Você está na página 1de 40
POR QUE FILOSOFO?* (*) Qs textos aqui publicados alimentaram a mesa-redonda sob o mesmo. titulo, Promovida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciéncia, em sua XXVII Reunido Anual, realizada em julho de 1975, na cidade de Belo Horizonte. =p 13 JOAO CARLOS BRUN TORRES L’Autriche Hongrie ne s'est pas effondrée comme un batiment qui tombe, ni comme un navire qui coule. Elle s'est éparpillée en semences qui ont germé ailleurs, J, DUVIGNAUD. Numa observagao incidente dos “Novos Ensaios” Leibniz observa: “., il y a des themes qui sont moyens entre une idée et une propo- sition: ce sont les questions, dont il y en a qui demandent seulement le oui ou le non; et ce sont les plus proches des propositions, Mais il y en a aussi qui demandent le comment et les circonstances, etc., oa il y a plus a suppléer pour en faire des propositions.” ! “Por que filésofo?” €, obviamente, uma interrogago a ser incluida nesta segunda categoria de questdes distinguida por Leibniz. Submeté-la a ag&o de circunstanciadores que determinem 0 problematico nela compreen- dido eis, pois, um requisito preliminar a qualquer tentativa de respondé-la. Um marco cronolégico que restrinja o ambito do interrogado aos dias atuais poderia ser o primeiro destes determinantes; um operador semantico, que exclua da andlise os estudos historiograficos sobre a Tradi¢ao Filos6fica, © segundo; finalmente, um protocolo metodolégico que — eximindo-nos da exigéncia de definir um eventual “proprium” do filosofar contemporaneo — nos autorize a proceder a um como que estudo de caso pode ser 0 terceiro. Nao € dificil perceber que estas restrigdes funcionam como transfor- madores de nossa questao-guia, de tal modo que a partir delas podemos redu- zit nossa tarefa ao exame de algumas — em principio, quaisquer — “ocor- téncias” de filosofia contempordnea. Uma tal maneira de encaminhar o tratamento-do problema — onde se pretende que a exemplaridade faga as vezes da exaustdo — é, sem duvida, tao arbitréria quanto qualquer outra, mas ter4, talvez, a vantagem de (a0 Temeter-nos para 0 que é hoje vivo na Filosofia Contemporanea) permitir-nos indagar sobre o que se deve chamar — por analogia com a interrogagao sobre as condicgGes de verdade das proposigdes — a condigao de pertinéncia da pergunta proposta. O que implica em dizer que nos recusamos A ingenuidade de supor que o perguntado faz necessariamente sentido. Sobre este ponto crucial, de resto, fica a resposta condicionada ao que decorrer da explicitagao da maneira pela qual se dd, atualmente, o acesso ao discurso filos6fico. Mas... aos exemplos, tratemos de precisar, a partir de alguns casos,’ como “Nouveaux essais sur l’entendement humain”, livre IV, chap. I, § 2, Garnier- -Flammarion, p. 314. A escolha dos exemplos seguintes ndo se apdia em nenhum critério objetivo. 135 isto acontece e que conclusdes é possivel extrair dai relativamente ao tema que nos foi proposto. Seja a distingo marxista entre duas fungdes da moeda: de um lado, medida dos valores, de outro, padrdo de precos. O primeiro termo disjunto remete diretamente ao axioma basico da teoria do valor-trabalho, pois enquanto “medida dos valores” a moeda s6 “conta” enquanto mercadoria portadora de um dado quantum de trabalho simples, abstrato e socialmente necessario. A segunda fungSo, ao contrdrio, reenvia aos fendmenos bem conhecidos da circulagdo, aos pregos e suas variagdes. Cruzando-se as duas ordens de determinaco verifica-se que, se enquanto medida dos valores ela nao pode ser padrao de precos, nao é tao Obvio, inversamente, que nao possa ser padrao de pregos sem ser medida dos valores. Estrita e inteligentemente fiel a Marx, Suzanne de Brunhoff argumenta em favor da necessdria recipro- cidade entre os dois aspectos do dinheiro, observando que “os precos sé podem servir de indicadores mercantis a partir da troca de mercadorias comensuraveis entre si em razdo de seu valor.” * Mas cabe perguntar: a comensurabilidade das mercadorias em termos de valor, sua comensurabilidade substancial, como diz Marx, é efetivamente uma pré-condigao a instituigao do dinheiro? Enquanto nos mantivermos na linha principal da andlise marxista isto parece indiscutivel, pois se a questo da relagdo das mercadorias com o dinheiro for determinada como a questao da expressao do valor daquelas neste no ha como recusar que os valores respectivos j4 devam estar pressu- postos.* O que convém indagar é por que tal relagao, necessariamente, ha de ser concebida como “expressiva”. Ortodoxamente este pressuposto torna-se compreensivel em razdo da necessidade forgosa disto que Marx chama “a forma do valor”. Esta se revela necessaria em primeiro lugar negativa- Obedece a uma regra de facilitagdo idiossincrdsica: escolhi falar do que me & conjunturalmente mais préximo. O subjetivismo da escolha pode ser considerado, no entanto, como o esquema de uma aleatoriedade de principio, Quer dizer, vivemos um tempo em que jé nao ha lugar certo para a filosofia nos mapas do tedrico. O resultado, como vamos procurar mostrar, é que suas “ocorréncia: tendem a tornar-se, por definigdo, singulares ¢ evanescentes, rebeldes por princi- pio a qualquer ensaio de sistematizagao. In“La politique monétaire”, p. 64, PUF, 1973. A passagem completa diz assim: “Le temps de travail dépensé, qui détermine la valeur, ne peut dans ja circulation marchande étre étalon des prix; mais les prix ne peuvent servir d’indicateurs marchands qu’a partir de ’échange de marchandises commensurables entre elles du fait de leur valeur, et en raison de la mesure, méme imparfaite, des valeurs par une forme valeur,” Marx diz: “But for commodities to express their value independenly in money, in a third commodity, the value of commodities must already be presupposed.” Theories of Surplus Value, Lawrence & Wishart, London, 1972. 156

Você também pode gostar