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Oprah

Uma biografia

Kitty
Kelley

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Prefácio

C onheci Oprah Winfrey em Baltimore, em 1981, quando ela apresentava com


Richard Sher o talk show People Are Talking, que ia ao ar pela WJZ. Fui con-
vidada pelo programa para falar sobre o livro que eu estava lançando. Pelo que
me lembro, nos reunimos antes de entrar no ar e Richard falou a maior parte do
tempo, enquanto Oprah parecia um tanto hostil. Só mais tarde eu descobriria a
razão para isso. Ele me entrevistou ao vivo e depois se juntou a Oprah nos basti-
dores, elogiando nossa conversa animada. Ela balançou a cabeça em desagrado.
“Sou contra esse tipo de livro”, declarou. “Ela escreveu sobre parentes meus e eles
não gostaram nem um pouco disso.”
Olhei para o produtor e perguntei de que raios ela estava falando. Eu entendia a
referência a “esse tipo de livro” – uma biografia não autorizada, escrita sem a coo-
peração nem o controle do retratado –, mas fiquei perplexa com o fato de ter escri-
to um livro sobre familiares dela. A única biografia que eu publicara até então tinha
sido a de Jacqueline Kennedy Onassis (Jackie Oh!) e minha pesquisa não encontrou
nenhum integrante da família Winfrey naquela árvore genealógica.
O produtor pareceu ligeiramente constrangido. “Bem, Oprah é muito amiga de
Maria Shriver, sobrinha de John Kennedy. Além disso, admira muito os Kennedy.
Acho que ela se considera parte da família e sabe que eles ficaram incomodados
com o livro, que é bastante revelador. Por isso decidimos deixar que Richard
entrevistasse você.”
Anotei aquelas frases na última folha da minha agenda de viagem, caso o edi-
tor me perguntasse como as coisas tinham ido em Baltimore. Eu não imaginava
que, 25 anos depois, Oprah Winfrey se tornaria uma supernova em nosso firma-
mento e que eu dedicaria quatro anos a escrever “esse tipo de livro” justamente
sobre ela.
Durante as últimas três décadas, escrevi biografias de ícones ainda vivos sem
sua cooperação e independentemente de seu controle. Essas pessoas não são sim-
plesmente celebridades, mas titãs da sociedade que deixaram sua marca em nossa
cultura. A cada biografia, meu objetivo é dar uma resposta à pergunta formu-

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lada por John Kennedy ao observar: “O que torna o jornalismo e a biografia
tão interessantes é o desafio de responder à pergunta: ‘Como ele é?’” Ao escre-
ver sobre figuras contemporâneas sem seu consentimento, evito as verdades
pasteurizadas da história revisionista, encontradas nas biografias autorizadas.
Sem precisar seguir as orientações do retratado, o biógrafo independente tem
uma chance maior de penetrar na imagem pública consagrada, o que é crucial.
Citando mais uma vez o presidente Kennedy: “O grande inimigo da verdade
muitas vezes não é a mentira – deliberada, planejada e desonesta –, mas o mito
– persistente, persuasivo e irreal.”
Mesmo assim, nunca me senti à vontade com o termo não autorizada, talvez
por soar um tanto execrável, quase como se envolvesse arrombamento e invasão.
A biografia é, por sua própria natureza, a invasão de uma vida – uma análise
íntima realizada pelo biógrafo, que tenta escavar o tutano do osso para sondar
o desconhecido e revelar aquilo que nunca foi visto. Apesar do meu desconforto
com o termo, compreendo por que a biografia não autorizada incomoda seus
retratados, uma vez que nela suas vidas são apresentadas de forma independente,
sem que o autor se sujeite a suas vontades e exigências. O biógrafo não se curva
à fama nem reverencia celebridades. E figuras públicas poderosas, acostumadas
a serem tratadas com deferência, naturalmente resistem ao escrutínio requerido
por essas obras. Oprah Winfrey não foi exceção.
A princípio, a apresentadora se mostrou cordial quando a editora Crown
anunciou, em dezembro de 2006, que eu escreveria sua biografia. Quando per-
guntaram o que Oprah achava disso, sua assessoria respondeu: “Ela tem conhe-
cimento do livro, mas não pretende dar contribuições.” Seis meses depois, Oprah
falou ao jornal Daily News de Nova York: “Não vou cooperar, mas, se ela quer
escrever o livro, tudo bem. Este é um país livre. Não vou desencorajá-la nem
incentivá-la.” Depois, com uma piscadela, acrescentou: “E você bem sabe como
sou capaz de incentivar.”
Em abril de 2008, sua atitude era outra. Em uma entrevista com Eckhart Tolle,
autor de O poder do agora, ela comentou: “Vivo em um mundo onde as pessoas
escrevem mentiras o tempo todo. Alguém está trabalhando em uma biografia mi-
nha no momento, uma biografia não autorizada. Portanto sei que muitas coisas
que estarão no livro não são verdadeiras.”
Escrevi imediatamente para Oprah, dizendo que a verdade era tão importante
para mim quanto para ela. Repeti minha intenção de ser justa, honesta e precisa e,
mais uma vez, pedi que me concedesse uma entrevista. Eu já havia lhe escrito antes,
como um gesto de cortesia, para dizer que trabalhava no livro e que esperava apre-

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sentar sua vida com compreensão e discernimento. Mandei várias cartas depois,
solicitando uma entrevista, mas não obtive resposta. Não deveria ter me surpreen-
dido, considerando que Oprah escrevera uma autobiografia anos antes mas desis-
tira de publicar por achá-la reveladora demais. Continuei insistindo, mas, após
muitas outras tentativas, lembrei-me do que o escritor John Updike concluiu ao
ser ignorado pelo astro do beisebol Ted Williams: “Os deuses não escrevem cartas.”
Quando eu estava na fase das pesquisas, recebi um telefonema da assessora de
imprensa de Oprah, Lisa Halliday, que disse: “A Srta. Winfrey recusa seu pedido
de entrevista.” A essa altura, eu já havia aprendido com os jornalistas de Chicago
que Oprah parara de dar entrevistas e que se comunicava com os jornalistas prin-
cipalmente por meio de sua assessoria. Se eles insistissem, como fez Cheryl Reed,
responsável na época pela página de editoriais do Chicago Sun-Times, a assessoria
de Oprah fornecia uma lista de perguntas e respostas prontas. “Oprah sempre
escuta as mesmas perguntas”, declarou a assessora para a Sra. Reed. “É assim que
a Srta. Winfrey prefere responder.”
Eu disse à Sra. Halliday que precisava garantir a exatidão do que eu escrevia
e perguntei se Oprah estaria disposta a checar a veracidade dos fatos. A resposta
da Sra. Halliday foi: “Se tiver dúvidas, pode me procurar.” Foi o que tentei fazer,
mas, em todas as ocasiões que telefonei para a Harpo, a empresa de Oprah, a Sra.
Halliday não pôde atender. No final das contas, foi a própria Oprah quem se tor-
nou uma importante fonte de informações.
Em vez de falar com ela diretamente e ter de me basear em lembranças frag-
mentadas, decidi reunir todas as suas entrevistas dadas nos últimos 25 anos a
jornais e revistas, ao rádio e à televisão nos Estados Unidos, no Reino Unido, no
Canadá e na Austrália. Arquivei cada uma – e havia centenas delas – por título,
data e assunto, totalizando 2.732 arquivos. A partir dessa fonte, pude usar as pa-
lavras da própria Oprah com segurança. As informações obtidas desse material,
cruzadas com centenas de outras entrevistas que fiz com sua família, seus amigos,
colegas de escola e de trabalho, forneceram um perfil psicológico que eu jamais
teria obtido de outra forma. Catalogar essas entrevistas realizadas em mais de
duas décadas se mostrou um trabalho demorado, mas o material foi inestimá-
vel para que eu encontrasse a sua voz. Ao longo deste livro, citei as palavras da
própria Oprah ao expressar seus pensamentos e emoções em relação aos acon-
tecimentos de sua vida, à medida que se desenrolavam. Algumas vezes, suas ma-
nifestações públicas não coincidiram com as lembranças de outras pessoas, mas
tanto as verdades que ela encobriu quanto as que compartilhou foram capazes de
acrescentar novas dimensões à sua personalidade fascinante.

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Oprah Winfrey é considerada uma das mulheres mais admiradas do mundo
e é adorada por milhões de fãs em função de suas numerosas boas ações. Ela é
um exemplo de mulher negra bem-sucedida em uma sociedade de brancos, um
ícone afro-americano que rompeu as barreiras da discriminação para conquistar
um sucesso sem precedente. Em um mundo que venera a riqueza, ela é idolatrada
não apenas por sua fortuna (aproximadamente 2,4 bilhões de dólares), mas por
tê-la obtido por conta própria, sem a ajuda de um casamento ou de uma herança.
No meio editorial, ela é saudada como uma heroína que promoveu o prazer da
leitura entre milhões de pessoas, enriquecendo a vida de escritores e de leitores
com seu clube do livro.
Por outro lado, por mais que Oprah seja amada, é também temida, algo nada
incomum entre os gigantes da nossa sociedade. Ao escrever sobre Frank Sinatra
anos atrás, descobri que muita gente tinha medo de falar sobre um homem liga-
do ao crime organizado, temendo sofrer algum tipo de violência ou até perder a
vida. Com Nancy Reagan e a dinastia da família Bush, os receios eram de perder
um cargo público ou o acesso à presidência, além do risco de ser pego pela malha
fina da Receita Federal. No caso da monarquia britânica, era o medo de perder a
aprovação real e talvez até um título de cavaleiro. Ao escrever sobre Oprah, entrei
em contato com um tipo diferente de temor.
Desde 1995, ela exige que todos os funcionários da Harpo e, posteriormente,
da revista O, The Oprah Magazine assinem contratos de confidencialidade, com-
prometendo-se a nunca revelar qualquer coisa sobre ela, seus negócios, sua vida
pessoal, seus amigos ou seus sócios. Quase todo mundo que é introduzido em
seus domínios deve firmar esse compromisso, e a ameaça de um processo por
quebra de sigilo faz com que muitos – mas nem todos – permaneçam em si-
lêncio. Descobri, para minha surpresa, que Oprah sente tanto medo de ouvir
as verdades sem retoques da boca de seus ex-funcionários quanto estes temem
enfrentá-la em um processo judicial.
Além das pessoas amarradas a esses contratos, encontrei outras que tinham
medo de falar por não desejarem ofender alguém famoso, de um jeito que lem-
bra a história da roupa nova do rei. Isso também foi recorrente, a não ser en-
tre os jornalistas, que, em geral, são tão corajosos quanto os fuzileiros navais e
supostamente imunes à adoração das celebridades. Considerando que Oprah
detém o palco mais disputado para quem quer fazer marketing, certa hesitação
é compreensível da parte de qualquer um que queira vender produtos em seu
programa, inclusive jornalistas que sonham em escrever livros que possam vir a
receber seu aval. Quando procurei Jonathan Van Meter para lhe perguntar sobre

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a efusiva matéria de capa a respeito de Oprah que escreveu para a Vogue, ele
disse: “Não posso falar com você. [...] É, talvez eu esteja com medo. Ajudá-la não
vai me ajudar.” Ele admitiu – com relutância – que deixou “todas as partes nega-
tivas” da pesquisa feita para a Vogue em um perfil que publicou mais tarde na re-
vista The Oxford American. “Não tem grande circulação”, explicou ele, nervoso.
Quando procurei Jura Koncius, do Washington Post, ela disse: “Conheci Oprah
antes de ela ser Oprah, quando ainda usava um penteado afro. Todos os anos, no
Natal, ela mandava uma limusine me pegar para que eu fosse ao programa em
Baltimore conversar sobre presentes. Mas não quero falar das minhas experiên-
cias e, com toda a certeza, não quero ser incluída nos seus agradecimentos.” Seu
desejo é uma ordem, Sra. Koncius.
Meu pesquisador recebeu uma resposta ainda mais irritada de Erin Moriarty,
da CBS, que dividiu um apartamento com Oprah por alguns meses, em Balti-
more. Desde então, ela tem brindado os amigos com histórias de Oprah daquela
época. Depois de ouvir esses relatos de outras pessoas, pedi que me concedesse
uma entrevista. A Sra. Moriarty, que estava pouco disposta a falar oficialmente,
não foi nada cordial quando descobriu que suas histórias sobre Oprah haviam se
espalhado tanto.
As biografias, autorizadas ou não, nunca poderiam ser escritas sem a ajuda dos
jornalistas e foi por esse motivo que recorri a tantos deles. Seu trabalho fornece o
primeiro esboço de uma história e planta os alicerces para futuros estudiosos e his-
toriadores. Dito isso, sou muito grata pela generosidade que encontrei, sobretudo
em Chicago, onde a imprensa vem acompanhando Oprah há 25 anos e a conhece
bem. Também respeito aqueles que ficaram assustados demais para colaborar, pois
seus temores salientaram o efeito que Oprah provoca em boa parte da mídia.
Ao longo dos anos, a mulher que aparenta ser tão terna e calorosa na televisão
se tornou cada vez mais prudente e desconfiada daqueles que a cercam e, pelo
que pesquisei para este livro, certamente compreendo por que ela diz que às vezes
se sente tratada como um caixa eletrônico. Quando procurei seu ex-amante de
Baltimore para uma entrevista, ele declarou: “Preciso de uma porcentagem dos
lucros para falar.” Escrevi a ele dizendo que não pago pelas entrevistas, pois isso
diminui a credibilidade da informação. Uma transação desse tipo destrói a con-
fiança que o leitor deve ter de que os dados apresentados pelo autor são honestos
e precisos e não foram obtidos por coação nem influenciados pelo dinheiro. O
homem respondeu por e-mail, dizendo que não havia pedido dinheiro para falar
sobre Oprah e que nunca tinha sido pago para falar sobre ela no passado – uma
alegação desmentida mais tarde pelo editor de um tabloide.

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Também recebi o telefonema de um advogado de Chicago cujo cliente alegava
“saber tudo sobre Oprah” e desejava me vender histórias. Fiquei curiosa o bastan-
te para perguntar se seu cliente, que havia trabalhado com ela, assinara um dos
contratos de confidencialidade de Oprah. “Não”, respondeu o advogado, “ele está
livre para falar.” O cliente pedia 1 milhão de dólares. Mais uma vez, eu disse que
não pago por informações.
Terminei o livro sentindo a mesma coisa que sentia ao iniciá-lo: admiração e
respeito absolutos por esta personagem. Espero que esta biografia não autorizada
seja recebida com o mesmo espírito, talvez não pela Srta. Winfrey, mas por aque-
les que se inspiraram nela, em especial as mulheres. Tentei seguir a orientação do
presidente Kennedy e penetrar no mito para responder à eterna pergunta: como
ela realmente é? Nesse processo, descobri uma mulher notável, além de bastante
complicada e contraditória. Às vezes generosa, magnânima e compassiva. Ou-
tras vezes mesquinha, de mentalidade estreita e egocêntrica. Ela realizou uma
quantidade extraordinária de boas ações e também apoiou produtos e ideias que
não são apenas polêmicos, mas considerados prejudiciais por muita gente. Existe
um lado caloroso em Oprah e outro frio como o gelo. Ela não é uma primeira-
-dama, uma representante eleita, nem mesmo uma estrela de cinema, mas é uma
personalidade singular dos Estados Unidos, que deixou uma marca indelével na
sociedade. Ela fez com que o sonho americano se realizasse – para si mesma e
para muitos outros.

Kitty Kelley
Março de 2010

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Um

O
-30ºC.
prah Winfrey chegou a Chicago, vinda de Baltimore, em dezembro de 1983,
quando uma onda de frio mergulhava a cidade em temperaturas de até

Ela havia se mudado de cidade para apresentar um talk show local, no horário
diurno, e, em 2 de janeiro de 1984, mostrou seus 105kg para a cidade em um
desfile pelas ruas organizado pela emissora WLS. Exibia um de seus cinco casacos
de pele, cabelos encaracolados ao estilo afro e brincos enormes. Ao acenar para as
pessoas reunidas na State Street, ela gritava: “Oi, sou Oprah Winfrey. Sou a nova
apresentadora do A.M. Chicago... A Miss Negra no ar.”
Sozinha, ela fez um carnaval, dando gritinhos e exclamando “Aleluia!”. “Achei
que a WLS tinha enlouquecido quando soube que contrataram uma afro-america-
na para apresentar, na cidade de maior divisão racial do país, um programa matinal
voltado para um público de donas de casa brancas, moradoras do subúrbio”, ob-
servou Bill Zwecker, do jornal Chicago Sun-Times. “Felizmente, eu estava errado.”
Chicago estava prestes a experimentar um arrastão. Durante a primeira sema-
na de Oprah, seu programa matinal superou a audiência do Phil Donahue Show,
transmitido para todo o país, e, em um ano, Donahue, o mestre dos talk shows,
fazia as malas rumo a Nova York. Oprah continuou a bater recordes de audiência
e, depois de obrigá-lo a mudar de cidade, ela o fez mudar de horário para fugir
da concorrência. Nesse momento, Oprah já estava a ponto de ter seu programa
transmitido em rede nacional também, recebendo um bônus de 1 milhão de dó-
lares com a venda do Oprah Winfrey Show para 138 praças. Naquele primeiro
ano, ela causou tamanha sensação que apareceu no Tonight Show, ganhou dois
prêmios Emmy regionais e se preparou para fazer sua estreia no cinema em A cor
púrpura. Sua “descoberta” para o papel de Sofia fez com que ganhasse muitos fãs,
encantados pela história de Cinderela, e mais tarde lhe renderia indicações ao
Globo de Ouro e ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Quincy Jones, que se encontrava em Chicago a negócios, vira Oprah na televi-
são certo dia e telefonara para Steven Spielberg para lhe dizer que havia encon-

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trado a intérprete perfeita para o papel de Sofia. “Ela é ótima”, disse Jones. “Gorda
e insolente. Bem insolente.”
Oprah passou o verão de 1985 envolvida com as filmagens, época que ela mais
tarde lembraria como os dias mais felizes de sua vida. “Foi a primeira vez que fiz
parte de uma família que realmente fazia com que eu me sentisse amada. Que me
amava por ser eu mesma.”
Naquela época, ela sentia que estava no auge do tipo de sucesso com o qual
sempre sonhara. “Eu estava destinada a fazer coisas importantes”, afirmou. “Sou
Diana Ross, Tina Turner e Maya Angelou.” Transbordando de confiança, ela suge-
riu a Steven Spielberg que colocasse o nome dela nos letreiros dos cinemas e seu
rosto nos cartazes do filme. “Devo ser a pessoa mais popular de Chicago”, disse a
ele. Quando Spielberg vetou a ideia, explicando que aquilo não fazia parte de seu
contrato, ela o recriminou por estar cometendo um grande erro. “Espere só. Você
vai ver. Vou me tornar um nome nacional. Serei muito importante.”
Spielberg não voltou atrás e Oprah não se esqueceu desse episódio. Quando se
tornou tão “importante” quanto havia previsto, ele virou uma das ervas daninhas
do seu jardim de rancores. Ela relembrou aquela conversa 13 anos depois, em
uma entrevista para a Vogue, em 1998: “Estarei na televisão e as pessoas vão me
reconhecer. E Steven disse: ‘É mesmo?’ E eu falei: ‘Talvez você queira colocar meu
nome no cartaz do filme.’ Ele não quis saber, porém insisti: ‘Mas acho que vou
ficar mesmo muito famosa.’ Eu avisei, Steven.”
Uma semana antes da estreia do filme, Oprah decidiu fazer um programa sobre
estupro, incesto e abuso sexual. Quando a direção hesitou, seu argumento foi o de
que, como ia aparecer no cinema dentro de alguns dias em um filme sobre o tema,
por que não explorá-lo primeiro com seu público local? A emissora concordou, a
princípio com relutância, e depois passou a veicular anúncios convocando volun-
tários que se dispusessem a falar na televisão sobre casos pessoais de abuso sexual.
O programa daquele dia em especial se tornou uma marca registrada do talk
show de Oprah – vítimas que triunfam sobre a adversidade – e deu início ao fe-
nômeno Oprah Winfrey. Ninguém percebeu isso na época, mas aquele programa
lhe daria fama nacional e a transformaria em uma defensora das vítimas de abuso
sexual. Ela introduziu um novo gênero de programa de televisão que arrastaria os
espectadores por duas décadas a pontos abjetamente baixos e estratosfericamente
altos. Nesse meio-tempo, tornou-se a primeira mulher negra bilionária do mun-
do e um ícone cultural com um status semelhante ao de um santo.
“Sou o instrumento de Deus”, afirmou ela, em vários momentos de sua jorna-
da. “Sou Sua mensageira. Meu programa é meu púlpito.”

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O programa de Oprah sobre abuso sexual foi promovido dias antes de ir ao ar
para atrair uma plateia interessada no tema “Vítimas de incesto”. A não ser pela
pequena equipe, ninguém sabia o que ela pretendia fazer além de abordar um
assunto quente, algo que vinha fazendo desde a estreia na WLS. Ninguém tinha
ideia de que ela estava a ponto de tornar mais tênues, na televisão, os limites entre
discussão e confissão, entre entrevistar e fazer uma revelação pessoal – entre a
objetividade e o terreno nebuloso da fantasia e da manipulação dos fatos.
Em 5 de dezembro de 1985, uma quinta-feira, Oprah deu início ao programa
das 9h ao apresentar uma jovem branca identificada apenas como Laurie.
– Uma em cada três mulheres deste país já sofreu alguma forma de abuso se-
xual – anunciou ela para o auditório, antes de se dirigir à convidada. – Seu pai
começou com carícias. Quando foi que isso se transformou em algo mais?
– Acho que foi entre os 9 e os 10 anos – disse Laurie.
– O que aconteceu? Você se lembra da primeira vez que seu pai manteve uma
relação sexual com você? O que ele lhe disse?
Não se ouvia um ruído sequer na plateia, formada principalmente por mulhe-
res brancas.
– Ele só me disse que queria que eu sentisse uma coisa boa – disse Laurie.
– Onde estava sua mãe?
– Estava viajando. Passou três semanas fora e eu fiquei com meu pai durante
esse tempo.
– Então ele entrou no seu quarto e começou a acariciá-la. Deve ser muito as-
sustador ter 9 anos e fazer sexo com o próprio pai.
Laurie assentiu com a cabeça, mas não falou nada.
– Sei como é difícil falar, sei mesmo. Durante o ato, você sentiu dor?
– Senti – respondeu ela, um tanto agitada. – Ele dizia que lamentava muito
e que não aconteceria de novo. Em várias ocasiões, depois que ele fazia alguma
coisa, se ajoelhava e me obrigava a pedir a Deus para que ele não voltasse a fazer
aquilo.
Momentos depois, Oprah foi até a plateia e colocou o microfone diante de
uma mulher branca de meia-idade.
– Eu também sofri abuso sexual – revelou a mulher. – Minha história começou
parecida com a de Laurie, com as carícias. Acabei tendo um filho, que agora está
com 30 anos e que passou 16 anos de sua vida em uma instituição do governo.
Ele é autista.
– Você foi molestada por um familiar?
A mulher engasgou ao admitir que engravidara do próprio pai.

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– Então ele é o pai do seu filho? – perguntou Oprah.
– É. Acontecia com muita frequência, como no caso de Laurie. Praticamente
todo dia, quando minha mãe saía para trabalhar. Uma das experiências mais hor-
ríveis de que tenho lembrança.
Quando a mulher começou a chorar, esforçando-se para recuperar o controle,
Oprah a abraçou e também caiu em prantos, cobrindo os olhos com a mão es-
querda. Com o microfone na outra mão, ela fez sinal para a sala de controle. Mais
tarde, disse que era para que as câmeras parassem de filmar, mas continuaram
gravando tudo enquanto ela soluçava no ombro da mulher.
– A mesma coisa aconteceu comigo – disse ela. – O fato de ter passado por
todas essas experiências infelizes marcou minha vida.
Nos instantes que se seguiram, Oprah pareceu estar percebendo, pela primeira
vez, que o que ela experimentara aos 9 anos era, de fato, estupro, um desrespeito
tão indescritível que jamais havia conseguido verbalizar, até aquele momento.
A plateia sentiu que observava as fissuras de uma alma se abrindo, enquanto ela
admitia o segredo vergonhoso. Oprah revelou que fora estuprada pelo primo de
19 anos, ao ser obrigada a dividir a cama com ele, no apartamento da mãe.
“Ele me disse para não contar nada a ninguém. Depois, me levou ao zoológi-
co e comprou um sorvete para mim.” Mais tarde, ela afirmou também ter sido
sexualmente molestada pelo namorado da prima e pelo seu tio preferido. “Sofri
abusos sucessivos dos 9 aos 14 anos.”
A comovente confissão pessoal de Oprah chegou ao noticiário nacional e ela
foi ovacionada por muita gente por sua honestidade e franqueza. Sua família,
porém, negou as acusações com veemência e algumas pessoas sugeriram que, na
verdade, ela tentava obter divulgação para seu papel no filme, pois nunca havia
mencionado o problema a ninguém antes da revelação pública. “Fiquei muito
ofendida com aquilo”, diria mais tarde. “Saiu algo na revista Parade, uma pergun-
ta publicada há pouco tempo: ‘Será que Oprah realmente sofreu abusos sexuais
ou era tudo promoção para o Oscar?’ Fico pasma por alguém imaginar que eu
faria isso para me promover.”
Ela contou que a direção da emissora ficou desconcertada com suas revelações
“chocantes” e, mesmo após 23 anos, Dennis Swanson, ex-vice-presidente e geren-
te geral da WLS, não tocava no assunto. Swanson, a quem se atribuiu por muito
tempo a contratação de Oprah e sua ida para Chicago, não fazia comentários
sobre suas reações ao primeiro programa da apresentadora sobre abuso sexual.
Naquela época, Swanson e o gerente de promoções, Tim Bennett, vibravam
com os índices espetaculares de audiência, mas se sentiam incomodados com as

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críticas da imprensa sobre a ênfase da apresentadora em programas relacionados
a sexo, especialmente aquele em que ela abordou a pornografia. O comentarista
de televisão do Chicago Sun-Times, P. J. Bednarski, repreendeu a “moralidade cor-
porativa” da WLS por ter permitido que Oprah dedicasse um programa com uma
hora de duração ao sexo explícito. “Deveriam se envergonhar”, escreveu ele, e, em
seguida, atacou Oprah por ter convidado três estrelas de filmes pornográficos
para falarem sobre genitais masculinos e ejaculação:

Na parte mais lamentável do programa, houve uma discussão sobre as


cenas de sexo explícito que retratam o gozo masculino. Aquilo provocou
muitas risadas. [...] Surpreendentemente, Winfrey não demonstrou preo-
cupação com o fato de essas estrelas de filmes proibidos para menores se-
rem apenas mercenárias sem talento, vivendo à custa da exibição de seus
corpos, nem fez qualquer declaração ou pergunta relacionada a isso. Ela
mal levantou a questão de aqueles filmes serem humilhantes para as mu-
lheres. Em vez disso, perguntou: “Vocês não ficam doloridas?”

“Para alguém com o talento natural de Winfrey, foi uma prova cabal de que ela
ainda precisa amadurecer”, escreveu Bednarski, antes de acrescentar que o pro-
grama sobre pornografia havia obtido 30% da audiência em Chicago no horário
das 9h, índice bem mais elevado do que o habitual. “Também caiu na boca do
povo da cidade e conquistou uma coluna bem aqui neste jornal.” A manchete era:
“Quando não há limites: Oprah Winfrey lucra com a atração exercida por estrelas
de filmes pornô.”
Oprah compreendia o axioma da televisão: quem consegue bons índices de
audiência dá as cartas. “Minha missão é vencer”, disse aos jornalistas. Durante
as semanas cruciais de aferição dos índices de audiência pela Nielsen,* ela insis-
tia em programas “matadores”. A produtora Debra DiMaio conduzia a caçada
por grandes ideias, com contribuições de Oprah: “Adoraria conseguir um padre
que falasse sobre sexo”, comentava ela. “Queria um que dissesse: ‘Sim, tenho uma
amante. Eu a amo e ela se chama Carolyn.’”
Na disputa pela audiência durante o Mês da História Negra, Oprah apresentou
integrantes da Ku Klux Klan vestidos com túnicas e capuzes brancos. Também fez
um programa com moradores de uma colônia nudista, que apareceram despidos

* A Nielsen, empresa que afere a audiência televisiva nos Estados Unidos, faz dois tipos de pesquisa. Um
é diário e eletrônico. O mais significativo, os chamados sweeps ou varreduras, são questionários preen-
chidos nas casas durante uma semana, reunindo informações mais detalhadas. (N. da T.)

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no palco. Apenas os rostos foram mostrados na televisão, mas a plateia no estúdio
teve uma visão frontal completa. Nesse caso, a direção do canal insistiu que fosse
tudo gravado. “Isso vai nos dar a certeza de que nada impróprio vai aparecer no
ar”, disse Debra DiMaio. A direção também determinou que todos os espectadores
deveriam ser avisados por telefone que os convidados estariam nus. “Ninguém de-
sistiu”, contou DiMaio. “Pelo contrário, ficaram empolgados. Acharam divertido.”
Oprah admitiu ter ficado apreensiva com os nudistas. “Eu me orgulho de ser
muito honesta, mas, naquela situação, confesso que estava fingindo. Precisava
agir como se fosse normal entrevistar um monte de gente pelada, sem olhar. Eu
queria virar para a câmera e dizer: ‘Meu Deus! Estou vendo um pênis aqui!’ Mas
não podia. E aquilo me deixou bem nervosa.”
Quando contou à equipe que queria fazer “Mulheres com transtornos sexuais”
e entrevistar uma mulher que não tinha tido sequer um orgasmo em 18 anos de
casamento, um homem que lhe daria lições sobre como alcançá-lo e depois uma
jovem tão viciada em sexo que dormiu com 25 homens em uma noite, o diretor
do programa empalideceu.
“A direção não quer problemas, mas quer audiência”, comentou Oprah. “Eu fa-
lei que manteria a decência e mantive. Eles não compreendem o que uma mulher
sente, mas eu compreendo. Os homens acham, por exemplo, que dá para fazer
um programa sobre mastectomia sem mostrar um seio. Eu digo que é preciso
mostrar o seio.”
No dia seguinte ao programa sobre transtornos sexuais, a central telefônica da
WLS não parou de receber chamadas raivosas, por isso Oprah pediu à sua produ-
tora que fosse ao palco e perguntasse a opinião da plateia.
– O programa de ontem foi uma baixaria – reclamou uma mulher. – Não sei
como descrever de outra forma. Foi totalmente degradante.
– Existem milhões de mulheres que nunca experimentaram o prazer sexual –
disse Oprah. – Ontem recebemos 633 telefonemas de mulheres. Fizemos com que
muitas descobrissem que não estão sozinhas.
– Com tantos temas importantes, por que ir ao fundo do poço?
DiMaio encarou essa pergunta.
– O que é o fundo do poço para uma pessoa talvez não seja o fundo do poço
para outra. Nós damos valor aos programas que tratam de problemas, sejam o
incesto, a agorafobia ou a falta de orgasmos.
– Fico incomodada quando nos acusam de ser sensacionalistas e exploradores
– interveio Oprah. – Não somos. Somos um grupo de pessoas que se importa
com os outros. – Uma breve pausa. – Às vezes, cometemos erros.

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Talvez ela estivesse se referindo a um dos programas anteriores, intitulado “No
sexo, o tamanho faz diferença?”. Durante uma discussão sobre o tamanho do pê-
nis, Oprah fez o seguinte comentário: “Se você pudesse escolher, ia preferir um
dos grandes. Dê um grandão para a mamãe aqui!” Foi praticamente possível ou-
vir uma exclamação coletiva de espanto ecoar dos quase 3 milhões de lares que
formavam a praça televisiva de Chicago. Quando a imprensa local conseguiu se
recuperar do impacto, a maior parte de seus representantes estava esbravejando.
P. J. Bednarski disse que Oprah havia “ultrapassado os limites do bom gosto”, mas
Alan G. Artner escreveu no Chicago Tribune que Oprah apenas agiu com natura-
lidade, do jeito que muitas pessoas agem quando, “cegamente e sem malícia, seu
egocentrismo faz com que banquem o engraçadinho”.
Mais tarde, Oprah prometeu aos jornalistas que, quando conseguisse ir ao ar
em rede nacional, ela não mencionaria a palavra pênis sem antes avisar o públi-
co. “Por enquanto, posso dizer pênis quantas vezes quiser. Viu? Acabei de dizer”,
brincou ela. “Pênis, pênis, pênis.”
Já nessa época, Oprah tinha os jornalistas na palma da mão. Eles adoravam
sua personalidade exuberante e não conseguiam encontrar adjetivos suficientes
para descrevê-la. “Grande, abusada, escandalosa, agressiva, exagerada, diver-
tida, cativante, comovente, ordinária, simples, grosseira, ávida pelo sucesso”,
escreveu Howard Rosenberg, crítico de televisão do Los Angeles Times. Outro
comentarista confessou: “Não me importo se ela tem meio quilômetro de lar-
gura e um centímetro de profundidade. Ela é irresistível.” A revista The Phila-
delphia Inquirer chamou o programa de versão televisiva do tabloide National
Enquirer. “Ele leva o mínimo denominador comum a uma profundidade inédi-
ta. É uma mistura efervescente de baixarias, esquisitices, dramalhões, pieguices,
cafonices, exageros, abraços, uivos, emoções, modismos e provocações – tudo
marinado em lágrimas.”
O público ficou inebriado por aquela mistura grosseira. Ao falar sobre uma
nova dieta, ela se virou para a plateia e disse: “Ah, sim. Essa daí faz com que seu
intestino funcione mais cheirosinho.”
Durante o programa sobre impotência, um homem sério, de meia-idade, disse
que, depois de uma cirurgia, seus testículos incharam e ficaram do tamanho de
bolas de basquete. “Espere aí”, gritou Oprah. “Como se anda com testículos do
tamanho de bolas de basquete?”
Em outra ocasião, ela entrevistou uma mulher que alegava ter sido seduzida
por sete padres.
– O que você fez quando o padre abaixou as calças?

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– Nada – respondeu a mulher. – Mas, depois, ele segurou a minha mão.
Oprah revirou os olhos e a plateia caiu na gargalhada. Todos adoravam sua
irreverência, os comentários inapropriados e as perguntas ultrajantes.
“Por que você se tornou lésbica?”, perguntou ela a uma mulher.
Em outro programa, um sociólogo explicou como dividir um quarto com uma
colega poderia levar uma mulher a manter um relacionamento homossexual e
Oprah anunciou enfaticamente: “Então, eu nunca vou ter uma colega de quarto.”
Durante uma entrevista com o segurança de uma loja de departamentos, ela
perguntou: “O que acontece quando você pega as pessoas roubando? É verdade
que elas perdem o controle das funções corporais? Quer dizer, elas acabam fazen-
do xixi nas calças?”
Nem as celebridades eram poupadas. Ela interrogou Brooke Shields: “Você é
mesmo uma boa garota?” Perguntou a Sally Field se Burt Reynolds ia para a cama
de peruca. Criticou Calvin Klein por causa de seus anúncios: “Odeio aqueles co-
merciais de calças jeans. Todo mundo tem bundinhas mínimas.” Ela quis saber
de Dudley Moore como um homem tão baixo quanto ele conseguia dormir com
mulheres tão altas. Ele respondeu: “Por sorte, a maior parte do tamanho a mais
parece estar nas pernas delas.” De fato, ela parecia se preocupar muito com o
desempenho dos baixinhos na cama. Enquanto falava sobre uma participação de
Christie Brinkley, que em breve se casaria com Billy Joel, Oprah disse aos produ-
tores: “Quem realmente se importa com sua carreira de atriz? Quero saber sobre
o relacionamento com Billy Joel e como é fazer amor com um baixinho. Billy Joel
é bem baixo, não é?”
Oprah se tornou tão popular que a WLS aumentou para uma hora a duração
do programa matinal e rebatizou-o, em sua homenagem. Também lhe deram
uma música-tema chamada “Everybody Loves Oprah” (Todos amam Oprah),
que declarava: “Ela é bacana, ela é a tal, ela realmente tem estilo...”
Dennis Swanson tentou tirar partido de sua popularidade colocando-a no te-
lejornal. “Ele queria testá-la como âncora, já que seu talk show fazia tanto suces-
so”, disse Ed Kosowski, que foi produtor da WLS. “Ela apresentou o noticiário das
16h durante uma semana. Não funcionou. Foi um risco para o canal. Swanson
tirou-a imediatamente. Ela não tinha talento jornalístico. É ótima falando sobre
assuntos de mulherzinha, mas não consegue ler as notícias.”
Swanson não desanimou e mandou Oprah, que ganhava 200 mil dólares por
ano, para a Etiópia com os apresentadores Mary Ann Childers e Dick Johnson,
a fim de acompanhar o envio de grãos doados por Chicago para o país africano,
que sofria com a fome. Uma semana antes de partir, Oprah havia começado uma

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dieta com o objetivo de perder 20kg, ao fazer uma aposta com a comediante Joan
Rivers no Tonight Show. A escolha do momento pareceu infeliz para P. J. Bed-
narski, que fez comentários sobre a imagem da correspondente superalimentada
que entrevistava pessoas passando fome. “Não seria um problema enviar uma
personalidade que confessa gostar tanto de comida para um país onde há tão
pouca?”, indagou.
Oprah concordou. “Você tem razão. É de mau gosto, não é?”

Depois do programa sobre abuso sexual, ela tentou acalmar a direção da


emissora evitando falar sobre estupro e incesto por alguns dias. Mas, quando
tomou conhecimento dos índices de audiência, das cartas que não paravam de
chegar, dos telefonemas para a WLS e das reações das mulheres na rua, ela sabia
que tinha verbalizado um tabu que causava sofrimento a muitas telespectado-
ras. Encontrara um assunto que ecoava junto à sua plateia predominantemente
feminina e, por isso, insistiu em mais programas sobre abuso sexual. Nesse meio-
-tempo, formou para si uma imagem de antagonista dos homens, pois muitos
programas retratavam-nos como canalhas. Porém, ela virou uma heroína para as
mulheres e uma defensora das crianças.
Com aquele programa e a confissão do que havia suportado quando criança,
Oprah se tornou mais do que uma simples apresentadora que propiciava entre-
tenimento ao se aproximar do lado mais sombrio da vida. Como alguém que
sofrera, superara um trauma e compartilhara sua dor, ela passou a ser uma fonte
de inspiração para as vítimas que se sentiam derrotadas pelas adversidades.
Ela não foi a primeira a se manifestar em relação ao abuso sofrido por crianças.
Havia sido precedida por escritoras como Maya Angelou (Eu sei por que o pássaro
canta na gaiola), Toni Morrison (O olho mais azul) e Alice Walker (A cor púrpura),
mas Oprah tinha o megafone da televisão e o empregou para alcançar mulheres
aprisionadas pela vergonha do que lhes acontecera na infância. “Acho que o abuso
sexual é bem mais comum do que se imagina neste país”, disse ela, em 1986. “Se
você coloca cinco mulheres numa sala, três delas vão admitir terem passado por
isso.” Sua própria confissão, além dos programas subsequentes que discutiram a
devastação causada pelos abusos sexuais, se tornou a mais poderosa força na so-
ciedade para ajudar as mulheres a se curarem e recuperarem suas vidas.
Alguns parentes de Oprah, que negaram sua história de abuso sexual, acusa-
ram-na de apresentar programas sensacionalistas sobre o tema apenas para
ganhar audiência. Ela argumentou que a recusa deles em aceitar sua história

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indicava a negação, a incapacidade de enfrentar sua cumplicidade no assunto
e a profundidade da vergonha que todas as famílias enfrentam por causa do
abuso sexual.
Como defensora das crianças molestadas, Oprah discursou para a Comissão de
Justiça do Senado em 1991, no intuito de exigir o cumprimento das penas pelos
autores da violência. “Precisamos demonstrar que valorizamos nossas crianças o
bastante para dizer que, quando você fere uma delas, é isso o que vai acontecer
com você. Não há negociação.” Ela apresentou Scared Silent: Exposing and En-
ding Child Abuse (O medo que silencia: denunciando e acabando com o abuso
infantil), um documentário de 1992 exibido nos canais PBS, NBC, CBS e ABC
que obteve a maior audiência em rede nacional até então. Em 1993, promoveu
o Projeto de Lei Nacional de Proteção às Crianças, que criou uma base de da-
dos sobre criminosos condenados e passou a ser conhecido como Projeto Oprah.
Infelizmente, a legislação não foi eficiente. O projeto de lei deveria reunir infor-
mações recolhidas em todos os estados a respeito de autores de crimes sexuais e
violentos para organizações que trabalham com crianças. A maioria dos estados
não estabeleceu os procedimentos para que as organizações se inscrevessem e
tivessem acesso aos dados.
Anos depois, ela criou a Lista de Vigilância aos Predadores de Crianças e a
disponibilizou no site www.oprah.com para ajudar a localizar autores de abusos
sexuais. Em dezembro de 2005, havia 10 homens na lista e, 15 meses depois, cinco
deles foram capturados porque Oprah tinha chamado atenção para os casos em
que estavam envolvidos. Ela ofereceu uma recompensa de 100 mil dólares por
informações que levassem à prisão de qualquer um dos procurados e, em setem-
bro de 2008, sua empresa anunciou que nove deles já haviam sido detidos. Em
pelo menos três casos, Oprah pagou a recompensa para os que fizeram denúncias
fundamentadas.
Ao longo dos anos, ela continuou a fazer programas sobre abuso sexual. Al-
guns dos temas pareciam gratuitos (“Quero de volta meus filhos molestados”,
“Garotas de programa e madames”, “Pais que namoram amigas das filhas”, “Mu-
lheres que se tornaram lésbicas”), outros foram inovadores (“O abuso sexual nas
famílias”, “Estupro e vítimas de estupro”, “Como se proteger do sequestro por
um estuprador”), mas cada programa contribuiu para que ela compreendesse
melhor o que lhe havia ocorrido.
No entanto foi preciso muito tempo para que Oprah entendesse a verdadei-
ra devastação provocada pelo assédio a uma criança. Ela aprendeu que o abuso
sexual é um crime que continua a causar danos muito tempo depois que o pre-

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dador se afasta, algumas vezes provocando estresse pós-traumático nas vítimas
durante anos – mas não achava que esse era seu caso. A princípio, afirmou que
havia atravessado ilesa a experiência do estupro. Era forte, audaciosa, segura de si.
“Não foi uma coisa tão horrível na minha vida”, disse ela ao contar sobre os anos
de abuso sexual, acrescentando que permitiu que as carícias continuassem por-
que gostava da atenção. “E acho que boa parte da culpa e da confusão na cabeça
da criança acontece porque parece bom. Parece mesmo.”
Sempre mais acessível para as publicações voltadas para o público negro, ela
admitiu para a revista Ebony, em 1993, ao mesmo tempo que testemunhava no
Congresso que nenhuma criança é responsável pelos abusos, que ainda sentia
que, no seu caso, ela devia ter feito ou dito algo para encorajar seus molestadores.
“Só agora estou vencendo a vergonha”, contou ela.
Antes de entender melhor a questão, Oprah enquadrava o estupro como sexo e
não como violência. Durante a semana de estreia em Chicago, o astro de novelas
Tony Geary foi um de seus convidados. Uma mulher na plateia perguntou sobre o
episódio de General Hospital em que o personagem de Geary comete um estupro.
Oprah saiu-se com esta: “Bem, se você vai ser estuprada, é melhor que seja por
Tony Geary.”
Ela precisou de muitos programas para ver a ligação entre o crime que a mar-
cou na infância e a devastação que se seguiu – promiscuidade na adolescência,
uma gravidez indesejada, relacionamentos desastrosos com homens, atração por
mulheres, uso de drogas, necessidade obsessiva de controle e o consumo compul-
sivo de comida que fez com que seu peso oscilasse durante décadas.
Em vez de procurar a psicoterapia para lidar com suas feridas, ela procurou
o consolo da confissão pública na televisão, achando que seria a melhor solução
para si e para outras pessoas.
“Muito do que falo tem sido tão catártico para mim quanto para os convida-
dos do programa. Entendo por que extravasam tantas coisas, pois, assim que se
põe para fora, aquilo deixa de ser um peso. Ir lá na frente e dizer que sofri abusos
sexuais me ajudou mais do que a qualquer pessoa. Eu não poderia ter agido dife-
rente e ainda ser quem eu sou.”
Com aquele programa em particular ela havia se identificado como vítima, o
que lhe emprestou uma plataforma de autoridade para poder tratar da questão,
mas ela se recusou a ser derrotada pelos abusos. Como resultado, foi premiada
com enormes índices de audiência, atenção nacional e ondas de compaixão que
deixaram-na imune às críticas. Assim que tornou pública sua vergonha particu-
lar, ela passou a exibi-la como se fosse um chapéu novo, chegando a acrescentar à

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biografia oficial distribuída para a imprensa que ela fora “vítima de abuso sexual
na infância”.
Oprah começou a aceitar convites para discursar em centros de apoio a vítimas
de estupro, fazer palestras para vítimas de incesto e levantar fundos para crianças
molestadas. Ela prestou depoimento no Congresso e conseguiu propor um pro-
jeto que foi aprovado e transformado em lei pelo presidente dos Estados Unidos.
Depois de alguns meses, sentiu-se segura o bastante para dar mais detalhes sobre
seu próprio estupro.
“Eu considerava o sujeito meu primo, embora não fosse de sangue. Eu tinha
9 anos e ele, 19. Não havia ninguém em casa. Eu não sabia o que estava aconte-
cendo. Nunca tinha visto um homem pelado. Talvez nem soubesse que os garotos
eram diferentes. Eu sabia, porém, que era uma coisa ruim, porque tudo começou
com ele se esfregando e passando a mão em mim. Lembro que foi doloroso. De-
pois, ele me levou ao zoológico para que eu não contasse a ninguém. Ainda estava
dolorida e me lembro de ter sangrado no caminho. Naquele ano, descobri de
onde vinham os bebês e passei a viver apavorada com a ideia de que, a qualquer
momento, eu pudesse parir. Durante todo o quinto ano, senti dores de barriga e
pedia licença para sair da sala de aula e ir ao banheiro, porque então eu poderia
ter o bebê ali e não contar para ninguém.”
Muitos anos depois, ela falou sobre o que havia ocorrido na casa da mãe. “O
namorado da prima da minha mãe me molestou várias vezes. E eu pensava que
isso tivesse de acontecer mesmo. Imaginava que havia sido marcada, de alguma
forma. Achava que era minha culpa, que era a única pessoa que tinha passado por
isso e me sentia muito sozinha. Sabia no fundo que não seria seguro contar o que
acontecia. Sentia instintivamente que, se eu contasse, seria culpada.”
Seu algoz praticamente contou para todo mundo. “Ele dizia: ‘Estou apaixo-
nado por Oprah. Vou me casar com ela. Ela é mais esperta que todas vocês.’ Ele
falava esse tipo de coisa e depois saíamos juntos. Todos sabiam, mas preferiram
olhar para o outro lado. Viviam em negação. E ainda havia esta coisa doentia –
minha prima, que vivia conosco, apanhava. Eu costumava negociar com o namo-
rado dela, dizendo que ele podia fazer sexo comigo se não batesse nela. Eu queria
protegê-la. Era assim que as coisas eram. Um negócio ininterrupto, constante, de
tal forma que comecei a pensar que a vida fosse assim mesmo.”
Oprah parecia ser tão aberta ao revelar sua intimidade na televisão que nin-
guém suspeitava que pudesse estar escondendo segredos. Como os comediantes
que ocultam com humor seu lado sombrio, ela havia aprendido a fazer piada com
sua dor e a manter oculto o que mais a machucava. Sabia como dar informações

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suficientes para ser divertida e impedir novas perguntas, razão pela qual ela insis-
tiu em assumir o controle de sua própria divulgação quando o programa passou
a ser exibido em rede nacional. Enquanto parecia que estava contando ao mundo
tudo sobre si mesma, ela, na realidade, mantinha trancado mais do que compar-
tilhava na televisão. Sentia que, no ar, precisava parecer aberta, terna e calorosa, e
esconder a parte de si que era fria, fechada e calculista. Tinha medo de que as pes-
soas não gostassem dela se vissem uma dimensão mais complexa do personagem
vencedor que escolhera interpretar. “O que eu faço é agradar as pessoas”, disse ela.
“Preciso ser admirada, mesmo por aqueles de quem não gosto.”
Sua vitimização pessoal acompanharia os programas nos 20 anos seguintes,
influenciando na escolha de assuntos e convidados, na seleção de livros para seu
clube de leitura, no trabalho junto a organizações de caridade e até mesmo nos
relacionamentos. Ela tentava o tempo todo lidar com o que havia acontecido na
casa de sua mãe. Usou a infância triste para tentar ajudar os outros, assim como
tentava se ajudar. No entanto, sem o suporte de uma terapia, essa luta não tinha
fim e se manifestava na constante batalha com o peso – perdendo e ganhando,
cometendo exageros e jejuando. A excessiva necessidade de controle somada à
imensa gratificação que obtinha por ser o centro das atenções, do aplauso e da
aprovação tinha origens no abuso sexual sofrido pela adolescente. A necessidade
de abandonar aquele buraco sórdido iria conduzi-la a um sucesso excepcional,
que lhe proporcionou as ricas recompensas de um estilo de vida extravagante,
um bálsamo curativo para uma infância pobre.

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