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O PRIMEIRO GUIA DO VIAJANTE NO RIO DE JANEIRO DE 1884

Alfredo do Valle Cabral publicou na antiga capital do império o primeiro guia turístico brasileiro.

Por: Patrick Barbosa.

Nos tempos do Império Brasileiro, em seu ocaso difuso, Alfredo do Valle Cabral, possível
precursor do guia turístico no Brasil, retrata uma exposição dos costumes e valores da sociedade
da época e aspectos urbanísticos no Guia do Viajante do Rio de Janeiro. A ‘grande capital do
império’, como é retratada no livro, tornou-se objeto de consagração em seu empreendimento, ao
oferecer utilidade prática àqueles que desejassem conhecer minuciosamente a Cidade Imperial.

A preciosidade da obra consiste na riqueza de informações que se podia encontrar neste


livro. Na era da informação, bares, restaurantes, livrarias, entre outros, podem ser facilmente
localizados. No entanto, em 1884, ano que Alfredo do Valle Cabral publica pela primeira um livro
de tal natureza no Brasil, a informação concentrava-se em focos esparsos, consistindo um
autêntico trabalho investigativo a reunião dessas informações em um catálogo. Não à toa, o
prefácio do livro indica uma publicação anual de igual natureza.

Na obra de Alfredo do Valle sete festas populares mais conhecidas no Rio de Janeiro de
1884 são apresentadas. Neste artigo, transcrevemos estes trechos do Guia do Viajante no Rio de
Janeiro, disponível em nosso acervo digital, acrescentadas de respectivas contextualizações
históricas. A Festa de São Sebastião, Sete de Setembro, Carnaval, Festa da Glória do Outeiro,
Procissão de São Jorge, Festa da Penha e a Festa de São Roque mobilizavam milhares de pessoas
pelas ruas da cidade.

Para acessar o documento na íntegra, clique aqui (Link para inserir no texto:
<https://digital.bbm.usp.br/view/?45000008132&bbm/2641#page/394/mode/2up>).

1. A Festa de São Sebastião (padroeiro da cidade) – 20 de janeiro

Descrição de Alfredo do Valle Cabral:


“A cidade festejou por muito tempo o triunfo obtido por Estácio de Sá a 20 de
Janeiro de 1567 contra os franceses estabelecidos na baía do Rio de Janeiro, com oito
dias de luminárias e uma popular festa chamada das canoas; e ainda hoje conserva um
oitavário religioso, iluminando-se os edifícios públicos, conventos, igrejas e algumas
casas particulares durante os dias 17, 18 e 19 de Janeiro, dando-se nos mesmos dias
salvas ás 8 horas e ás 10 da noite, fazendo-se no dia 20 a festa de S. Sebastião da igreja
do Castello e oito dias depois saindo da Capela Imperial a imagem de S. Sebastião e
recolhendo-se a respectiva igreja; as fortalezas dão ainda uma salva na saída da
procissão e outra no ato do seu recolhimento. A procissão é muito concorrida de povo. ”

Contexto histórico:
Patronariu, patronus, padroeiro: derivação latina, aparecia nas antigas
legislações das freguesias portuguesas indicando o protetor daquela região. O Rio de
Janeiro era um pequeno vilarejo situado entre o mar e a montanha. Recebeu uma
instituição administrativa após o início de uma edificação militar em 1º de março de
1565, feita com estacas de madeira, em resposta ao estabelecimento dos franceses na
Baía de Guanabara. Mem de Sá homenageia o então rei de Portugal Dom Sebastião
batizando a cidade do Rio de Janeiro e escolhendo o padroeiro com o mesmo nome.

A história que associou o santo católico à cidade aconteceu na manhã de 13 de


julho de 1566, um ano após a fundação da cidade, quando o responsável pelo casebre
da Igreja de São Sebastião saiu de canoa pela baía, sendo surpreendido pelos
franceses que contavam com o apoio de aproximadamente 180 canoas dos
Tupinambás. Ao invocar o santo, apareceram reforços portugueses, que não
chegavam a meia dúzia de canoas.

Os poucos relatos da Batalha das Canoas escritos pelos jesuítas descrevem a


explosão de um barril de pólvora que apavorou os nativos. Tempos depois, veteranos
do conflito se perguntaram: “quem era um soldado que andava armado, muito
gentil-homem, saltando de canoa em canoa”, associando esses questionamentos à
suposta aparição de São Sebastião.

Em 20 de janeiro de 1567, na sangrenta Batalha de Uruçumirim, mais relatos


reconhecem o próprio São Sebastião lutando ao lado dos portugueses, com a
chegada de mais de 200 homens comandados por Mem de Sá. O massacre vitimou
seiscentos tamoios e cinco franceses, sendo enforcados no dia seguinte mais dez
franceses. O cronista da ordem jesuíta, padre José de Anchieta, reportou o saldo à
época: “160 aldeias incendiadas, passado tudo a fio de espada”.

A Batalha de Uruçumirim consolidou a presença portuguesa na região,


tornando-se oficial no calendário do Rio de Janeiro a comemoração do padroeiro da
cidade no dia 20 de janeiro. Atualmente é regulamentado pela lei municipal que
estabelecem os feriados no município Rio de Janeiro, e que torna obrigatória a
participação do Prefeito e do Presidente da Câmara no apoio à esta festividade
religiosa.

2. Sete de Setembro (aniversário da Independência do Império


do Brasil) – 7 de setembro

Descrição de Alfredo do Valle Cabral:


“No dia 6 à tarde segue para o alto do morro de Santo Antônio uma bateria de
um dos regimentos de artilharia a cavalo e ali acampa depois de armadas as barracas
e das continências do estilo, a fim de dar as salvas no dia 7, por ocasião dos festejos
com que a Sociedade comemorativa da Independência do Império soleniza o seu
aniversário. À noite desse dia 6 a praça da Constituição e o largo de S. Francisco de
Paula iluminam-se festivamente. Muitas pessoas em hora queimam-se fogos de
Bengala e sobem ao ar girândolas de foguetes. Às 5 horas da manhã de 7 as bandas de
músicas dos corpos militares postadas na praça da Constituição, rompem o hino
nacional da Independência, composição do fundador do Império, hino cantado por
senhoras e cavalheiros da referida Sociedade Comemorativa. Às girândolas ali
queimadas responde uma salva de artilharia do parque acampado no morro de Santo
Antônio e das fortalezas e navios de guerra surtos no porto. Ao mesmo tempo
embandeiram-se o mastro do morro de Santo Antônio e o Pau da Bandeira do Castello,
e diferentes bandas de música saúdam o despontar da aurora, fazendo continências em
frente à estátua do fundador do Império, na praça da Constituição, e à de José
Bonifácio, patriarca da Independência, no largo de S. Francisco de Paula. Há Te-Deum
ao meio dia na Capela Imperial, a que assistem Suas Majestades Imperiais, o
Ministério, e muitas autoridades. Terminado o ato religioso, segue-se o cortejo no Paço
da Cidade á 1 hora da tarde, ás pessoas de SS. MM. E AA. II. Antes de começar esta
cerimônia a música toca o hino nacional e em seguida começa o cortejo, que é bastante
concorrido, comparecendo a ele muitas pessoas gradas e altos funcionários nacionais e
o corpo diplomático estrangeiro. À noite há espetáculo em grande gala no Imperial
Teatro D. Pedro II, a que assistem SS. MM. E AA. II. O serviço de guarnição da cidade é
feito nesse dia em grande uniforme. Os batalhões de infantaria dão uma guarda de
honra para o Paço da Cidade, outra das 4 ½ hora da tarde me diante fica postada na
praça da Constituição junto à estátua de D. Pedro I e outra à noite para o Teatro D.
Pedro II. A 1 hora e ás 6 da tarde repetem-se as salvas de artilharia no morro de Santo
Antônio e no mar, retirando-se em seguida o parque ali postado, fazendo trajeto pela
praça da Constituição, onde faz a última continência à estátua. Até à meia noite ali se
conservam as bandas de música e a iluminação; as músicas, depois de circularem a
praça e a estátua, retiram-se. Aos lados da estátua levantam-se coretos para as bandas
de música. Ao redor dos repuxos da praça da Constituição e circulando a estátua
cendem-se muitos bicos de faz. De espaço a espaço orna-se a praça com bandeiras e
galhardetes auriverdes. Algumas praças e ruas da cidade iluminam-se á noite, bem
como os estabelecimentos públicos, secretarias de Estado consulados e legações
estrangeiras. ”

Contexto histórico:
Dentre as diversas sociedades festivas dedicadas à comemoração do sete de
setembro que surgem em meados do século XIX, no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de
Janeiro, destaca-se a fundação da Sociedade Comemorativa da Independência do
Império. Com o enfraquecimento dos festejos populares do Sete de Setembro durante a
Guerra do Paraguai, o segundo-tenente reformado Américo Rodrigues Gamboa junto
com os sócios fundadores, buscaram restaurar os antigos costumes patrióticos.
Até 1885 as celebrações anuais da sociedade tornaram-se um grande festival de
rua, seguindo o mesmo padrão festivo, atraindo milhares de pessoas em torno da estátua
equestre de Dom Pedro I na atual praça Tiradentes. A predominância de cada vez mais
participantes populares fez com que a imprensa cada vez menos suscitasse apreciações
favoráveis à festa, acolhida anteriormente com bons olhos pelo caráter patriótico-
popular.
A Sociedade Comemorativa alcançou o seu auge em 1870, estabelecendo-se
como parte integral da comemoração da Independência na capital do Império. Hendrik
Kraay, do Departamento de História da University of Calgary, ao escrever sobre a
Sociedade Comemorativa da Independência do Império, registra que “os que rejeitavam
a monarquia condenavam o aparente monarquismo popular, ao passo que os
simpatizantes do regime imperial tinham certa vergonha em ver que os patriotas mais
entusiastas vinham do povo. As críticas se intensificaram na década seguinte. ”
Essas críticas por parte da imprensa passaram a considerar as festas
antiquadas, “dominadas pelo povo e indignas de um Rio de Janeiro civilizado”. Na
última comemoração do Sete de Setembro no império, os jornais concordaram em julgar
a praça deserta e com pouco entusiasmo dos participantes. A Sociedade Comemorativa
da Independência do Império desapareceu com a proclamação da República.

3. Carnaval

Descrição de Alfredo do Valle Cabral:


“Na dominga da Quinquagésima e na segunda e terça feiras imediatas. A 28
de Fevereiro de 1854 foi que pela primeira vez se substituiu na cidade o velho entrudo
do tempo colonial, por carruagens e cavalgatas de máscaras, pomposa e
brilhantemente trajados, como o exigia a civilização da capital do Império. Esta festa,
abrilhantada pelas sociedades carnavalescas, compostas de distintos cavalheiros
nacionais e estrangeiros, é a mais popular da cidade. No domingo e na terça feira as
sociedades carnavalescas Tenentes do Diabo, Club dos Fenianos e Club dos
Democráticos apresentam-se em público com toda a pompa e brilhantismo, dando o
maior realce a grande festa popular. Uma aluvião de diabretes vermelhos e mascadas
avulsos inundam a cidade. Nos teatros públicos realizam-se durante os três dias
pomposos bailes de máscaras, reinando a melhor ordem e harmonia no meio da mais
fraca jovialidade. ”

Contexto histórico:
A festa popular que cedeu lugar ao Carnaval em terras brasileiras data de 1553.
O Entrudo, como era conhecido, consistia em uma festa popular correspondente aos
três dias que precedem a Quaresma. Trazida pelos portugueses, consistia em lançar nos
outros todo o tipo de líquidos.
Desde o século XVIII eram os escravos que produziam as bolas de cera usadas
no Entrudo, também conhecidas como limões-de-cheiro, e, também eram as principais
vítimas da vertente familiar da festa. Na vertente popular, que acontecia nas ruas, eram
os negros e os mais pobres que dominavam a festividade.
Em 1841 o Entrudo é proibido. De 1855 a 1890 são criados os clubes
carnavalescos, ranchos, blocos e cordões de carnaval, concomitantemente com
portarias, alvarás e avisos oficiais decretando o fim dos movimentos livres que
emergiram nas ruas. A classe alta passa a organizar bailes e passeios restritos,
inspirados no carnaval europeu, nos quais os cidadãos deveriam comparecer
mascarados.
O uso dos artigos de disfarce estava proibido em vias públicas, ocasionando no
surgimento de clubes carnavalescos que visavam organizar a passagem pelas ruas no
caminho para os bailes. Um deles, “os Tenentes do Diabo”, deixaram de realizar o seu
carnaval em 1864 para aplicar o dinheiro na compra da liberdade de 12 escravos.
A participação popular aumenta com a incorporação de uma série de
instrumentos, como a zabumba e o tambor. Os batuques que veneram a fé às
santidades africanas originaram as primeiras agremiações de cordão, como o do Bola
Preta em 1918.
A historiadora Maria Clementina Pereira, em Ecos da Folia: uma história social
do carnaval carioca entre 1880 e 1920, destaca: “Os populares emulavam as formas das
ditas “grandes sociedades”, mas quando as novas sociedades, com seus ritmos afro-
brasileiros, pareciam sufocar o carnaval europeu e civilizado idealizado pela elite,
começavam a sofrer críticas. ”

4. Festa da Glória do Outeiro

Descrição de Alfredo do Valle Cabral:


“Realiza-se a 15 de agosto, na Igreja de N. S. da Glória do Outeiro, que se
ergue poeticamente no pitoresco morro da Glória. Durante o dia enormes ondas de
fiéis e de povo correm em demanda da graciosa igreja, oferecendo um surpreendente
espetáculo o largo e rua da Lapa, a rua, largo e ladeira da Glória e a rua Catete. À
tarde a concorrência do povo cresce consideravelmente, realizando-se ás 5 horas o Te
Deum, a que assistem SS. MM. II. As ruas iluminam-se à noite, continuam a
concorrência a crescer progressivamente. Ás 10 horas queimam-se um fogo de
artifício. ”

Contexto histórico:
Durante o período colonial diversas foram as iniciativas religiosas que
contribuíram para a estabilidade da religião cristã. Inspiradas nas confrarias medievais,
as festas das irmandades conservaram alguns de seus aspectos originais, como a
confraternização e reunião do grupo, que estabeleciam cláusulas específicas intimando
os devotos a comparecem às festas.
A 61 metros do nível do mar, concluiu-se em 1739 a reforma da capela. O local é
circundado por narrativas lendárias e históricas da própria cidade. Em suas adjacências
foi mortalmente ferido Estácio de Sá, fundador da cidade. Também foi o local escolhido
por Antônio Caminha, eremita português que ergueu ali a pequena capela dedicada à
uma imagem de Nossa Senhora da Glória, por ele esculpida. José de Alencar escreveu
no século XIX a novela “O Ermitão da Glória”, narrando a lenda fixada na memória do
povo do Rio de Janeiro.
A partir de 5 de agosto de 1781, todos os anos começavam as novenas,
aumentando com o passar dos anos o número de fiéis e afeiçoados peregrinos que
compareciam ao local. Encerravam-se as festividades no dia 15 de agosto, com
inúmeras barraquinhas, fogos de artifício e muita iluminação noturna nas ruas.

5. Procissão de São Jorge


Descrição de Alfredo do Valle Cabral:
“A 8 de Junho. Sai da Capela Imperial e percorre as rr. Primeiro de Março
Visconde de Inhaúma, Quitanda, Assembleia, 1. Da Assembleia, os contornos do Paço
Imperial, a pr. de D. Pedro II e recolhe-se a mesma igreja. Acompanham esta procissão
S. M. o Imperador e os ministros de Estado, que carregam o pálio, a Câmara Municipal
com o seu estandarte, os grã-cruzes, comendadores e cavaleiros das ordens de Nosso
Senhor Jesus Cristo, S. Bento de Aviz e S. Thiago da Espada, todo o clero, ordens
terceiras e irmandades da cidade. Há uma salva das fortalezas na saída e outra ao
recolher-se a procissão. A parte desta que mais atrai a atenção pública é o séquito de S.
Jorge, que sai como uns cavaleiros da idade média, armado dos pés à cabeça, em um
soberano cavalo, &., o que dá a festa um ar de paganismo que agrada ao povo. ”

Contexto histórico:
A mais popular história de São Jorge remete seu nascimento na Capadócia,
região atualmente pertencente à Turquia. Ao migrar para a Palestina, região dominada
pelo Império Romano, ingressou no exército do Imperador Diocleciano. O plano do
imperador de aniquilar os cristãos sofreu grande resistência de Jorge, confessando sua fé
cristã e sendo submetido posteriormente às mais terríveis torturas. Foi condenado à
morte aos 23 anos.
A devoção e o culto ao mártir da Capadócia espalharam-se pelo oriente,
chegando ao ocidente por ocasião das Cruzadas. Tal como em Portugal, passou a ser
venerado também no Brasil, integrando-se às procissões de Corpus Christi, festa mais
importante da Igreja Católica Portuguesa.
A historiadora Georgina Silva dos Santos assim destacou a trajetória singular
que seguiu o catolicismo vivido nos Trópicos: “A convivência com os mitos indígenas, as
religiões africanas e as crenças dos degredados do reino, acusados de feitiçaria, judaísmo
e apostasias de variegado tipo, promoveu a migração de costumes, símbolos e mitos de
uma religião à outra. O culto aos santos, em particular, o culto a São Jorge, deu asas a
toda sorte de identificações, associações e inversões, típicas do sincretismo religioso.”
No Brasil o forte sincretismo religioso se deu principalmente com a
identificação dos orixás africanos com os santos católicos, após dura repressão pela
Igreja Católica do culto afro-religioso. Comum entre os escravos nos tempos do império,
e posteriormente, nos terreiros de umbanda, o sincretismo entre Jorge e Ogum pode ser
identificado até os dias de hoje.
6. Festa da Penha

Descrição de Alfredo do Valle Cabral:


“Realiza-se em um domingo do mês de outubro na Igreja de N. S. da Penha,
colocada no cume de uma rocha viva e alcantilada, que se ergue no centro de um belo
vale na freguesia suburbana de Irajá. Dá acesso à igreja uma ladeira suave até à casa
dos romeiros e daí para cima sobe-se por uma escadaria aberta na rocha viva e
composta por 300 e tantos degraus. Esta festa é concorridíssima de romeiros, que se
transportam a igreja por mar ou por terra. Vai-se a pé, a cavalo, em carruagens, em
botes, estabelecendo a Companhia Ferry uma linha de barcas para condução rápida e
cômoda dos romeiros. O espetáculo que oferecem as imediações da Igreja da Penha
tomadas por bandos e bandos de romeiros e dos mais curiosos. A quase totalidade dos
que nesta festa tomam parte é a burguesia e o povo miúdo, o que a torna
verdadeiramente popular. ”

Contexto histórico:
22 anos após o relato de Alfredo do Valle Cabral, Olavo Bilac, jornalista, poeta e
cronista, autor da letra do hino à bandeira e um dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras, escreveu sobre a Festa da Penha: “Há tradições grosseiras, irritantes, bestiais,
que devem ser impiedosa e inexoravelmente demolidas, porque envergonham a
civilização. Uma delas é esta ignóbil festa da Penha, que todos os anos, neste mês de
outubro, reproduz no Rio de Janeiro as cenas mais tristes das velhas saturnais romanas,
transbordamentos tumultuosos e alucinados dos instintos da gentalha. Ainda este ano, a
festa foi tão brutal, tão desordenada, e assinalada por tantas vergonhas e por tantos
crimes, que não parecia um folguedo da idade moderna, no seio de uma cidade
civilizada, mas uma daquelas orgias da idade antiga ou da idade média, em que
triunfaram as mais baixas paixões da plebe e dos escravos. ”
A comissão de festejos da Irmandade da Penha deu início à tradição de realizar
a missa solene, cerimônias de bênção, barraquinhas de prenda, jogos, comidas e o
espetáculo do cumprimento de promessas. No caso da Igreja da Penha, a penitência
consiste em subir os 365 degraus que levam ao santuário. Alguns ajoelham-se para
realizar a promessa de subir os degraus. É na segunda metade do século XIX que a festa
se populariza no subúrbio do Rio de Janeiro, com a presença maciça de negros, rodas de
samba, batucadas, danças, capoeiristas, barracas montadas pelas chamadas tias, que
eram negras baianas.
Olavo Bilac é contemporâneo também da reforma Pereira Passos, que
transformou a estrutura urbana no centro do Rio de Janeiro, tomando como modelo
cidades europeias. A nova cidade, “embelezada” à moda parisiense, não comportava seus
reais moradores, intensificando a formação de favelas com a remoção dos cortiços e o
deslocamento da classe pobre para os subúrbios e o alto dos morros, após a valorização
da região central.
A tradição da festa é mantida até hoje pela Basílica Santuário de Nossa Senhora
da Penha de França, popularmente conhecida como Igreja da Penha.

7. Festa de São Roque

Descrição de Alfredo do Valle Cabral:


“No mês de agosto. Na pitoresca e poética Ilha de Paquetá. É muito concorrida
de romeiros, que em geral se dirigem à ilha nas barcas Ferry. ”

Contexto histórico:
O padroeiro da Ilha de Paquetá atrai em seu entorno a festividade mais
tradicional do bairro. Até hoje decoram-se ruas, realizam-se missas, procissão, novenas,
apresentações musicais, quermesse e recreação e oficinas para crianças e adolescentes.
Em 1872, relatou a Revista Paquetá Ilustrado, dezessete mil pessoas
compareceram à ilha, sem que se registrasse a menor perturbação.
As barcas Ferry que realizavam o trajeto até o local também transportaram os
convidados da família imperial no célebre baile da Ilha Fiscal, nos últimos anos da
monarquia.

REFERÊNCIAS

PACÍFICO, Alan. “A história do transporte aquaviário na Baía de Guanabara: Uma análise da relação entre capital privado e poder
público no planejamento de transportes do Rio de Janeiro”. I Conferência Nacional de Políticas Públicas contra a Pobreza e a
Desigualdade, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2010.

BARROS, S. Jacqueline. “As festas para São Jorge no Rio de Janeiro: um olhar reflexivo sobre a festa em Nova Iguaçu.” Monografia
apresentada ao curso de História como requisito parcial para obtenção do Título de Licenciado em História, do Instituto Multidisciplinar da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2014.

DEL PRIORE, Mary. “Entre “doidos” e “bestializados”: o baile da Ilha Fiscal.” Revista USP, São Paulo, n. 58, p. 30-47, jun./ago. 2003.

SOUZA, Luana Mayer de. “A tradição na modernidade: A Festa da Penha pelas letras de Olavo Bilac”. In: Encontro Regional da ANPUH-
Rio. Rio de Janeiro, 199 2012. Anais... Disponível em:
http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276741796_ARQUIVO_PenhaparaANPUH.pdf Acesso em: 04 de dezembro de
2019.

BRASIL. “Projeto de Lei Nº 951/2018”. Disponível em:


https://mail.camara.rj.gov.br/APL/Legislativos/scpro1720.nsf/0cfaa89fb497093603257735005eb2bc/4829b879d2811ce5832582f1006
46f70?OpenDocument Acesso em: 03 de dezembro de 2019.

KRAAY, “Hendrik. Alferes Gamboa e a Sociedade Comemorativa da Independência do Império, 1869-1889”. Rev. Bras. Hist. [online].
2011, vol.31, n.61, pp. 15-40.

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