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Alfredo do Valle Cabral publicou na antiga capital do império o primeiro guia turístico brasileiro.
Nos tempos do Império Brasileiro, em seu ocaso difuso, Alfredo do Valle Cabral, possível
precursor do guia turístico no Brasil, retrata uma exposição dos costumes e valores da sociedade
da época e aspectos urbanísticos no Guia do Viajante do Rio de Janeiro. A ‘grande capital do
império’, como é retratada no livro, tornou-se objeto de consagração em seu empreendimento, ao
oferecer utilidade prática àqueles que desejassem conhecer minuciosamente a Cidade Imperial.
Na obra de Alfredo do Valle sete festas populares mais conhecidas no Rio de Janeiro de
1884 são apresentadas. Neste artigo, transcrevemos estes trechos do Guia do Viajante no Rio de
Janeiro, disponível em nosso acervo digital, acrescentadas de respectivas contextualizações
históricas. A Festa de São Sebastião, Sete de Setembro, Carnaval, Festa da Glória do Outeiro,
Procissão de São Jorge, Festa da Penha e a Festa de São Roque mobilizavam milhares de pessoas
pelas ruas da cidade.
Para acessar o documento na íntegra, clique aqui (Link para inserir no texto:
<https://digital.bbm.usp.br/view/?45000008132&bbm/2641#page/394/mode/2up>).
Contexto histórico:
Patronariu, patronus, padroeiro: derivação latina, aparecia nas antigas
legislações das freguesias portuguesas indicando o protetor daquela região. O Rio de
Janeiro era um pequeno vilarejo situado entre o mar e a montanha. Recebeu uma
instituição administrativa após o início de uma edificação militar em 1º de março de
1565, feita com estacas de madeira, em resposta ao estabelecimento dos franceses na
Baía de Guanabara. Mem de Sá homenageia o então rei de Portugal Dom Sebastião
batizando a cidade do Rio de Janeiro e escolhendo o padroeiro com o mesmo nome.
Contexto histórico:
Dentre as diversas sociedades festivas dedicadas à comemoração do sete de
setembro que surgem em meados do século XIX, no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de
Janeiro, destaca-se a fundação da Sociedade Comemorativa da Independência do
Império. Com o enfraquecimento dos festejos populares do Sete de Setembro durante a
Guerra do Paraguai, o segundo-tenente reformado Américo Rodrigues Gamboa junto
com os sócios fundadores, buscaram restaurar os antigos costumes patrióticos.
Até 1885 as celebrações anuais da sociedade tornaram-se um grande festival de
rua, seguindo o mesmo padrão festivo, atraindo milhares de pessoas em torno da estátua
equestre de Dom Pedro I na atual praça Tiradentes. A predominância de cada vez mais
participantes populares fez com que a imprensa cada vez menos suscitasse apreciações
favoráveis à festa, acolhida anteriormente com bons olhos pelo caráter patriótico-
popular.
A Sociedade Comemorativa alcançou o seu auge em 1870, estabelecendo-se
como parte integral da comemoração da Independência na capital do Império. Hendrik
Kraay, do Departamento de História da University of Calgary, ao escrever sobre a
Sociedade Comemorativa da Independência do Império, registra que “os que rejeitavam
a monarquia condenavam o aparente monarquismo popular, ao passo que os
simpatizantes do regime imperial tinham certa vergonha em ver que os patriotas mais
entusiastas vinham do povo. As críticas se intensificaram na década seguinte. ”
Essas críticas por parte da imprensa passaram a considerar as festas
antiquadas, “dominadas pelo povo e indignas de um Rio de Janeiro civilizado”. Na
última comemoração do Sete de Setembro no império, os jornais concordaram em julgar
a praça deserta e com pouco entusiasmo dos participantes. A Sociedade Comemorativa
da Independência do Império desapareceu com a proclamação da República.
3. Carnaval
Contexto histórico:
A festa popular que cedeu lugar ao Carnaval em terras brasileiras data de 1553.
O Entrudo, como era conhecido, consistia em uma festa popular correspondente aos
três dias que precedem a Quaresma. Trazida pelos portugueses, consistia em lançar nos
outros todo o tipo de líquidos.
Desde o século XVIII eram os escravos que produziam as bolas de cera usadas
no Entrudo, também conhecidas como limões-de-cheiro, e, também eram as principais
vítimas da vertente familiar da festa. Na vertente popular, que acontecia nas ruas, eram
os negros e os mais pobres que dominavam a festividade.
Em 1841 o Entrudo é proibido. De 1855 a 1890 são criados os clubes
carnavalescos, ranchos, blocos e cordões de carnaval, concomitantemente com
portarias, alvarás e avisos oficiais decretando o fim dos movimentos livres que
emergiram nas ruas. A classe alta passa a organizar bailes e passeios restritos,
inspirados no carnaval europeu, nos quais os cidadãos deveriam comparecer
mascarados.
O uso dos artigos de disfarce estava proibido em vias públicas, ocasionando no
surgimento de clubes carnavalescos que visavam organizar a passagem pelas ruas no
caminho para os bailes. Um deles, “os Tenentes do Diabo”, deixaram de realizar o seu
carnaval em 1864 para aplicar o dinheiro na compra da liberdade de 12 escravos.
A participação popular aumenta com a incorporação de uma série de
instrumentos, como a zabumba e o tambor. Os batuques que veneram a fé às
santidades africanas originaram as primeiras agremiações de cordão, como o do Bola
Preta em 1918.
A historiadora Maria Clementina Pereira, em Ecos da Folia: uma história social
do carnaval carioca entre 1880 e 1920, destaca: “Os populares emulavam as formas das
ditas “grandes sociedades”, mas quando as novas sociedades, com seus ritmos afro-
brasileiros, pareciam sufocar o carnaval europeu e civilizado idealizado pela elite,
começavam a sofrer críticas. ”
Contexto histórico:
Durante o período colonial diversas foram as iniciativas religiosas que
contribuíram para a estabilidade da religião cristã. Inspiradas nas confrarias medievais,
as festas das irmandades conservaram alguns de seus aspectos originais, como a
confraternização e reunião do grupo, que estabeleciam cláusulas específicas intimando
os devotos a comparecem às festas.
A 61 metros do nível do mar, concluiu-se em 1739 a reforma da capela. O local é
circundado por narrativas lendárias e históricas da própria cidade. Em suas adjacências
foi mortalmente ferido Estácio de Sá, fundador da cidade. Também foi o local escolhido
por Antônio Caminha, eremita português que ergueu ali a pequena capela dedicada à
uma imagem de Nossa Senhora da Glória, por ele esculpida. José de Alencar escreveu
no século XIX a novela “O Ermitão da Glória”, narrando a lenda fixada na memória do
povo do Rio de Janeiro.
A partir de 5 de agosto de 1781, todos os anos começavam as novenas,
aumentando com o passar dos anos o número de fiéis e afeiçoados peregrinos que
compareciam ao local. Encerravam-se as festividades no dia 15 de agosto, com
inúmeras barraquinhas, fogos de artifício e muita iluminação noturna nas ruas.
Contexto histórico:
A mais popular história de São Jorge remete seu nascimento na Capadócia,
região atualmente pertencente à Turquia. Ao migrar para a Palestina, região dominada
pelo Império Romano, ingressou no exército do Imperador Diocleciano. O plano do
imperador de aniquilar os cristãos sofreu grande resistência de Jorge, confessando sua fé
cristã e sendo submetido posteriormente às mais terríveis torturas. Foi condenado à
morte aos 23 anos.
A devoção e o culto ao mártir da Capadócia espalharam-se pelo oriente,
chegando ao ocidente por ocasião das Cruzadas. Tal como em Portugal, passou a ser
venerado também no Brasil, integrando-se às procissões de Corpus Christi, festa mais
importante da Igreja Católica Portuguesa.
A historiadora Georgina Silva dos Santos assim destacou a trajetória singular
que seguiu o catolicismo vivido nos Trópicos: “A convivência com os mitos indígenas, as
religiões africanas e as crenças dos degredados do reino, acusados de feitiçaria, judaísmo
e apostasias de variegado tipo, promoveu a migração de costumes, símbolos e mitos de
uma religião à outra. O culto aos santos, em particular, o culto a São Jorge, deu asas a
toda sorte de identificações, associações e inversões, típicas do sincretismo religioso.”
No Brasil o forte sincretismo religioso se deu principalmente com a
identificação dos orixás africanos com os santos católicos, após dura repressão pela
Igreja Católica do culto afro-religioso. Comum entre os escravos nos tempos do império,
e posteriormente, nos terreiros de umbanda, o sincretismo entre Jorge e Ogum pode ser
identificado até os dias de hoje.
6. Festa da Penha
Contexto histórico:
22 anos após o relato de Alfredo do Valle Cabral, Olavo Bilac, jornalista, poeta e
cronista, autor da letra do hino à bandeira e um dos fundadores da Academia Brasileira
de Letras, escreveu sobre a Festa da Penha: “Há tradições grosseiras, irritantes, bestiais,
que devem ser impiedosa e inexoravelmente demolidas, porque envergonham a
civilização. Uma delas é esta ignóbil festa da Penha, que todos os anos, neste mês de
outubro, reproduz no Rio de Janeiro as cenas mais tristes das velhas saturnais romanas,
transbordamentos tumultuosos e alucinados dos instintos da gentalha. Ainda este ano, a
festa foi tão brutal, tão desordenada, e assinalada por tantas vergonhas e por tantos
crimes, que não parecia um folguedo da idade moderna, no seio de uma cidade
civilizada, mas uma daquelas orgias da idade antiga ou da idade média, em que
triunfaram as mais baixas paixões da plebe e dos escravos. ”
A comissão de festejos da Irmandade da Penha deu início à tradição de realizar
a missa solene, cerimônias de bênção, barraquinhas de prenda, jogos, comidas e o
espetáculo do cumprimento de promessas. No caso da Igreja da Penha, a penitência
consiste em subir os 365 degraus que levam ao santuário. Alguns ajoelham-se para
realizar a promessa de subir os degraus. É na segunda metade do século XIX que a festa
se populariza no subúrbio do Rio de Janeiro, com a presença maciça de negros, rodas de
samba, batucadas, danças, capoeiristas, barracas montadas pelas chamadas tias, que
eram negras baianas.
Olavo Bilac é contemporâneo também da reforma Pereira Passos, que
transformou a estrutura urbana no centro do Rio de Janeiro, tomando como modelo
cidades europeias. A nova cidade, “embelezada” à moda parisiense, não comportava seus
reais moradores, intensificando a formação de favelas com a remoção dos cortiços e o
deslocamento da classe pobre para os subúrbios e o alto dos morros, após a valorização
da região central.
A tradição da festa é mantida até hoje pela Basílica Santuário de Nossa Senhora
da Penha de França, popularmente conhecida como Igreja da Penha.
Contexto histórico:
O padroeiro da Ilha de Paquetá atrai em seu entorno a festividade mais
tradicional do bairro. Até hoje decoram-se ruas, realizam-se missas, procissão, novenas,
apresentações musicais, quermesse e recreação e oficinas para crianças e adolescentes.
Em 1872, relatou a Revista Paquetá Ilustrado, dezessete mil pessoas
compareceram à ilha, sem que se registrasse a menor perturbação.
As barcas Ferry que realizavam o trajeto até o local também transportaram os
convidados da família imperial no célebre baile da Ilha Fiscal, nos últimos anos da
monarquia.
REFERÊNCIAS
PACÍFICO, Alan. “A história do transporte aquaviário na Baía de Guanabara: Uma análise da relação entre capital privado e poder
público no planejamento de transportes do Rio de Janeiro”. I Conferência Nacional de Políticas Públicas contra a Pobreza e a
Desigualdade, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2010.
BARROS, S. Jacqueline. “As festas para São Jorge no Rio de Janeiro: um olhar reflexivo sobre a festa em Nova Iguaçu.” Monografia
apresentada ao curso de História como requisito parcial para obtenção do Título de Licenciado em História, do Instituto Multidisciplinar da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2014.
DEL PRIORE, Mary. “Entre “doidos” e “bestializados”: o baile da Ilha Fiscal.” Revista USP, São Paulo, n. 58, p. 30-47, jun./ago. 2003.
SOUZA, Luana Mayer de. “A tradição na modernidade: A Festa da Penha pelas letras de Olavo Bilac”. In: Encontro Regional da ANPUH-
Rio. Rio de Janeiro, 199 2012. Anais... Disponível em:
http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276741796_ARQUIVO_PenhaparaANPUH.pdf Acesso em: 04 de dezembro de
2019.
KRAAY, “Hendrik. Alferes Gamboa e a Sociedade Comemorativa da Independência do Império, 1869-1889”. Rev. Bras. Hist. [online].
2011, vol.31, n.61, pp. 15-40.