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Resumo
Este texto traz parte dos resultados de uma pesquisa, iniciada em 2011, sobre escolas
privadas de uma rede, que vem se expandindo como uma alternativa para as famílias de
uma nova classe média, e que se localizam em diversos bairros da zona norte e oeste da
cidade do Rio de Janeiro. Neste artigo, a proposta é a de analisar as concepções dos
gestores sobre o ensino de qualidade, o uso de sistema apostilado de ensino e as formas
de regulação adotadas sobre o trabalho dos professores. Os dados foram levantados a
partir de oito entrevistas com a equipe gestora e o proprietário da rede. Recorrendo a
uma literatura educacional que vem se debruçando sobre o impacto de grandes empresas
educacionais sobre a gestão de sistemas públicos de ensino na última década, o texto
acaba por problematizar uma lógica gerencialista que ganha força no mercado escolar,
caracterizada pela centralização do ensino baseado no uso de sistemas apostilados e com
sérios impactos sobre a autonomia do trabalho docente. Tais diretrizes didático-
pedagógicas adotadas pela rede investigada são associadas a fortes criticas a formação
de novos professores nos cursos de pedagogia e licenciatura e a necessidade de
direcionar o desenvolvimento de novas competências e habilidades nos docentes.
Observa-se que as lógicas de ação dos gestores são baseadas em suas concepções de
qualidade de ensino e na necessidade de adoção de estratégias de adaptação a
heterogeneidade de famílias atendidas com impacto decisivo sobre as diretrizes do
trabalho pedagógico. Mais do que uma instituição social, transmissora de valores e
articulada em torno de fins políticos-pedagógicos, as escolas investigadas apoiam-se em
uma política de resultados tendo em vista a aprovação no ENEM e nas tecnologias da
comunicação e informação.
Introdução
Assistimos nas últimas décadas ao aparecimento de grandes empresas
educacionais voltadas para o ensino superior e educação básica. Originárias de cursinhos
pré-vestibulares bem sucedidos, que conseguiram aprovar parte de seus alunos em
cursos superiores, essas instituições ampliaram-se por vários estados do Brasil por meio
de franquias para redes privadas (Adrião, Garcia, Borgui e Arelaro, 2009).
Paralelamente a esse novo tipo de empreendimento educacional, vimos o
aparecimento em algumas capitais brasileiras das chamadas “escolas privadas em rede”
da Educação Básica. No caso da cidade do Rio de Janeiro, em entrevista com
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modelo único para toda rede, a partir deste Planejamento, também pela diretoria de
ensino e por um conjunto de professores representantes. Estas provas são aplicadas nos
mesmos dias nas escolas da rede, sendo motivo de tensão para os professores que
precisam dar conta das competências e habilidades a serem trabalhadas nos prazos pré-
fixados pelo Planejamento Anual.
Para Almeida (2006), a política de resultados atingiu o tempo que estrutura e
direciona o trabalho docente. Segundo a autora, a escassez do tempo e seu controle, no
caso das reformas paulistas, levaram a uma situação de fragilidade do trabalho, pois o
pouco tempo disponível pelos professores passou a ser utilizado na realização das
tarefas determinadas externamente. Diz a autora:
Cada vez mais o tempo é escasso e as instâncias administrativas, na
busca da racionalidade da escola, tendem a controlá-lo, induzindo os
professores a utilizá-los para realizar as tarefas estabelecidas
centralmente, em vez de empregá-lo para satisfazer suas necessidades
e alcançar seus próprios objetivos (ALMEIDA, 2006, p.7)
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a proposta apresentada pela rede, como retorno, aulas mais criativas, agradáveis e
dinâmicas. Ou seja, o que é valorizado e priorizado em termos dos processos de ensinar,
pelo menos no plano do discurso, é levar o aluno a aprender a aprender, devendo o
professor se desinstalar de velhas fórmulas de transmissão do conhecimento,
consagradas há décadas pela cultura escolar.
Uma hipótese para a resistência e dificuldade em operar com o sistema
apostilado foi colocada pelos gestores sobre a má qualidade da formação do professor
nos cursos de pedagogia e licenciatura. Segundo os entrevistados, a formação é
essencialmente teórica em detrimento da prática, impedindo o desenvolvimento de
competências e habilidades necessárias a esse novo aluno do século XXI. Diante desta
forte a crítica à formação pedagógica dos professores disponíveis no mercado, os
gestores chegaram a declarar a falta que o curso normal faz na formação dos novos
docentes para a prática.
Assim, o uso do sistema apostilado associado a outras ações normativas da
própria escola, como acompanhamento dos planos de aulas, prova única, acesso ao
portal, cumprimento de cronograma e controle dos resultados justificam a busca da
qualidade de ensino dada a fragilidade da formação dos professores de hoje. Para o
conjunto dos entrevistados a formação inicial não está atualmente capacitando os
professores para o mundo da sala de aula, seja do ponto de vista do domínio de
conhecimentos e competências, seja do ponto de vista dos procedimentos didáticos,
gestão da classe. As fortes críticas feitas à universidade e instituições isoladas,
independente de sua posição no mercado do ensino superior, levam os gestores a
admitirem a dificuldade de encontrarem hoje bons professores já que os concursos para
as redes municipais e estaduais absorvem anualmente uma parcela do professorado
recém-formado.
Porém, se as percepções dos gestores exaltam a qualidade do material
pedagógico e a importância das tecnologias da comunicação para o melhoramento da
prática docente, a literatura no campo da Educação tem sido muito crítica a respeito da
natureza e conteúdo dos sistemas apostilados de ensino, como também sobre o impacto
no trabalho docente.
Uma crítica feita por professores de ensino médio de três municípios paulistas
pesquisados entre 2006 e 2008 foi colocada no fato de não terem voz, de não serem
sujeitos na elaboração das propostas que são implantadas nas escolas e serem
culpabilizados quando as medidas que chegam não saem a contento (FERNANDES,
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