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Didática e Prática de Ensino na relação com a Formação de Professores

ESCOLA PRIVADA DE REDE: CONCEPÇÕES DE QUALIDADE E O


IMPACTO SOBRE O TRABALHO DOCENTE

Isabel Lelis, PUC-RJ


Silvana Mesquita, PUC-RJ

Resumo
Este texto traz parte dos resultados de uma pesquisa, iniciada em 2011, sobre escolas
privadas de uma rede, que vem se expandindo como uma alternativa para as famílias de
uma nova classe média, e que se localizam em diversos bairros da zona norte e oeste da
cidade do Rio de Janeiro. Neste artigo, a proposta é a de analisar as concepções dos
gestores sobre o ensino de qualidade, o uso de sistema apostilado de ensino e as formas
de regulação adotadas sobre o trabalho dos professores. Os dados foram levantados a
partir de oito entrevistas com a equipe gestora e o proprietário da rede. Recorrendo a
uma literatura educacional que vem se debruçando sobre o impacto de grandes empresas
educacionais sobre a gestão de sistemas públicos de ensino na última década, o texto
acaba por problematizar uma lógica gerencialista que ganha força no mercado escolar,
caracterizada pela centralização do ensino baseado no uso de sistemas apostilados e com
sérios impactos sobre a autonomia do trabalho docente. Tais diretrizes didático-
pedagógicas adotadas pela rede investigada são associadas a fortes criticas a formação
de novos professores nos cursos de pedagogia e licenciatura e a necessidade de
direcionar o desenvolvimento de novas competências e habilidades nos docentes.
Observa-se que as lógicas de ação dos gestores são baseadas em suas concepções de
qualidade de ensino e na necessidade de adoção de estratégias de adaptação a
heterogeneidade de famílias atendidas com impacto decisivo sobre as diretrizes do
trabalho pedagógico. Mais do que uma instituição social, transmissora de valores e
articulada em torno de fins políticos-pedagógicos, as escolas investigadas apoiam-se em
uma política de resultados tendo em vista a aprovação no ENEM e nas tecnologias da
comunicação e informação.

Palavras-Chaves: Escola privada - Sistema apostilado - Trabalho docente

Introdução
Assistimos nas últimas décadas ao aparecimento de grandes empresas
educacionais voltadas para o ensino superior e educação básica. Originárias de cursinhos
pré-vestibulares bem sucedidos, que conseguiram aprovar parte de seus alunos em
cursos superiores, essas instituições ampliaram-se por vários estados do Brasil por meio
de franquias para redes privadas (Adrião, Garcia, Borgui e Arelaro, 2009).
Paralelamente a esse novo tipo de empreendimento educacional, vimos o
aparecimento em algumas capitais brasileiras das chamadas “escolas privadas em rede”
da Educação Básica. No caso da cidade do Rio de Janeiro, em entrevista com

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Wanderley Quedo, presidente do SINPRO- Sindicato dos professores de escolas


privadas do Rio de Janeiro, as escolas em rede atendem as classes C, De E e apresentam
uma infraestrutura física, mas não garantem bons salários aos professores. São
instituições que compram sistemas apostilados de ensino e caracterizam-se pela busca
de produtividade e por uma política de resultados no ENEM (Exame Nacional de
Ensino Médio). Por se tratar de fenômeno que tem se desenvolvido principalmente nos
grandes centros urbanos, as escolas privadas de rede vem se expandindo como uma
alternativa para as famílias de uma nova classe média.
Esta chamada “nova classe média” , segundo estudos de Jessé de Souza (2011),
estrutura-se pela ascensão econômica de extratos mais baixos das camadas médias e
setores populares. São famílias que estudaram em escolas públicas, algumas cursaram
universidades privadas, são na maioria trabalhadores ou pequenos empresários, com
jornadas de trabalho, longas e pouco tempo para lazer. Objetivam melhores condições
de vida, privilegiando a aquisição de bens de consumo, mas os capitais econômico e
cultural são restritos e limitados. Podem ser nomeados como classe dos “batalhadores”
não definida apenas por variáveis de renda, pois não se trata de uma classe homogênea.
Esse extrato social é o grande responsável pelo extraordinário desenvolvimento
econômico brasileiro dos últimos anos que se deu, fundamentalmente, pela perspectiva
do mercado interno.
Este texto traz especificamente parte dos resultados de uma pesquisa, iniciada
em 2011, sobre uma rede privada de ensino constituída por dez escolas de educação
básica, localizadas em diversos bairros da zona norte e oeste da cidade do Rio de
Janeiro. Há cerca de oito anos, essa instituição adota um sistema de ensino, cuja
metodologia é constituída por uma série de materiais: livros, cadernos pedagógicos para
o professor e para os alunos, softwares, etc. Essa rede ainda recorre a um Portal digital,
via internet, com o objetivo de apoiar os professores no trabalho cotidiano. Todo esse
conjunto de ferramentas é usado da Educação Infantil ao Ensino Médio, de forma
centralizada.
O objetivo da pesquisa mais ampla foi realizar a análise sobre as representações
e práticas de docentes do ensino fundamental, com vistas a identificar o perfil sócio
econômico destes professores, suas práticas culturais, condições de trabalho e os habitus
profissionais, construídos ao longo de suas trajetórias. Recorrendo a entrevistas com
gestores, questionários aplicados aos professores, pais e alunos de quinto e nono ano do
ensino fundamental foi possível compreender a lógica de funcionamento da instituição,

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suas finalidades, e, principalmente, as disposições dos professores face às orientações


pedagógicas e à identidade da instituição com suas normas, regras, metodologias.
Para efeito desse texto, a proposta é analisar as concepções dos gestores sobre a
qualidade do ensino e as formas de regulação didático-pedagógicas adotadas sobre a
prática docente e os possíveis impactos sobre o desenvolvimento profissional. Foram
oito, as entrevistas realizadas com o proprietário e fundador da rede, com a supervisora
pedagógica geral da rede, além de dois diretores das duas unidades e as respectivas
coordenadoras pedagógicas de cada segmento do ensino fundamental. Todas feitas nas
próprias unidades escolares, incluindo a sede, o que permitiu incorporar na investigação
as observações dos diários de campo feitas pelos entrevistadores durante as visitas as
escolas.
Os roteiros das entrevistas privilegiaram o projeto pedagógico adotado, o
sistema de avaliação e as formas de gestão da rede de escolas com impacto sobre o
trabalho dos professores. Ao longo das entrevistas verificou-se nas falas dos
coordenadores, diretores e proprietário geral um consenso em relação aos objetivos da
instituição, às concepções sobre qualidade da educação e formas de regulação do
trabalho escolar.
Concepção de ensino de qualidade
Na percepção dos gestores, a rede Ribeirão (nome fictício) de ensino tem uma
história de sucesso e reconhecimento por sua qualidade de ensino. Sua expansão foi
explicada por um conjunto de fatores, como a crise da escola pública e o crescimento da
zona oeste e norte com a construção de grandes condomínios residenciais. A partir dos
anos de 1990, com intuito de atender a um novo público escolar heterogêneo do ponto
de vista do nível socioeconômico e cultural, o grupo adotou a compra de sistemas
apostilados de ensino, além da oferta de bolsas de estudo e um forte investimento em
marketing junto aos pais dos alunos. Todas essas características evidenciam um forte
perfil camaleão, como marca da gestão da rede, pois as ações da escola são orientadas
por um constante processo de adaptação às mudanças sociais e necessidades do público
que atende.
Os gestores deixaram claro que a escola busca ser reconhecida como símbolo de
qualidade e sucesso e para isso adota uma série de estratégias de marketing. Logo ao
entrarmos nas duas escolas investigadas percebemos a preocupação em criar padrões
entre as escolas da rede no que se refere à sua estrutura física. Seria a busca por uma
marca institucional, uma espécie de selo de qualidade. Do ponto de vista do espaço

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escolar, as escolas adotam uma arquitetura semelhante em relação ao acabamento dos


prédios, cor e infraestrutura oferecida.
Nas duas escolas investigadas, consideradas como boas referências de qualidade
em seus bairros, as salas são amplas e bem equipadas, climatizadas, com quadros
brancos, salas temáticas (História e Geografia), laboratórios de ciências e informática,
funcionando e em ótimo estado de conservação. Ambas possuem, ainda, uma série de
recursos multimídias como telas interativas, mesas digitais para atividades de
aprendizagem da leitura e escrita e da matemática.
Segundo os gestores, a preocupação em “investir em novas e modernas
instalações” são exigências da clientela que atendem hoje e da concepção de educação
de qualidade que se associa as inovações didático-pedagógicas e a busca de bons
resultados escolares, principalmente no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). A
maioria das opiniões dos gestores reconhece a escola privada como uma alternativa de
qualidade a escola pública. O proprietário defende inclusive um modelo de
terceirização a ser adotado pelos governos, através do fornecimento de bolsas de
estudos em escolas privadas como alternativa de melhorar a qualidade do ensino
público.
Além do predomínio da perspectiva empresarial, visível na arquitetura das
escolas, na definição de uniformes diferenciados para funcionários, professores e
coordenadores pedagógicos e no empreendedorismo do grupo gestor, a qualidade da
educação é pretendida também através da modernização em relação às tecnologias da
comunicação, linguagens midiáticas, adoção de um sistema apostilado de ensino.
Sistema este baseado no uso de com material didático específico e de treinamento dos
professores, com vista a uniformização de suas práticas e conquista de bons resultados
unificados.
Referindo-se às reformas paulistas que adotaram sistemas apostilados,
comprados de grandes empresas educacionais, prática semelhante à da rede estudada
por nós, Fernandes (2010) alerta para o fato de que o ensino passou a seguir regras que
permitem atingir metas determinadas de maneira exógena, o que vem alterar,
profundamente, a relação do professor consigo mesmo e com seu próprio trabalho. Para
Ball (2004, p.5-6) “os professores são representados e encorajados a refletir sobre si
próprios, „acrescentam valor‟ a si próprios, aumentam a sua produtividade, vivem uma
existência baseada em cálculos, como indivíduos que fazem cálculos”. E continua, a
lógica da perfomatividade tem produzido novos perfis de trabalhadores, objetivando e

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mercantilizando o trabalho docente, que se transformou em busca por resultados, níveis


de desempenho, formas de qualidade.
Em uma das escolas pesquisadas, foram observados cartazes com a indicação
dos professores que mais utilizaram o Portal Digital adotado pela instituição em
determinado mês. Esse tipo de estratégia que tem como objetivo encorajar o uso dessa
ferramenta tecnológica, também, alimenta o sentimento de aprovação às práticas de
determinados professores, vistos como modelares, passando então o trabalho a
subordinar-se a relações contraditórias de cooperação/competição (Fernandes, op.cit).
Para Ball (2004, p.1117), a perfomatividade “encoraja as instituições a se
preocuparem cada vez mais com seu estilo, sua imagem, sua semiótica, com a maneira
como se apresentam as coisas mais do que como as fazem funcionar”.

A centralidade do sistema apostilado e a regulação da prática pedagógica


A rede Ribeirão utiliza-se a nove anos de um sistema apostilado de ensino que
inclui cadernos pedagógicos para professores e alunos da Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Ensino Médio. Esse recurso é elaborado por uma das maiores empresas
educacionais do país. A justificativa da equipe de gestores para a escolha desse sistema
está na necessidade de unificar o trabalho da rede e de manter a escola no topo das
avaliações externas, e com isso, preservar a qualidade de ensino na região.
Para Adrião, Garcia, Borcghi e Arelaro (2009, p.802), a compra do que se
dissemina como “sistema de ensino” representa mais do que a simples aquisição de
materiais didáticos. Trata-se de uma estratégia por meio do qual o setor privado amplia
seu mercado ao incidir sobre o setor público e redes de escolas privadas da Educação
Básica. Mais do que meras fornecedoras de materiais e equipamentos, passam a incidir
sobre o desenho da política educacional local e sobre a organização docente e
administrativa em cada uma das unidades de ensino, seja privada ou pública.
Na rede Ribeirão, esse sistema é incorporado por cada escola para a montagem
de um documento norteador, nomeado de Planejamento Anual, que consta do
cronograma semanal das aulas a serem dadas e das atividades pedagógicas que devem
ser desenvolvidas, incluindo os conteúdos, os exercícios, os materiais de apoio e os
projetos adotados para cada ano\série.
Este Planejamento Anual é utilizado como guia para todos os professores e
alunos das dez escolas, e elaborado pela diretoria de ensino da Rede e por um grupo
selecionado de professores. Para completar, a avaliação bimestral é organizada em

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modelo único para toda rede, a partir deste Planejamento, também pela diretoria de
ensino e por um conjunto de professores representantes. Estas provas são aplicadas nos
mesmos dias nas escolas da rede, sendo motivo de tensão para os professores que
precisam dar conta das competências e habilidades a serem trabalhadas nos prazos pré-
fixados pelo Planejamento Anual.
Para Almeida (2006), a política de resultados atingiu o tempo que estrutura e
direciona o trabalho docente. Segundo a autora, a escassez do tempo e seu controle, no
caso das reformas paulistas, levaram a uma situação de fragilidade do trabalho, pois o
pouco tempo disponível pelos professores passou a ser utilizado na realização das
tarefas determinadas externamente. Diz a autora:
Cada vez mais o tempo é escasso e as instâncias administrativas, na
busca da racionalidade da escola, tendem a controlá-lo, induzindo os
professores a utilizá-los para realizar as tarefas estabelecidas
centralmente, em vez de empregá-lo para satisfazer suas necessidades
e alcançar seus próprios objetivos (ALMEIDA, 2006, p.7)

Na Rede Ribeirão, a coordenação pedagógica caracteriza o material pedagógico


adotado como inovador, com foco na produção textual e dentro de uma proposta sócio
interacionista, pois tem uma perspectiva de levar o aluno a pensar. Porém, reforça que o
professor precisa se apropriar da filosofia do mesmo a fim de “interagir com o manual” .
Para os diretores e coordenadores entrevistados, este tipo de sistema de ensino
exige do professor, o cumprimento do planejamento semanal das aulas e a necessidade
de estudo, pois a cada semestre o material é outro. O diretor da Escola B declara que a
chegada do sistema apostilado de ensino o levou a criar um grupo de estudo com
professores de matemática no sentido de se adaptarem com a nova proposta.
Mas, na verdade, o que se percebe nestas dificuldades dos professores, é mais
um processo de resistência ao sistema apostilado de ensino que passou a obrigá-los a
estudar, realizar plano de aula e levar os alunos a reflexão. Além disso, formados em
uma cultura do livro didático e de manuais, os professores também tiveram muita
dificuldade em trabalhar com as novas linguagens e com a cultura digital priorizada pela
gestão.
Os softwares educativos do mercado e os softwares criados pela escola devem
ser utilizados na sala de aula, junto com palestras e seminários ligados ao cotidiano dos
estudantes. Laboratórios de Ciências, Salas Temáticas (História e Geografia),
Laboratório de Informática e Sala Multimídia constituem espaços importantes para as
finalidades dessa rede de ensino. Essa concepção alargada de sala de aula terá, segundo

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a proposta apresentada pela rede, como retorno, aulas mais criativas, agradáveis e
dinâmicas. Ou seja, o que é valorizado e priorizado em termos dos processos de ensinar,
pelo menos no plano do discurso, é levar o aluno a aprender a aprender, devendo o
professor se desinstalar de velhas fórmulas de transmissão do conhecimento,
consagradas há décadas pela cultura escolar.
Uma hipótese para a resistência e dificuldade em operar com o sistema
apostilado foi colocada pelos gestores sobre a má qualidade da formação do professor
nos cursos de pedagogia e licenciatura. Segundo os entrevistados, a formação é
essencialmente teórica em detrimento da prática, impedindo o desenvolvimento de
competências e habilidades necessárias a esse novo aluno do século XXI. Diante desta
forte a crítica à formação pedagógica dos professores disponíveis no mercado, os
gestores chegaram a declarar a falta que o curso normal faz na formação dos novos
docentes para a prática.
Assim, o uso do sistema apostilado associado a outras ações normativas da
própria escola, como acompanhamento dos planos de aulas, prova única, acesso ao
portal, cumprimento de cronograma e controle dos resultados justificam a busca da
qualidade de ensino dada a fragilidade da formação dos professores de hoje. Para o
conjunto dos entrevistados a formação inicial não está atualmente capacitando os
professores para o mundo da sala de aula, seja do ponto de vista do domínio de
conhecimentos e competências, seja do ponto de vista dos procedimentos didáticos,
gestão da classe. As fortes críticas feitas à universidade e instituições isoladas,
independente de sua posição no mercado do ensino superior, levam os gestores a
admitirem a dificuldade de encontrarem hoje bons professores já que os concursos para
as redes municipais e estaduais absorvem anualmente uma parcela do professorado
recém-formado.
Porém, se as percepções dos gestores exaltam a qualidade do material
pedagógico e a importância das tecnologias da comunicação para o melhoramento da
prática docente, a literatura no campo da Educação tem sido muito crítica a respeito da
natureza e conteúdo dos sistemas apostilados de ensino, como também sobre o impacto
no trabalho docente.
Uma crítica feita por professores de ensino médio de três municípios paulistas
pesquisados entre 2006 e 2008 foi colocada no fato de não terem voz, de não serem
sujeitos na elaboração das propostas que são implantadas nas escolas e serem
culpabilizados quando as medidas que chegam não saem a contento (FERNANDES,

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2010, p82). A sobrecarga de tarefas imposta pelo sistema apostilado e a ausência de


tempo para ler, preparar o material para as aulas, para buscar novas informações e para
se apropriar de novos conhecimentos foram apresentados por esses professores como
uma limitação para a realização de projetos (FERNANDES, op.cit).
Além da imposição, também foi assinalada a preocupação com a minimização
dos conteúdos escolares, o risco do abandono dos conhecimentos escolares clássicos
pela escola, o que não significou a defesa da memorização (SAMPAIO E MARIN,
2004)
Uma terceira crítica aparece referida à perda de poder dos professores, que
anteriormente se assentava para Correa e Matos (2001, p.89), em uma delegação
cognitiva muito evidente: os professores eram depositários do saber científico Para
esses autores, a perda dessa especificidade do trabalho do professor do ensino médio
tirou o chão dos professores. E, mais, segundo Adrião, Garcia, Borgui e Arelaro
(2009), as atividades tradicionalmente desenvolvidas pelas equipes pedagógicas das
escolas como formação continuada dos professores, efetivo acompanhamento das
atividades docentes, investimento na produção e distribuição de materiais didáticos aos
alunos, processos de avaliação interna e externa são transferidas para as empresas
educacionais, tornando-as de fato gestoras das redes de ensino.
Essas mesmas autoras ainda chamam a atenção para a padronização
/homogeneização de conteúdos e currículos escolares com vistas a instaurar
uniformidade nos processos pedagógicos, com a justificativa de evitar desigualdades
entre as escolas.
Nas falas dos gestores entrevistados, a necessidade do controle de um currículo
mínimo assegurado pelo sistema apostilado de ensino para todas as escolas, por um
sistema telepresencial através de antena digital para auxiliar os professores e por
capacitações em serviço aos sábados têm a função de servir de suporte para o trabalho
do professor e do aluno.
Em contrapartida, para Adrião, Garcia , Borgui e Arelaro (op.cit),
se tal motivação revela uma preocupação com a possibilidade de que
ações diferenciadas gerem qualidade também diferenciada, por outro
lado incide sobre a autonomia de escolas e docentes frente à
organização do trabalho pedagógico ao retirar-lhes, como assegura a
LDB, a possibilidade de organizarem suas práticas a partir de
necessidade locais ou iniciativas próprias (p.810).

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Uma última crítica feita pelas autoras relaciona-se à fragilidade conceitual e


baixa qualidade pedagógica dos materiais. Essa baixa qualidade pode estar referida ao
fato das empresas educacionais oferecerem à rede pública materiais de menor custo do
que a aqueles vendidos às escolas privadas. Porém, considerando que estas questões
foram pensadas à luz da privatização do sistema público pelos municípios paulistas de
menor porte, fica o desafio de avaliar a qualidade do sistema apostilado que chegou na
Rede Ribeirão e que é visto como desafiante e de alta qualidade por seus gestores.
Do ponto de vista dos resultados no ENEM, a divulgação pelo INEP\MEC
revelou que as escolas da rede se posicionam desigualmente quanto ao desempenho dos
alunos. Há escolas mais bem colocadas no ranqueamento do que outras. Porém, o que
não se pode negar, é que na perspectiva de uma política de resultados no ENEM, há
uma forte regulação sobre a prática pedagógica. Que se desenvolve através de um
sistema centralizado de avaliação bimensal feita sobre o desempenho dos alunos e que
dá à gestão um conjunto de dados sobre o aproveitamento de cada turma, de cada escola
que compõe a rede. Além disso, a empresa educacional que serve à rede aplica
questionários a serem respondidos pelos pais, professores e alunos periodicamente.
Todo esse conjunto de procedimentos tem como função diagnosticar escolas,
professores, turmas que estejam apresentando baixo desempenho e corrigir os
problemas detectados.
Considerações finais
A partir dos resultados obtidos com as entrevistas dos gestores e equipe
pedagógica, foi possível perceber uma série de lógicas norteadoras do funcionamento
dessa rede de ensino, em nome de suas concepções de qualidade e das exigências do
publico que atendem.
Dourado (2007) identifica duas lógicas que podem ser adotadas pela gestão
escolar. Uma é a lógica gerencialista e eficientista que busca a qualidade total, se
apropriando dos princípios do mercado empresarial, limitada pela busca da
racionalização dos recursos e corresponsabilização pelos resultados. Outra é a lógica
organizacional, na qual a escola é entendida como uma instituição social e, a sua gestão
passa a ser orientada pelos fins político-pedagógicos, extrapolando a relação custo-
benefício. Este tipo de lógica baseia-se na própria autonomia da instituição para
construir seu projeto pedagógico de acordo com suas especificidades.
Mas, independente da lógica gerencial ou organizacional, reguladora ou
democrática atribuída à figura do gestor, não se pode negar seu papel-chave no

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funcionamento da escola. Além disso, tais aspectos/lógicas podem ser facilmente


articulados e incorporados pelo diretor ao desempenhar suas funções na vida escolar.
Na rede Ribeirão, a figura do diretor-proprietário é determinante e estruturante
na caracterização, história e diretrizes futuras da rede. Há ainda um ponto comum entre
as concepções da equipe com a filosofia da rede, funcionando como diretrizes para suas
as ações pedagógicas e organizacionais, com forte impacto sobre o fazer dos
professores..
Foi possível ao longo dos eixos apresentados neste texto, identificar à integração
dos gestores em torno das suas lógicas de ação (BARROSO, 2006). Esse conceito,
frequentemente usado nos estudos sobre as organizações, pode ser definido como
resultado da descrição e interpretação do modo como uma instituição se organiza e
coordena sua ação coletiva. Para o autor, a concepção de lógica de ação remete à
existência de racionalidades próprias dos atores que orientam e dão sentido (subjetivo e
objetivo) às suas escolhas e as suas práticas no contexto de uma ação individual ou
coletiva.
Assim, as lógicas de ação que pautam o funcionamento da rede investigada e
assinaladas pelos entrevistados permitem compreender o contexto em que se dá a
adoção de sistemas apostilados de ensino em duas escolas privadas de rede, situadas na
cidade do Rio de Janeiro. Não se trata de uma escolha arbitrária ou individual por esse
ou aquele modelo de escola. O que se evidencia é o predomínio de uma lógica
gerencialista baseada na busca por uma determinada concepção de qualidade, baseada
nos resultados, na centralização de ações, na valorização do empreendedorismo pessoal,
na aposta na responsabilização dos membros (DOURADO, 2007).
Essa lógica vem atender a um público escolar, constituído por extratos das
classes populares e classes médias emergentes, portador de expectativas específicas
sobre a função social da escola, o conceito de qualidade de ensino e se afasta da
percepção da escola como instituição social, transmissora de valores, orientada por fins
políticos-pedagógicos que extrapolam a relação custo-benefício (DOURADO, op.cit).
Para esse autor, essa concepção baseia-se na autonomia da instituição para construir seu
projeto pedagógico de acordo com suas especificidades.
Mas do que tudo, estas análises preliminares podem nos conduzir para um
debate mais amplo, fundamentado no tema da heterogeneidade do mercado escolar onde
coexistem diferentes modelos de escolas direcionados às diferentes classes sociais. Mais
do que defender o monopólio do Estado pela educação, a existência hoje de um

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mercado escolar altamente competitivo remete às desigualdades educacionais e sociais,


e exige de nós a luta para que a escola pública, se torne uma instituição que garanta a
eficácia e equidade, em termos de qualidade de ensino e justiça no respeito às diferenças
de toda ordem.

Referências bibliográficas
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