois cartuchos de manejo para isso. Se esse mes-
mo instrutor quiser “ensinar” alguém a sanar panes de
pistola, será necessário no mínimo algumas horas e mais
armas e cartuchos de manejo, além de munição real para
treino dessas habilidades no estande, para que cada aluno
saiba efetivamente sanar uma pane. Agora, se o instrutor
quiser ensinar o aluno a sanar panes de tiro em pistola de
forma que ele “consiga reproduzir a habilidade durante
uma ocorrência” (sob forte tensão) serão necessárias vá-
rias horas, em dias diferentes, sob condições variadas, es-
tabelecendo condição pedagógica para que a habilidade
se desenvolva até o nível autônomo.
Resumo da história: Quem executará habilidades
motoras sob forte tensão, com a responsabilidade adici-

90
Irlan Massai Calaça dos Santos

onal de prestar muita atenção no cenário da ocorrência


para tomar decisões de vida ou morte, não pode se dar
ao luxo de estar no primeiro ou segundo estágio de
aprendizado para habilidades como deslocamento, tiro,
recarga, solução de panes, comunicação, controle de
cano, transição de arma, uso da bandoleira, tomada de
ângulo, dentre outros.
E como eu sei em que estágio estou? Não é fácil de-
finir exatamente em qual estágio o operador está, pois
não existe linha divisória para isso, porém deve-se ob-
servar principalmente o nível de atenção que o opera-
dor requer para executar uma tarefa. Se ele não conse-
gue realizar a tarefa enquanto presta atenção em outra
coisa ele está mais próximo do nível um. Se ele conse-
gue realizar a tarefa, mas apresenta algumas pausas
para se concentrar ele está mais próximo do nível dois.
Se ele consegue realizar a tarefa de forma automática,
chegando até a corrigir falhas de desempenho enquanto
está interagindo com outra coisa, esse operador está no
nível autônomo.
Teste prático: Procure um aplicativo para apresen-
tar números de forma aleatória no seu celular, ou peça
que alguém faça isso para você. Tente realizar uma re-
carga emergencial enquanto se desloca e fala os núme-
ros apresentados na sua frente. Pode parecer muita coi-
sa, mas é o nível de coordenação que qualquer ocorrên-
cia real exigirá. Se você está parando de deslocar e de

91
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

falar os números para realizar a recarga, você certamen-


te não chegou ao nível autônomo dessa habilidade.

92
“O General Barry McCaffrey (melhor conhecido
como o Czar da Droga durante a administração
Clinton) contou uma história a um grupo de ca-
detes de West Point sobre suas experiências no
Vietnã que exemplificam muito bem sobre o que
se trata a inoculação do estresse. Um dia ele e um
amigo (um colega da Escola de RANGERS de
West Point) estavam no Vietnã deitados atrás de
um arrozal quando balas passaram por cima de
suas cabeças. No pique da batalha, o amigo do Ge-
neral se virou para ele e disse: Que inferno, pelo
menos nós não estamos na escola de RANGERS”
(GROSSMAN, 2012, p. 125).

O
termo “Inoculação de estresse” foi inserido
por Dave Grossman em seus trabalhos, porém
seu conceito encontra correspondência com di-
versos termos explanados por outros autores, a exem-
plo do “Stress Exposure Training” descrito por Terry N.
Wollert, Driskell, Johnston e outros que tratam de idei-
as muito similares.
A ideia é bastante simples, mas com muito suporte de
pesquisa realizada por psicólogos e instrutores militares e
policiais. Inoculação de estresse é uma ferramenta pe-
dagógica, onde o indivíduo deve ser submetido a situa-
ções que elevem a tensão, durante o seu treinamento,
com objetivo de deixá-lo preparado para o que vai en-
contrar na situação real.

94
Irlan Massai Calaça dos Santos

A inoculação de estresse, durante o treinamento,


vai aproximar o operador das fricções da situação real,
onde os disparos são reais, os alvos se movimentam, o
operador tem exclusão auditiva, visão de túnel, perde
capacidade motora complexa, entra em “piloto auto-
mático”, dentre outros efeitos. Quando o operador é ex-
posto no treinamento ao que vai sentir na situação real,
ele corresponde melhor e fica habilitado para lidar de
forma mais eficiente com esses problemas.
Uma pesquisa, citada na obra de Dave Grossman
(2017), foi realizada nos Estados Unidos com ratos para
entender como funciona a inoculação de estresse. Eles
foram separados em três grupos distintos e fizeram o
seguinte: pegaram o primeiro grupo de ratos e jogaram
todos dentro de uma banheira cheia de água e espera-
ram para saber em quanto tempo os animais morreriam
afogados. Levou 60 horas para que parassem de se de-
bater e morressem afogados. Depois disso, pegaram o
segundo grupo e penduraram de cabeça para baixo, ge-
rando altíssima tensão e fazendo com que se agitassem
em grande desespero e esperaram até que parassem de
se mover. Quando desistiram de lutar contra aquela
condição e ficaram imóveis, foram então colocados den-
tro da banheira cheia de água e foi marcado o tempo
que levavam para morrer afogados. Levou apenas 20
minutos. Eles foram expostos a uma situação de extre-
ma tensão pela primeira vez e logo após tiveram que lu-

95
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

tar por suas vidas. A tensão os levou a desistir de lutar,


pois não sabiam que era possível lutar e sobreviver.
O terceiro grupo também foi colocado de cabeça para
baixo, mas depois de certo tempo foram retirados e colo-
cados na gaiola novamente. Isso foi repetido diversas ve-
zes e só depois os ratos foram colocados também na ba-
nheira. Dessa vez os animais passaram às 60 horas e ainda
não haviam se afogado. A diferença é que esses ratos re-
ceberam inoculação de estresse, de forma repetida, nas
vezes que foram colocados de cabeça para baixo, porém
sempre ficavam vivos após isso. Quando foram colocados
na banheira ficaram por mais tempo lutando para não
morrer afogados, condicionados para lutar e sobreviver.
Muitas pessoas criticam o formato pedagógico
doutrinário dos cursos de formação de unidades especi-
ais militares em vários lugares do mundo. Levar o alu-
no ao limite do cansaço físico e mental, estabelecer ten-
são constante, seja através de diversas avaliações, seja
na exposição do aluno aos seus maiores medos, ou colo-
cando o aluno em situações aparentemente de humilha-
ção ou degradação moral, são algumas das ferramentas
duramente criticadas por pessoas alheias à realidade
operacional de alto risco.
Esses cursos, extremamente rígidos, são os melho-
res inoculadores de estresse de combate, preparando
com maior eficácia o operador para a realidade que ele
irá enfrentar.

96
Irlan Massai Calaça dos Santos

Fatores estressores e sua utilização em ambi-


ente de treinamento, segundo Terry N. Wol-
lert e Jeff Quail

O estresse é uma resposta fisiológica que prepara o


corpo para lutar ou fugir. Ele basicamente é estabeleci-
do quando a mente faz uma comparação entre deman-
da e capacidades. Quando se entende que há capacida-
de para cumprir a demanda apresentada com facilida-
de, o estresse não precisa atuar para “preparar” o corpo
para enfrentar a ameaça.
Quando a mente entende que existe o risco de so-
frer de alguma forma, uma série de fenômenos fisioló-
gicos são desencadeados para preparar o corpo para a
luta. Dave Grossman afirma em sua obra “On Combat”
(2017) que a Inoculação de Estresse é um método efici-
ente para aumentar o rendimento de operadores, utili-
zando para isso do estresse apresentado de forma peda-
gógica durante o treinamento de habilidades essenciais
em situações de elevada tensão. A dúvida então passa a
ser: de que maneira podemos estabelecer um ambiente
que reproduza as condições estressoras de uma ocor-
rência policial mantendo a segurança da instrução?
Muitos instrutores acabam recorrendo erronea-
mente apenas ao esforço físico como estressor, que ape-
sar de elevar o ritmo cardíaco e provocar certa deterio-

97
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

ração de performance, não provoca os efeitos do estres-


se que estão presentes em ocorrências críticas. Isso nos
leva a uma segunda pergunta: Quais são, então, os fato-
res estressores que causam os efeitos observados em si-
tuações reais? Procurando por essa resposta achei um
livro que relata 13 tipos de estressores comuns e comen-
ta sobre formas de abordar cada tipo de estressor em
treinamentos simulados. O nome do livro é “A Scientific
Approach to Reality Based Training” e foi escrito por Terry
N. Wollert e Jeff Quail. A partir de agora, o conteúdo
apresentado é um misto de tradução com resumo feito
por mim de algumas páginas do primeiro capítulo do
livro. Dentro das minhas possibilidades tentei não fugir
das ideias apresentadas pelos autores, mas confesso que
foi necessário adaptar algumas frases para maximizar o
entendimento por parte do leitor brasileiro, que viven-
cia uma realidade operacional bem divergente em al-
guns aspectos.

TIPOS DE ESTRESSORES

Pressão do tempo

É a restrição do tempo disponível para executar uma


determinada tarefa. A pesquisa sugere que a pressão do
tempo pode piorar a performance por conta das deman-

98
Irlan Massai Calaça dos Santos

das cognitivas e a sobrecarga de informação que precisa


ser avaliada. Estudos práticos mostram que quando sub-
metidas à restrição de tempo, as pessoas tendem a manter
ou elevar a velocidade da performance, mas deterioram a
precisão ou acurácia das habilidades.

Distância

A distância tipicamente opera lado a lado com a


pressão do tempo. Quanto mais próxima uma ameaça
se apresenta, menor é o tempo disponível para reagir.
Grossman identificou uma correlação entre estresse
e distância que diz que quanto mais próximo, fisica-
mente, da ameaça, maior o estresse, em parte por conta
da resistência natural do ser humano em matar seu se-
melhante. Quanto mais próxima a ameaça, mais huma-
na ela parece.
Distância é a variável mais direta de ajustar no ce-
nário de treinamento. Se você quer aumentar o estresse,
coloque a ameaça mais perto, se quer diminuir, colo-
que-a mais longe.

Acúmulo de tarefas

Realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo dimi-

99
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

nui a performance e eleva o estresse do operador em vir-


tude da necessidade de dividir a atenção entre as ativida-
des. Esse tipo de demanda afeta com maior intensidade
os operadores que possuem função de liderança em situa-
ções de alto risco, como é o caso do gerente de crise.

Ameaça

Ameaça é a antecipação ou medo de uma injúria


física ou psicológica. Nenhum outro fator define mais
claramente o ambiente letal em que o profissional de se-
gurança pública está inserido. A ameaça resulta em pio-
ra na performance, causada pela elevação do estresse e
intensificação de respostas fisiológicas. (É importante
salientar que a intensidade da ameaça não é estabeleci-
da diretamente pelo estímulo, mas pela interpretação
dada por quem a percebe. A ameaça é fruto de uma in-
terpretação psicológica).

Ambiguidade da tarefa

Ambiguidade da tarefa é uma propriedade do am-


biente operacional, caracterizado pela falta ou impreci-
são das informações disponíveis para que o sujeito con-
siga entender o que precisa fazer. Alguns pesquisadores
definem o termo como sendo uma “lacuna de claridade

100
Irlan Massai Calaça dos Santos

situacional”. A tarefa pode se tornar ambígua pela neces-


sidade do operador precisar fazer discriminações difíceis,
pela falta de informações fundamentais para o entendi-
mento ou por fortes expectativas não serem confirmadas.
Quando o operador não tem certeza do que está aconte-
cendo, ele também não consegue definir com segurança
uma forma de atuar. Essa incerteza eleva o estresse e
pode ser destacada em um exemplo clássico onde há uma
pessoa suspeita que se aproxima do policial escondendo
suas mãos, mesmo com a determinação explicita do poli-
cial para que as mostre imediatamente. O operador preci-
sa confirmar se existe uma arma ou não nas mãos do sus-
peito para poder definir com segurança o nível de uso da
força que utilizará nessa ocorrência.

Novidade

Novidade é a propriedade do ambiente operacio-


nal caracterizado por eventos repentinos, inesperados
ou imprevisíveis. Eventos dessa natureza ocasionam
maior demanda cognitiva para o operador e elevam o
estresse. O operador pode se deparar com uma situação
totalmente nova ou com uma situação conhecida, mas
que se apresenta em um arranjo situacional diferente do
usual, provocando efeitos parecidos.

101
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Conflito de função

Conflito de função é a incompatibilidade das de-


mandas da função ou suas responsabilidades. Pode
ocorrer quando as expectativas alheias nos cobram de
maneira conflitante e precisamos tomar uma decisão
para agir. Um exemplo bem atual é o cenário de crise
com atirador ativo versus ocorrência com refém. As in-
formações operacionais dessas duas situações podem
ser bem parecidas, mas a resposta tática para cada uma
é bem específica (conter, isolar e realizar os primeiros
contatos na crise com refém ou a intervenção tática ime-
diata no caso de atirador ativo). O operador pode se de-
parar com esse conflito de decidir qual papel assumir.

Ambiguidade da função

Ambiguidade da função é a incerteza ou uma lacu-


na de claridade quanto às definições de tarefas ou res-
ponsabilidades de um trabalho. “Eu pensei que esse era
o seu trabalho” é algo que tipicamente se ouve nos ce-
nários operacionais onde ocorre essa ambiguidade. A
falta de definição de protocolos de atuação em certas si-
tuações acaba por promover isso com maior intensida-
de. Um exemplo comum em instituições policiais hie-
rarquizadas é quando os superiores hierárquicos espe-

102
Irlan Massai Calaça dos Santos

ram que os subordinados atuem sem a necessidade de


direcionamento e, ao mesmo tempo, os subordinados
aguardam o direcionamento por parte de seus superio-
res para começarem a agir. Ambiguidade de função é
um ótimo tópico para que os instrutores possam traba-
lhar no seu programa de treinamento simulado, a co-
municação e capacidade de coordenação que são neces-
sárias em ambientes operacionais com interação de
agências diferentes, como cenários de ameaça de bom-
ba, atirador ativo, acidente de trânsito, onde exige a co-
ordenação de atividades com serviço de emergência,
policial, investigativo, etc.

Demandas de coordenação

Demandas de coordenação são frutos da necessida-


de de interação entre operadores para atingir objetivos
comuns. Para atividades de rotina, essa interação é pre-
visível e relativamente simples. Já para eventos dinâmi-
cos e imprevisíveis, essa demanda de coordenação é
mais complexa e gera maior estresse situacional. Res-
postas rápidas de resgates, entradas táticas e respostas
em desastres naturais são ótimos exemplos da presença
desse fator estressor.

103
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Barulho

Barulho é basicamente o som que o operador não


quer ouvir. O som que atrapalha a realização de certa
atividade e que pode indicar algo potencialmente noci-
vo. Barulho pode ter efeitos severos na performance.
Ele pode dificultar a percepção dos sons que o operador
precisa ouvir para realizar alguma tarefa, como o som
do rádio ou as palavras de um membro da equipe que
está relatando uma questão operacional.

Pressão por performance

Pressão por performance ocorre quando existem con-


sequências mais graves para o erro e isso eleva o estresse
da situação. Isso pode ocorrer quando a falha pode viti-
mar alguém conhecido ou pode prejudicar severamente o
próprio operador (caso do disparo efetuado pelo atirador
de precisão). Pode também ocorrer quando o aluno ou
operador está sendo avaliado por alguém, seja seus pares,
seus superiores ou o público em geral.

Privação sensorial

Privação sensorial descreve qualquer situação onde

104
Irlan Massai Calaça dos Santos

os fatores ambientais limitam a capacidade de um ou


mais sentidos em transmitir informações para o cére-
bro. A lacuna de informação sensorial interfere na cons-
ciência situacional e pode impedir a percepção de estí-
mulos importantes para o processo de tomada de deci-
são. Um policial procurando um suspeito em ambiente
escuro é um ótimo exemplo de privação sensorial. Mes-
mo utilizando lanterna, a área iluminada é restrita e
ainda existe limitação na informação recebida pelo cére-
bro. A privação sensorial aumenta o nível de estresse
uma vez que aumenta a chance de novidade e de amea-
ça, além de ambiguidade da tarefa.

Dor:

Dor é o nosso mecanismo interno de mudança de


comportamento. Desde o nascimento, nós tendemos a
evitar dor ou estímulos dolorosos. Por essa razão, dor
pode ser um efetivo estressor. Ser atingido por um dis-
paro, facada, soco ou acidentalmente escorregar e cair
irá causar dor, o que pode resultar em uma resposta es-
tressora massiva.
Mesmo quando a dor não ocorre, apenas a ideia de
que ela irá ocorrer pode acarretar em um estado de an-
siedade igual a como se tivesse ocorrido. No ambiente
de treinamento, a dor pode ser utilizada como punição

105
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

ou como reforço negativo para modelar o comporta-


mento do aluno. Entretanto, nos treinamentos de reali-
dade simulada, a dor não deve ser encarada apenas
como um reforçador de comportamento, e sim utilizada
para ensinar ao aluno que esse sofrimento não pode re-
tirar o seu foco na realização da tarefa.
Com esse intuito, foi desenvolvido um cinto inteli-
gente que pode ser programado para oferecer um cho-
que elétrico em períodos de tempo pré-determinados e
que funciona conjuntamente com um colete sensível a
laser, onde o choque ocorrerá caso alguém dispare uma
arma de laser contra o colete.
A dor eleva o estresse e altera o processo cognitivo,
sendo que o instrutor irá estimular o aluno a atingir seus
objetivos mesmo com a presença dela, objetivando estabe-
lecer padrões reativos de sobrevivência mais efetivos.

106
T
ambém chamado de regra do 80/20 ou lei dos
poucos vitais, o princípio foi sugerido por Joseph
Moses, que deu o nome em homenagem ao econo-
mista Vilfredo Pareto, que, no século 19, observou em seu
jardim que 80% das ervilhas eram produzidas por apenas
20% das vagens. Ele observou a distribuição de terras na
Itália e verificou a mesma proporção, onde 80% das terras
pertenciam a apenas 20% das famílias. Esse princípio então
passou a ser aplicado em diversas áreas do conhecimento.
O princípio de Pareto, em síntese, afirma que 80% das con-
sequências são efetivadas por 20% das causas.
Trazendo para a questão tática, tal princípio deve
ser considerado com seriedade em nossos treinamentos,
uma vez que, em breve análise percebemos que 80%
dos problemas de desempenho tático são causados por
20% dos erros, bem como 20% das técnicas são utiliza-
das em 80% das situações. Se juntarmos o princípio de
Pareto com a lei de Hick, veremos que é mais valioso
treinar poucas técnicas e as mais utilizadas na realidade
do operador, ou treinar um procedimento que resulta
em uma solução mais abrangente. Caso clássico seria a
solução de panes em armas curtas, na qual percebe-se
que a conduta tática de bater no carregador e ciclar a
arma soluciona 80% das panes de tiro e faz com que seja
estatisticamente favorável que o operador tenha essa con-
duta como ato reflexo sempre que a arma não disparar.
Outro exemplo prático é o treino de fundamentos
de tiro, no qual é possível observar que apenas dois ou

108
Irlan Massai Calaça dos Santos

três erros (antecipação do recuo, esmagamento incorre-


to do gatilho e empunhadura mal feita) atingem cerca
de 80% dos atiradores, sendo muito mais produtivo de-
dicar mais tempo a esses fundamentos do que aos ou-
tros, que possuem pouca interferência estatística na
qualidade dos disparos.
Outra situação muito comum em programas de
treinamento policial são as simulações de situações ex-
tremamente atípicas da rotina do operador, como en-
frentar dezenas de assaltantes de banco armados de fu-
zil. Não estou afirmando que tais situações não ocorram
(ocorrem em muitos locais, principalmente em se tra-
tando da realidade brasileira) e nem que não devemos
inserir esse tipo de cenário nos treinamentos. O que
quero chamar atenção aqui, e que guarda total relação
com o Princípio de Pareto, é que muitas vezes deixa-se
de dar atenção para as habilidades que serão utilizadas
em todos os serviços para investir toda a estrutura de
capacitação em situações que o operador irá encontrar
em 1% das ocorrências.
É fundamental compreender quais habilidades ge-
ram mais resultados na atuação profissional e quais fa-
lhas são mais recorrentes, para que o esforço de qualifi-
cação seja mais eficiente, principalmente na distribuição
de carga horária e elaboração de ementas dos compo-
nentes curriculares.

109
É
muito comum observar nos cursos de formação e
especialização policial que existem alunos que
aprendem mais rápido do que outros, ou que
conseguem absorver mais conteúdo, apesar de terem sido
expostos ao mesmo período de instrução. Para muitos
instrutores e alunos, tal situação pode revelar que alguns
possuem maior aptidão para determinadas atividades e
outros não. Essa interpretação equivocada proporciona uma
série de problemas para o processo de capacitação e não é
um problema novo e nem restrito ao ambiente policial.
Neste capítulo, procuraremos entender alguns as-
pectos da aprendizagem segundo a visão de Vygotsky,
psicólogo russo do século XX, e como esses conceitos
podem ser utilizados na construção de programas de
capacitação mais eficazes, inclusive na utilização de fa-
tores estressores para o desenvolvimento de habilida-
des como tiro de combate, atendimento pré-hospitalar
de emergência ou técnicas de abordagem policial.

Vygotsky e a “ZDP”

Vygotsky provavelmente não estudou sobre forma-


ção policial e como as pessoas aprendem tiro de comba-
te ou abordagem, devo confessar. Ele analisou de ma-
neira pormenorizada o processo de aprendizagem das
crianças, o papel da cultura nesse desenvolvimento e
buscou entender a respeito dos limites para o processo

112
Irlan Massai Calaça dos Santos

de construção de conceitos e habilidades. Com seus es-


tudos ele apresentou o conceito que explica diversos
problemas vividos em sala de aula, mesmo quando se
trata de uma sala de aula com policiais, que é a “Zona
de Desenvolvimento Proximal”.
De maneira resumida, a Zona de Desenvolvimento
Proximal, ou ZDP, compreende os saberes, conceitos ou
habilidades que o aluno pode desenvolver quando orien-
tado por um professor ou outro aluno com mais experiên-
cia. Segundo Vygotsky, durante o processo de aprendiza-
gem nós partimos da nossa zona de desenvolvimento
real, que compreende aquilo que sabemos fazer sozinhos,
para aprender a fazer aquilo que podemos conseguir com
o devido “Suporte” do professor. Essa distância entre o
que sabemos fazer sozinhos e o que podemos aprender
com ajuda do professor é o que chamamos de Zona de
Desenvolvimento Proximal. Fora do alcance da ZDP estão
conhecimentos e habilidades que o aluno não consegue
desenvolver ainda, mesmo tendo suporte.

Fonte: Caderno de práticas da Base Nacional Comum do MEC

113
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Ao compreender esse conceito, percebe-se que ele


não estabelece limites para o aprendizado, uma vez que
essas “zonas” são sempre redefinidas no processo de
estudo ou treinamento. Quando o aluno exercita habili-
dades de maneira assistida, ele transfere aprendizados
da zona de desenvolvimento potencial para a zona de
desenvolvimento real (começa a fazer sozinho o que an-
tes somente conseguiria com auxílio do professor), que
por sua vez fará com que habilidades que não poderi-
am ser acessadas, ainda por estarem fora do alcance da
ZDP, comecem a ser possíveis de ser aprendidas.
Aprendizagem é um processo e, além disso, indivi-
dual. O quanto uma pessoa pode aprender, momenta-
neamente, é definido pelo quanto ela já sabe, mas ficará
limitado tão somente pela qualidade do suporte que re-
cebe e pelo tempo de que dispõe para treinar e ampliar
sua ZDP. Mas e o treinamento tático?

ZDP e o treinamento tático

Instrutores de matérias práticas, como Técnica Poli-


cial, Tiro ou Defesa Pessoal, se deparam constantemen-
te com a situação em que alguns alunos conseguem ra-
pidamente reproduzir as habilidades passadas em ins-
trução, outros já conseguem com certa dificuldade e ou-
tros simplesmente não conseguem. Imediatamente sur-
gem opiniões (tanto de alunos quanto dos próprios ins-

114
Irlan Massai Calaça dos Santos

trutores) em relação à aptidão desses alunos para a ati-


vidade proposta devido ao desempenho que apresenta-
ram nas aulas, partindo do pressuposto de que todos
chegaram com a mesma bagagem de conhecimentos e
habilidades e deveriam apresentar desempenho seme-
lhante após o treinamento.
Os envolvidos no processo de capacitação passam
a acreditar, então, que alguns possuem “talento” e ou-
tros não. Não consideram algo muito menos complexo
que é compreender que cada um chegou com um con-
junto de habilidades reais específicas e por conta disso
terão potenciais diferentes de aprendizado.
Compreender a noção de ZDP para o aprendizado
de matérias policiais práticas é fundamental pelo fato
de que, nesse tipo de matéria, a diferença entre os limi-
tes potenciais dos alunos se destaca mais do que em
matérias teóricas, em virtude da necessidade da utiliza-
ção integrada de competências muito diversas, como
mostra a figura a seguir, retirada da Matriz Curricular
Nacional para Ações Formativas dos Profissionais da
Área de Segurança Pública (p. 37), desenvolvido em
2014 pelo Ministério da Justiça, através da Secretaria
Nacional de Segurança Pública – SENASP.

115
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Fonte: Secretaria Nacional de Segurança Pública

Em matérias predominantemente teóricas, muitas


vezes essas diferenças nos níveis de aprendizado passam
desapercebidas, até mesmo em avaliações. Na matéria
prática, frequentemente até os próprios alunos ficam sur-
presos ao descobrir as dificuldades que possuem para re-
produzir habilidades passadas pelos instrutores e com as
quais nunca haviam se familiarizado antes.
Não compreender a importância do conceito de
ZDP pode limitar o aprendizado de alunos que estão
em estágios mais iniciais do desenvolvimento da habili-
dade, por suscitar a ideia de que não possuem “talento”
para determinada atividade e que não conseguirão

116
Irlan Massai Calaça dos Santos

acompanhar os demais, portanto, não vale a pena trei-


nar, uma vez que tal desempenho estaria além das suas
capacidades.
Curiosamente, o desconhecimento do conceito cau-
sa prejuízos também aos que aparentam ter extrema fa-
cilidade no aprendizado de determinadas habilidades.
Pelo mesmo motivo do entendimento equivocado de
que existem pessoas com e sem “talento”, os alunos que
sentem facilidade na aquisição de habilidades muitas
vezes acabam se esforçando menos para treinar e au-
mentar sua performance.
O instrutor, com base nas informações discutidas
aqui, deve identificar as zonas de desenvolvimento dos
seus alunos e deixar cada um fora da PRÓPRIA zona de
conforto, apresentando desafios CONDIZENTES com
sua ZDP, evitando com isso a frustração do aluno que
não consegue atingir as metas e o comodismo do que
apresenta maior bagagem no aprendizado.

117
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Utilização da ZDP em treinamentos com


estresse

Mais importante ainda é a aplicação desses concei-


tos quando o programa de capacitação apresenta o uso
de fatores estressores em seu plano pedagógico. Sabe-se
que certas habilidades, no contexto da atividade polici-
al, precisarão ser desempenhadas em ambientes com
alto nível de estresse, típicos das ocorrências policiais
com uso de arma de fogo, por exemplo. Devido a isso, o
processo de formação deve contemplar o treinamento
dentro desses parâmetros, garantindo que o policial for-
mado consiga aplicar as técnicas e realizar os procedi-
mentos sob forte tensão, mesmo sofrendo os típicos pre-
juízos cognitivos e motores do estresse. Mas onde a
ZDP entra nessa questão?
Em seu trabalho sobre treinamento mediante expo-
sição ao estresse, os autores Johnston e Driskell destaca-
ram que um dos objetivos da utilização de fatores es-
tressores no treinamento de habilidades é construir con-
fiança de performance. Os futuros policiais precisam
passar por simulações que reproduzam as condições de
uma ocorrência real para saber que conseguem aplicar
as técnicas treinadas e que isso garantirá o sucesso da
intervenção. O problema reside no fato de que muitas
vezes os instrutores colocam seus alunos em simulações
feitas para eles perderem, apenas. Entendem que a ex-

118
Irlan Massai Calaça dos Santos

periência da derrota abrirá os olhos para a necessidade


de treinamento e com isso aprenderão mais rapidamen-
te. Quando o aluno é colocado de forma prematura em
uma simulação (antes de desenvolver uma habilidade
em nível adequado) que exigirá conhecimentos e habili-
dades fora de sua Zona de Desenvolvimento Proximal,
estará promovendo o desestímulo da confiança, ou seja,
treinando o aluno para falhar. Na passagem abaixo o
autor Dave Grossman explica sobre a importância de si-
mulação projetada para que o aluno vença:

“Sim, haverá certa porcentagem de pessoas que


nunca passam pelo treinamento, mas sua meta
como profissional é manter essa porcentagem a
um mínimo. É fácil projetar um enredo com balas
de tinta que faz todo aprendiz parecer um idiota,
mas tudo que isso prova é que os treinadores são
idiotas. Mas suponha que você é um treinador e
você pôs um combatente em um enredo onde ele
falha, e aí você o pôs novamente e ele tem sucesso.
Primeiro você revelou uma falha em sua armadura
e depois você o ensinou a como superar aquela fra-
queza. Fazendo assim, você o trouxe fora do exercí-
cio como um combatente superior.
Se não há tempo e recursos suficientes para fazer o
exercício novamente, então lhe dê uma coisa fácil e
deixe-o sair do parque. Sua meta é enviar vencedo-
res para fora da porta.” (Grossman, 2017)

119
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Com isso, é importante compreender que as simu-


lações só devem ser aplicadas quando as habilidades já
foram treinadas e o aluno já possui condição de ser ex-
posto aos fatores estressores de forma gradual e com
objetivo de desenvolver cada vez mais a confiança na-
quilo que praticou.
É necessário destacar, mais uma vez, que os estu-
dos de Vygotsky buscavam compreender a aprendiza-
gem e desenvolvimento infantil. Isso deve ser levado em
consideração quando utiliza-se esses conceitos para anali-
sar o processo de capacitação de adultos, que difere em
muitas questões, principalmente, na maneira como o alu-
no observa o professor e sobre como se desenvolvem os
processos de motivação para aprender. De qualquer for-
ma, entender e aplicar os conceitos de Zona de Desenvol-
vimento Proximal no acompanhamento dos alunos que
estão treinando habilidades como tiro, defesa pessoal ou
abordagem é vital para a qualidade e segurança das ins-
truções, além de aproximar alunos do fato de que é possí-
vel aprender, mesmo quando parece difícil e demorado.
A diferença está na qualidade do suporte do instrutor e
dedicação do aluno.
Mesmo compreendendo as dificuldades inerentes
do ambiente de formação policial, que demanda um
aprendizado uniforme e em uma carga horária que não
poderá ser flexibilizada de acordo com a ZDP dos dis-

120
Irlan Massai Calaça dos Santos

centes, esse texto tem a intenção de mostrar que é possí-


vel a utilização do conceito para estabelecer melhores
estratégias de planejamento das aulas, formas de avali-
ar os alunos e incentivar a utilização de ferramentas de
treino condizentes com o público discente e os objetivos
do aprendizado.

121
“Todo treinamento ajuda em alguma coisa
e atrapalha em outra. É fundamental enten-
der o que está sendo treinado e porquê.” (Ir-
lan Calaça)

Uma metodologia eficiente de treino tático deverá


contemplar a capacidade de criação de um programa
motor eficiente e um mapa cognitivo bem definido,
para que, sob estresse, o consciente cognitivo esteja li-
vre para lidar com as fricções que tornam cada ocorrên-
cia um evento singular.
Apesar de uma infinidade de técnicas, doutrinas e
cursos de especialização tática existentes no Brasil, o es-
tudo metodológico do treinamento tático ainda é raro, o
que faz com que as várias formas de treinar sejam anali-
sadas como sistemas fechados e independentes entre si,
a corroborar ainda para a limitação do aprendizado e
aplicação dos conhecimentos na prática.
Outra situação recorrente é o fato de diversos instru-
tores ensinarem técnicas e aplicarem metodologias de
treino de forma consuetudinária, apenas porque aprende-
ram daquela forma em seus cursos, sem aplicarem os fil-
tros críticos necessários para analisar se aquele método
ou técnica serve para sua atividade.
Não é incomum observar instrutores que ensinam
técnicas que dizem respeito a uma atividade que não
executam, transmitindo assim uma visão procedimental
alienada da realidade.

124
Irlan Massai Calaça dos Santos

O objetivo dos próximos capítulos desse livro é


propor a estrutura primária do treinamento técnico/
tático, observar os objetivos de cada forma de treinar,
suas limitações como ferramenta andragógica, o papel
do instrutor no uso da ferramenta, além de orientar o
usuário do treinamento para possibilitar melhor apro-
veitamento do tempo investido em instrução.

Sobre métodos e modelos

A literatura e a prática do ensino de técnicas e táti-


cas para atuação na segurança pública levaram-me a
identificar modelos parciais que guiam o processo de
aprendizagem nessa área, a trazer aspectos relevantes e
agrupar as características das habilidades em temáticas
que ajudam na organização do treino. Quero destacar
dois modelos que tive acesso e que foram fundamentais
para chegar na estrutura que proponho nesse livro.

Modelo de elementos da performance

Originalmente chamado de “Core Performance


Elements”, esse modelo foi proposto na obra: “A Scien-
tific Approach to Reality Based Training”, de Terry N.
Wollert e Jeff Quail (2018), e nos brinda com a organiza-
ção das habilidades fundamentais para atuação segura
de um policial na seguinte estrutura:

125
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Core Performance Elements


Elemento de Performance Exemplo
Tiro, defesa pessoal, uso de
Habilidades físicas
bastão.
Atirar ou não atirar, qual
Tomada de decisão instrumento utilizar, prender
eu deixar ir.
Linguagem, negociação,
Comunicação
persuasão.
Identificação de ameaças,
Consciência Situacional posicionamento tático,
reconhecimento de padrões.

Esse modelo chamou muito a minha atenção, pois


aliado a outras ferramentas de diagnóstico e planeja-
mento da instrução presentes no livro, possibilita uma
alocação racional do esforço de treinamento, ofertando
ao aluno a possibilidade de entender melhor o que trei-
na e porquê treina daquela forma.

Pirâmide do desenvolvimento da habilidade

Durante um curso de IPSC avançado com o Campe-


ão Mundial de IPSC Jorge Ballesteros, ele apresentou aos
alunos um modelo sucinto e eficaz para guiar os passos
do treinamento, apresentando a ordem de desenvolvi-
mento de aspectos da habilidade motora que devem ser
seguidos à risca para atingir maior performance no espor-
te. Ele chama o modelo de “Pirâmide de ISOS”. Na ordem

126
Irlan Massai Calaça dos Santos

de aquisição, os aspectos são: técnica, precisão, velocida-


de, coordenação e, por último, integração.

Pirâmide de ISOS. Fonte: Jorge Ballesteros (2017)

Tal proposta orienta de maneira clara uma série de


aspectos do treinamento que devem ser observados no
planejamento de capacitações para diversos objetivos
distintos.
É muito comum observar atiradores que querem
ser rápidos antes de ser precisos ou, pelo menos, adqui-
rir adequadamente a técnica. Pular etapas traz conse-
quências muito sérias e o uso desse modelo como ins-
trumento norteador é de fundamental importância para
o atleta de tiro ou profissional de segurança.

127
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Um modelo de 4 etapas que atende a comple-


xidade do Treinamento Tático no Brasil

Após quase 12 anos tendo contato com doutrinas,


técnicas, instrutores e escolas de pensamentos diferentes a
respeito da técnica policial, protocolos de atuação e méto-
dos de instrução, comecei a perceber que existia algo que
unia todas essas formas de pensar, ensinar e agir.
Eu treinei com policiais de tropas especializadas de
várias Polícias Militares e Civis do Brasil, bem como Po-
lícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Exército Brasi-
leiro, além de militares da Europa. Treinei com atirado-
res de precisão, explosivistas, tropas de Choque, de
combate ao novo cangaço, de combate urbano e especi-
alistas em atuação tática em diversos biomas como
Amazônia e Caatinga. Existe uma forma de categorizar
o treinamento e ajudar inclusive na interação entre as
diversas metodologias de ensino.
Basicamente, todas as metodologias atuais de trei-
no tático (pensadas realmente como metodologia ou
não) compreendem a utilização, em maior ou menor es-
cala, das mesmas ferramentas, que tive a ousadia de or-
ganizar em uma proposta de “Estrutura Geral do Trei-
no Tático” as quais contêm as seguintes áreas:

128
Irlan Massai Calaça dos Santos

Estrutura geral do Treino Tático


Etapas do
Exemplo
Treinamento
 Programa mo- Tiro, transição de arma, deslocamento,
tor recargas.
Consciência situacional, identificação
 Treino Cogni-
de ameaças, análise legal, tomada de
tivo
decisão operacional.
Método de assalto, forma de
 Protocolo abordagem, linguagem das armas,
Doutrinário Procedimentos Operacionais Padrão-
POP.
Simulação de cenários, force-on-
 Realidade si-
force, Reality Based Training-RBT,
mulada
Pistas Policiais Especiais de Tiro.

Essa sistematização resultou no esquema gráfico a


seguir e representa uma proposta de equilíbrio do trei-
namento pautado nessas quatro vertentes primordiais
que iremos destrinchar em maiores detalhes nos próxi-
mos capítulos. Cada uma delas possui características sin-
gulares que devemos tomar conhecimento antes de co-
meçar a treinar, evitando assim o desenvolvimento de ci-
catrizes de treinamento ou métodos pouco eficazes de
aprendizagem, retenção e transferência das habilidades.

129
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Esquema gráfico da estrutura geral do treino tático

130
A
criação de programas motores é a forma mais
elementar e fundamental de desenvolver uma
habilidade neuromotora aplicada às ações táti-
cas, sendo obtida através de repetição dos movimentos,
com correção (correção essa promovida por feedback).
No meio policial, essa etapa é mais conhecida como de-
senvolvimento do “Programa Motor”. Apesar de ter
utilizado essa terminologia minha vida toda, de saber
também que quase a totalidade dos instrutores também
utilizam e que talvez ela gere até uma compreensão mais
rápida do conceito, quando comecei a estudar mais a fun-
do a performance motora, não consegui encontrar em
quase nenhuma referência científica essa expressão, asso-
ciada ao significado que conhecemos. Em geral a literatu-
ra utiliza apenas o nome “Habilidade motora”. Entretan-
to, peço a devida licença e paciência dos profissionais de
segurança para utilizar, daqui por diante, o termo “Pro-
grama Motor”, proposto por Richard A. Schmidt, que em
sua obra: Motor Learning and Performance (2013), concei-
tuou dessa forma aquilo que todos nós conhecemos tradi-
cionalmente como a tal Memória Muscular, que nada
mais é do que uma habilidade motora treinada de for-
ma que se torna uma espécie de “programa de compu-
tador” armazenado no cérebro e que será acessado no
momento necessário de execução de determinada tare-
fa. O programa motor é um conjunto de movimentos
realizados de forma organizada para obter um resultado

132
Irlan Massai Calaça dos Santos

específico, definidos em sua totalidade antes do movi-


mento começar.
Quanto mais repetimos determinado movimento,
mais aumentamos a previsibilidade do resultado dele, se-
dimentando uma trilha cognitiva que aumentará a possi-
bilidade do resultado satisfatório no momento de tensão.
Por esse mesmo motivo, é primordial existir a correção,
uma vez que a repetição de movimento inadequado fará
com que ele seja reproduzido, mesmo que o erro seja
consciente, provocado por falta de estrutura de treina-
mento ou algo similar, por exemplo: treinar procedimen-
tos de abordagem fingindo estar com uma arma. Esse
aprendizado que nos atrapalha na atuação real, nós cha-
mamos de Cicatrizes de treinamento, cujo significado
mais detalhado iremos comentar mais a frente.
Quando pensamos no desenvolvimento de progra-
mas motores eficientes para a atuação tática, devemos es-
tar atentos a três questões determinantes para a qualidade
do treinamento: definição de metas ambientais, qualidade
do feedback e capacidade de transferência da habilidade.

Definição de Metas Ambientais:

“Gato com dois sentidos não pega rato”


(Ditado popular)

Antes de começar a treinar e desenvolver as habili-

133
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

dades de uma programação motora, é fundamental pla-


nejar aonde você quer chegar com esse treinamento. As
habilidades motoras são movimentos realizados com al-
gum objetivo, com alguma meta. Schmidt afirma em
sua obra que “As habilidades, em geral, são considera-
das diferentes dos movimentos, que não necessaria-
mente possuem qualquer meta ambiental específica...”
(Aprendizagem e Performance Motora, 2016). Se você
está iniciando em uma modalidade de tiro prático,
como o IPSC, por exemplo, saberá que existe maneira
específica para correr com a arma, mantendo a regra de
segurança e evitando a desclassificação em provas. Sabe
também que não adianta treinar apenas tiro estático se
as provas irão exigir movimentação.
Quem treina para ser um policial mais preparado
para ocorrências críticas precisa antes entender como
são essas ocorrências e qual tipo de habilidade servirá
melhor aos seus propósitos. Uma problemática dessa
questão é que o confronto armado é tão caótico e sofre
influência de tantos fatores que isso se torna terreno
fértil para a existência de milhares de técnicas diferen-
tes, com objetivo de resolver demandas distintas, mas
que muitas vezes podem ser conflitantes entre si.
A título de exemplo, vejo muitos policiais concen-
trando grande carga horária de treinamento para conse-
guir atingir alvos muito pequenos em grandes distân-
cias, quando a realidade do confronto armado ocorre
potencialmente em distâncias curtas (até 7m) ou cur-

134
Irlan Massai Calaça dos Santos

tíssimas (até 2m). Essa definição inicial (a distância mé-


dia dos confrontos) irá provocar, por exemplo, diferen-
ças cruciais no foco do treinamento em precisão, em ve-
locidade ou em ambos. Quanto de precisão eu posso
perder para ganhar velocidade? Quanto de precisão eu
devo possuir para cumprir meu objetivo? Dessas res-
postas eu posso tirar conclusões importantes sobre o
uso ou não do aparelho de pontaria na execução dos
disparos de combate, sobre treinar ou não o disparo
com arma curta partindo da linha de cintura, ou se
devo treinar o controle da respiração durante a execu-
ção do disparo. Será que com meu alvo a 2 metros de
distância é mais importante treinar a precisão ou a velo-
cidade? E se meus alvos estão sempre a mais de 30 me-
tros de distância? Minha técnica deve mudar?
De maneira resumida e didática, Schmidt (2016)
apresenta três metas ambientais comuns para as habili-
dades motoras:

 Maximização da certeza do alcance do objetivo;


 Minimização dos custos físicos e mentais da per-
formance;
 Minimização do tempo utilizado.

Permitam-me falar rapidamente sobre cada uma e


relacionar de maneira mais direta com o treinamento
tático, principalmente no que diz respeito ao desenvol-
vimento do programa motor.

135
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Maximização da certeza do alcance do objetivo

Aqui estamos basicamente falando da precisão das


ações. Quando realizo um disparo com arma de fogo,
em reação a uma injusta agressão letal, meu objetivo é a
máxima certeza de que vou acertar meu alvo. Se meu
alvo estiver a 2 metros, por exemplo, o nível necessário
de treinamento para essa certeza, a princípio, será menor
do que se meu alvo estiver a 15 metros. Isso influencia
também na velocidade da execução dos disparos duran-
te um confronto. Conseguimos realizar disparos mais
rápidos, mantendo a certeza do acerto, se o alvo estiver
mais próximo. Se investirmos maior carga horária de
treinamento, possivelmente conseguiremos aumentar es-
ses limites e atirar mais rápido em alvos mais distantes.
Outro exemplo é o atirador policial de precisão,
que precisa ser capaz de acertar com 100% de certeza
um alvo de 3cm de diâmetro em distância superior à
100m. Para atingir essa meta ambiental se faz obrigató-
rio o uso de equipamento condizente (fuzil de precisão,
luneta, dentre outros materiais) além de um treinamen-
to específico bastante exaustivo. Compreender como
essa meta ambiental será especificada na sua função é
vital para determinar a rotina de treinamento e os obje-
tivos com cada habilidade.

136
Irlan Massai Calaça dos Santos

Minimização dos custos físicos e mentais da per-


formance

“Todo embuste será vencido pelo cansaço”


(Ditado policial)

Algumas técnicas são extremamente seguras, po-


rém muito cansativas e inviáveis na realidade de uma
missão que irá durar várias horas. Outras técnicas são
menos cansativas, porém, mais inseguras. Tal situação é
verificada muito claramente nas técnicas de progressão
em área urbana de risco. A técnica de progressão ponto
a ponto é fisicamente custosa para o operador e com
execução mais lenta, porém a progressão de patrulha a
pé comum é insegura para áreas de alto risco, no entan-
to muito menos cansativa. A escolha deve ser feita atra-
vés da análise tática do ambiente e os desdobramentos
percebidos no terreno (existem outras técnicas, como a
Patrulha Falcão, desenvolvida pela CORE-RJ, que surge
justamente da reflexão a respeito da necessidade de au-
mentar a velocidade e diminuir cansaço, mantendo um
nível aceitável de segurança).
Outra vertente dessa meta ambiental é a análise de
cada movimento que fazemos e sua efetiva necessidade
para o objetivo que se pretende. Quanto mais simples
uma técnica é, menor desgaste ela provoca para ser reali-

137
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

zada, leva menos tempo para ser treinada adequadamen-


te e é mais provável que o operador consiga realizar sob o
estresse da ocorrência. É o caso clássico da técnica “Tap,
Rack and Bang”, que resume vários tipos de solução de
pane de pistola em apenas dois movimentos. Pode-se
usar essa análise também para corrigir movimentos sim-
ples como o de apresentação da arma (alguns chamam de
engajamento), formas de realizar recarga, a escolha entre
empunhadura de arma longa, de forma que os movimen-
tos e posições sejam as mais simples, menos cansativas e
mais eficientes possíveis, para o objetivo que se pretende.

Minimização do tempo utilizado

Finalizando a tríade de metas ambientais gerais e


sua relação com o treinamento e atuação tática, a mini-
mização do tempo de execução da habilidade está pre-
sente na maioria das técnicas e no objetivo da maioria
dos operadores. O confronto armado é extremamente
rápido, e a velocidade com que se toma as decisões e
age é fator determinante para a vitória. Não basta atirar
com precisão, tem que atirar rápido e com precisão.
Certa vez eu ouvi alguém falar que “Ganha quem
atira primeiro”. Isso tem lá sua parcela de certeza, pois,
definitivamente, ganha quem ACERTA primeiro, PRO-
VOCANDO incapacitação instantânea. Deve-se extrair
dessa afirmação as seguintes questões:

138
Irlan Massai Calaça dos Santos

• Não adianta ser o mais rápido de todos se você


não acertar seu alvo! (sua meta não pode sim-
plesmente ser: “tenho que sacar e atirar em 2 se-
gundos”);
• Prepare-se para ser capaz de atirar rapidamente
e sucessivamente até que seu alvo esteja definiti-
vamente incapacitado;
• Você pode acabar recebendo o primeiro disparo.
Isso NÃO significa que acabou. Enquanto você
estiver acordado você pode ainda ter condição
de lutar, e rápido.

Sobre a definição das suas metas ambientais, é pre-


ciso ser honesto com as necessidades e com as exigên-
cias que cada meta escolhida demandará de treinamen-
to. É necessário compreender também que o aumento
de uma meta, inevitavelmente prejudica outra.
Muitos alunos acham estranho quando eu digo que
a meta ambiental e programa de treinamento dos poli-
ciais, na formação inicial em tiro defensivo, deveria ser
de estar apto para acertar o tórax de um agressor em
distâncias de até 7m, durante um confronto. No início,
pensam que isso é uma meta muito modesta. Alguns
chegam a fazer treinos de tiro estático e percebem que é
bem fácil acertar um alvo com 40cm de largura em uma
distância de 7m ou até mais.

139
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

É aí que eu começo a esclarecer para eles que a


meta não é acertar uma folha de papel colocada a 7m
em um estande de tiro. É efetuar esses disparos em uma
ocorrência, onde todo mundo está em seu pico de es-
tresse, o alvo está atirando de volta, todo mundo está se
movimentando e procurando se abrigar, o ambiente
pode estar escuro e tudo isso tem que ser feito em pou-
cos segundos. Quando começo a trabalhar esses fatores
estressores passa a ser muito comum os alunos errarem
disparos a 2m de distância. Aí eles começam a entender
como a meta ambiental inicialmente estabelecida é bem
lúcida e até um pouco difícil de conquistar. Quando es-
tabelecemos as metas ambientais de forma correta e ho-
nesta, o treinamento passa a fazer muito mais sentido,
permitindo com que possamos, então, avaliar de forma
mais consciente sobre a validade do uso de determina-
da técnica e aproveitando melhor o feedback passado por
instrutores e colegas.

Qualidade do Feedback

Em sua obra, Bartlett apresentou um ponto de


vista muito interessante afirmando que: “quando eu faço
uma tacada (tênis) eu não produzo algo absolutamente novo,
e eu nunca repito algo antigo.” (Bartlett, 1932, p. 202).

Essa afirmação é fundamental para que se possa

140
Irlan Massai Calaça dos Santos

entender algo primordial sobre performance motora:


Não se trata simplesmente de repetir um movimento
para aprender, mas, sobretudo, corrigi-lo repetidamen-
te para fazer cada vez melhor. Nesse contexto, é o feed-
back que nos permite saber se estamos fazendo certo ou
errado, possibilitando uma correção eficiente do movi-
mento. Saber como utilizar o feedback é essencial para a
qualidade do treinamento.
É importante saber que existem duas categorias
principais de feedback: o feedback inerente e o feedback
aumentado.

• Feedback inerente
Trata das informações percebidas automaticamen-
te como consequência natural da ação, como a pes-
soa que acerta um disparo em um alvo metálico e
ele cai com o disparo. O alvo cair e produzir baru-
lho são feedbacks inerentes ao acerto do disparo.

• Feedback aumentado
É a informação fornecida ao aluno, que está aci-
ma da contida no feedback inerente, geralmente
apresentada pelo instrutor ou produzida por mei-
os artificiais, como um demonstrador de pontua-
ção ou vídeo reprisando certo movimento.

141
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Vejo pessoas realizarem treinamentos repetitivos,


extensos e cansativos, porém sem estabelecer mecanis-
mos de feedback a fim de corrigir o movimento e dessa
forma acabam por intensificar vícios que deterioram a
performance. Para quem não terá um instrutor ao seu
lado constantemente apresentando feedback aumentado
sobre suas ações, é válida a leitura de dicas simples e
práticas que serão apresentadas agora na busca de au-
mentar a eficiência dos treinos táticos:

• Sobre os alvos: quando estiver treinando funda-


mentos de tiro utilize alvos de fogo central com
pontuação, pois ele fornecerá um feedback preciso
para esse objetivo de treino. Quando estiver fa-
zendo pistas de tiro e utilizando distâncias variá-
veis e deslocamentos táticos entre os disparos,
prefira alvos reativos (que vão apresentar algum
efeito facilmente percebido) com feedback sonoro
e visual, em tamanhos adequados para sua meta
ambiental. São exemplos de alvos reativos aque-
les que fazem barulho, caem, explodem, e se me-
xem com os disparos.
• Quando estiver fazendo treino em seco, estabele-
ça algum recurso de feedback. Um bom equipa-
mento para esse fim é a munição de laser (veja o
capítulo sobre ferramentas de treino), que forne-
ce feedback visual e pode ser utilizada com siste-

142
Irlan Massai Calaça dos Santos

mas de medição de pontuação. Outro recurso


(antigo) de feedback para o fundamento de tiro é
aquele exercício de colocar o cartucho em cima
do ferrolho da arma para que o atirador não ba-
lance muito a arma na execução do disparo em
seco. Outro artifício é reproduzir o movimento
de olhos fechados, tendo em vista que isso tira
momentaneamente o feedback visual e auxilia na
compreensão do erro.
• Busque não dividir muito um movimento tático
para o treino de performance, pois isso não cola-
bora no desempenho final do movimento com-
pleto, além de estabelecer referências equivoca-
das de feedback. Como exemplo disso, pode ser
citado: dividir o saque rápido em saque, posição
de pronto, apresentação e disparo.
• Em treinos de movimentação tática, tomada de
ângulo e protocolos doutrinários diversos, prefi-
ra fazer com a ajuda de alguém e oriente a mes-
ma para que ela possa te dar feedback. Na tomada
de ângulo, por exemplo, basta que a outra pessoa
fique dentro do cômodo e avise quando estiver
vendo sua silhueta. É um feedback eficiente para o
objetivo da atividade.
• Estabeleça variedade de recursos de treino para
não ficar dependente de um feedback específico e
acabar por perder a capacidade de transferência

143
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

do aprendizado ou virar um mestre de certo


exercício tático ao invés de se tornar um opera-
dor tático eficiente.

Além do feedback como recurso prático do desen-


volvimento de habilidades motoras, apresento um tre-
cho do livro de Knowles (2009) o qual cita um dos prin-
cípios da aprendizagem trazidos por Hilgard e que tra-
ta sobre a importância do feedback para o ensino de uma
maneira geral:

“O feedback cognitivo confirma o conhecimento


correto e corrige a aprendizagem com falhas. O
aprendiz tenta algo provisoriamente e depois
aceita ou rejeita o que fez a partir das conse-
quências. Isto é, na verdade, o equivalente cog-
nitivo do reforço na teoria S-R, porém a teoria
cognitiva tende a enfatizar mais um tipo de tes-
tagem de hipóteses por meio do feedback.”
(Aprendizagem de Resultados, p. 80)

Transferência e generalização da habilidade

“Um fato importante do controle de estímu-


los é que, se o comportamento de abrir uma
garrafa de rosca girando a tampa for reforça-
do (tampa aberta), é provável que, ao nos de-

144
Irlan Massai Calaça dos Santos

pararmos com uma garrafa de tampa de rosca


nunca vista, provavelmente tentemos abri-la
girando.” (Princípios Básicos de Análise
do Comportamento, 2007, p. 101)

Generalização da habilidade é basicamente aplicar


com sucesso uma mesma habilidade para resolver pro-
blemas com características semelhantes. No entanto,
qual a necessidade de entender isso para que se possa
treinar melhor?
É comum ver profissionais realizando seus treina-
mentos sempre sob condições extremamente controla-
das (alvo de papel, numa certa distância, atirando com
calma e concentração e em ambiente perfeitamente pre-
visível), isso possivelmente traz um certo conforto para
seu treinamento. Quando você entende e treina como
um processo, não há dúvidas de que esse tipo de treino
será importante, porém ele deve ser apenas uma das
etapas. O treinamento com pouca variação de estímulos
causa um reforço deles especificamente e fica cada vez
mais difícil utilizar essa mesma habilidade em situações
nas quais as condições variem (o caso de qualquer ocor-
rência real, que possui características comuns, mas nun-
ca é exatamente igual).
Quanto mais você atira num alvo de papel a 5 metros
de distância, melhor você fica em atirar em um alvo de
papel nessa condição. Agora se você atira em alvos de pa-

145
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

pel, metal, alvos fotográficos, em distâncias variadas, com


ou sem movimentação, com ou sem esforço físico, com ou
sem iluminação, então você ficará melhor em atirar de
uma maneira geral. Que habilidade de tiro você quer ter
em um confronto armado? A habilidade de acertar um
alvo de papel à 5 metros de distância ou a habilidade de
acertar qualquer coisa em qualquer distância?
Quando se treina a habilidade de tiro em condições
variadas, provoca-se maior transferência dos aspectos
fundamentais dessa habilidade para resolver os proble-
mas da vida real.

Exemplos de treino de programa motor

 Saque da arma;
 Apresentação da arma;
 Deslocamento;
 Giro estacionário;
 Posições de tiro;
 Varredura;
 Solução de panes de tiro;
 Uso da bandoleira;
 Recarga do armamento.

146
Irlan Massai Calaça dos Santos

Exemplo de metodologia específica de treino


de programa motor para ações táticas

Método R.A.I.O (Desenvolvido em 2008 por Polici-


ais Rodoviários Federais e Policiais Militares do Distrito
Federal), lembrando que esse método entra no espaço
dos exercícios cognitivos também.

147
P
rovavelmente, o começo das falhas nos proces-
sos de treinamento aplicados nas forças de segu-
rança esteja na forma de trabalhar o cognitivo
nos exercícios. Não adianta saber atirar, se não se sabe
definir em quem atirar ou quando atirar. Não adianta
ser capaz de engajar um armamento com grande veloci-
dade se não for capaz de compreender um cenário e
identificar o agressor com a mesma velocidade. Não
adianta fazer o deslocamento mais rápido, com a me-
lhor postura tática, se não sabe para onde ir.
Logo, deve-se entender que o movimento treinado
exaustivamente será uma ferramenta para diminuir as
demandas cognitivas no momento de estresse, uma vez
que no confronto armado não há tempo para pensar em
como será realizado o saque da arma, ou se a empunha-
dura está sendo feita de maneira correta. Isso deve ser
feito de maneira automática (como discutido no capítu-
lo sobre níveis da habilidade motora) para que o cogni-
tivo seja utilizado exclusivamente no processo de inter-
pretação do cenário (que nunca é igual), tomada de de-
cisão e ação.
O exercício cognitivo deve estimular a capaci-
dade analítica consciente para tomar uma decisão e
agir. Ele deve ser o passo seguinte ao desenvolvimento
do programa motor, já que ele utiliza essa habilidade
como ferramenta para possibilitar a ação em tempo
adequado e com eficácia. Como mostra o modelo
adiante, a correta identificação do estímulo irá levar a

150
Irlan Massai Calaça dos Santos

uma resposta motora adequada, a possibilitar, inclusi-


ve, formas de antecipação eficientes quando a resposta
motora inicia antes mesmo do estímulo ocorrer, sendo
baseado em indicativos antecedentes ao estímulo em si.
Quando eu era adolescente, existia uma pegadinha
muito interessante feita com um copo de acrílico com
líquido amarelo dentro que simulava cerveja. O copo
era tampado também com acrílico transparente pouco
abaixo da boca, de modo que o conteúdo não saía do
copo mesmo que a gente o virasse de cabeça para baixo.
A pegadinha consistia basicamente em fingir jogar o
conteúdo do copo em alguém, que naturalmente iria se
assustar e tentar se proteger da cerveja que suposta-
mente estaria sendo arremessada. Esse é um exemplo
de antecipação, a qual consiste em uma ação motora em
reação a um estímulo que nem aconteceu ainda, mas foi
previsto pelos sinais perceptivos do movimento com o
braço, do conceito que temos na mente de que todos os
copos são abertos em cima, de que o conteúdo amarelo
dentro do copo é cerveja e de que essa cerveja iria sujar
nossa roupa e daria trabalho para limpar. Essa pegadi-
nha ilustra bem os riscos da antecipação e o nível de
problema gerado quando imaginamos esse tipo de erro
avaliativo em ações com uso da força.

151
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Modelo de processamento de informação. (Schmidt, 2016)

É nessa fase que começaremos a incluir a importân-


cia do ciclo OODA e dos mapas mentais na forma de
treinar, a estimular o operador a absorver informações e
instruções e agir de acordo com a interpretação dessas
informações e não mais apenas esperar o apito do ins-
trutor o autorizando a atirar.
Para tanto, é necessário entender que o treinamento
cognitivo terá relação com duas habilidades fundamen-
tais: “Consciência Situacional” e “Tomada de Decisão”.

Consciência Situacional

“É a habilidade de coletar informações do ambi-

152
Irlan Massai Calaça dos Santos

ente externo através dos sentidos e utilizá-las


para prever a probabilidade sobre o que ocorreu
no passado, o que está ocorrendo no presente e o
que mais provavelmente ocorrerá no futuro.
Consciência situacional não envolve apenas re-
conhecer sinais importantes dentro do ambien-
te, mas também a habilidade de ignorar estímu-
los que não são importantes.” (Tradução livre:
Wollert, 2018, p. 125)

Diante disso, é vital que o profissional em fase de


formação inicial ou formação continuada, possa ser ex-
posto a exercícios que estimulem a capacidade de reco-
nhecer padrões para estimular a consciência situacional,
como também diminuir o tempo de resposta ao padrão
violento.

Tomada de decisão

“Alguns podem argumentar que a tomada de


decisão é uma das habilidades mais críticas por-
que se refere ao desempenho do operador. Os Po-
liciais devem operar sob diretrizes e leis estritas
que governam suas tomadas de decisão no mun-
do real. Examinando qualquer investigação ju-
dicial sobre um suspeito baleado por um agente,
geralmente a análise está centrada na tomada de
decisão do policial versus sua capacidade de ati-
rar com precisão. Muitos instrutores explicam

153
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

aos alunos que tiros rápidos e precisos os man-


têm vivos, porém a tomada de decisão eficaz os
preserva fora da cadeia.” (Tradução livre:
Wollert, 2018, p. 119)

No exercício cognitivo, o aluno receberá instruções


prévias e precisará reagir de acordo com as informações
que recebeu. Não existe ainda uma correspondência
exata com a realidade, porém os estímulos são pensa-
dos de forma semelhante com as demandas da ocorrên-
cia. É como um treino funcional para o cérebro. Faze-
mos treinamentos de tiro com cores ou formas geo-
métricas, mas sabemos que nossos alvos na rua não se-
rão triângulos azuis ou retângulos vermelhos. Vale res-
saltar, ainda, que esses estímulos ativam a mesma parte
do cérebro e podem ser reproduzidos de maneira mais
sistemática.
Deve-se observar a qualidade da transferência pro-
movida pelo exercício cognitivo. Transferência, de acor-
do com Schmidt (2016) “refere-se à ideia de que a aprendi-
zagem adquirida durante a prática de uma determinada tare-
fa pode ser aplicada a, ou transferida para, outras situações de
trabalho.” (Aprendizagem e performance motora, 2016.
Pág. 216)

154
Irlan Massai Calaça dos Santos

Exemplos de exercícios cognitivos

• Banner de treino cognitivo Ciclo O.O.D.A;


• Atirar utilizando alvos de cores diferentes e rece-
ber instruções a respeito de quais cores atirar;
• Utilizar alvos que diferenciam agressor de refém;
• Realizar pistas de tiro prático (esse seria o limiar
entre os exercícios cognitivos e os exercícios de
realidade simulada);
• Treinar a visão para identificar diferentes tipos
de cenário;
• Treinar procedimentos cognitivos para driblar a
visão de túnel.

155
O
protocolo doutrinário é um guia pré-definido
de procedimentos pensados por uma unidade
ou instituição para que seus operadores apli-
quem nas mais variadas situações, objetivando padroni-
zar a atuação e aumentar a possibilidade geral de sucesso.
Protocolo é algo que existe nas mais variadas profissões e
serve para estabelecer um parâmetro de atuação que pro-
tege o operador e faz com que não seja necessário rein-
ventar a roda em cada situação com que ele se depara.
Um cirurgião não precisa estudar de que forma irá
fazer uma incisão para extrair um apêndice, uma vez
que já existe um protocolo para isso e ele funciona, na
maioria das vezes. Ainda nesse contexto, podemos citar
as Normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas
Técnicas) que são uma definição protocolar, um conjun-
to de diretrizes que norteiam a produção de trabalhos
acadêmicos, bem como o manual de redação da presi-
dência da república, o qual direciona a produção de do-
cumentos oficiais, ou as orientações para atendimento
médico de urgência feitas pela OMS (Organização
Mundial da Saúde).
Com relação à atuação Policial, tem-se como exemplo
de protocolo doutrinário os Manuais de Abordagem, que
especificam todas as orientações pertinentes, procedimen-
tos e técnicas que devem ser utilizadas em cada ocasião.
Outro exemplo seria os POP’s (Procedimento Operacional

158
Irlan Massai Calaça dos Santos

Padrão), metodologia aplicada em vários estados para do-


cumentar passo a passo a conduta dos profissionais de se-
gurança pública nos mais variados contextos.
O problema do treinamento policial, com relação
ao protocolo doutrinário, é que a instituição precisa es-
tudar e definir seus protocolos com clareza, de modo
que aquilo que foi definido corresponda à realidade e
proporcione sucesso à atuação.
Muitas vezes, o que se observa são protocolos dou-
trinários desatualizados ou que foram copiados de ou-
tras instituições, mas que não atendem às demandas es-
pecíficas e acabam caindo no descrédito e dando espaço
às pessoas que querem reinventar a roda a cada ocor-
rência e definir sua própria forma de atuação.
No Brasil, a área de técnicas policiais é recheada de
diferentes protocolos doutrinários. A situação na qual é
mais fácil de observar essas diferenças está na “Aborda-
gem policial”, que, mesmo com o frequente intercâmbio
de conhecimento entre polícias e tentativas de padroni-
zação doutrinária, verificam-se diferenças na forma de
cada instituição realizar uma busca pessoal em um indi-
víduo suspeito. A ROTA de São Paulo faz de uma for-
ma, a RONDESP da Bahia faz de outra, a Rádio Patru-
lha em Sergipe faz de maneira diferente das duas pri-
meiras e assim sucessivamente.
Vale salientar que um protocolo doutrinário não é
necessariamente melhor do que outro e uma demanda

159
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

tática pode ter sucesso sendo solucionada com vários pro-


tocolos diferentes. Porém, é arriscado apenas misturar os
protocolos dentro de uma mesma instituição, uma vez
que, feito isso, deixará de cumprir com o seu objetivo pri-
mordial (nivelar os procedimentos) e os operadores serão
colocados em situação de risco a cada ocorrência.

Exemplos de treinamentos que envolvem pro-


tocolo doutrinário

 Treinamento de Conduta de Patrulha Falcão


(CORE-RJ);
 Procedimentos de Força Tática (PMESP);
 Entrada Tática SWAT Plena;
 Entrada Tática Sistemática;
 Treinamento de Atendimento Pré-Hospitalar
MARC1.

160
É
aqui que todo treinamento tático deve chegar, se
a intenção é de verdadeiramente desenvolver uma
habilidade que será utilizada pelo operador em
sua atividade fim. Vários autores falam isso utilizando
palavras diferentes e analisando aspectos diferentes da
aprendizagem, dentre eles: Giraldi (1999), Grossman
(2004), Osinga (2005), Flores (2006), Patrícia Raquel
(2009), Vasconcelos (2015), Pellegrini; Moraes (2017),
Kenneth R. Murray (2004), Terry N. Wollert (2018), po-
rém todos são unânimes em afirmar que o treinamento
tem de buscar o maior nível de semelhança possível
com a atividade real.
O mais próximo que temos do ideal, em termos de
treinamento tático, chamamos de “realidade simulada”,
(também chamado de Reality Based Training-RBT) a
qual pode ser feita de várias formas e com diferentes ní-
veis de investimento. Nem sempre o maior investimen-
to irá significar maior aprendizado, mas, em geral, os
melhores métodos de realidade simulada demandam
maior aplicação de recursos.

Fidelidade física versus fidelidade psicológica

“Lembre-se que o objetivo geral da simulação é


para a aprendizagem no simulador ser transferida
para a tarefa-critério. Os cientistas que realizam
investigação nessa área referem-se à “qualidade”
da simulação em termos de fidelidade – o grau até

162
Irlan Massai Calaça dos Santos

o qual o simulador imita, ou é “fiel à” tarefa-crité-


rio. Mas dois tipos diferentes de construtos de fi-
delidade surgiram na literatura. A fidelidade
física se refere ao grau até o qual as característi-
cas físicas ou de superfície da simulação e tarefa-
critério em si são idênticas. Em contrapartida, a
fidelidade psicológica relaciona-se ao grau em
que os comportamentos e processos produzidos no
simulador replicam aquelas exigidas pela tarefa-
critério” (Schmidt, 2016, p. 223)

Alguns exercícios de realidade simulada precisam


de grande estrutura justamente para buscar a fidelidade
física causada pela imersão sensorial, a utilizar ambien-
tes exatamente iguais aos que serão encontrados pelo po-
licial na atividade profissional, manuseando armas de
funcionamento similar às armas reais usadas pela insti-
tuição (ver capítulo sobre ferramentas de treino) e se de-
parando com situações comuns da rotina policial. Em
outras estratégias de simulação de realidade, o manejo
de alguns fatores estressores de forma planejada conse-
gue proporcionar uma considerável fidelidade psicológi-
ca (causando efeitos parecidos com a situação real).
Em um dos cursos que promovi, coloquei os alunos
em um exercício que simulava um assalto ocorrendo em
um bar. Estabeleci que apenas dois deles fossem policiais
armados (entreguei pistolas de airsoft idênticas ao mo-
delo real que possuíam) e os demais fossem amigos civis
desarmados. Os assaltantes chegaram de moto com mui-

163
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

ta violência e mandando todos ficarem deitados. Após a


realização da simulação, uma das alunas, que nesse exer-
cício estava na função de cidadã desarmada, relatou que
sentiu um frio na barriga muito forte durante a situação,
sem saber o que o colega que estava armado faria, mes-
mo entendendo que era um treinamento.
Esse foi um exemplo de fidelidade psicológica al-
cançada no treinamento, no qual, mesmo possuindo
uma estrutura física simples, proporcionou fatores es-
tressores eficazes e que os aproximavam da realidade.
Na execução de exercícios de realidade simulada, é
importante que o aluno receba as instruções abrangen-
tes sobre as condições de simulação e seja apenas obser-
vado e avaliado quanto a sua capacidade de aplicar o
conteúdo aprendido de forma prática, uma vez que o
grande diferencial dessa fase do treinamento é a res-
ponsabilidade cognitiva que o operador terá em fazer
escolhas e lidar com suas consequências. Não existe
apenas uma resposta certa quando se trata de ocorrên-
cia policial ou confronto armado.
Nessa fase do treinamento, o instrutor não te mos-
tra o caminho ou o que pode ou não pode fazer durante
o exercício. O aluno deve ser orientado antes sobre re-
gras de segurança, limites da fidelidade do exercício e
ser situado no contexto da tarefa. As decisões serão to-
madas pelo aluno e o instrutor deve acompanhar e pau-
sar a simulação quando os objetivos pedagógicos tive-

164
Irlan Massai Calaça dos Santos

rem sido alcançados ou no caso da necessidade de pau-


sa por questões de segurança. Além disso, essa etapa
tem como objetivo preparar o aluno para as singulari-
dades das ocorrências, além de proporcionar inoculação
de estresse, principal recurso pedagógico para capacitar
o operador para situações de alto risco.
O processo de transferência da habilidade desen-
volvida também será elevado ao passo que os estímulos
do treinamento forem se tornando mais semelhantes
aos estímulos da situação real.

Regras gerais da simulação de realidade “force-


on-force”

O treinamento ou simulação de realidade do tipo


“force-on-force” é o tipo de demonstração que envolve
pessoas contra pessoas, utilizando armas de airsoft,
paintball, simunition, de emissão infravermelho ou laser
visível, festim, blueguns ou outros recursos semelhantes.
A vantagem desse tipo de prática, sem uso de mu-
nição real, é que podem ser treinadas situações que seri-
am impossíveis no estande de tiro, como simular um
assalto, emboscada, e reproduzir com fidelidade as fric-
ções e desafios atitudinais desse tipo de ocorrência. De
qualquer forma, esse tipo de atividade apresenta riscos
de lesão e riscos de eficiência da aprendizagem, se for

165
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

mal conduzido. Apresentarei em seguida algumas re-


gras gerais que devem ser observadas na realização
desse tipo de treino:

• Tenha um protocolo de segurança muito bem defi-


nido. A simulação aumenta o realismo e, em boa
parte das vezes, aumenta também o risco geral de
lesões. Obrigatoriedade de utilização de equipa-
mentos de proteção e verificações repetidas dos ar-
mamentos utilizados são parte desse protocolo.
• Delimite o espaço físico da simulação e deixe to-
dos cientes disso.
• Identifique quem são os participantes da simula-
ção por meio de adereço (pode ser um braçal)
para evitar conflitos cognitivos que dificultem a
imersão no ambiente de simulação. (O uso do
adereço pode ser dispensado se o isolamento físi-
co do ambiente de simulação for absoluto)
• Delimite pedagogicamente quais os objetivos de
aprendizagem da simulação. A simulação deve
fornecer realismo e compatibilidade com o conte-
údo ministrado e a realidade do aluno.
• O figurante da simulação é peça fundamental para
atingir os objetivos de aprendizagem. Um figuran-
te ruim pode gerar fricções (uso aqui o conceito de
fricção de Clausewitz) que guardam pouca relação

166
Irlan Massai Calaça dos Santos

com a realidade operacional. Esse personagem


deve ser orientado sobre o contexto de sua inter-
pretação e os limites de sua atuação, para que atue
de forma a estimular o aprendizado.
• O condutor da simulação deve dispor de recurso
(apito, buzina) para interromper a atividade no
momento em que os objetivos de aprendizagem
forem alcançados ou a segurança de qualquer
participante for comprometida.

Exemplos de treinamento de realidade simulada

• Pistas policiais especiais de tiro (Giraldi, 1999);


• Simulações de ocorrência utilizando festim, air-
soft, kits simunition, paintball;
• Programas de treinamento Force-On-Force;
• Programas de treinamento RBT (Reality Based
Training);
• Simulações virtuais.

167
VEJAMOS AGORA ALGUNS
MÉTODOS INOVADORES E
FERRAMENTAS PARA
TREINAMENTO TÁTICO.
D
as poucas metodologias existentes para o ensi-
no dos movimentos mais básicos das ações
táticas individuais, destaco o método R.A.I.O
(RETÂNGULOS ALTERNADOS DE INSTRUÇÃO
OPERACIONAL). Postarei o documento explicativo na
íntegra e, posteriormente, farei alguns comentários.

RETÂNGULOS ALTERNADOS
DE INSTRUÇÃO OPERACIONAL
RAIO ®

1. Histórico

Com uma preocupação semelhante à dos instruto-


res norte-americanos Max Joseph e Alan Brosnan, que
em meados dos anos 90, desenvolveram a “Posição
Sul”, o treinamento com RAIO® foi desenvolvido du-
rante as instruções básicas de Patrulha Urbana e Rural
em Ambientes de Risco, no 10º Curso de Operações Po-
liciais Especiais – 10º COESP/08, da Polícia Militar do
Distrito Federal – PMDF. No intuito de automatizar o

170
Irlan Massai Calaça dos Santos

controle da direção do cano, de maneira dinâmica e in-


terativa, os instrutores propuseram um treinamento em
que policiais pudessem aprimorar essa habilidade en-
quanto trabalhavam outras aptidões. Além do policial
militar (PM) do Distrito Federal Jeisson Antônio da Sil-
va, participaram do processo de criação e desenvolvi-
mento do método os policiais rodoviários federais Jet-
son José da Silva, Elisrael Rodrigues Passos, Andrei Go-
mes Cirilo, André Wilson Medeiros Carneiro e Wellker
Cesar Farias. O nome RAIO® foi uma sugestão do PM
do Distrito Federal Peterson, à época, um dos alunos do
10º COESP/08. Devido aos vários benefícios propicia-
dos, outras instituições de segurança têm utilizado esse
método durante seus treinamentos de tiro, patrulha po-
licial, abordagem, entre outros.
1 Disponível em: <http://www.teesbrazil.com.br/ >. Acesso em: 10 de ja-
neiro de 2016.

2. Finalidades do RAIO®

O principal fundamento do método é a automati-


zação do controle na execução de movimentos a serem
adquiridos durante o deslocamento em uma trajetória
pré-definida, antes de treinamentos de maior complexi-
dade. Durante os exercícios com o RAIO®, os policiais
podem desenvolver as seguintes habilidades:

171
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

a) Caminhar tático;
b) Controle da direção do cano;
c) Transição de armamento;
d) Respiração durante execução de atividade física
específica;
e) Tomada de “Posição Torre”;
f) Mudanças de direção;
g) Visão Periférica;
h) Melhoria da capacidade cardiorrespiratória.

3. Pré-requisitos técnicos

Para um melhor aproveitamento do método é in-


dispensável que o indivíduo que esteja sendo instruído
tenha passado pelas seguintes etapas de Instrução Táti-
ca Individual – ITI:

a) Fundamentos de tiro de pistola e armas longas,


tais como: empunhadura, visada, base, plataforma de
tiro, respiração, olho “diretor”, dentre outros;
b) Posição de tiro – em pé, de joelhos (torre) e deitado;
c) Caminhar “Tático”;
d)Mudanças na direção da posição de tiro.

172
Irlan Massai Calaça dos Santos

4. Descrição do método

Simples, prático, barato e de fácil aprendizado, o


método consiste no deslocamento pré-definido dos alu-
nos, cada um em um retângulo, com dimensões míni-
mas de 12 metros de comprimento por 4 metros de lar-
gura, que se cruzam perpendicularmente, dois a dois,
conforme desenho abaixo:

Figura 01. Esquema do RAIO®

a) Na hipótese de um local permanente, a delimita-


ção dos retângulos pode ser feita desenhando di-
retamente o piso, cada um com uma cor diferen-

173
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

te para facilitar a visualização. É importante que


seja um terreno plano e o mais regular possível.
Entretanto, a demarcação pode ser feita com cal
ou, simplesmente, delimitada por cones;
b) Posicionamento inicial – Após a montagem do
cenário, conforme figura 01, quatro indivíduos
mobiliarão os quatro retângulos, sendo que cada
dupla iniciará em um vértice oposto ao da outra;
c) Início da atividade – Os alunos iniciarão o deslo-
camento na posição “engajado”, em pé. Ao se
cruzarem, o que ocorre durante todo o exercício,
deverão fazer a retenção da arma, passando para
a posição “pronto baixo”, sem parar de cami-
nhar. Imediatamente após o cruzamento a arma,
deve voltar ao engajamento;
d) Duração da atividade deve ser entre 01:30 a 02:00
minutos;
e) Dinâmica da atividade – Cada quarteto deverá
passar pelo menos três vezes pelo exercício. A
primeira passagem deverá ser em um desloca-
mento lento. A segunda de maneira moderada e,
por conseguinte, a última mais acelerada. A par-
tir da segunda passagem, serão dados os coman-
dos de “CONTATO!”, na qual o policial deverá
assumir a posição de joelhos. Ao comando de
“DESLOCA!”, a equipe retomará a movimenta-
ção. Na última etapa, o instrutor também deverá

174
Irlan Massai Calaça dos Santos

comandar “RETAGUARDA!” para que aluno exe-


cute a mudança de direção. A partir da segunda
passagem o instrutor pode comandar a transição
do armamento, por meio da verbalização “TRAN-
SIÇÃO!”. Esta manobra pode ser para que a arma
longa seja substituída pela pistola e vice-versa;
f) Para facilitar o entendimento, o instrutor deverá
usar um quadro branco fixado em cavaletes ou
um flipchart para explicar a dinâmica;
g) O treinando não avançará nas etapas enquanto
não executar corretamente e sem dificuldades, o
procedimento anterior;
h) Durante os deslocamentos, o instrutor deverá in-
terromper o exercício para ajustar ou corrigir os
procedimentos;
i) Ao término da instrução, o instrutor deverá in-
formar aos policiais os pontos fracos que necessi-
tam ser melhorados;
j) Caso o treinamento de ITI não seja bem automa-
tizado, o método pode ficar bastante prejudica-
do. Os alunos podem apresentar dificuldades na
transição do armamento, empunhadura deficien-
te, deslocando de maneira inadequada, entre ou-
tras deficiências;
k) Respiração durante execução de atividade física
é de grande importância. Muitos alunos se preocu-

175
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

pam muito em executar o exercício da forma corre-


ta, porém sem se atentar para uma respiração ade-
quada. Assim, executam os movimentos em apneia,
provocando um cansaço excessivo. Deve-se alertar
ao indivíduo que inspire e expire como se estivesse
realizando atividade física aeróbica;
l) Com relação às mudanças de direção destacamos
que o cone ou o limitador do retângulo não é
uma esquina. Ou seja, não é necessário executar
procedimentos de tomada de ângulo (“fatiamen-
to”). O limitador do retângulo serve apenas
como substituto para uma ordem verbal de mu-
dança na direção, portanto, o exercício deve ser
realizado de forma contínua, sem paradas;
m) Uma das vantagens do método é desenvolvi-
mento da visão periférica em conjunto com o
controle de cano. Atentar para que os policiais
saibam o que acontece ao seu redor, trabalhando
a atenção de maneira difusa.

5. Registro e utilização do método:

O RAIO® é um pequeno legado, embora registrado


e publicado, está à disposição para todas as polícias.
Entretanto, a única obrigatoriedade é a citação do nome
do método e suas origens. Qualquer tipo de plágio será
levado à Justiça.

176
Irlan Massai Calaça dos Santos

JETSON, José da Silva


INSTRUTOR PRF
Caveira PMPR/18
Ações Táticas Especiais PMPI/33

Tive contato pela primeira vez com o método


RAIO durante o VI Curso de Operações de Controle de
Distúrbios-COCD ministrado pela PRF no Rio de Janei-
ro, em 2013, na oportunidade o criador do método foi
um dos instrutores. Depois que conheci o exercício, a
simplicidade e efetividade, tanto para o aluno quanto
para o instrutor, passei a utilizar em todas as instruções
possíveis e imagináveis para diversos segmentos opera-
cionais da PMSE, cometendo a ousadia, inclusive, de fa-
zer algumas adaptações do método para atender às de-
mandas específicas de alguns cursos. O exercício permi-
te treinar em deslocamento uma série de movimentos
táticos para os quais é absolutamente necessário desen-
volver um eficiente programa motor, aliando isso com
aspectos cognitivos importantes da relação do operador
com o cenário, como a utilização da visão periférica, co-
municação verbal e não verbal com outros operadores e
começar a sentir algumas das fricções da realidade ope-
racional. O método permite ainda uma série de adapta-
ções, com inserção de habilidades diversas, podendo
ser convertido em uma atividade de intensidade física

177
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

ao substituir as armas por anilhas de peso, podendo uti-


lizar airsoft, paintball, adaptar regras específicas ou fa-
zer a adaptação de procedimentos doutrinários, a per-
mitir ao instrutor a observação de vários operadores ao
mesmo tempo, todos em movimento. Uma das melho-
res características da metodologia, no entanto, é a efeti-
vidade relacionada ao baixíssimo custo logístico pois,
basicamente, precisamos apenas de cones e armas para
realizar a instrução.

178
O
treinamento prático do ciclo O.O.D.A com uti-
lização de banners é mais uma adaptação do
esporte (dessa vez o vôlei) para exercícios cog-
nitivos de níveis variados, que proponho como uma ati-
vidade complementar a qualquer operador tático, uma
vez que ajudará em todas as atividades que possuem
maior exigência neuromotora e capacidade de percep-
ção visual. O método desse banner foi originalmente
desenvolvido por Andor Gyulai, professor norte-ameri-
cano de vôlei. Nesse material, foram feitas as devidas
adaptações para atender às demandas policiais cogniti-
vas e táticas.
Já falamos aqui sobre a importância dos ensina-
mentos de Boyd para a capacitação de agentes de Segu-
rança Pública e como o ciclo O.O.D.A deve estar intrin-
secamente relacionado com os aspectos do treinamento,
uma vez que, nas palavras de Dave Grossman: “Você
não age à altura dos acontecimentos em combate, você
mergulha ao nível do seu treinamento”.
O treinamento com o banner permite desde exercí-
cios de escaneamento de ambiente (treinamento do mo-
vimento dos olhos que auxilia no processo cognitivo de
percepção, na busca por um elemento específico, como
em um caça-palavras), o qual fica restrito à etapa “ob-
servar” do ciclo, até a associação de elementos do ban-
ner com uma “ação” física condicionada à correta “ori-
entação” do operador e consequente decisão, passando

180
Irlan Massai Calaça dos Santos

assim por todas as etapas do ciclo. As vantagens do uso


do banner estão na praticidade de poder desenvolver
vários exercícios com poucos recursos, ter maior efetivi-
dade em exercícios cognitivos, aumentar a capacidade
de ganho de informação e reflexo neuromotor do opera-
dor, capacidade de leitura de cenários e percepção de
padrões, além do operador poder utilizar o recurso
principalmente em casa, a qualquer momento, por ho-
ras ou apenas alguns minutos.

Hipóteses científicas

A maioria absoluta das informações que utilizamos


para entender o que está acontecendo em uma ocorrên-
cia policial é proveniente da visão. Por esse motivo a
primeira letra do ciclo O.O.D.A é de “Observar”. A ca-
pacidade de ver é vital para o processo de compreensão
e capacidade de reação. Entretanto, é importante desta-
car que o funcionamento do sistema visual não garante
a percepção do que está sendo visto. O processo de per-
cepção visual, na verdade, depende da capacidade do
nosso cérebro ignorar uma série de informações que es-
tão bem na nossa cara. Apesar das pesquisas em Neuro-
ciências apenas nas últimas décadas terem detalhado
como isso acontece, é de conhecimento antigo que ver é
diferente de perceber. Foi o que falou um dos maiores
Samurais, em 1645:

181
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

“A visão deve alcançar o mais amplo espaço


possível. Existem dois tipos de olhar: o de
apenas ver e o de enxergar. A visão da per-
cepção é poderosa, enquanto o de apenas
olhar é fraco.” (Musashi)

Foi com base nessa premissa, apoiada pelos avan-


ços da neurociência, que o banner de treino cognitivo
ciclo O.O.D.A foi criado. O objetivo é fornecer a capaci-
dade de treinar a visão para desenvolver melhor per-
cepção e identificação de padrões. Algumas hipóteses
científicas se relacionam profundamente com os objeti-
vos da utilização do banner. A ideia central é promover
a repetição de habilidades visuais e cognitivas requisi-
tadas no processo de compreensão de cenários.

Movimentos Sacádicos e a percepção

“A visão requer movimento dos olhos. Pequenos


movimentos Visuais são essenciais para manter
o contraste de objetos que estão sendo examina-
dos. Sem esses movimentos, a percepção de um
objeto rapidamente se desvanece para um campo
de cinza, um fenômeno correlacionado com a di-
minuição da resposta de neurônios na área V1.
Grandes movimentos dos olhos direcionam a fó-
vea de um objeto para outro. Esses movimentos,
ou movimentos oculares sacádicos, levam a alta

182
Irlan Massai Calaça dos Santos

resolução da fóvea a escrutinar as diferentes re-


giões do campo visual, tirando proveito da alta
densidade de fotorreceptores na fóvea central.
Sem os movimentos oculares sacádicos, esse pro-
cessamento de alta resolução apenas poderia ser
alcançado movendo-se a cabeça ou corpo.” (prin-
cípios de neurociências, p 554)

Uma das hipóteses científicas para avaliar no ban-


ner é a de que o treinamento de movimentação sacádica
dos olhos provoca aumento de performance para per-
cepção geral. Uma série de mecanismos fisiológicos e
cognitivos atuam em conjunto para a qualidade da per-
cepção de determinado objeto ou padrão apresentado
ao observador. É plausível que o treinamento de busca
de símbolos (escaneamento) ajude a desenvolver essa
capacidade perceptiva.

Plasticidade Neural

“Uma característica marcante do sistema ner-


voso é então sua permanente plasticidade. E o
que entendemos por plasticidade é sua capaci-
dade de fazer e desfazer ligações entre os neurô-
nios como consequência das interações constan-
tes com o ambiente externo e interno do corpo.”
(Cosenza, Ramon M. 2011)

183
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

A hipótese da plasticidade neural na verdade per-


meia o universo da aprendizagem como um todo. Des-
sa forma, o banner se apresenta como uma ferramenta
de treinamento que irá intensificar o processo de plasti-
cidade, provocando ajuste fino de programas motores e
aspectos da tomada de decisão.

Filtros de atenção

Sabemos que a quantidade de informação que pas-


sa através dos sentidos é grande demais para que seja
processada conscientemente pelo nosso cérebro. É vital
para a sobrevivência que tenhamos a capacidade de ig-
norar estímulos, da mesma forma que precisamos tam-
bém captar outros rapidamente. O fenômeno da aten-
ção regula esses processos e também pode ser treinado.
A hipótese, nesse caso, é que o banner estimule o pro-
cesso de atenção voluntária, que trata de percepção de
elementos de forma intencional, como quem busca uma
placa de veículo que a central noticiou como sendo de
um carro roubado. A atenção voluntária depende em
grande parte de aspectos internos do indivíduo, en-
quanto a atenção reflexa (aquela que ocorre quando ou-
vimos um barulho alto e direcionamos automaticamen-
te o olhar para onde supostamente o barulho se origi-
nou) depende mais das características do ambiente.

184
Irlan Massai Calaça dos Santos

“O fenômeno de saliência (pop-out) pode


ser influenciado pelo treinamento. Um estí-
mulo que inicialmente não pode ser encon-
trado sem uma busca esforçada irá se so-
bressair após o treinamento” (princípios de
neurociências, p 537)

Essas hipóteses configuram um bom ponto de par-


tida para realização de experimentos que quantifiquem
as vantagens do uso da ferramenta para aprimoramen-
to de performance tática de maneira duradoura. As
vantagens do banner enquanto ferramenta de avaliação
de habilidades já sinalizam um uso promissor no ambi-
ente de ensino policial, pois é possível identificar níveis
de capacidade para execução de tarefas cognitivas e
neuromotoras com relativa facilidade, utilizando os
exercícios que serão mostrados adiante e registrando os
resultados para comparação com a média pretendida.

Estrutura do Banner

O banner é composto por 54 círculos que possuem


uma série de elementos, os quais podem ser utilizados de
maneira singular ou integrada nos treinamentos, para re-
alização de atividades mais simples e mais complexas.

185
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Estrutura de cada círculo

• Círculo externo dividido em quatro cores (as


mesmas do alvo de quatro cores da Polícia Fede-
ral-PF);
• Seta (que pode estar em quatro posições distin-
tas);
• Triângulo interno (que apresenta três cores, de
quatro possíveis);
• Círculo interno (dividido em 4 cores);
• Letra central (do A ao Z, incluindo o Ç);
• Bola branca do círculo interno (que pode estar
em oito posições distintas);
• Nas pontas do triângulo interno:
➢ Numeral da ponta superior (do 01 ao 54);
➢ Algarismo romano da ponta inferior esquerda
(do I ao IV, correspondentes às posições de tiro
com arma curta);
➢ Símbolo da ponta inferior direita (total de seis
símbolos, sendo os quatro naipes do baralho, so-
mado com a estrela e o cadeado);

186
Irlan Massai Calaça dos Santos

• Nos espaços brancos:


➢ Símbolo superior esquerdo (quatro símbolos:
mãos vazias, mão segurando microfone, mão se-
gurando arma de fogo, mão segurando celular);
➢ Símbolo superior direito (três símbolos: pistola,
revólver, fuzil);
➢ Símbolo inferior central (cinco expressões faciais:
tristeza, surpresa, felicidade, apreensão, raiva).

O operador pode integrar ao banner o uso de alvos


de quatro cores da Polícia Federal, que irão auxiliar nos
exercícios com seletividade de disparo. Os disparos de-
vem ser feitos preferencialmente com airsoft ou a seco,
objetivando o baixo custo e simplicidade do uso, mas
também pode ser feito com disparo real. O treinamento
pode durar cinco minutos ou horas, a depender do tem-
po que o operador quer dedicar a ele.

187
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

188
Irlan Massai Calaça dos Santos

Treinando com o banner

Inicialmente, o uso do banner pode parecer um


tanto confuso. São muitos símbolos e nada faz muito
sentido no primeiro contato. O ideal seria realizar a ca-
pacitação presencial que dura uma manhã, e que é sufi-
ciente para entender como a ferramenta funciona e a
amplitude de suas possibilidades.
Passar esse conteúdo para um livro tornou-se um
verdadeiro desafio. Graças à tecnologia dos QRCodes
poderemos aproximar você dessa capacitação, para que
possa acompanhar a realização de cada exercício, até

189
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

que possa compreender a lógica da ferramenta e inclu-


sive passe a desenvolver seus próprios exercícios.

Nível I
Exercícios de escaneamento simples

É a forma mais básica do uso do banner. Aqui esta-


remos exercitando a musculatura extrínseca dos olhos e
aumentando nosso potencial de percepção de estímu-
los, através de atividades de busca, com utilização de
movimentos sacádicos. Basta escolher um elemento, ou
conjunto de elementos e procurar no banner, identifi-
cando seu posicionamento.

Exemplo:
Identificar as letras em ordem alfabética (pode ser
uma sequência específica, como de A até J, e a cada le-
tra encontrada você irá tocar nela para mostrar que en-
controu);

• Identificar os números em ordem (os números vão


de 01 a 54, permitindo muitas combinações para
estimular o treinamento por bastante tempo);
• Identificar as armas longas (note que qualquer
símbolo do banner pode ser utilizado como refe-

190
Irlan Massai Calaça dos Santos

rência para um treinamento de escaneamento);


• Identificar as expressões faciais.

Nível II
Exercícios de escaneamento em movimento

A estabilização do foco em movimento também é


uma habilidade possível de ser treinada. Os cenários de
ocorrência policial sempre são dinâmicos e mais difíceis
de compreender justamente por serem mais difíceis, fi-
siologicamente, para nosso sistema visual. Ao fazer
exercícios de escaneamento em movimento (correndo
no mesmo lugar), trabalharemos essa habilidade, além
da coordenação de atividades motoras (movimento do
corpo) com atividades cognitivas (procurar determina-
do elemento). Nesse nível de exercício, boa parte dos
profissionais irá sentir maior dificuldade em encontrar
os elementos, o que demanda mais tempo e maior es-
forço cognitivo.

191
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Exemplo:
Os mesmos exercícios de escaneamento simples, po-
rém estando em movimento (correndo no mesmo lugar).

Nível III
Exercícios de resposta motora simples

Aqui começamos a caminhar mais ativamente por


todo o processo do ciclo O.O.D.A. Nesse nível de exer-
cício será necessário compreender a instrução, fazer a
busca visual dos elementos e seus significados, tomar
uma decisão com base no que foi visto e aplicar uma
movimentação específica. Nas capacitações presenciais
que ministro sobre o banner esses exercícios são muito
interessantes para começar a avaliar a capacidade geral
de percepção e tomada de decisão dos alunos, obser-
vando problemas que vão desde os alunos que possu-
em maior dificuldade para compreender a instrução até

192
Irlan Massai Calaça dos Santos

aqueles que agem de maneira equivocada antes do


consciente cognitivo ter apresentado a solução correta.
Pesquisas a respeito de sobrecarga de tarefas, bem
como sobre fatores estressores para tomada de decisão,
apresentam-nos parâmetros para analisar a importância
desse tipo de exercício, por mais que não estejamos ain-
da lidando com ações da técnica ou tática policial (sacar
uma arma, por exemplo).
Exemplo:
Observar a posição da seta no círculo externo e rea-
lizar um movimento na mesma direção;
• Observar a posição da seta no círculo externo, iden-
tificar com qual cor ela se liga, identificar a mesma
cor no círculo interno e realizar um deslocamento
no próprio eixo para o lado onde está a cor;
• Observar a posição da seta no círculo externo,
identificar com qual cor ela se liga, identificar a
mesma cor no triângulo interno e realizar um
deslocamento no próprio eixo para o lado onde
está a cor. (caso não encontre a cor, deverá reali-
zar um pulo para cima, no local onde já está).

193
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Nível IV
Exercícios de resposta motora tática

É nesse ponto que o banner possibilita um número


infinito de aplicações e pode ser adaptado para a reali-
dade de qualquer operador, doutrina ou temática. Nes-
sa fase, aplicaremos os mesmos conceitos nos níveis an-
teriores (escaneamento, identificação e aplicação de
ação motora), mas esse tipo de ação será uma habilida-
de técnica da conduta tática individual (sacar e apresen-
tar armamento, efetuar recargas, efetuar disparo, transi-
ção de armas, giro estacionário, transição de alvos e o
que mais a imaginação permitir). Em nossas discussões
sobre a estrutura do treinamento tático, nota-se que não
adianta apenas treinar uma habilidade motora de forma
isolada. Deve-se inserir essas habilidades em contextos
cognitivos que permitam utilizá-las como ferramentas
para solucionar problemas. Um policial treina tiro para
ser capaz de cumprir a lei ou salvaguardar a vida de al-

194
Irlan Massai Calaça dos Santos

guém através do uso dessa habilidade. O banner irá es-


timular justamente essa capacidade de análise e tomada
de decisão, juntamente com o treinamento da própria
ação motora.

Exemplo:

• Observar a posição da seta e efetuar um disparo


em alvo de 4 cores, na cor com a qual a seta se
liga;
• Escanear número ou letra específica e efetuar
disparo de acordo com a presença de figura rela-
cionada com ameaça letal na parte superior es-
querda do círculo;

Escanear número ou letra específica e realizar dis-


paro com arma longa ou curta, a depender da figura en-
contrada na parte superior direita do círculo;

• Observar o algarismo romano que consta na


ponta inferior esquerda do triângulo interno
(que corresponde às posições de tiro com arma
curta) e realizar a posição;
• Escanear um número ou letra pedida e realizar
disparo com arma curta ou longa, de acordo com a figu-
ra que consta no canto superior direito (realizando tran-
sição quando necessário)

195
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

O mais importante no uso do banner é compreen-


der a natureza dos treinos, a ponto de você mesmo po-
der criar os exercícios de acordo com os elementos
gráficos presentes, objetivando sempre treinos diferen-
tes para que o cérebro não estabeleça uma rotina e seja
sempre forçado a identificar, selecionar e processar in-
formações para tomada de decisão, aumentando, dessa
forma, a habilidade do operador em ler cenários e rea-
gir de maneira precisa.
Dentro da estrutura de 4 etapas do treino tático, o
Banner se encaixa predominantemente na etapa de trei-
no cognitivo, apesar de trabalhar e ajudar a desenvolver
programas motores em certa intensidade. Compreender
que ele não configura uma metodologia independente
de qualificação operacional é fundamental para não ig-
norar sua importância. Muita gente pode olhar e ser in-
crédulo quanto à capacidade de um banner poder aju-
dar no treinamento de um profissional de segurança
pública, como se a proposta fosse de um banner trans-

196
Irlan Massai Calaça dos Santos

formar alguém em policial. Ele, definitivamente, não


faz isso. Ele é uma ferramenta que, dentro de uma es-
trutura de capacitação planejada, irá contribuir na capa-
cidade de percepção visual, aplicação de programas
motores com demandas cognitivas e como forma de
avaliação de questões diversas da atuação tática. É uma
ferramenta que entendo como promissora e que tem
muito ainda para ser explorada em pesquisa com os
profissionais da área policial.

197
D
esenvolver uma habilidade demanda treina-
mento, seja ela qual for. Quando essas habili-
dades estão relacionadas ao uso da força e ma-
nuseio de armas de fogo, a questão do treinamento se
torna potencialmente mais complexa. Complicada pelo
fato de que o treinamento serve para nos preparar para
usar a habilidade quando ela for necessária e isso impli-
ca que possamos treinar da forma como iremos atuar.
Conforme definição de Garcia:

“[...] simular o combate significa criar um


ambiente semelhante ao do combate real em
que um combatente individual ou o estado-
maior de uma tropa ou uma tropa como um
todo ou várias perfazem as missões inerentes
a suas funções, interagindo com adversários
reais ou representações computadorizadas.”
(2005, p.25)

Ao se fazer esse treino com armas de fogo será ex-


tremamente perigoso, para dizer o mínimo.
Quando se trata de jogar vôlei, por exemplo, não se
verifica maiores problemas, pois é possível treinar as ha-
bilidades de sacar, defender e bloquear de maneira sepa-
rada e depois fazer jogos amistosos que irão nos preparar
para uma competição real. Já quando se treina a fim de
sobreviver em um confronto armado, não é possível si-
mular essa disputa com armas e munição de verdade.

200
Irlan Massai Calaça dos Santos

Além do mais, uma bola de vôlei não custa assim tão


caro e pode servir por vários anos. O disparo com uma
arma de fogo é algo relativamente caro e em muitas insti-
tuições acaba se tornando um recurso escasso.
Por esses motivos, a utilização de diversas ferramen-
tas para auxiliar o treinamento com armas de fogo vem
ganhando grande importância no contexto da capacitação
policial, tendo em vista que possibilitam o treinamento
com menor custo, maior segurança e maior correspon-
dência com a realidade, além de permitir contemplar
questões do treino que seriam impossíveis com uso de ar-
mas e munição real. A proposta desse texto é elencar as
principais ferramentas da atualidade, relacionando seus
objetivos, vantagens e limitações para o treinamento, ser-
vindo de orientação para alunos e instrutores quanto às
possibilidades de utilização desse tipo de material.

Munição inerte

Também chamado de
munição de manejo, snapcap
ou dummie, esse acessório é
fundamental para o treina-
mento em seco com arma de
fogo (chamamos de treina-
mento em seco quando não
utilizamos munição real), ape-
Munição inerte fabricada pela
NOBULLET
201
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

sar de também ser possível sua utilização durante treinos


com disparos reais.
Esse acessório possui diversas funções, entre elas a
de possibilitar o manuseio da arma de fogo como se esti-
vesse com munição real, possibilitando o treino de habili-
dades como municiar, alimentar e carregar a arma, ou
ainda reproduzir ocorrências de mau funcionamento da
arma sem o risco de um disparo acidental.
A maioria das empresas que produzem esse tipo
de munição colocam no lugar da espoleta algum tipo de
borracha densa ou metal associado a uma mola tensio-
nada, com objetivo de recepcionar o impacto do percus-
sor, atendendo aos anseios daqueles que acreditam que
o disparo em seco (com o percursor batendo no vazio)
diminui sensivelmente a vida útil da peça.
Durante os treinamentos reais de tiro, a utiliza-
ção da munição inerte associada aos cartuchos reais é
extremamente eficaz para simular a ocorrência de pane
na arma, visando um treinamento mais realista no es-
tande de tiro.

202
Irlan Massai Calaça dos Santos

Munição Laser

Esse acessório tem


o funcionamento muito
parecido com a muni-
ção inerte, com o adici-
onal de fornecer um
feedback visual do dis-
paro. No lugar da es-
poleta tem um botão
que aciona o laser que
está no lugar do pro-
Munição laser produzida pela Laserammo
jétil, simulando assim o
ponto de impacto do disparo.
É fantástica a versatilidade para o uso desse materi-
al. Pode ser utilizado apenas para dar uma noção do ponto
de impacto dos disparos durante o treino em seco e esse
feedback pode ser aumentado associando a munição laser
com um alvo que identifique e pontue esses disparos.
Algumas empresas fornecem softwares para celular
que registra o alvo através da câmera e identifica o ponto
de impacto dos disparos, como em um simulador virtual,
mas que utiliza a arma real do usuário. Esse tipo de muni-
ção (com versões que utilizam laser infravermelho no lu-
gar do laser visível) pode ser utilizada também em con-
junto com coletes que detectam o disparo no corpo, possi-
bilitando simulações de confronto armado.

203
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Dessa forma, a munição de laser pode ser utilizada


desde o treinamento de fundamentos do tiro, passando
pelos treinos cognitivos e de simulação de realidade,
melhorando o feedback dos exercícios, diminuindo sensi-
velmente os custos e possibilitando exercícios realistas
com segurança.

Barrelplug

Notícia de acidente com arma de fogo durante trei-


namento infelizmente não é algo raro. Na maioria das
vezes ocorre por negligência dos envolvidos, que não
cobram/praticam a correta execução dos protocolos de
segurança e acabam possibilitando que uma arma mu-
niciada seja utilizada em exercício que deveria ser reali-
zado em seco.
Em virtude dis-
so, alguns acessórios
são desenvolvidos
justamente para ga-
rantir a segurança
das instruções e im-
possibilitar que ar-
mas disparem de
forma indevida.
BarrelPlug vendido pela Combat Trauma
Esse é o caso do

204
Irlan Massai Calaça dos Santos

Barrelplug. Trata-se de um tubo que é encaixado no


cano da arma e que o obstrui completamente, funcio-
nando ainda como uma munição de manejo para preen-
cher a câmara e proteger o percussor da arma. Uma
parte do tubo fica passando da boca do cano do arma-
mento, com objetivo de tornar visível para quem estiver
em volta e deixar claro que a arma está desmuniciada e
impossibilitada de disparar munição real.
Com a utilização desse acessório, a missão do ins-
trutor fica muito mais fácil em garantir a segurança do
treinamento e evita a sensação desagradável para qual-
quer um em ver uma arma de fogo real sendo apontada
para outra pessoa (em geral isso é um comportamento
inadequado. No entanto, em alguns contextos de instru-
ção e de simulação, precisará ser feito).

Blueguns

Em alguns ti-
pos de treinamento,
que não precisam
do manuseio funci-
onal do armamento
(trocar carregado-
res, disparar, movi-
mentar o ferrolho),
Modelo de glock comercializada pela Blueguns Store
é ainda mais seguro

205
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

e barato a utilização de simulacros ao invés de armas de


fogo de verdade.
Seguindo nessa linha, deve-se considerar a utiliza-
ção das blueguns, as quais são réplicas feitas em polí-
mero de cor azul, apesar de existirem também as Red-
guns que são vermelhas, o objetivo é o mesmo. Com
uso de blueguns o instrutor torna impossível a ocorrên-
cia de um disparo acidental, uma vez que as armas não
são de verdade, além de evitar outro problema em ca-
pacitações dessa natureza que é a indisponibilidade de
armamento em quantidade suficiente para os treina-
mentos, que muitas vezes faz com que certas habilida-
des como abordagem policial, técnica individual e pro-
gressão em ambiente de risco sejam treinadas sem uso
de arma nenhuma.
Para os primeiros contatos em instrução com armas
também é interessante utilizar essa ferramenta. A ques-
tão da cor azul (também adotada de maneira geral
como a cor para acessórios exclusivos de treinamento) é
usada para comunicar de maneira instantânea que o ar-
mamento que está sendo utilizado é projetado para o
ambiente de instrução, aumentando assim a eficácia do
controle de segurança por parte dos instrutores e dos
próprios alunos.
Exemplifico: quando eu estava na academia de Po-
lícia Militar, fazíamos os treinamentos de abordagem
utilizando revolver calibre 38, pois o instrutor poderia

206
Irlan Massai Calaça dos Santos

colocar estojos apenas com espoleta para poder dar al-


gum realismo nas simulações. Na rotina da Academia
de Polícia, além das aulas, nós também tínhamos postos
de serviço em que os alunos se revezavam em escalas e
cumpriam funções de fiscalização, que a partir do se-
gundo ano de curso eram com uso de arma de fogo, o
mesmo revólver utilizado na instrução, porém com mu-
nição real. Em uma dessas instruções, um aluno que es-
tava de serviço no dia (com arma municiada) foi seleci-
onado para participar de uma das simulações.
Quando ele estava entrando na viatura, outro aluno
suspeitou que ele pudesse estar com munição real e per-
guntou ao mesmo para confirmar. O aluno falou que es-
tava de acordo com o que o instrutor havia determinado.
O colega insistiu então que ele mostrasse que a munição
não era real. Quando o aluno abriu o tambor e pressio-
nou o extrator, viu que a munição da arma era real.
Nesse dia evitou-se uma tragédia. Em outros lo-
cais no Brasil e em outros países, a tragédia aconteceu. A
diferença está nas ferramentas que se utiliza para instru-
ção e na fiscalização dos procedimentos de segurança,
tanto por parte do instrutor quanto por parte dos alunos.

207
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Paintball

O treinamen-
to de ações polici-
ais demanda a re-
solução de um
problema muito
simples de enten-
der, mas muito di-
fícil de solucionar
de forma adequa-
da: não podemos
treinar confronto
Pistola de Paintball comercializada pela UMAREX armado com mu-
nição real, em contrapartida é fundamental buscar con-
dições similares às do evento real, tais como dinamis-
mo, estresse pelo medo de sentir dor, ou o déficit cogni-
tivo tão peculiar das situações de combate. Várias solu-
ções foram propostas e são utilizadas até hoje em várias
metodologias de treinamento, e uma delas é o paintball.
Basicamente, trata-se de uma arma que dispara bolas de
tinta (também pode ser de talco ou de água) com a pro-
pulsão feita por ar comprimido.

208
Irlan Massai Calaça dos Santos

Vantagens

O uso dessa ferramenta possibilita a realização de


treinamentos do tipo force-on-force (Murray, 2004), os
quais consistem na interação entre pessoas nos papéis
de Policial, infrator e cidadão não infrator. A arma irá
disparar bolas de tinta, talco ou água, que causam dor,
sem objetivo letal ( seguro com uso de equipamentos de
proteção como máscara, protetor dorsal e da área geni-
tal). Isso possibilita a inclusão de alguns fatores estres-
sores importantes para o treinamento de ações policiais,
tais como: dor, ambiguidade da tarefa, pressão por per-
formance, demandas de coordenação e ameaça (Wol-
lert, 2018). É possível então treinar com baixo custo e de
forma segura, possibilitando grande nível de realismo
para avaliação de competências atitudinais e procedi-
mentais (Ministério da Justica, 2014).

Desvantagens

Uma das problemáticas do uso de marcadores de


paintball no treinamento policial é que o aluno estará
usando uma arma que não funciona exatamente como a
arma real. Em geral será de modelo diferente, mecanis-
mo de funcionamento diferente e peso diferente, provo-
cando a necessidade inclusive de procedimentos distin-

209
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

tos para solução de panes, recarga e outras necessida-


des vinculadas ao seu uso.
Usei o termo “em geral”, pois isso depende do tipo
de marcador (nome que se dá para arma de paintball)
que a instituição irá comprar, visto que existem hoje
marcadores feitos especificamente para treinamento po-
licial que simulam o modelo, funcionamento, peso do
gatilho e até a quantidade de munição com a qual a
arma real pode trabalhar, aumentando o realismo e
aproximando mais ainda o aluno das fricções específi-
cas da atividade (Grossman, 2017). Caso o marcador
utilizado exija procedimentos muito distintos de manu-
seio, o treinamento estará desenvolvendo uma memória
procedimental (Lefrançois, 2019) inadequada, causando
assim o que se chama de cicatriz de treinamento (Gross-
man, 2017).
Outra desvantagem muito comum para quase to-
das as ferramentas de treinamento que simulam arma
de fogo é a falta de correspondência balística, no que se
refere a alcance e trajetória. O projétil de tinta sai do
marcador em velocidade muito inferior ao da arma real,
possuindo também um formato totalmente diferente e
consequentemente um desempenho de voo muito dis-
tinto, fazendo com que simulações de confrontos em
distâncias grandes não funcionem muito bem.
Ainda sobre balística, é interessante salientar que o
uso desse tipo de ferramenta pode induzir alguns com-

210
Irlan Massai Calaça dos Santos

portamentos táticos perigosos, como a má interpretação


do que pode ser utilizado como abrigo. Para se proteger
de um disparo de paintball, sabe-se que ficar atrás de
uma porta de madeira já basta, porém, ao se treinar a
fim de sobreviver em um confronto armado real, veri-
fica-se que essa não seria uma ideia adequada. É neces-
sário ficar atento em todas essas questões para tirar me-
lhor proveito do recurso de treino.

Airsoft

Surgido em meados dos anos 1970, no Japão, o air-


soft é uma ferramenta de treino com proposta bem si-
milar ao paintball, porém ao invés de disparar bolas de
tinta, dispara pequenas esferas de plástico, também co-
nhecidas como BB’s (sigla para Ball-bearing). Tornou-se
popular, visto que sua aparência externa era idêntica às
armas de fogo reais, sendo um atrativo muito grande
em países com controle rígido de venda de armas, como
o próprio Japão.
O funcionamento das armas de airsoft em geral
pode ser de três formas: spring, gás ou elétrica.

211
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Para o realis-
mo do treinamento
tático, as mais inte-
ressantes são as ar-
mas a gás, pois
possibilitam a si-
mulação do recuo
(mesmo que em in-
tensidade muito
menor) e possibili-
Arma de airsoft produzida pela UMAREX
tam o manuseio
em condições idênticas às armas reais. Alguns modelos
elétricos também simulam o recuo em armas longas.
Para o treinamento tático, valem as mesmas con-
siderações feitas para o paintball. O nível de realismo
vai estar quase sempre relacionado com o tipo de equi-
pamento adquirido (e isso reflete no preço).

Vantagens

Uma grande vantagem seria o menor custo para o


treinamento, pois as esferas plásticas custam menos que
as de tinta e duram mais tempo. Outra grande vanta-
gem é a necessidade de menos equipamento de prote-
ção para garantir a integridade física dos usuários (na
maioria das vezes apenas óculos de proteção já bastam).
Isso é importante, haja vista que em outras ferramentas

212
Irlan Massai Calaça dos Santos

existe a necessidade do uso de capacetes e isso não per-


mite a interpretação de expressões faciais, algo de gran-
de importância para avaliar intenções violentas em in-
divíduos suspeitos.

Desvantagens

O airsoft não marca onde o disparo acertou. Isso é


importante para avaliar a eficácia das técnicas aplicadas
com maior facilidade pelo instrutor. Outra desvanta-
gem dessa ferramenta, da mesma forma que o paintball,
é que o aluno não estará utilizando uma arma real, en-
tão as diferenças no manuseio podem dificultar o pro-
cesso de transferência e generalização do treinamento.

SIMUNITION/UTM

Quando o as-
sunto é simular um
confronto armado,
chegamos a uma das
melhores ferramen-
tas para treino. Si-
munition e UTM são
empresas que desen-
Munições de treinamento fabricadas pela volvem munição es-
empresa Simunition pecífica para essa fi-

213
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

nalidade. A primeira, e pioneira, é canadense e a segunda


é dos EUA. Essas empresas desenvolveram uma forma de
disparar munição não letal (projeteis de tinta, água, talco)
a partir da arma de fogo real, com algumas adaptações
simples.
O cartucho é muito parecido com os letais, pois possui
espoleta, estojo, carga de pólvora, diferindo apenas no pro-
jétil, que é feito com materiais não letais. A conversão é fei-
ta com um kit vendido pelas empresas que substituem a
mola recuperadora e o cano da arma real. Algumas fabri-
cantes de arma já possuem modelos específicos para uso
com essas munições, como é o caso da Glock.

Modelo fabricado pela Glock para ser utilizado com munição


específica para treinamento

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Irlan Massai Calaça dos Santos

Vantagens

Com uso de Simunition ou UTM, o operador estará


utilizando a arma real e não haverá diferença no manu-
seio. O disparo terá som parecido com o disparo real
(com menor intensidade, visto que a carga de pólvora é
menor), a arma irá ciclar e até panes poderão ocorrer,
da mesma forma que poderia ser no confronto verda-
deiro. Isso aumenta a fidelidade do treinamento para
um nível quase ideal.

Desvantagens

Como no airsoft e paintball, a distância acaba sendo


um limitador, pois em geral (varia de acordo com o tipo
de munição) os disparos não devem ser feitos em dis-
tâncias muito curtas, mas também não possuem eficácia
em distâncias muito longas (disparos em distâncias
maiores que 20 metros já não são eficazes), e isso limita
a construção de cenários de treinamento. Outra desvan-
tagem é que essa ferramenta demanda o uso de alguns
itens de segurança como máscara, proteção dorsal e de
genitais, fato que também tira um pouco a fidelidade
do treinamento.

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Simuladores Virtuais

Com o de-
senvolvi-
mento da
tecnologia
de realida-
de virtual,
soluções
para o trei-
namento
policial já
Simulador virtual de tiro implementado no RJ
Foto: Thamine Leta/G1 vêm sen-
do utiliza-
das em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
Em algumas polícias brasileiras (Polícia Militar da
Bahia, por exemplo) já existem simuladores onde o po-
licial pode treinar tiro como se estivesse em um estande
comum, ou então treinar elementos de tomada de deci-
são, diferenciando agressores de não agressores e de
forma dinâmica, sem gastar munição real.
O princípio de funcionamento desses simuladores
é variado (assim como os preços, que vão de alguns mi-
lhares de reais até alguns milhões) e pode utilizar ar-
mas reais com sistemas pneumáticos acoplados, proje-
tores de mídia, sensores laser e até óculos de realidade

216
Irlan Massai Calaça dos Santos

virtual. Existem também versões desenvolvidas para o


policial ou cidadão armado que deseja treinar em casa,
com soluções mais simples que podem ser instaladas
em um quarto, por exemplo.

Vantagens

Pode reduzir sensivelmente o custo com a qualifi-


cação para o uso de armas de fogo e para o uso diferen-
ciado da força. Permite o treinamento com cenários que
seriam caros de se construir de maneira física (casas,
prédios, escolas, restaurantes) e que podem ser feitos
através de simulação de vídeo em um ambiente relati-
vamente pequeno.

Desvantagens

Escolher o sistema adequado para a instituição é


extremamente complexo, pois existem soluções muito
diferentes entre si e que irão apresentar problemas tam-
bém muito diferentes. O investimento inicial é alto e
pode vir a ser frustrante se a empresa ou instituição po-
licial não pensar em contratos de manutenção adequa-
dos para manter o simulador em uso. Para o emprego
particular ainda possui preço proibitivo.

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

Simuladores híbridos

O objetivo de todo simulador é fornecer o maior re-


alismo possível, seja em suas características físicas ou
psicológicas. Uma problemática comum do treinamento
policial, e que já foi comentada aqui, é que não dá para
simular confronto armado com tiro real. Os simulado-
res convencionais em geral utilizam armas com disposi-
tivo laser e até acessórios pneumáticos que reproduzem
o recuo provocado pelo disparo. Sempre existem limita-
ções quanto ao tamanho da tela utilizada para projeção,
dispositivos instalados na arma que impedem o manu-
seio que seria comum para o tipo de equipamento, ou
então o fato de treinar com uma arma que não será a
utilizada na atividade.
Bem, a proposta dos simuladores híbridos é tornar
possível a simulação de confronto armado com tiro real.
O princípio é o mesmo de um simulador convencional.
Será projetado um cenário em uma tela e o usuário inte-
rage com essa projeção, exercitando sua consciência si-
tuacional, tomada de decisão e ação. A diferença é que
a tela nesse caso é própria para receber disparos reais.
Ela é feita com um polímero específico que ao receber o
disparo fica com sua superfície quase inalterada (lógico
que ela precisa estar à frente de um anteparo balístico,
pois a tela não segura esses projéteis).
Sensores irão identificar os locais dos disparos e re-
gistrar para análise posterior da ação simulada, da mes-

218
Irlan Massai Calaça dos Santos

ma forma que ocorrem com as soluções que utilizam la-


ser visível ou infravermelho.

Vantagens

Com a utilização da arma real e munição real a fi-


delidade física da simulação fica muito maior, permitin-
do exercitar inclusive panes, recargas e outros procedi-
mentos, sem risco de desenvolver maus hábitos de trei-
namento (as chamadas cicatrizes). O usuário não preci-
sará ficar atrelado a cabos para simular recuo e nem ins-
talar nenhum tipo de dispositivo no armamento. Isso
simplifica a utilização e melhora a imersão.
Além disso, a fidelidade psicológica da simulação
também fica aprimorada, pois características sensoriais
específicas da atuação com arma de fogo (cheiro de pól-
vora, pico sonoro, intensidade de recuo, flash visual)
são reproduzidas com exatidão. Isso é importante no re-
gistro de memória de longo prazo, que estabelece vín-
culos com mais áreas corticais e muito provavelmente
resulta em aprendizagem mais eficiente.

Desvantagens

A primeira é bem obvia: o risco. Com tiro real, o


risco de letalidade também é real. Para tanto, exige mai-

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Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

or nível de supervisão e orientação antes da utilização.


Mesmo que os disparos sejam realizados em uma proje-
ção em tela o risco existe pelo simples fato de tratar-se
da utilização de arma de fogo. A segunda é o custo as-
sociado à utilização, pois demanda investimento no
equipamento e investimento constante na munição.
Falo isso principalmente devido à realidade das insti-
tuições brasileiras, que frequentemente colocam como
maior vantagem do simulador o baixo custo de treina-
mento e não a possibilidade de reproduzir habilidades
que seriam impossíveis no treinamento convencional.
Com um dispositivo eletrônico você pode atirar um mi-
lhão de vezes apenas com gasto de energia elétrica. Um
simulador que aceite disparos reais também gera maior
custo de utilização, além do fato que a tela especial não
dura para sempre. Um dos fabricantes alega vida útil
estimada em 50 mil disparos.

Alvos eletrônicos

Um dos problemas vivenciados por quem faz trei-


namento de tiro em seco é a falta de feedback dos dispa-
ros. Não saber onde os disparos estariam atingindo no
alvo é um fator que retarda o aprendizado, uma vez
que esse é o principal parâmetro que define se a habili-
dade foi bem executada ou não (a meta ambiental de
quem treina tiro é acertar o alvo).

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Irlan Massai Calaça dos Santos

Alvo eletrônico vendido pela empresa Laser ammo

Para aqueles que querem otimizar o treinamento


em seco, uma opção é a aquisição de um sistema de al-
vos eletrônicos, que pode utilizar a arma real do opera-
dor ou armas específicas para treinamento. A maioria
dos modelos de alvo eletrônico disponíveis no mercado
exige que o operador utilize uma munição específica
que emitirá laser visível ou infravermelho (falamos so-
bre essa munição no início desse artigo) no momento
do disparo, que será captado pelo alvo e o mesmo po-
derá ofertar o feedback ao usuário, o qual saberá por
meio de luzes ou de som se o alvo foi atingido.
Isso torna o treinamento em seco muito mais diver-
tido e eficiente, reduzindo custos do treinamento.
Outro modelo de alvo eletrônico é esse da imagem
a seguir, que serve para utilização com armas de airsoft.
Ele funciona identificando o impacto da esfera de
plástico na placa de metal, que registra o disparo mu-
dando de cor ou apagando. Por meio de uma central o
operador pode escolher entre diversos modos de treino,

221
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

com opções
em que o alvo se
desliga com apenas
um disparo ou com
até 5 disparos, tor-
nando a situação
mais condizente
com um confronto
armado real. Exis-
tem também op-
ções em que os al-
vos acendem de
Alvo eletrônico vendido pela empresa RealFake forma aleatória,
exigindo do usuário um escaneamento constante em
busca de novos alvos.

Vantagens

A principal delas é a redução de custo em compara-


ção com o treinamento utilizando munição real. Compa-
rando com o próprio treino em seco sem alvo eletrônico,
a principal vantagem é a entrega de feedback para o usuá-
rio, o que acelera o processo de aprendizado.

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Irlan Massai Calaça dos Santos

Desvantagens

Investimento ainda relativamente alto, pois quase a


totalidade dos alvos eletrônicos disponíveis no mercado
são de fabricação americana e boa parte deles não é
nem vendido no Brasil. Os que chegam aqui são vendi-
dos com preços muito altos que afastam uma boa parce-
la dos atiradores.
O objetivo aqui não é fornecer uma lista completa
das ferramentas disponíveis para treinamento tático e
de uso de armas de fogo sem munição real, mas tão so-
mente apresentar as principais e comentar sobre sua
utilização e minha experiência de instrução com elas. É
importante lembrar que as ferramentas e acessórios de
treino devem fazer parte de um programa de capacita-
ção adequado para as necessidades do operador e não
devem ser utilizadas de forma aleatória, visto que isso
pode ocasionar o efeito contrário do pretendido.

223
225
F
izemos um bom caminho até aqui. Falamos lá no
início sobre como o adulto é singular em sua ma-
neira de aprender e que isso se reflete no treina-
mento tático. Exigimos o tempo todo uma prova de que
algo servirá para nossa vida antes de aceitarmos querer
aprender. O desenrolar desse livro foi meio que isso.
Procurei trazer os conceitos da ciência para explicar fe-
nômenos da realidade do profissional de segurança pú-
blica, que muitas vezes faz o certo sem entender os moti-
vos ou então faz o errado acreditando que não existe ou-
tra forma de fazer.
Através do conceito de mentalidade tática policial,
que traz uma visão generalista do que é necessário para
ser mais eficiente nas ações operacionais dentro e fora
de serviço, procurei destrinchar cada detalhe que se re-
laciona com o conceito e mostrar que os problemas que
vivemos hoje em uma ocorrência policial simples ou em
um confronto armado são questões que já foram ampla-
mente estudadas, algumas vezes diretamente por poli-
ciais que tiveram as mesmas indagações, outras vezes
em outras áreas do conhecimento como a psicologia, fi-
losofia, medicina. Trazer esses conceitos para a ativida-
de policial não é tarefa que pode ser feita por qualquer
um, pelos motivos que falei no início. Como alguém
que não vive a realidade policial pode definir o que é
importante para essa atividade? Sim, o adulto sempre
avalia quem está falando antes de ouvir de fato o que
ele tem a dizer. Se isso está correto não sei afirmar, mas

226
Irlan Massai Calaça dos Santos

é o que acontece. Na verdade, acontece em diversos


grupos e sociedades.
Após falar sobre tomada de decisão, influência do
estresse, características do confronto armado, importân-
cia da simplicidade nos procedimentos, aprendizagem
e desenvolvimento motor, iniciamos uma discussão so-
bre como está estruturado o treinamento tático em qual-
quer tipo de capacitação que a gente observe. As quatro
etapas do treinamento de alto rendimento são, na ver-
dade, a organização do que acontece (muitas vezes de
maneira desorganizada) nas instituições. Quando en-
tendemos essa estrutura, conseguimos avaliar melhor
os processos de ensino, entender por que algumas ins-
truções simplesmente não funcionam, técnicas não são
utilizadas e aulas inteiras são esquecidas da noite para
o dia. Entender a estrutura do treinamento torna o pro-
fissional capaz de treinar melhor sozinho e de avaliar a
qualidade do treinamento que é passado para ele.
Na parte final do livro mostrei exemplos de recursos
metodológicos para o treinamento que considero extrema-
mente importantes e também falei sobre ferramentas para
treinar melhor sozinho em casa ou no estande de tiro.
Para além de tudo isso, existem problemas que sin-
ceramente chamam bastante minha atenção e para os
quais não tenho ainda boas respostas para dar. Uma
série de preocupações sobre a formatação das instru-
ções, formas de avaliar desempenho e também de como

227
Mentalidade tática policial
& as quatro etapas do treinamento de alto rendimento

criar ferramentas que garantam a qualidade de proces-


sos de capacitação.
Adequar o treino com a realidade sempre foi o gran-
de desafio e continuará a ser por bastante tempo, por
mais que já existam ferramentas fantásticas auxiliando na
preparação de policiais ao redor do mundo. Hoje já exis-
tem óculos que fazem o mapeamento do olhar no usuário,
mostrando para onde ele direciona sua visão durante
uma ação de abordagem, por exemplo, ou durante um
confronto armado. Temos simuladores com utilização de
óculos de realidade virtual e temos até coletes que promo-
vem inoculação de estresse de forma programada ou en-
tão simulam a dor causada por disparo de arma de fogo
através de descargas elétricas.
Apesar desses ótimos recursos e das diversas teorias
e propostas de modelo de treinamento, continuo sem en-
tender definitivamente qual a carga horária ideal para ca-
pacitar alguém no uso da arma de fogo, por exemplo. Se é
possível estabelecer um parâmetro eficiente de avaliação
que compreenda não apenas aspectos da habilidade mo-
tora, mas também da capacidade atitudinal de utilizar
essa habilidade no contexto da ocorrência.
Quantos disparos alguém deve efetuar para ser
considerado um Policial habilitado para o serviço? Exis-
te um número para isso? Com quanto tempo longe dos
treinamentos esse mesmo policial deixa de estar habili-
tado? Qual o nível de interferência do estímulo estres-

228
Irlan Massai Calaça dos Santos

sor na habilidade motora? Essa interferência é parecida


em todas as pessoas? Existe um padrão de decaimento
da precisão nos disparos em virtude da proximidade da
ameaça? Como o acúmulo de ocorrências vividas por
um determinado policial interferem na maneira que ele
irá interpretar a próxima abordagem? Policiais devem
ser afastados do serviço após confrontos armados? Que
nível de proficiência a justiça deveria exigir de Policiais
para a avaliação da legalidade dos seus atos?
Percebam que todas as perguntas que acabei de fa-
zer devem estar sendo discutidas nesse exato momento
em diversos ambientes, como em salas de instrução, sa-
las de fóruns, de conselhos de segurança ou casas legis-
lativas. Talvez alguém tenha respostas. Eu tenho ape-
nas opiniões e muita curiosidade para pesquisar sobre
elas e quem sabe futuramente trazer para vocês. O fato
é que esse livro, no fim de tudo, traz mais perguntas do
que respostas, pois seria muita presunção achar que po-
deria esclarecer tudo sobre uma das atividades mais
complexas e perigosas do mundo: Ser Policial no Brasil.

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fonte de consulta:

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https://www.police1.com/
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https://www.fletc.gov/
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http://www.theppsc.org/
Site oficial do FBI
https://www.fbi.gov/
Site oficial do Departamento de Polícia de Los Angeles
http://www.lapdonline.org/
Blog do Campeão mundial de IPSC Jorge Ballesteros
https://jorgeballesteros.com/wp-
content/uploads/2017/02/PIRAMIDE-DE-ISOS-
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236
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