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A INFLUÊNCIA DO IMIGRANTE ALEMÃO NA FUNDAÇÃO

DO CTG “O FOGÃO GAÚCHO”


Júlio Bartzen de Araújo
Capataz Cultural do CTG “O Fogão Gaúcho” - Taquara/RS

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Brasileiros e sobretudo, gaúchos! Essa frase inicial pode responder a provável


motivação para reprodução da vivência rural pampeana e manifestações culturais decorrentes
na capital gaúcha, em contraponto a modernização.
Neste contexto, este artigo pretende analisar os fatores relacionados com a criação do
Movimento Tradicionalista Gaúcho; sua adoção pelos imigrantes como estratégia de
integração e a influência deles na formatação do tradicionalismo gaúcho; conhecer os
antecedentes do movimento e suas motivações, para a fundação do Centro de Tradições
Gaúcho “O Fogão Gaúcho”, na região colonial alemã.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

No final da década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos


lançam uma ofensiva cultural contra o comunismo, avançando em vários países, em especial
no Brasil, com o movimento “American Way Of Life” (estilo de vida americano), ditando um
padrão de vida, bens-de-consumo, roupas e estética a ser seguido. Esse movimento era
disseminado pelos veículos de comunicação de massa, que propagandeavam Calças-jeans,
Coca-Cola, eletrodomésticos e veículos. Hollywood se transformara no “sonho de consumo”
de todas às classes sociais brasileiras e o cinema era usado como ferramenta de exportação
desse modelo para os países que os EUA pretendiam “conquistar”.
O panorama internacional da época ameaçava a sobrevivência da cultura rio-grandense
através do modismo ditado pelos estrangeirismos. Conforme CIRNE (2011, p. 265), vestir-se
como campeiro e andar na cidade era motivo de gozação. Pouca gente pensava em preservar
as tradições rio-grandenses, pois o moderno era seguir o modelo estadunidense, “velharia”
não tinha valor.
O panorama interno Brasileiro também não era diferente. O mundo estava em
reconstrução e cada país buscava uma identidade que o sustenta-se. O Brasil vivia a ditadura
Vargas, batizada de Estado Novo (1937-1945), que se emprenhava em “costurar” uma
identidade nacional. Para isso, Bandeiras e Hinos dos Estados foram simbolicamente
queimados em cerimônia realizada em 4 de dezembro de 1937 no Rio de Janeiro. As culturas
regionais acabaram sendo esquecidas em nome da campanha de “nacionalização”.
Preocupados com esse panorama e dispostos a conservar as tradições legadas de seus
antepassados, no mês de agosto de 1947, alguns jovens de origem rural, especificamente da
região da Campanha, que estudavam em Porto Alegre no Colégio Júlio de Castilhos, decidem
fundar um Departamento de Tradições Gaúchas (DTG) junto ao Grêmio Estudantil da escola
com o objetivo de desenvolver a cultura gaúcha, por meio de reuniões culturais, sociais e
recreativas.
Liderados por João Carlos D’ávila Paixão Côrtes, o Departamento de Tradições
Gaúchas do “Julinho”, decidiu realizar a “1ª Ronda Crioula”, que teria início no dia 07 de
setembro e iria até o dia 20 de setembro. Também se previa o acendimento de um candeeiro
crioulo, baile gauchesco com concursos de danças e trajes (pilchas), palestras, concurso
literário e uma série de atividades equestres.
Naquele ano de 1947, a Liga de Defesa Nacional, então presidida pelo Major Darcy
Vignoli, havia incluído o translado dos restos mortais do General David Canabarro, na
programação da Semana da Pátria. Os restos mortais seriam deslocados de Sant’Ana do
Livramento para o Panteão da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre.
Para um acontecimento tão importante, entendeu o Major Vignoli que era do maior
significado cívico se a guarda de honra, para fazer as alas em homenagem ao general, fosse
composta por uma representação gaúcha, que traduzisse a alma da terra, a essência
farroupilha. Pessoas que “lembrassem os tempos gloriosos dos nossos estancieiros e suas
peonadas, que enfrentaram durante 10 anos todo o Império”.
Diante da inexistência de uma representação com tais qualidades, o presidente da Liga
então solicitou ao Departamento de Tradições do “Julinho” um piquete de gaúchos para
montar guarda à urna com os restos mortais do general farrapo.
Paixão Côrtes conseguiu rapidamente encilha para 14 cavaleiros. Os cavalos foram
cedidos pelo Exército, no Regimento Osório. A dificuldade foi conseguir adeptos para
participar, pois naquela época era considerado “vexame” aparecer a cavalo na cidade. Apenas
três alunos aceitaram participar, e fora da escola conseguiu-se com muito custo mais cinco,
formando o que conhecemos hoje como “Grupo dos Oito”, sendo eles: João Carlos D’Ávila
Paixão Côrtes, Antônio João Sá de Siqueira, Cilço Campos, Cyro Dias da Costa, Cyro Dutra
Ferreira, Fernando Machado Vieira, João Machado Vieira e Orlando Jorge Degrazia.
Então, no dia 05 de setembro, Paixão Cortes e mais sete companheiros montam a
cavalo e saem ao longo da Avenida Farrapos até a praça da Alfândega em Porto Alegre,
guiados pelo jipe do Exército que conduziu os restos mortais de David Canabarro.
Dois dias após o translado dos restos mortais de David Canabarro, no dia 07 de agosto
de 1947, antes de ser extinto o fogo simbólico da Pira da Pátria, no Parque Farroupilha, foi
acesa uma tocha por Paixão Côrtes, com Cyro Dutra Ferreira e Fernando Machado Vieira
conduzindo as bandeiras. Ao chegar ao colégio Julio de Castilhos, a chama ficou exposta
dentro de um candeeiro crioulo, ardendo durante o período compreendido entre a zero hora do
dia 8 até a meia noite do dia 20 de setembro, data comemorativa de mais um aniversário da
Revolução Farroupilha. Este período é denominado Ronda Gaúcha, momento que deu início a
Chama Crioula.
Barbosa Lessa comenta em seu artigo “Porteira Aberta” o sufoco duplo (interno e
externo) enfrentado na época. Tanto é que um mês antes dos acontecimentos, mostrar em
público a bandeira do Rio Grande do Sul era considerado ato subversivo.

Era duplo, pois o nosso sufoco. E foi aí que um outro aluno noturno do Júlio de
Castilhos, e funcionário da Secretaria da Agricultura, “prendeu o grito” em setembro
de 1947 e mostrou novamente a Porto Alegre a bandeira rio-grandense, desaparecida
já havia dez anos. Paixão Côrtes não foi preso porque isto não se constituía mais em
ato subversivo: no mês anterior, com a promulgação da Constituição Estadual,
restabelecera-se oficialmente o velho pavilhão tricolor. Nessa mesma semana Paixão
Côrtes instituiu, com meia dúzia de gatos-pingados, a Chama Crioula, ponto de
partida para as comemorações populares da Semana Farroupilha. (LESSA, 1998).

Durante a ronda também se realizou o primeiro baile gaúcho, que aconteceu no


Teresópolis Tênis Club, no dia 20 de setembro à noite. A decoração do local era feita por
objetos comuns nas lides campeiras, como: laços, guampas, pelegos, ninhos de João-de-barro,
etc., além de fogo de chão, onde se esquentava a água para o chimarrão e assava-se a carne. A
beira de um verdadeiro fogo de chão mateando e tomando café de chaleira, está foi a Ronda
Crioula, precursora da semana farroupilha, que só foi oficializada 17 anos depois, em 1964.
Poucos meses depois, em abril de 1948, os jovens estudantes se aliam a outros rapazes
e fundam o “35” CTG (Centro de Tradições Gaúchas) em Porto Alegre/RS. Quatro meses
após a fundação do “35” os taquarenses reafirmam os ideais tradicionalistas fundando o CTG
“O Fogão Gaúcho”.
FUNDAÇÃO DO CTG “O FOGÃO GAÚCHO” - 1948

Segundo AGUIAR, L. M.; AGUIAR, N. (2008, p. 875), Antônio Aguiar transferiu-se


com a família de Santo Antônio da Patrulha para Taquara em 05/01/1931, onde residiu com
sua família nas ruas Marechal Floriano e Bento Gonçalves posteriormente.
Em 14 de agosto de 1941, Antônio Aguiar adquiriu a casa Nº 1194 da Rua Tristão
Monteiro, onde instalou, no térreo, escritório para atender a população quando era juiz e
depois para recomeçar a advogar (1951-1963) até seu falecimento.
Quando morava na rua Bento Gonçalves, Antônio Aguiar se reunia para matear com
seus amigos e vizinhos, e a roda de chimarrão continuou na casa da rua Tristão Monteiro, só
que com maior movimentação de pessoas devido à vizinhança com a prefeitura.
A cuia corria de mão em mão. A água era esquentada em um fogareiro, mas como o
fogareiro não dava mais conta do movimento, Antônio Aguiar comprou entre 1941/1942 um
“fogãozinho” de duas bocas. Este fogão era alimentado por carvão e a chaleira em cima da
chapa sempre fornecia água no ponto desejado para os mates.
Os encontros não ficavam apenas no chimarrão, muitas vezes era proposto fazer
churrasco, galinhada ou carreteiro. Logo se providenciava um cozinheiro e um tocador de
gaita e violão para animar o pessoal. Enquanto os cozinheiros ficavam a frente do fogão ou da
churrasqueira, a roda de mate seguia com música, trova e declamação.
Em uma das reuniões na década de 40, Antônio Aguiar juntamente com o grande
entusiasta das lides campeiras, o promotor Olavo de Carvalho Freitas, decidem criar uma
agremiação a fim de cultuar as tradições gaúchas. Então surge em 1947 o “Centro Cívico
Gaúcho”, constituído por uma diretoria provisória, tendo como presidente Antônio Aguiar.
Passado algum tempo, os frequentadores das rodas de mate decidem mudar o nome da
agremiação e um dos presentes apontou para o “fogãozinho”, surgindo a nova denominação
da confraria “O Fogão Gaúcho”.
Neste meio tempo, Olavo, integrante do “Fogão Gaúcho”, procurou Cyro Dutra
Ferreira, que fazia parte do “35” CTG, fundado em abril de 1948 em Porto Alegre, para
inteirar-se dos detalhes da formação do mesmo, a fim de obter uma orientação e poder com
ela traçar diretrizes da entidade taquarense que seria o segundo CTG do Rio Grande do Sul.
Então, no dia sete de agosto de 1948, é fundado em Taquara/RS o Centro de Tradições
Gaúchas “O Fogão Gaúcho” com diretoria eleita, sendo Olavo de Carvalho Freitas escolhido
primeiro patrão. No dia 14 de novembro de 1948 ocorre a primeira grande promoção aberta
ao público nas terras de Theophilo Sauer, onde aconteceram provas campeiras, declamações,
trovas, rodas de canto, danças e um grande churrasco com a participação do “paraninfo” de
fundação, “35” CTG.

[...] Segundo consta na reportagem do Jornal Tradição, edição especial de julho de


1998, - os signatários da ATA DE FUNDAÇÃO DO “O FOGÃO GAÚCHO” —
Taquara, foram: Antônio Aguiar, Olavo de Carvalho Freitas, Alvício Móller,
Azeredo do Amaral, Eloy de Oliveira, Francisco Stumpf, Rui Viana Barbosa,
Roberto Missel, Antonio Francisco Gomes da Fonseca, Alziro Paiva, Joaquim
Machado da Rosa (Quincas), Cleomarino Machado, Gustavo Wagner, Crescêncio
Ferreira. A ata foi redigida pela professora Noely Aguiar. Esta ata algum tempo
depois desapareceu. (AGUIAR, L. M.; AGUIAR, N.; 2008).

Nota-se claramente que os dois fundadores principais do CTG “O Fogão Gaúcho”,


Antonio Aguiar e Olavo de Carvalho Freitas, naturais de Santo Antônio da Patrulha,
buscavam reconstituir no ambiente urbano taquarense as tradições que cultuavam no seu local
de nascimento. Seus objetivos eram iguais aos jovens do interior que fundaram uma
agremiação tradicionalista na capital do Estado. Porém, há de se estudar quais eram os
objetivos dessa gente de sobrenome alemão que somou-se para a fundação da agremiação
taquarense.

INTEGRAÇÃO DO IMIGRANTE ALEMÃO

Barbosa Lessa, em entrevista no dia 18 de junho de 1985, revela que:

[...] nós procurávamos divulgar, o objetivo desde os estatutos era divulgar as nossas
tradições nos países vizinhos e nos estados irmãos nós tínhamos um sentido de
expansão através de outros estados. E o primeiro CTG, a primeira resposta, veio de
Taquara da região de colônia alemã, que nos perturbou todos nossos objetivos. Nós
achávamos que viria eventualmente da campanha e veio da região de colônia alemã
(BARBOSA LESSA apud OLIVEN, 1992: 79).

Conforme GERTZ (1998: 45 — 46), nota-se claramente que os tradicionalistas


esperavam que seu movimento repercutisse em outros estados e até em outros países, mas
jamais entre esta gente estranha das assim chamadas “colônias alemãs”.

Repressão durante o “Estado Novo”

Para desmistificar “os porquês” da integração do imigrante alemão com o


tradicionalismo, é preciso voltar no tempo e contextualizar o período histórico no qual o país
estava. O Brasil atravessava a ditadura Vargas (Estado Novo) e a Segunda Guerra Mundial,
onde buscou-se homogeneizar as culturas brasileiras em uma dura campanha de
“nacionalização”, além de reprimir os “quistos étnicos” que poderiam ter ligação com os
adversários de guerra.
No Brasil, o governo Vargas mantém relações comerciais estreitas com a Alemanha
(1934-1940), dividindo-se em períodos pró-Alemanha e antinazista. Vargas passa a perseguir
integralistas, após o exílio de Plínio Salgado em Portugal, em 1938. “Um agente alemão, líder
do partido nazista no Rio Grande do Sul, foi preso. O embaixador da Alemanha foi declarado
persona non grata e viu-se forçado a deixar o Brasil” (FAUSTO, 2001:210). Essa indefinição
de que lado o Brasil iria ficar durante a Segunda Guerra Mundial, só se estabiliza com
pressões dos Estados Unidos para que o Brasil rompa relações comerciais com o Eixo
(Alemanha, Itália e Japão).
Conforme GERTZ (2005, p. 144 - 177), os efeitos da campanha de “nacionalização”
durante o Estado Novo não atingiram de forma linear todos “quistos étnicos”. O surgimento,
já no século 19, em especial no período de 1933 a 1945, de estereótipos e preconceitos contra
os descentes germânicos, criou no imaginário popular a fantasia do “perigo alemão”, fazendo
deste grupo o mais atingido pela campanha de “nacionalização”. As manifestações de
germanismo, o nazismo e integralismo na região colonial, colocaram este grupo na mira do
“Estado Novo”.
A proibição dos cultos e da imprensa em língua alemã, a mudança dos nomes de
localidades e acidentes geográficos e a própria interferência na atividade educacional nas
regiões coloniais só se tornaram mais incisivas quando o Brasil declarou guerra à Alemanha
(GERTZ, 2005: 155).
Voltando a questão inicial: Mas um CTG em região de colonização alemã? Sim, o
segundo CTG surgiu em uma região de colonização alemã, pois os imigrantes foram muito
reprimidos durante o Estado Novo, devido a ameaça do nazismo, não podendo nem falar em
alemão em locais públicos. Com o término do Estado Novo, eles fundaram o CTG, buscando
uma forma de se integrar na sociedade e reafirmar o gauchismo e a brasilidade.

INFLUÊNCIA DO IMIGRANTE ALEMÃO NO TRADICIONALISMO: VIII


CONGRESSO TRADICIONALISTA GAÚCHO E A QUEBRA DE PARADOXO/
MULTICULTURALISMO - 1961

Durante o VIII Congresso Tradicionalista Gaúcho realizado de 20 a 23 de julho de


1961 no CTG “O Fogão Gaúcho”, da cidade de Taquara/RS, com a participação de 130
delegados de 65 entidades, o tradicionalismo viu seus referenciais pampeanos darem espaço
as particularidades regionais da formação territorial rio-grandense, através de teses sobre
alemães, negros, índios e o Kerb, além da aprovação da Carta de Princípios do MTG e seu
artigo XXIV.

Artigo XXIV da Carta de Princípios do MTG

Em 1934, durante as comemorações dos 110 anos de imigração alemã no Rio Grande
do Sul, o governador Flores da Cunha decretou que 25 de julho passaria a ser o “Dia do
Colono”, sendo feriado oficial no RS.
Essa data se tornou tão forte no Rio Grande do Sul, que durante a construção da Carta
de Princípios do MTG, aprovada durante VIII Congresso Tradicionalista Gaúcho, criou-se o
objetivo tradicionalista XXIV com a seguinte redação: “Lutar para que seja instituído,
oficialmente, o Dia do Gaúcho, em paridade de condições com o Dia do Colono e outros
‘Dias’ respeitados publicamente”. Com o tempo, o “Dia do Colono” foi perdendo sua força e
o “20 de setembro” acabou se consolidando no seio da sociedade gaúcha, sendo este um dos
únicos objetivos já alcançados da Carta de Princípios do MTG desde sua aprovação.

O Kerb Tradicionalista

Conforme KLAIN (1982) apud CAMPOS et al. (2004), o Kerb tem ligação com a
religiosidade dos imigrantes que aportaram no Rio Grande do Sul. A origem desta festividade
remete ao veleiro “Cacilda” que quase naufragou quando se dirigia ao Brasil.
Aflitos, os colonos prometeram fazer uma festa ao santo do dia caso chegassem ao seu
destino. Quando chegaram ao destino, em 29 de setembro de 1829, cumpriram sua promessa,
realizando uma festa de três dias a São Miguel1 (padroeiro da colônia), assumindo a obrigação
de construírem um templo.
E aí se deve a confusão da origem do Kerb. Alguns pesquisadores simplesmente
encurtam a história e simplificam a conceituação do Kerb, caracterizando-o apenas como uma
“festa de igreja” ou “festa de inauguração da igreja”.
O Kerb não pode ser apenas caracterizado como uma festividade alemã, mas sim uma
festividade genuinamente rio-grandense, pois nasceu neste solo através do cumprimento de
uma promessa.

1 É comum ouvirmos a expressão “Kerb de São Miguel”, principalmente no município de Dois Irmãos que
conserva esta tradição.
A tese de que o Kerb é uma tradição genuinamente gaúcha da colônia alemã foi
apresentada pelo Dr. Friedrich J. P. Tempel e defendida pelos integrantes do CTG “O Fogão
Gaúcho”, Eldo Ivo Klain e Índio Brasileiro Cesar, durante o VIII Congresso Tradicionalista
Gaúcho, onde deixam claro que o Kerb é uma comemoração tipicamente gaúcha e por isso
deveria ser acolhida nos CTGs, inclusive, no ano de apresentação da referida tese (1961),
Antonio Carneiro de Souza, do CTG “O Fogão Gaúcho”, fez uma enquete com outros países e
Estados brasileiros com colonização alemã e só aqui no Rio Grande do Sul havia este tipo de
festividade.
Desde a aprovação da tese no VIII Congresso Tradicionalista Gaúcho, realiza-se
anualmente no CTG “O Fogão Gaúcho” o “Kerb Tradicionalista”.
Durante a realização do Kerb há comida típica, cerveja e música de bandinha durante
três dias. Além de coroação do Rei do Kerb (kerbkonig), o qual ganha faixa ou distintivo.

Figura 1 - Reis do Kerb de 1966 a 1977 do CTG “O Fogão Gaúcho”. Da esquerda para a direita em cima:
Ivo Rubem Ostermann, Rauf Laube, Armindo Lauck, Anildo Dreger, Pedro Blauth, Hédio Muller e
Mario José Bangel. Da esquerda para a direita em baixo: José Marmor Marques, Mario Machado de
Oliveira, Iracildo Birck, Rubem Steffen e Antônio Marmor Marques, foto do acervo do CTG “O Fogão
Gaúcho”.

O Primeiro Kerb promovido pela entidade taquarense ocorreu nos dias 21, 22 e 24 de
julho de 1962. A partir de 1965 o Kerb passou a ser realizado juntamente com a Festa do
Colono e ter um Rei, como acontecia nos primórdios, tendo como 1º Rei de Kerb do CTG “O
Fogão Gaúcho”, Ivo Rubem Ostermann. A relação de reis do Kerb da agremiação taquarense
pode ser visualizada no Quadro 1.
RELAÇÃO DOS REIS DO KERB DO CTG “O FOGÃO GAÚCHO”
EDIÇÃO ANO REI DO KERB
1962
NOTA DE Não houve escolha do Rei do Kerb
1963
RODAPÉ2 nestas primeiras edições
1964
1º KERBFEST 1965
Ivo Rubem Ostermann
2º KERBFEST 1966
3º KERBFEST 1967 Siegfried Rauf Laube
4º KERBFEST 1968 Armindo Lauck
5º KERBFEST 1969 Balduíno Anildo Dreger
6º KERBFEST 1970 Pedro Blauth
7º KERBFEST 1971 Hédio Muller
8º KERBFEST 1972 Mário José Bangel
9º KERBFEST 1973 José Marmor Marques
10º KERBFEST 1974 Mário Machado de Oliveira
12º KERBFEST 1975 Iracildo Birck
13º KERBFEST 1976 Rubem Steffen
14º KERBFEST 1977 Antônio Marmor Marques
15º KERBFEST 1978 Odécio Sprandel
16º KERBFEST 1979 Nadir Fischer
17º KERBFEST 1980 Carlos Alberto Marmitt
18º KERBFEST 1981 José Eroni de Borba
19º KERBFEST 1982 Ivo Ew
20º KERBFEST 1983 Ivo Rainoldo Bauer
21º KERBFEST 1984 Ardy Muller
22º KERBFEST 1985 Claudionor Pacheco
23º KERBFEST 1986 Valdir Kohlrausch
24º KERBFEST 1987 Valdir Jung
NÃO FOI REALIZADO BAILE DE KERB
- 1988
40 ANOS DO CTG “O FOGÃO GAÚCHO”
25º KERBFEST 1989 Celso Gerhar
26º KERBFEST 1990 Osmar Pacheco de Farias
27º KERBFEST 1991 Vitor Jung
28º KERBFEST 1992 Mário Machado de Oliveira
29º KERBFEST 1993 Alenir Marques Jardim
30º KERBFEST 1994 Celio Bauer
31º KERBFEST 1995 Luiz Lima
32º KERBFEST 1996 Luiz Henrique Podlasinski
33º KERBFEST 1997 Salvador Braga dos Santos
34º KERBFEST 1998 Flávio Brussius
35º KERBFEST 1999 Genilton Nivaldo Altmeyer
36º KERBFEST 2000 Arnildo Kerper
37º KERBFEST 2001 Manoel de Deus
38º KERBFEST 2002 Marcelo Foscarini
39º KERBFEST 2003 Valmor Antônio Faoro
40º KERBFEST 2004 Mauro Santos
41º KERBFEST 2005 Luiz dos Reis
NÃO SE SABE QUEM FOI O REI DO KERB
42º KERBFEST 2006
ATA EXTRAVIADA
- 2007 NÃO FOI REALIZADO BAILE DE KERB
NÃO FOI REALIZADO BAILE DE KERB
- 2008
60 ANOS DO CTG “O FOGÃO GAÚCHO”
43º KERBFEST 2009/2010 Atalício Petzinger
44º KERBFEST 2010/2011 Sebastião Araújo
45º KERBFEST 2011/2012 Cassiano Dillenburg

2
As edições do Kerb passaram a ser numeradas em 1965 quando o evento passou a ser realizado junto com a
Festa do Colono e escolher Rei do Kerb.
46º KERBFEST 2012/2013 Sebastião Araújo
FOI REALIZADO BAILE DE KERB
47º KERBFEST 2013/2014
NÃO HOUVE CANDIDATO PARA REI DO KERB
48º KERBFEST 2014/2015 Elói Dillenburg
49º KERBFEST 2015/2016 Paulo Marques de Oliveira
50º KERBFEST 2016/2017 Júlio Cesar Welter
51º KERBFEST 2017/2018 Atalício Petzinger
52º KERBFEST 2018/2019 Júlio Cesar Welter
53º KERBFEST 2019/2020 Valmir Rotmann
Quadro 1 – Relação dos Reis do Kerb do CTG “O Fogão Gaúcho”, elaborado pelo autor.

Ciranda Musical Teuto-Rio-Grandense

A Ciranda surgiu como um movimento cultural em torno da cultura germânica. Em


1972, o CTG “O Fogão Gaúcho” e Centro de Estudos Teuto-Rio-Grandenses promoveram a
1ª edição da Ciranda Musical Teuto-Rio-Grandense, o segundo festival de música criado no
Estado. A Ciranda não era um simples festival, na verdade, ele era diferente de todos os
outros, pois buscava fazer a integração da cultura alemã com a gaúcha, um processo de
aculturação.
A primeira edição, permitiu um espectro de ritmos ligados à cultura teuta: terol
(tiroler), polca, lied. Dos ritmos nativos, só foi permitido o vanerão e a polca.
A abertura do festival, dando um sentido mais universal à nossa música, só ocorreu a
partir da 3ª edição com a criação de duas categorias: linha de acordes rio-grandenses e linha
de acordes teuto-rio-grandenses. Em sua 3º edição, realizada em 1978, o palco da Ciranda
revelou aquela que seria considerada um hino extraoficial do RS, a música “Céu, Sol, Sul,
Terra e Cor”, de Jader Moreci Teixeira, conhecido popularmente como Leonardo. A Ciranda
inovou, criando uma terceira categoria posteriormente: linha de acordes de projeção cultural.
Essa categoria permitiu uma maior participação de ritmos urbanos, com uma certa limitação,
o “Rock and Roll” não era permitido, por exemplo.
Figura 2 – Capa do Disco da 1ª Ciranda Musical Teuto-Rio-Grandense, 1972.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É apoteótico que com a hegemonia da cultura gaúcha no sentido pampeano, em nossa


região de colonização alemã tenha surgido o segundo CTG do Estado, o qual influenciou o
tradicionalismo quebrando o paradoxo de uma aparente estabilidade dos referenciais culturais
rio-grandenses de conotação gauchesca. Essa questão é tão latente que durante a confecção da
Carta de Princípios, em 1961, o Art. XXIV coloca em destaque similar o dia do colono com o
dia do gaúcho. Durante o VIII Congresso Tradicionalista Gaúcho, Dr. Friedrich J. P. Tempel
também defendeu a formação de grupos de canto coral dentro dos CTGs, uma clara tradição
alemã que era preservada nas Sociedades de Canto. Outra tese interessante apresentada no
Congresso de 1961, foi a necessidade de preservar as casas construídas na técnica enxaimel,
tradicionais na colônia alemã.
Conforme identifica Hobsbawm (1984, p.13),

novas tradições surgiram simplesmente por causa da incapacidade de utilizar de


adaptar as tradições velhas. Houve adaptações quando foi necessário conservar
velhos costumes em condições novas ou usar velhos modelos para novos fins.
Instituições antigas, com funções estabelecidas, referências ao passado e linguagens
e práticas rituais podem sentir necessidade de fazer adaptação.

Talvez essa adaptação sugerida por Habsbawn, tenha ocorrido no processo de


formatação do tradicionalismo gaúcho, principalmente na fundação do CTG “O Fogão
Gaúcho”, onde diferentes identidades se reencontram e recongregam. O que fez da
agremiação tradicionalista taquarense, uma entidade forte e representativa em Taquara/RS,
enquanto as sociedades alemãs estão na sua maioria desativadas ou com movimentação
cultural mínima.
Ruben George Oliven, ratifica o raciocínio do autor com a seguinte afirmação:

E foi assim que, em muitos lugares, os CTGs substituíram, como ponto de encontro
e convivência, as igrejas, as canchas de bocha, os antigos clubes, as associações de
canto, etc. (OLIVEN; 1998, p. 86).

Conforme (TEMPEL; 1961, p. 155), os imigrantes alemães que vieram ao Brasil,


vieram de livre vontade, para ficar e para construir para si e para seus descendentes uma nova
pátria. Isso fez com que se identificassem com o Brasil e o Rio Grande do Sul, reafirmando lá
em 1948 sua brasilidade e gauchismo, durante a fundação do CTG “O Fogão Gaúcho”.

Paradoxalmente, também terá exercido um papel no abrasileiramento do extremo sul


o ingresso maciço de imigrantes centro‐europeus promovido depois da
Independência. Situado nas zonas desabitadas entre as fronteiras sulinas e os
principais núcleos do país, eles ativaram economicamente aquelas áreas,
contribuindo para viabilizar e modernizar a economia sulina e capacitá‐la para
melhores formas de intercâmbio com o restante do país. (RIBEIRO; 1995, p. 412).

REFERÊNCIAS
Atas do CTG “O Fogão Gaúcho”.

AGUIAR, L. M.; AGUIAR, N. “O Fogão Gaúcho”. In: BARROSO, Vera Lucia Maciel; SOBRINHO, Paulo
Gilberto Mossmann. Raízes de Taquara vol. Il. Porto Alegre: EST, 2008. p. 874 – 888.

CAMPOS, Sonia Siqueira et al. Rio Grande do Sul: aspectos do folclore. Aspectos do Folclore. 5. ed. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 2004. 178 p.

CIRNE, Paulo Roberto de Fraga. O começo do tradicionalismo gaúcho. In: CARELI, Sandra da Silva;
KNIERIM, Luiz Claudio. Releituras da História do Rio Grande do Sul. Fundação Instituto Gaúcho de
Tradição e Folclore. Porto Alegre, CORAG, 2011. P. 265 – 282.

DACANAL, José Hildebrando. Origem e Função dos CTGs. In: GONZAGA, Sergius; FISCHER, Luís Augusto
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