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Universidade Estadual do Pará

Departamento de Filosofia e Ciências Sociais


Centro de Ciências Sociais e Educação
Licenciatura Plena em História
Disciplina História e Literatura
Prof. Dr. Telmo Renato da Silva Araújo
Aluna: Wanessa Silva de Oliveira

Introdução
No século XIX, a literatura passou a incluir muito mais do que textos poéticos e
passou a abranger todas as expressões escritas, incluindo até mesmo as científicas
e filosóficas. A abrangência desafiou literatos e teóricos a estabelecerem critérios
para a manifestação artístico- literária em seus aspectos intrínsecos. Aristóteles foi
um dos primeiros pensadores a estudar o tema e formulou o conceito de mimese, ou
seja, a obra literária seria uma imitação da realidade. (LUCA; PINSKY, 2015)
Ademais, a utilização da literatura como fonte de pesquisa é recente isso porque os
historiadores passaram a observar a riqueza de significados proporcionado por
esses textos para compreender o universo cultural, dos valores sociais e das
experiências subjetivas de homens e mulheres no tempo. Visto que toda ficção está
sempre enraizada na sociedade pois é através dela que o escritor cria seus mundo
de sonhos, utopias ou desejos. (LUCA; PINSKY, 2015)
No conto “Vão cortar as cabeças”, trata da transferência da jovem Clara de Belo
Horizonte para a região Norte do país enquanto ocorria a Guerrilha do Araguaia
como medida punitiva a comportamentos considerados inapropriados pela madre
superiora da Congregação. Ao longo da narrativa é possível observar que a história
mistura ficção com realidade da qual é possível extrair e discutir sobre qual grupo
pertenciam os guerrilheiros, a violência e a situação social do campo.
A Guerrilha do Araguaia e a literatura como fonte
A comissão Nacional da Verdade e o projeto Brasil Nunca Mais chegaram aos
mesmos resultados no que tange a composição a partir do sexo sobre o
envolvimento contestatório e a faixa etária desses. A CNV aponta 384 homens
(88,48%) e 50 mulheres (11,52%) e para o BNM, 88% dos 7.367 investigados eram
do sexo masculino e 12% do sexo feminino. No que tange a faixa etária, o BNM
indica que 38,9% das pessoas submetidas a Inquéritos Policiais Militares tinham
idade igual ou inferior a 25 anos (sendo 91 com menos de 18 anos). E o projeto da
CNV indica que a média de idade era 33,4 anos, sendo o mais velho com 75 anos e
o mais novo possuía meses de vida. (CASALI, 2019)
O texto também trabalha com o arranjo da faixa etária dos grupos guerrilheiros ao
declarar que o governo estava sendo duro com os jovens, ainda mais o estudantes a
partir de um panorama nacional e internacional. Entretanto, o texto fornece
informações sobre a ocupação social da região conhecida como Bico do papagaio.
Essa região teve por parte do Estado grande incentivo de migrações sob o postulado
de que esse espaço era vazio.
No Pará o modelo previsto para o desenvolvimento seria o projeto sob a pata do boi,
ou seja, largos incentivos estatais que gera a introdução do modelo capitalista
subalterno e predatório na região incentivado pela Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) que aprovou diversos projetos
agropecuários em sua maioria nas cidades de Conceição do Araguaia e Santana do
Araguaia.
“Nos quinze anos que se seguiram, mais de um bilhão de dólares em
investimentos foram aprovados para a agropecuária na Amazônia, setor que
recebeu a maior parcela dos incentivos sob o novo programa. Os produtores
de madeira industrial, juntamente com os fazendeiros, captaram a maior
parte dos subsídios da Sudam. Os madeireiros também se beneficiaram de
medidas específicas feitas para promover a exportação. As duas atividades
expandiram-se rapidamente no sul do Pará durante os anos 70.”
(SCHMINK; WOOD, 2012, p. 103)

O que era visto como empecilho para a implementações desses projetos, de


empresas nacionais e internacionais, eram os pequenos trabalhadores rurais já
ocupantes das terras que seriam invisibilizados como ocorreu em um discurso do
presidente Emílio Garrastazu Médice durante uma reunião extraordinária da Sudam
em Manaus (AM) para empresários e políticos interessados em adquirir crédito e
extensas faixas de terras na Amazônia. O presidente declarou que como alternativa
para ocupar essas terras vazias seria incentivar a migração de nordestinos sem
terras. (MACHADO, 2022).
A personagem Clara caminhando em direção ao povoado escutou um vozerio e ao
se esconder pode olhar alguns soldados arrastando outro soldado ferido. E depois
de retomar a caminhada viu três pessoas caídas ao chão do lado de armas: duas
mortas e uma falou com ela solicitando ajuda e se apresentando como o “povo da
mata”. Esse guerrilheiro também revela a pressa para fugir dali com a freira visto
que os soldados voltariam para “cortar as cabeças”.
Sobre a base militar de Xambioá, há relatos de vários corpos levados e enterrados
nesse base assim como a história de várias cabeças cortadas em um saco durante
várias versões. O autor traz uma dessas versões por meio da entrevista com a Dona
Domingas em Araguaína (TO):
O compadre Arlindo, que matou Osvaldão, eles mataram um
grupo e cortaram as cabeças. Seis ou mais cabeças. Passaram na
minha casa com um major, com o saco de cabeças. O compadre
Arlindo disse: - Repara o que eu tenho aí dentro. Eram as cabeças.
Pegaram o helicóptero e foram para Xambioá com as cabeças (Dona
Domingas, depoimento pessoal, agosto de 2009).

Entretanto, as escavações não encontraram nada é indício de que a área foi


submetida à chamada “operação de limpeza” para encobrir os crimes pelo Estado.
Mesmo após o fim da guerrilha, a repressão imposta na região contra a população e
sobre a guerrilha ficou conhecida como “segunda guerra” ou a “guerra que veio
depois” imposta por algumas autoridades civis e militares dessa região para impedir
a disseminação dessas histórias até os dias de hoje causando um verdadeiro
silenciamento. (PEIXOTO, 2021)
Considerações finais
Sendo assim, é possível notar que a literatura desempenha um papel importante na
sociedade visto que ela não é apenas figurativa e consegue elucidar e dar vida
através da linguagem poética eventos do qual a história brasileira percorreu ao longo
do tempo e sensibilizar a sociedade sobre eles.
Diante do conto é possível o leitor adentrar na situação que tomou conta do sudeste
do Pará durante a Ditadura militar em que jovens guerrilheiros enviados pelo PCdoB
foram perseguidos, torturados e mortos pelo Estado através do militares que ali
faziam as “operações de limpeza”, também abre espaço para discutir a violência
policial sobre esses ditos “subversivos” e também sobre os próprios camponeses
que ali viviam como posseiros.
REFERÊNCIAS
CASELI, Cláudio Tavares. Anos de chumbo contra chumbo.1 ed. Rio de Janeiro: versão e-
book, 2019.
FERREIRA, Paulo Roberto. Vão cortar as cabeças. In:____. Mosaico amazônico. Belém:
Paka-Tatu, 2012. pp. 50-59.
FERREIRA, Antonio Celso. Literatura como fonte fecunda. IN:PINKY, Carla Bassanezi;
LUCA, Tania Regina de. (orgs.) O historiador e suas fontes. 3 ed. São Paulo: Editora
Contexto, 2015. pp. 42-61
PEIXOTO, R. C. D. Memória social da Guerrilha do Araguaia e da guerra que veio depois.
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 3, p. 479–499, set.
2011.
WOOD, C.; SCHMINk, M. A militarização da Amazônia 1964-1985. IN: Conflitos sociais e a
formação da Amazônia. Ed.ufpa: Belém, 2012, pp.101-143.

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