Você está na página 1de 4

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Disciplina de História do Rio Grande do Sul 2023


Larissa Maia Barbosa

Resenha: “Entre a beleza do morto e os excessos dos vivos:


folclore e tradicionalismo no Brasil meridional”
Referência: NEDEL, Letícia Borges. Entre a beleza do morto e os excessos dos vivos:
folclore e tradicionalismo no Brasil meridional. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 31, n. 62, p. 193-215, dez 2011. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S0102-01882011000200011

Introdução:
O artigo busca articular sobre os conflitos durante o Movimento Folclórico
Brasileiro, com foco nos intelectuais e tradicionalistas do Rio Grande do sul.

Resumo:
A autora inicia apontando que no final do século XIX até os anos seguintes à
Segunda Guerra, as elites do Rio Grande do Sul já estavam divididas entre o
regionalismo e um “universalismo iluminista”. Durante o processo de
redemocratização, onde novas fontes de saber estavam sendo colocadas como
válidas, também surgiu um novo mercado de produtos locais, colocando assim o Rio
Grande de Sul em foco nos estudos sobre cultura popular, dessa vez não apenas em
análises feitas sobre literatura regional, mas também no trabalho de campo.
A pesquisadora busca analisar o trabalho conjunto entre historiadores,
escritores, críticos literários e militantes do movimento tradicionalista para as
pesquisas sobre folclore. A Comissão Nacional de Folclore (CNFL) liderou em 1958 a
Campanha da Defesa do Folclore Brasileiro, tendo como objetivos organizar um
"inquérito do folclore brasileiro”, a preservação da memória regional e a inclusão de
datas comemorativas no calendário nacional. Entretanto, os pesquisadores
precisavam lidar com outros dois grupos com interesses semelhantes, a Comissão
Estadual de Folclore (CEF) e o grupo formado por jovens, o Movimento
Tradicionalista.
1
O texto traz um breve resumo sobre a origem, do que ela reconhece, como a
vanguarda de um movimento de massas. João Paixão Cortes organizou um
“Departamento de Tradições Gaúchas" no Grêmio Estudantil do Colégio Julio de
Castilhos junto a outros oito alunos. O grupo ganhou reconhecimento ao organizar
cerimônias em homenagem à independência nacional e “Revolução Farroupilha”,
porém apenas a criação do primeiro Centro de Tradições Gaúchas (o 35 CTG), em
Porto Alegre, é que marca o momento em que o “grande público” abraçou de vez a
ideia. O movimento se consolidou, além de com o apoio popular, com alianças à
classe política e eruditos locais, conquistando assim um espaço institucional e
ocupando a mídia tradicional, aparecendo em programas de rádios e possuindo
colunas próprias nos jornais mais importantes do estado.
O texto deixa claro sua posição perante o movimento, chamando de invenções
os “rituais de projeções folclóricas" que receberam o apoio do estado para
acontecerem em cerimônias oficiais.
Os escritores começaram a tentar expandir suas temáticas, adicionando a vida
doméstica, uma espécie de “História vista de baixo”, indo além de apenas histórias
militares. O presidente da CEF chegou a alertar sobre a glorificação da imagem do
Gaúcho rural, viril e militarista, que ele havia evoluído era necessário repaginar essa
figura, entretanto, a ideia do movimento tradicionalista era aflorar ainda mais isso
através de CTGs, rodeios, desfiles, entre outros festivais de celebração à “tradição”.
Como é percebido no texto, por volta do final dos anos 40, já havia se criado o
que seria “um gaúcho de verdade”, nesse momento não tendo relação exatamente
com o local em que a pessoa nasceu, mas as roupas e atividades que praticava, sendo
aconselhado buscar no 35’ esse homem. Essa estreia do gaúcho para o mundo
acontece justamente por meio de fotos para uma revista de Nova York.
Certo trecho chamou minha atenção e pretendo comentá-lo:

A roupagem jornalística aplicada ao episódio deixa no leitor a


impressão de tratar-se o 35 de um complexo cultural bem aparelhado, uma
espécie de parque temático erguido como a sucursal urbana de uma
propriedade rural de criação pecuária. Mal se percebe, no início da narrativa,
que as canções populares apresentadas a Ms. Anderson pelos ‘professores
de gauchismo’ eram, na verdade, criações de um elenco diminuto de
estudantes e escoteiros recém ‘convertidos’ em gaúchos – ou, por outra, que
tinham iniciado sua adesão aos valores e aos costumes rurais da campanha
2
exatamente ao mudarem para a capital. Essa trupe tão disponível de
trovadores, dançarinos, poetas e contadores de ‘causos’, à exceção de uns
poucos integrantes, tinha uma familiaridade não mais do que indireta com a
vida no campo. (NEDEL, 2011, p. 200).

Hoje em dia costumamos usar o termo “Gaúcho de apartamento” em tom de


brincadeira, mas esse relato levanta a questão de que se algum dia já existiu um
grande contingente que não fosse. Se a própria gênese do movimento nos anos 40
ele já estava desconectado aos pampas, o que esperar das décadas posteriores?
A autora usa em tom quase sarcástico a palavra “convertidos” para descrever
os jovens recém iniciados, dando a sensação de que não é muito diferente de um
RPG ou um clube, com suas cerimônias de iniciações, obrigações e roupas
exclusivas. Nesse caso, fazendo uma brincadeira com Simone de Beauvoir, não se
nasce “Gaúcho”, torna-se.
Fui pega de surpresa ao descobrir que o termo “prenda” foi criado
posteriormente, substituindo as “gauchinhas”. Mais uma “tradição” que foi escolhida a
dedo.
Pelo que se pode observar, o movimento tradicionalista de colocava como um
guardião e restaurador da memória, defendendo a teoria de que o folclore do Rio
Grande do Sul havia “desaparecido” e eles o estavam trazendo de volta à tona. Com
o passar dos anos, as festas não eram mais para homenagear os "gaúchos de
antigamente”, mas os próprios organizadores do movimento.
“Para usar a síntese lapidar de Daniel Fabre, o ‘espetáculo da história’ cede
lugar então a uma ‘história do espetáculo’.” (FABRE. Apud NEDEL, 2001, p. 204).
A tensão entre intelectuais e tradicionalistas se acirrou conforme o incômodo
com a figura do “gaúcho de antigamente” aumentava, fazendo eles questionarem se
eles sequer haviam existido da forma que os bailes representavam. Além de tudo,
essa figura bruta entrava em conflito com a postura cordial que os intelectuais tinham
como correta.
Aprovada em 1954 pelo congresso, a “Carta de Princípios do Tradicionalismo”
marcou o movimento como emissor da “cultura do Rio Grande do Sul”.
“O Tradicionalismo deve ser um movimento nitidamente popular, não
simplesmente intelectual ... Não se deve confundir o Tradicionalismo, que é um
movimento, com o Folclore, a História, a Sociologia, etc. que são ciências”.”
3
Nesse trecho da carta, o tradicionalismo rompe de vez com os eruditos, além
de tentar deixar o movimento imune a críticas, como se ele não tivesse obrigação de
respeitar os questionamentos vindos de métodos científicos.
A autora ainda aponta a violência como forma de reafirmar a “Identidade do
gaúcho”, ocasionando tiroteios e agressões físicas e verbais, chegando a atrapalhar
a organização interna do movimento.

Considerações:
O artigo mostra de forma concisa o desenvolvimento do Movimento
Tradicionalista e seus impactos na identidade regional dos habitantes do Rio Grande
do Sul. Achei o texto um tanto áspero ou “ácido”, mas isso não é algo negativo, muito
pelo contrário, inclusive me diverti com algumas partes.
Me chamou atenção o trecho em que a autora comenta que os próprios
intelectuais da época tinham receio de questionar a legitimidade desse “folclore”
criado pelos tradicionalistas e podemos notar que até hoje certos setores da
sociedade ainda têm esse medo.
A forma como a pesquisadora apresenta o caso é um ótimo episódio para
entender sobre memória cultural, revisionismo, formação de identidade, tradições e
criação de cânones.
A abordagem da autora apenas confirmou algumas impressões que eu possuía
sobre o movimento, logo, considero um artigo bastante enriquecedor, que talvez
cause estranheza para quem não está familiarizado com o conceito do “mito do
gaúcho”, podendo ser como contar para uma criança que o Papai Noel não existe, por
isso ele é tão necessário.

Você também pode gostar