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JOÃO DE PONTE
1
LEMOS, Miguel Roque dos Reys (1977) Anais Municipais de Ponte de Lima; Ponte de Lima, 2ª Edição: Câmara
Municipal de Ponte de Lima
2
ARAÚJO, José Rosa (1993) Limiana; Ponte de Lima: Limici
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ARAÚJO, José Rosa (1993) Limiana; Ponte de Lima: Limici
um dos coretos onde tocava uma banda de música, do qual resultaram
alguns feridos, mas sem gravidade. Valha-nos isso...
No ano seguinte, outro número, pelos vistos muito apreciado, teve o
seu início. Foram as verbenas que, segundo o jornal “O Echo do Lima”
tinham música “escolhida e muito bem desempenhada”. Uma das
curiosidades, diversas vezes referidas em publicações e jornais da época
são as danças temáticas, denominados “bailes”: dos pretos grandes, a dos
canecos, a dos velhos, a das feiticeiras, dos galegos, dos alfaiates, etc.,
forma interessante de “fazer a festa”. Estes “bailes” perduraram muitos
anos, estando ainda na memória das gentes limianas o Linhares, pai do
famoso Trajano, que era o compositor das músicas e ensaiador das danças.
A fama dos “bailes” foi tal, e chegou tão longe, que um grupo de limianos
foi convidado e deslocou-se a Espanha com esse número.
Para podermos ter uma ideia do que era um programa das festas de
S. João nos seus primórdios, reproduzimos uma notícia do jornal “O
Comércio do Lima” de 18784:
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ARAÚJO, José Rosa (1993) Limiana; Ponte de Lima: Limici
Com o içar da bandeira, cerca de um mês antes da festa, arrancavam
os festejos. O mastro era altíssimo, visível nas cercanias, pois esta é uma
festa popular, para todos.
A Irmandade, através do seu Juiz e mesários, evocava anualmente o
Santo Percursor, embora com alguma intermitância, pois os tempos eram
outros, como deixa transparecer a notícia publicada em “O Commercio do
Lima” de 16 de Junho de 1880: “O Juiz e os mesários da Irmandade de S.
João têem envidado todos os esforços para no presente ano levar a cabo as
festividades”. O programa, embora algo modesto, era interessante e muito
digno:
Na Véspera – Ao romper da aurora, alvorada de fogo; surpreendente
iluminação em todo o comprimento da formosa Alameda, fgo do ar, balões
cpm fofo de vistas e três músicas.
Dia de S. João – De manhã, missa cantada, sermão e procissão e, no final,
três chistosos bailes. À tarde num bem adornado circo tauromáquico, a
costuma corrida de touros, com touros vindos de Tentúgal.
Em finais do séc. XIX as Festas de S. João continuavam com todo o
seu esplendor. As tocatas percorriam as ruas da vila, rapazes e raparigas
seguiam-nas para todo lado. À noite, copinhos com velas e balões davam
um colorido extraordinário à festa. As rusgas sucediam-se. Famílias inteiras
ceavam no areal, não perdendo pitada da festa. Ainda hoje, muitas famílias
fazem a sua sardinhada no areal, junto à capela. O fogo de artifício prendia
todos os presentes, com foguetes de lágrimas que “espalhavam a sua chuva
de oiro sobre a capela do Santo”5. No dia da festa fazia-se mercado no
antigo Campo dos Touros. Para a tarde estava reservado o grande número
das festas: o cortejo de S. João. Que saia para a rua ao início da tarde.
“Bandos de raparigas envergando o traje característico de Viana, corriam
pressurosas a enfileirar-se no cortejo (...) Entrementes rompiam os primeiros
figurantes do lado da Praça da Rainha. Era a dança dos pretos. Desmedidas
risadas partiam do povo aglomerado. (...) Enormes bois de Páscoa, com
jugos floridos e lindas lavradeiras à soga, puxavam triunfalmente o “carro
das ervas” (...) Depois era o “rancho da espadelada” batendo nos cortiços
loiras estrigas e atirando aos conversados com raminhos de alfadega; os
lavradores da Boalhosa de enormes varapaus, jaleca aos ombros a
barafustar por “causa da mosca branca que anda lá na freguesia”; o rancho
5
ARAÚJO, Artur (1923) S. João de Ponte, in Almanaque de Ponte de Lima, 1923; Ponte de Lima: Tipografia
Guimarães
das pastoras (...); o “carro dos alfaiates” (...) um sem número de outros
comparsas, tudo cantando, folgando, e rindo”6.
Barcos iluminados, espalhados pelo rio, davam um ar oriental ao
bonito quadro nocturno. A festa era chamariz, para além dos limianos, para
gentes de concelhos limítrofes, designadamente Paredes de Coura, Arcos de
Valdevez, Ponte da Barca e Viana do Castelo, que assentavam arraiais na
véspera do dia de S. João, não perdendo pitada do seu rico programa. Os
anos de brilhantismo, elevada participação e ricos programas alternavam
com outros menos bons, onde a adesão era menor e os programas mais
singelos. As razões eram várias: desde a tardia nomeação das comissões,
até à falta de apoio das gentes locais, passando pelo “enxame de festarolas
que agora todos enveredaram a fazer, exaustando desta forma, a bolsa dos
subscritores”7
Apesar de terem ocorrido alguns lapsos na realização das festas,
exemplos do início do Séc. XX e nas décadas de 20 e 40, a festa retomou o
seu brilho tradicional, conseguindo renovar-se ano após ano, sempre graças
ao bairrismo daqueles que sempre trabalharam em prol do S. João. Em 1925
e 1926 os programas das festas foram reduzidos ao mínimo por dificuldades
na constituição de uma comissão organizadora e dificuldades na angariação
de fundos. O “Cardeal Saraiva” de 24 de Junho de 1926, referia-se assim ao
magro programa das festas: “Aqui, ou tudo ou nada: as tradicionais festas
sanjoaninas limitaram-se a uma missa e repique de sinos...”. Curiosamente
este momento menos bom das festas coincidiu com um momento mau das
Festas do Concelho, as Feiras Novas, que não se realizaram, apesar da
contestação da população e da imprensa local.
Na década de trinta do séc. XX, embora com algumas dificuldades, a
festa foi-se realizando, com um programa mais ou menos enriquecido
conforme as disponibilidades da Irmandade. O de 1932 previa, no dia 23 de
Junho, alvorada com Zés Pereiras e salvas de foguetes, músicas, grande
arraial nocturno, iluminações, fogo-de-artifício, descantes e danças
populares. O dia 24, dia grande da festa, arrancava com salvas de foguetes,
bailes regionais, músicas, uma interessante garraiada na qual foram lidados
seis bravos touros da ganaderia de Plácido & Irmão de Coimbra e,
finalmente, um festival nocturno com uma sessão de fogo japonês.
6
ARAÚJO, Artur (1923) S. João de Ponte, in Almanaue de Ponte de Lima, 1923; Ponte de Lima: Tipografia
Guimarães
7
“O Commércio do Lima” de 28/06/1913
Uma das variáveis que podem condicionar uma festa é o tempo.
Contudo, para o S. João, normalmente não é um problema pois, em pleno
Verão, não é de prever uma partida climatérica. Mas, nem sempre S. Pedro
esteve com S. João, pois em 1933 o mau tempo condicionou as festas, com
muito menos gente do que era habitual a acorrer a Ponte de Lima. Apenas o
arraial nocturno manteve alguma animação, provavelmente porque a
intempérie abrandara, tendo sido bastante apreciadas e aplaudidas as
bandas dos Artistas de Ponte de Lima e da Gandara.
Em meados da década de trinta, começaram a surgir problemas para
organizar as festas, em grande parte devido ao facto da capela se encontrar
em deficientes condições de conservação, “transformada num armazém de
madeiras”, como referia o Cardeal Saraiva de 6 de Junho de 1935. Este facto
fez com que as festas não se realizassem, “passando despercebidas”, festas
que “em tempos marcaram como uma das melhores desta terra”, como
adianta o periódico local. Os únicos sinais da festa nesse ano foram a
iluminação exterior da capela, alguns foguetes e música gravada, não por
iniciativa da Irmandade mas de uma particular, a Sra. Antónia de Jesus,
conhecida no meio por Petiscas.
Na década de 40 as festividades em honra de S. João sofreram uma
quebra significativa, ora com uma redução drástica do programa, ora
mesmo com o cancelamento das actividades. Foi o caso de 1942 em que os
festejos se limitaram às solenidades religiosas e a música gravada durante o
dia. Situação semelhante ocorreu em 1943, onde além das solenidades
apenas se registou a saída à rua de uma “Orquestra Infernal”, constituída
informalmente pela rapaziada que cantou e dançou até altas horas da
madrugada.
Mais tarde, em 1952 uma jovem comissão, em tempo record, colocou
em pé as festividades de S. João. A capela ameaçava ruína mas, mesmo
assim, as festividades realizaram-se, tendo sido beneficiada no ano
seguinte. Nesse ano, foram introduzidas no programa as famosas “Marchas
de S. João”, que saíram para a rua, ainda a pé, com os seus arcos e balões
coloridos. A procissão foi também de grande qualidade, com inúmeros
figurantes, mercê da mobilização efectuada junto das freguesias. Filinto de
Morais, Presidente da Câmara, presenteou os figurantes da procissão com
um excelente lanche. Além das marchas e da procissão, o reaparecimento
das festas ficou marcado com a actuação da Banda de Música de Ponte de
Lima. Chegaram a actuar nas festas de S. João três bandas de música, facto
que atesta a sua importância e grandiosidade.
As fogueiras de S. João são também uma tradição de muitos anos,
não se sabendo mesmo quando tiveram o seu início. Felizmente, ano após
ano, os mais jovens, e menos jovens também, têm a oportunidade de saltar
a “Fogueira de S. João”.
Desde 1867 muita coisa mudou. Ponte de Lima mudou, as festas em
honra de S. João também. Contudo, o espírito que norteou os percursores do
tributo aquele santo, mantém-se hoje em dia, com aqueles que continuam a
colocar de pé uma das maiores festas do concelho, sempre concorrida e
castiça, bem ao jeito dos Santos Populares. Tenho saudades das festas de S.
João da minha meninice, recordo-me das esplendorosas marchas, que
provocavam acesa competição entre os bairros participantes. Lembro-me
das marchas da Além da Ponte, do Pinheiro, do Arrabalde. Lembro-me das
fogueiras e da sensação que era saltá-las. Lembro-me dos bailes e dos
jantares dos “Joões”, nos quais o meu padrinho me iniciou. São recordações,
imagens que ficam, mas o que mais retenho é a força, a pertinência, a
importância para Ponte de Lima que os festejos em honra de S. João
continuam a ter e, com certeza, continuarão a ter no futuro. Que a bandeira
volte a ser içada por alturas de Maio ou início de Junho, no alto do belo
mastro colocado à entrada da Alameda de S. João, símbolo de uma festa
que nasceu do povo e para o povo.
AS MARCHAS
A CAPELA DE S. JOÃO
AS TOURADAS DE S. JOÃO
9
AURORA, Conde d’ (1923) “A Tradição Taurofila do Lima” in Almanaque de Ponte de Lima 1923; Ponte de Lima:
Livraria Guimarães
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AURORA, Conde d’ (1923) “A Tradição Taurofila do Lima” in Almanaque de Ponte de Lima 1923; Ponte de Lima:
Livraria Guimarães
aldeias, sempre solícitas a apoiarem as “Festas de S. João”. Em 1907, de
acordo com “O Commercio do Lima” foi construída uma nova praça de
touros, uma estrutura de carácter permanente, para que nela fossem
realizados os espectáculos tauromáquicos em Ponte de Lima. Nesse ano, as
festas tiveram um grande brilhantismo, com um programa enriquecido, com
o ponto alto a recair em duas corridas de touros, “com 7 bravos touros das
manadas do Sr. Alberto Vaz, com os cavaleiros Ricardo Pereira e Manuel dos
Santos”11. De acordo com “O Commercio do Lima” a “primeira tourada ficou
aquém das expectativas, a segunda esteve muito melhor”. No entanto, nem
tudo foram rosas. A construção da praça deu prejuízo, a organização teve
que despender avultadas quantias e, para evitar males maiores, decidiu
demolir a praça que devia ser permanente, mas que rapidamente foi
condenada ao desaparecimento. Durou duas corridas.
A corrida, sempre à “antiga portuguesa”, tinha lugar no final dos
bailes, com toureiros de renome no panorama tauromáquico nacional. A
ponte e os seus espaços envolventes ficavam completamente repletos de
gente, que não queria perder pitada da corrida. Com o decorrer dos tempos,
a corrida tomou uma nova feição e, pelas suas características,
assemelhava-se aquilo que hoje se apelida de garraiada. Nestas eram já os
“toureiros” limianos que demonstravam toda a sua destreza. Mesmo assim,
grandes cavaleiros foram ali formados, e deram cartas nas melhores praças
do País, casos de D. Telmo de Menêses e o Morgado de Covas. Toda a corrida
estava envolta de grande solenidade, o que lhe aumentava a expectativa. A
própria “embolação” dos touros tinha hora marcada e podiam a ela assistir
aqueles que já tivessem bilhetes para a corrida. Com os altos e baixos da
festa, surgiam os anos sim e não da tourada que, ciclicamente, não se
realizava. Foi o caso de 1925 em que a falta da tourada e outros números foi
associada, pelo Cardeal Saraiva de 02/07/1925 à falta “de alegria de outros
tempos”. A própria praça de touros, propriedade de uma empresa estava a
saque, como referia o Cardeal saraiva de 27/05/1926: “Rouba-se de dia e
diante de toda a gente. É um espectáculo simplesmente vergonhoso (...).
Provado está que a praça já não se encontra em condições de permitir mais
corridas de touros (...)”.
11
“O Commercio do Lima” de 30/05/1907
Os espectáculos tauromáquicos continuaram a integrar o programa
das festas, embora com garraiadas, abertas ao grupos locais, onde
sobressaíram durante alguns tempos os “Marialvas”.
A importância das iniciativas tauromáquicas associadas ao S. João era
tal, que os touros de Gondufe, pertença da Irmandade, chegaram a ser
fornecidos para a “Vaca das Cordas”, como aconteceu em 1942, embora
com um percalço que chocou alguns limianos, a julgar pelo comentário
inserto no Cardeal Saraiva de 11 de Junho de 1942: a vaca das cordas, “que
por sinal era um lindo touro do curro de S. João Baptista desta vila, ao
regressar às cortes de Gondufe porque tresmalhou causou prejuízos de
pequena monta numa propriedade rústica, tendo sido muito maltratado e
morto por asfixia ao ter-lhe sido lançado um laço para o agarrar”.
As “Corridas de Touros de S. João” deixaram de se realizar ainda antes
de 1950. Depois de D. Sebastião de Lencastre ter oferecido á Irmandade
uma dezena de novilhos, que serviram mesmo para a realização de uma
garraiada, depois de um longo período de seca o gado que estava nos
montes estava mal nutrido, sem condições de poder ser toureado. Por isso,
a tourada não se realizou, não mais voltando a encher de brilho o programa
das festas, nem a fornecer o touro para a “Vaca das Cordas”, durante
muitos anos proveniente do Couto de Gondufe em vez das lezírias do
Ribatejo.
PARA TERMINAR...
12
S. João em Ponte (1923) Notícia inserida no Jornal Rio Lima e Junho de 1923, referindo um artigo de António
José Oliveira, publicado no jornal “O Lusitano”, e referenciada nos “Anais Municipais de Ponte de Lima” – 1ª
Edição, de Miguel Roque dos Reys Lemos.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
LEMOS, Miguel Roque dos Reys (1938) Anais Municipais de Ponte de Lima;
Ponte de Lima, 1ª Edição: Câmara Municipal de Ponte de Lima
LEMOS, Miguel Roque dos Reys (1977) Anais Municipais de Ponte de Lima;
Ponte de Lima, 2ª Edição: Câmara Municipal de Ponte de Lima
Periódicos:
“O Commercio do Lima”
“Cardeal Saraiva”
“O Lima”