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TEXTOS Camille Claudel: uma escuta ocular Bérbara Brandéo A partir da trajetéria de uma vida e de escuta analitica — os outros rumos po: Guatimosim uma da obra, quais seriam — em uma ssiveis, insinuados nas nomeacées e figuragdes que encadeiam o destino tragico da artista? “Si cada hora viene con su muerte, tiempo es una cueva de ladrones, usted preguntaré. por qué cantamos. Si estamas lejos como un horizonte, si cada noche es siempre alguna ausencia y cada despertar un desencuentro, usted preguntard por qué cantamos. Cantamos porque el cruel non tiene nombre ‘yen cambio tiene nombre su destino.” Mario Benedetti: Por que Ce historia da escultora francesa Camille Claudel seria apenas mais uma hist6ria de amor, de encontro € desencontro, se sua trajet6tia nao tivesse sido marcada, tio drastica € dramatica- mente pelo talento extraordinario da artista, a0 lado, mas também comprometido, com a obsessio que viveu por ‘Auguste Rodin, nio menos extraordindria. A relacao con- turbada, que durou uns quinze anos, desencadeou a lou- cura que acabou por condeni-la ao isolamento por trinta anos, em um asilo para alienados. O diagnéstico, talvez indiscutivel: Psicose parandide. 37 Zantamos Evidentemente a obra nao € uma associacio livre, no € a vida pessoal do antsta, mas obra de arte, como palavra distingue. Mas no caso de C, Claudel, a maior parte de sua obra é falante, figurando de modo imediato, gritante, os passos de sua paixao. Surgem entlo possi lidades de escuta. Aqui detive-me em algumas obras, ‘ébara Maria Brando Guatimosim 6 pisioga,peeanasa, partipant do Seminaio da Poa Palcanalta, (Ble Horizons). Est extol io nos Debates Contempordnace ~ Poicandlise e Tranemisso, promovides pelo (ALEPH, quando Ga expoaio das asda scutlra no Musou de Ate da Pampuln (unho 61998), Também fo apreseraco nel Férum Minato de lca (Uberara}. ercurso 21 - 2/1998 TEXTOS ‘vex mais falantes para um. analista, além de alguma literatura a seu res peito. Seu talento revelou-se precoce- mente, juntamente com seu genio intempestivo. Foi incentivada por seu, pai e através do primeito preceptor Alfred Bouchet, chegou como aluna 0 atelié de A. Rodin; suua obra ante- rior jé dava mostras de uma busca de expresso nova, num estilo conso- ante ao do mestre. Esta afinacao es- tética, terminou por enlacé-los num encontro amoroso ¢ artistico, apesar das suas diferencas pessoais e estilisticas, Sao desta parceria as mai- ores testemunhas, as obras de am- bos que soam muitas vezes como diilogos, homenagens, declaragdes de amor trocadas entre amantes, marcadas pelo estilo de cada um de amar e esculpir. Desta fase do en- contro, do lado de C. Claudel, tem- se obras significativas: Sakountala (1888), que recebeu outras versoes © nomes: Vertumno e Pomona e O Abandono, nomeagio que aqui al- cana privilégio retumbante pelo equivoco que nos lana (0 Abandono & uma cena, por que em movimento, da entrega en- tre dois amantes. © curto espago an- tes do abraco. Considerada por muitos como sua obra prima, 4 Valsa (1895), bus- ca na modelagem aleangar mais ain- da 0 puro movimento. Esta obra, que nos obriga a acompanhar sua linha obliqua ascendente, vetor muito usa- do por C. Claudel, da-se a ver como um rodopio, onde a mulher se deixa levar, tendo como. tinico apoio o braco do homem que a segura, prefigurando um v6o espiralado, onde o casal se volatilizaria, Este ins- tante antes de, que marca a obra de C. Claudel, é um tempo limite que preconiza ou 0 encontro, o alcar vo, ou a queda, desabamento. Os cor- pos estiio prestes a. No limite. ‘Mesmo no final da relacio, perio- do de desencontro, 0 didélogo conti- nuou, fazendo ressoar © equivoco, basculando o tema. C. Claudel nao mais no abandono amoroso, via-se abandonada, Foi com este sentimen- to que forjou as esculturas daquela época Em O Deus que Voou (1894), vemos uma Psigué de bragos ergui- los, caminhando de joelhos. & assim que a artista, na fuga do amor, inicia em suas obras 0 ciclo das suplican- tes. O deus que voou é Bros, amor. Os bracos erguidos, por mais que se queiram alados, sao traidos pelas maos € cabelos. As maos agarram ‘uma auséncia, uma falta, A cabeleira Ea instante “antes de” é um tempo-limite que preconiza 0 encontro ou a queda. entretecida de algas, aquitica. Tinha, como sempre, outros nomes: Hamadriade e Jovem com Nentifa- res, mas C, Claudel vai exp6-la com © nome de Ofétia Alegoria dramética da trajet6ri amorosa e também do destino hu mano, vemos em A Idade Madura (1898), ou. Os Caminhos da Vida, ‘uma jovem ajoelhada, (teria existido uma primeira versio onde a jovem ainda segurava a mao do homem) que implora com todo seu corpo pelo homem que se distancia, levada por uma velha quase alada que figura a 38 propria morte em vida, sobre a base de um chao marinho. As maos da jovem, na versio que ficou, nao mais, seguram a mio do homem, mas agar- ram um vazio, As maos se enchem de uma presenga fantasma, denso volume de uma auséncia, A mao do homem, alongando um dos bragos para tris, as suas costas, parece estar acenando em infinita despedida. N: postura inclinada da jovem, ressurge ‘mais uma vez o instante antes de, O: és e os dedos contraidos, quase re- torcidos para tras, revelam 0 esforgo de uma caminhada de joelhos; mas a inclinagio de stiplica de todo 0 cor po da o destino deste instante. Nao ha como sustentar-se nesta posicao. Mais um momento € ela cai Aterceirt versio (ou um tercei- ro tempo) da Idade Madura apresen- ta a jovem implorante s6, sobre as ondas, ja excluida do grupo de ts da versio anterior, da qual A Supli- cante (1899) € apenas um detalhe. S6 nao é detalhe que ela tenha tido este destaque. Paul Claudel, irmao da escultora, nao consegue nao identifi- car a peca com Camille. "(..) mas niio! Esta jovem nua & minha inma Camille, suplicante, hu- milhadla de joelhos, esta soberba, esta orgulhosa, foi assim que ela repre- sentou a si mesma.” Do abandon amoroso da Val- sa, tevisitado no desenlace aband6nico, temos 4 Fortuna (1900). ‘A jovem numa inclinagao insustenti- vel, continua a dangar sozinha com vendas sobre os olhas. Sem 0 corpo do homem, as 1 com sacos de moedas. “A bailarina cega oscila a partir de entio sobre sua roda, sem que um dangarino de valsa, detenha sua queda.” # Outra solitaria verso da Valsa é A Verdade (1900). Aqui a cabeca da dancarina apoia-se no toco de um ‘ombro que resta dos seus proprios bragos amputados. Em uma de suas tiltimas escultu- ras, um tronco de videira que se ra- mifica em forquilha sob a axila, ser- ve de amparo na forja cle Niobe Feri- das (1906), sua Gnica encomenda. Esta 1-0 Abandono 2-0 Deus que voou 3-A Idade Madura 4-AValsa Imagens reproduzidas com autorizagao do Museu de Arte Moderna da Pampulha (Belo Horizonte)

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