Você está na página 1de 8

Review: Aplicações de ferramentas da Pesquisa

Operacional na logística ferroviária

Jorge Ubirajara Pedreira Júnior (PEI/UFBA)


Ademar Nogueira do Nascimento (PEI/UFBA)
Cristiano Hora de Oliveira Fontes (PEI/UFBA)

Resumo
O setor ferroviário apresenta grandes oportunidades e desafios para a aplicação de ferramentas de
Pesquisa Operacional. A maneira peculiar pela qual os trens se movem na malha, condicionado às diversas
características de infraestrutura, controle de tráfego e dinâmica de material rodante influenciam
diretamente no desempenho logístico das estradas de ferro. Deste modo, este trabalho elenca algumas
contribuições importantes do estado da arte, principalmente dos últimos 5 anos. Para uma apresentação
mais sistemática, primeiramente são discutidos os modelos analíticos e posteriormente os modelos em
simulação. Foi possível observar uma certa concentração das técnicas empregadas em modelos analíticos
nos níveis operacional e tático, ao passo que os modelos em simulação são predominantemente mais
estratégicos. Espera-se, desta maneira, contribuir para os atuais e futuros profissionais nessa área com
trabalhos de alta relevância para o direcionamento de suas pesquisas.
Palavras chave: Transporte Ferroviário; Pesquisa Operacional; Modelos analíticos; Modelos de
simulação.

1. Introdução
A logística ferroviária apresenta muitos desafios para os profissionais de modelagem e simulação. Krueger
et al (2000) apontam que, enquanto em certos setores a formulação matemática iterativa e a modelagem por
teoria das filas atendem razoavelmente aos requisitos de validação, a representação de vários aspectos da
operação ferroviária não pode ser alcançada de maneira satisfatória utilizando-se qualquer dessas duas
abordagens. Essa complexidade se explica, em boa parte, pela larga dimensão dos territórios modelados,
devido a tomada de decisão sob condições dinâmicas, pela oscilação de prioridades ao longo do trajeto dos
trens e pelo fato das operações raramente refletirem um estado transiente. Ahuja (2005) garante que estes
obstáculos para a modelagem tornam desafiadoras as oportunidades de aplicação de métodos e ferramentas
da Pesquisa Operacional (PO) neste modal.

Boa parte desses desafios de representação acontece pela maneira específica como os trens se movem em
malhas de linhas singelas (única linha para tráfego em ambos os sentidos). Nesses casos, a movimentação
de trens acontece de forma bastante restritiva. A FIGURA 1 ilustra uma encontro iminente entre trens se
movendo em sentidos contrários. Pelo processo descrito, os trens A e B concorrem por uma mesma linha
para realizarem seus deslocamentos (a). Neste exemplo, o trem A precisa acessar uma linha desviada no
pátio logo à frente (b), aguardar para que o trem B possa percorrer o caminho (c), liberando a linha principal
para que ele possa continuar a sua trajetória (d). É importante salientar que essas decisões de conflito
tendem a se tornar mais difíceis quanto maior a quantidade de trens e quanto mais complexos forem a
infraestrutura e o sistema de controle de tráfego existente.
a) b)
A
A B B
c) d)
A

B B A

FIGURA 1 - Ilustração da operação para evitar a colisão frontal de trens

Em virtude desses problemas de resolução de conflitos em circulação de trens, o processo de planejamento


e programação dos itinerários em um trecho ferroviário pode se tornar consideravelmente complicado. Ao
longo de seus trajetos, as composições (trens) concorrem não somente pela utilização de linhas (principais,
desviadas ou de atividades), como também por recursos humanos (maquinistas, equipes de manutenção) e
recursos físicos (silos para carregamento, postos de abastecimento, viradores de vagões). Para lidar com
esses objetivos conflitantes, especialistas realizam uma programação de rotas, permitindo um fluxo
contínuo de mercadorias e, por conseguinte, procurando atender o lead time negociado com os clientes das
operadoras. Todavia, diversas ocorrências não-planejadas devidas a perturbações no tráfego podem ocorrer
após a programação de trens, a exemplo de acidentes, problemas eletromecânicos em material rodante ou
deterioração de via. Para reajustar o tráfego evitando a propagação de congestionamentos, os despachadores
devem reprogramar a movimentação, um problema que também tem sido bastante abordado por
profissionais de PO.

Em função da grande variedade de sistemas ferroviários, muitos trabalhos são desenvolvidos visando
resolver problemas específicos, porém, não raro, encontram-se estudos genéricos para certos padrões de
ferrovia. Deste modo, este trabalho pretende discutir as principais contribuições (principalmente dos
últimos 5 anos) que têm surgido no estado da arte, levantando suas características, finalidades, vantagens e
desvantagens.

2. Discussão sobre o Estado da Arte


O quadro apresentado na TABELA 1 destaca as diferentes formas de abordar os problemas de tráfego
ferroviário presentes na literatura (KRUEGER et al, 2000):

TABELA 1 - Quadro explicativo das diferentes abordagens empregadas em modelos ferroviários

Inserção do trajeto origem-destino dos trens por


Encadeamento sequencial, baseado em
prioridade. Apesar da rapidez de implementação, é
prioridades
pouco confiável para a maioria das situações.
Baseado na quantidade e na natureza dos eventos de
parada que podem acontecer com os trens. Apesar de
Aplicação de atraso empírico
não produzir resultados exatos, serve como
calibrador do desempenho real de tráfego.
Considera diversos parâmetros de infraestrutura de
via, tráfego e características operacionais. Serve
Modelagem paramétrica
como base para avaliação de capacidade, mas é
insuficiente para avaliação de grandes ferrovias.
Através da representação dinâmica baseada em
eventos, permite representar o movimento dos trens,
Algoritmo de otimização, baseado em eventos sendo apoiada por algoritmos. Por depender do
perfeito conhecimento dos eventos futuros, pode
produzir resultados úteis, mas não realísticos.
Também baseada em eventos, está alicerçada em
uma série de regras que retratam as decisões de
Lógica booleana, baseado em eventos
controle de tráfego diário, condicionando os eventos
futuros aos resultados de resoluções dos conflitos.
Em maior ou menor grau, as metodologias que os pesquisadores nesta área utilizam em seus trabalhos
caracterizam-se por um certo nível de incorporação destas abordagens. Krueger et al (2000) definem a
lógica booleana baseada em eventos como a mais desejável na maioria dos casos, uma vez que a sua
flexibilidade permite ao usuário avaliar o impacto de decisões individuais ou padrões de decisão de tráfego
que acontecem em circunstâncias reais. Nesse sentido, o paradigma da Simulação de Eventos Discretos
(SED) associado a heurísticas de decisão têm sido especialmente empregados para lidar com esse tipo de
problema.

Com o propósito de expor de forma sistemática as contribuições mais recentes nessa área, são apresentados
alguns trabalhos com abordagens puramente analíticas e, posteriormente, algumas pesquisas com emprego
da SED de forma pura ou híbrida (combinada a outros métodos).

2.1. Estudos com Modelos Analíticos


2.1.1. Definição de infraestrutura crítica para a capacidade de tráfego na malha
Nas últimas décadas, tem se observado no sistema ferroviário americano uma demanda crescente pelo uso
desse modal em paralelo a uma redução significativa do total de linhas disponíveis. Em virtude da
deficiência de capacidade que se desenha nesse cenário, Khaled et al (2015) desenvolveram duas soluções
para o problema de reprogramação de tráfego, que acontece quando a movimentação está sujeita a
perturbações diversas. Desta forma, procurou-se determinar a melhor decisão de rota e a criticidade dos
elementos da infraestrutura existente. Em primeiro lugar, um modelo de programação inteira mista foi
desenvolvido visando a minimização de uma função de custo total sujeita a diversas restrições operacionais
de trens e de capacidades de linhas e pátios. Obtido o valor mínimo, os parâmetros ótimos de rotas e número
de trens são fornecidos para execução da estratégica de tráfego pós-perturbação de modo a evitar grandes
congestionamentos. Todavia, como problemas de programação inteira mista são altamente combinatórios
e complexos, a sua utilização em largas malhas ferroviárias é inviável para solução em tempo comercial.
Sendo assim, uma heurística foi proposta para esse fim, e seus resultados para malhas com até 13 nós, 23
arcos e 13 rotas mostraram-se bastante satisfatórias, com uma variação não superior a 1% dos valores
obtidos com o modelo de otimização. Com esses resultados, foi possível, então, definir a criticidade de
linhas e pátios em uma grande malha ao longo de todo o território americano, composta por 200 nós e 478
arcos e 552 rotas.

2.1.2. Apoio às decisões de reprogramação em tempo real


Ainda dentro do cenário de decisões de reprogramação, Afonso e Bispo (2011) desenvolveram uma rotina
para despachadores (operadores de tráfego) de ferrovias de linha singela com um mix de tráfego
peculiarmente europeu: trens de passageiros (rápidos e lentos) e trens de carga. Após uma busca por todos
os possíveis conflitos na malha, duas soluções foram propostas: uma heurística de escolha por prioridade e
mínimo atraso do trem a ser parado e um algoritmo de busca em profundidade através de uma rotina branch-
and-bound para obter a solução ótima. Neste sentido, os autores realizam alguns experimentos
computacionais, concluindo que para certos limites operacionais (número trens ≤ 12 e pátios ≤ 24, por
exemplo), a busca pela otimalidade ainda vale a pena (solução ótima obtida em menos de 30 minutos).
Além disso, foi possível notar que apesar do caráter guloso da heurística, as soluções encontradas não se
mostraram consideravelmente díspares em relação às obtidas pela busca em profundidade, atestando a
qualidade de uma alternativa de menor complexidade de implementação.

2.1.3. Minimização do tempo de espera em um sistema ferroviário de passageiro


Tipicamente, as decisões em sistemas ferroviários de passageiros concernem a satisfação dos usuários e um
dos principais indicadores é o tempo médio de espera. Seguindo esse princípio, Barrena et al (2014)
formularam 3 modelos de otimização através de programação inteira mista, com o intuito de minimizar o
tempo total de espera dos passageiros no sistema metropolitano de Madrid. Esse modelo apresenta a
particularidade de atender a uma demanda dinâmica que varia ao longo do dia, buscando a melhor
configuração de trens durante a jornada. Valendo-se de um algoritmo branch-and-cut e considerando-se
restrições como tempo de permanência dos trens nas estações, lotação máxima dos vagões e número de
trens disponíveis, foi possível encontrar resultados satisfatórios para o sistema em análise. De fato, a
redução média na espera por passageiro foi de 30% e, no melhor caso, essa diminuição chegou a 77%.
2.1.4. Comparação do desempenho de dois sistemas de licenciamento distintos
Fundamentalmente, o processo de controle de tráfego ferroviário pode acontecer de duas maneiras: a
intervalo de tempo ou a intervalo de espaço (CHANDRA E AGARWAL, 2007). No primeiro caso, um
trem só pode ser despachado após um lapso de tempo suficiente (intervalo de segurança) desde a partida do
trem anterior. Entretanto, Chandra e Agarwal (2007) ressalvam que esse sistema só funciona razoavelmente
se não houver uma parada imprevista ou acidental do trem anterior, o que poria ambos em risco de colisão
iminente. Tendo em vista a ineficiência e a vulnerabilidade do método precedente, o licenciamento a
intervalo de espaço tem sido bastante empregado. Nele, os trens ocupam determinados espaços guarnecidos
por agentes ferroviários ou sinais luminosos existentes nos extremos dessas regiões (BRINA, 1988).
Tratando desse problema, Harrod e Schlechte (2013) explicam que cada tipo de licenciamento (controle de
tráfego) é abordado com formulação matemática específica e, desta forma, pretenderam avaliar o
desempenho de ambas formulações aplicando-as a sistemas ferroviários de características distintas. Através
de modelos de programação inteira, onde uma função de lucro ponderado é maximizada (diferenciando-se
somente pelas restrições de cada tipo de licenciamento), foi possível observar que para mais da metade dos
casos a aplicação dos diferentes modelos não gerou diferenças no valor ótimo da função objetivo e no tempo
de processamento. Na média geral, a diferença foi somente de 5% e, em alguns casos particulares, as
diferenças discrepantes foram devidas a problemas de especificação de cada caso estudado. Desta forma,
pôde-se constatar que não existe uma preferência em termos de retorno financeiro na escolha de qualquer
dos dois métodos.

2.1.5. Comparação da eficiência de três estratégias de sinalização


Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, Hongsheng et al (2012) realizaram um trabalho visando
avaliar o desempenho da circulação de trens a partir de três sistemas de sinalização ferroviária: blocos fixos,
misto e blocos em movimento. O sistema de blocos fixos é caracterizado pela existência de diferentes
regiões entre trens deslocando-se no mesmo sentido, onde o trem anterior deve obedecer a determinadas
regras de velocidade a depender da região onde se encontra. No segundo sistema, a velocidade do trem
anterior depende da sua curva de frenagem e uma distância de segurança em relação a uma posição estática
da seção onde o trem posterior se encontra. A última estratégia é semelhante à anterior, diferindo-se
somente por considerar o posicionamento dinâmico e a curva de frenagem do trem posterior. Para tanto, foi
a utilizado um autômato celular, que consiste numa grade com células que podem assumir diversos estados
𝐸𝑡 , que são descritos deterministicamente através de uma associação temporal que depende do estado
imediatamente anterior: 𝐸𝑡 = 𝑓(𝐸𝑡−1 ). No caso em estudo, cada estado é determinado pelas regras de
velocidade dos trens a partir das lógicas de controle de velocidade dos três sistemas de sinalização
apresentados. Através da ferramenta VC++6.0, os autores executaram a simulação e graficamente puderam
avaliar as trajetórias por meio de diagramas espaço-tempo, observando uma maior eficiência na estratégia
de blocos em movimento (após 2000 estados, 28 trens estavam em circulação, ante 14 e 20 da primeira e
da segunda estratégia, respectivamente). Ademais, os autores também identificam que com uma correta
proporção de trens lentos e rápidos dentro da rede e uma sequência de partidas adequadas o tempo de
percurso pode ainda ser reduzido significativamente.

2.2. Estudos com Simulação de Eventos Discretos


2.2.1. Desempenho de duas estratégias de tráfego distintas
Marinov e Viegas (2011) analisaram uma empresa ferroviária portuguesa com o intuito de avaliar impactos
de dois padrões básicos de tráfego: operação improvisada e operação estruturada. O primeiro caso trata-se
de uma estratégia indisciplinada de programação, na qual os trens só deixam os pátios de carregamento a
partir de uma tonelagem mínima que se aproxime dos limites de capacidade da malha, permitindo uma
redução da quantidade de trens na via. A segunda estratégia visa uma confiabilidade de tempos de partida
de trens próxima à que ocorre com transporte de passageiros, exigindo um alto nível de padronização,
caracterizado por planos operacionais integrados, eficientes e detalhados.

Os autores conduziram um estudo de simulação de eventos discretos para avaliar o comportamento do


sistema, utilizando como ferramenta o software comercial Simul8. Os resultados evidenciaram que o
percentual de tempo em fila dos trens foi maior para o primeiro caso em relação ao segundo, acontecendo
o inverso em relação ao percentual de tempo operando efetivamente. De fato, em um período de 24 horas,
o número estimado de trens com a estratégia improvisada foi de 60 entrando no sistema em seus pontos de
carregamento e 59 saindo em seus pontos de descarga, comparado a 70 entrando e 70 saindo na estratégia
estruturada. Levando-se também em consideração o impacto financeiro de cada operação, os autores
estimaram o custo anual de cada tipo através do custo unitário de vagões esperando em filas por pátio,
obtendo um valor quase quatro vezes maior para a estratégia improvisada. Desse modo, o estudo permitiu
inferir que deve haver um esforço direcionado ao controle de uma programação fixa de serviço, evitando a
perda de negócios quando desvios significativos geram redução de receitas, custos com sistemas inativos e
deterioração de recursos estáticos, prejudicando a imagem da empresa como uma boa provedora de serviços
de frete.

2.2.2. Avaliação da inclusão do transporte de cargas leves em um sistema metroviário


Em um outro trabalho, Motraghi e Marinov (2012) realizaram o estudo sobre um sistema metroviário
britânico. Nessa pesquisa, propôs-se associar oportunidades de frete urbano de mercadorias à infraestrutura
existente de transporte de passageiros, sem investimentos expressivos. O sistema em questão é uma linha
do metrô de Newcastle, Inglaterra, que compreende a região entre um aeroporto e uma estação ferroviária
localizada em um centro urbano de consolidação de cargas leves e de alto valor agregado.

Por intermédio do software Arena, os autores desenvolveram um estudo de simulação de eventos discretos
para descrever o sistema atual e propor duas alternativas para inclusão do negócio de fretes neste contexto.
Ambas tratam da adição de trens na malha diferindo somente pela estratégia de operação: improvisada e
estruturada, semelhante ao estudo realizado por Marinov e Viegas (2011). A diferença ocorreu basicamente
nos resultados, onde a estratégia improvisada trouxe mais benefícios, obtendo-se uma melhor eficiência
através de um maior percentual de utilização em todos os subsistemas analisados, apesar de incremento nos
tempos de espera. Os autores alertaram, entretanto, para os problemas organizacionais que podem ocasionar
uma operação improvisada (de cargas) acontecendo em paralelo com uma operação estruturada (transporte
de passageiros) numa mesma malha, podendo afetar a estratégia principal do serviço de metrô, que é o da
confiabilidade de prazos para o transporte de passageiros. O estudo também permitiu concluir que o sistema
poderia acomodar 5% a mais de trens acima da operação prevista, sem danos significativos à circulação.

2.2.3. Apoio às decisões de reprogramação em tempo real com um modelo híbrido


Sabe-se que, por vezes, a programação diária realizada pelos especialistas é prejudicada por perturbações
que ocorrem ao longo da operação a exemplo de condições ambientais adversas, falhas de equipamentos e
acidentes. Para enfrentar esse tipo de situação onde os profissionais da central de tráfego devem
reprogramar com rapidez a circulação, Cheng (1998) desenvolveu um modelo híbrido combinando SED e
simulação em redes em um sistema ferroviário de fluxo intenso. A ideia principal foi aproveitar os
benefícios e mitigar as deficiências de cada método para construir um algoritmo aplicável à rotina dos
planejadores de tráfego. De forma experimental, os resultados do modelo proposto foram testados,
permitindo concluir que o método proposto se mostrou mais eficiente e flexível do que a simulação em
redes, retendo as vantagens de um modelo em SED.

2.2.4. Compatibilizando estratégias de tempo e eficiência energética


Sabe-se que aspectos de dinâmica ferroviária (movimento de trens) influenciam significativamente custos
operacionais relativos à eficiência energética (consumo de combustível). Buscando relacionar algumas
variáveis da dinâmica ferroviária aos propósitos de programação (e reprogramação) de trens, Medanic e
Dorfman (2002) desenvolveram um modelo também em SED a partir do algoritmo TAS (Travel Advance
Strategy). Dentro deste cenário, os autores propuseram medir a eficiência do algoritmo em termos de dois
critérios distintos: tempo e energia. Para o critério tempo, verificou-se o quanto o intervalo entre a partida
do primeiro trem e a chegada do último trem se aproxima de um intervalo em condições ideais (sem
cruzamentos de trens em sentidos contrários, como em linhas duplas, uma reservada para cada sentido).
Para o critério energia, um ajuste no cronograma é realizado, reduzindo a espera em cruzamentos através
da diminuição da velocidade dos trens, mas mantendo a eficiência do critério anterior. Com isso, reduz-se
diretamente o consumo energético que é, matematicamente, uma função convexa que depende da
velocidade do trem. Os resultados mostraram-se satisfatórios com uma complexidade de implementação
moderada, atingindo os objetivos do critério tempo (intervalo com apenas 5% superior em relação às
condições ideais) e de eficiência energética previstos.

2.2.5. Uma particularidade interessante de um sistema ferroviário iraniano


Frequentemente, os trabalhos para representação e otimização da programação de trens apresentam
peculiaridades interessantes. Esse é o caso da ferramenta de apoio a decisão desenvolvida por Sajedinejad
et al (2011) no sistema ferroviário iraniano (mesclado por linhas singelas e duplas) onde a restrição de
paradas de trens para as orações diárias da cultura islâmica se juntam às demais. Para resolver o problema
de minimização de atraso no planejamento diário de trens, os autores propuseram uma ferramenta de SED
integrada a um algoritmo genético para geração de um diagrama de cruzamentos ótimo. Este algoritmo,
baseado na lei natural da evolução das espécies por seleção natural, geram os horários de partida
(cromossomos) onde cada trem (gene) possui seu horário específico. A partir de cada simulação (geração),
as mutações tendem a reduzir os atrasos buscando uma solução ótima, verificando ao final se o critério de
parada foi atendido. Os resultados mostraram-se satisfatórios, onde cerca de 400 gerações foram necessárias
para atingir o atraso mínimo na geração de diagramas de horizonte de 24 horas com 152 estações e 148
trens em tráfego.

2.2.6. Três ensaios em sistema ferroviário de cargas brasileiro


No contexto nacional, vale salientar o trabalho desenvolvido por Fioroni (2008) na modelagem da malha
nacional da MRS Logística. O estudo foi desenvolvido em três frentes com objetivos distintos. O primeiro
deles propõe resolver os problemas de conflitos de trens (ultrapassagem e cruzamento) ao longo da malha.
Em um segundo momento, determinar uma decisão de direcionamento ótima de carregamento para os trens
de ciclo recém-descarregados no porto. Por fim, com as duas etapas anteriores consolidadas, uma análise
de sensibilidade para avaliar os impactos na tonelagem por produto entregue nos portos. Para o primeiro
objetivo, uma regra de decisão local para a escolha de avançar/esperar para os trens foi desenvolvida.
Posteriormente, para o segundo objetivo foi desenvolvido um modelo de otimização via programação
inteira para escolha do melhor terminal de carregamento de trens. Por fim, o impacto de diversas
modificações no modelo em SED foi avaliado para se atingir o último objetivo.

3. Discussão e Análise
Uma primeira constatação a se fazer acerca das características dos dois tipos de modelagem é a respeito
dos seus propósitos na abordagem dos problemas. Ao passo que os métodos analíticos são utilizados para
encontrar um ambiente ótimo de operação, os modelos em simulação são desenvolvidos para buscar uma
representação fiel do sistema. Isto pode ser melhor percebido nos trabalhos em que a simulação é aplicada
de forma pura (MARINOV E VIEGAS, 2011; MOTRAGHI E MARINOV, 2012), onde a preocupação
principal dos autores é a representação do sistema e as propostas de intervenção para melhoria limitam-se
a análises What-If ou de sensibilidade. Desta forma, pode-se concluir que os modelos analíticos possuem
uma finalidade tipicamente otimizadora, enquanto que os modelos de simulação são preponderantemente
descritivos.

Como consequência dessas funcionalidades distintas, pode-se perceber claramente que os métodos
analíticos prestam-se mais à resolução de problemas operacionais e táticos do que estratégicos. Observa-
se, dessa forma, que existe uma preocupação sistemática dos autores com o trade-off qualidade da resposta
e tempo de processamento. Esse é um ponto crucial que afeta bastante as decisões de programação e
reprogramação de tráfego, que devem ser realizadas com eficiência e celeridade, tendo em vista as diversas
restrições de fluxo encontradas, principalmente em linhas singelas. Interessante notar que sendo proibitivos
os tempos de processamento para certos problemas, especialmente de programação inteira, alguns autores
desenvolveram heurísticas com a finalidade de obter soluções sub ótimas, porém atingíveis em tempo
comercial. Esses foram os casos encontrados em Afonso e Bispo (2011) e Khaled et al (2015). Nestes casos,
os modelos de otimização serviram como calibradores da qualidade das heurísticas.

Em uma outra direção, os modelos mais voltados para representação do sistema (simulação) são os que
visaram, predominantemente, uma análise mais estratégica do negócio das operadoras ferroviárias. Através
da variação em alguns parâmetros de entrada do modelo, é possível então observar o impacto em medidas
gerais de desempenho. Avaliação de políticas operacionais de tráfego, dimensionamento da frota total do
sistema, indisponibilidade de terminais e impacto da implantação ou melhoria de infraestrutura são alguns
dos aspectos abordados nos trabalhos de Fioroni (2008), Marinov e Viages (2011) e Motraghi e Marinov
(2012). Vale salientar que estes foram os únicos dentro do rol das modelagens em simulação levantadas
que desenvolveram modelos a partir da perspectiva de lógica booleana, baseado em eventos, como
recomendado por Krueger (2000). De forma a contribuir com respostas de alto desempenho em suas
representações, alguns autores buscaram associar algumas análises de otimização ou heurísticas aos seus
modelos de simulação, como em Cheng (1998), Medanic e Dorfman (2002), Fioroni (2008) e Sajedinejad
(2011).

Um quadro com o resumo das principais características comentadas acima pode ser observado na TABELA
2.

TABELA 2 – Quadro comparativo das características de cada trabalho

Híbrido Lógica
Otimização + Decisões de
Autor(es) Aplicação (Simulação + booleana +
Heurística reprogramação
Analítico) eventos
Afonso e Bispo
Geral - - S S
(2011)
Hongsheng et al
Geral - - N N
(2012)
Analíticos

Harrod e
Geral - - N N
Schlechte (2013)
Barrena et al
Passageiro - - N N
(2014)
Khaled et al
Carga - - S S
(2015)
Cheng (1998) Geral S N - S
Medanic e
Geral S N - N
Dofrman (2002)
Carga S S - N
Simulação

Fioroni (2008)
Marinov e Viegas
Misto N S - N
(2011)
Sajedinejad et al
Geral S N - N
(2011)
Motraghi e
Misto N S - N
Marinov (2012)
Legenda: “S” = Sim/ “N” = Não/ “-“ = Não se aplica

4. Conclusão
As peculiaridades morfológicas e a dinamicidade única do tráfego ferroviário fazem dos problemas
encontrados nesse tipo de sistema um grande desafio aos profissionais de PO. Desse modo, esse artigo
pretendeu discutir as algumas contribuições na área, no intuito de evidenciar as melhores práticas do estado
da arte e seus propósitos específicos. Foi possível mostrar que as abordagens de cunho analítico estão mais
voltadas para as resoluções de problemas a nível operacional e tático, ao passo que os modelos de simulação
abarcam decisões no nível mais estratégico das operadoras ferroviárias. Além disso, foram levantadas as
limitações de cada metodologia, tendo em vista a aplicabilidade comercial das soluções (métodos
analíticos) e o nível de representatividade do sistema (modelos de simulação).

Espera-se que este artigo possa ter um valor catalográfico significativo para os pesquisadores da área, tendo
em vista as grandes oportunidades de trabalho no cenário nacional.
5. Referências
AFONSO, P.A. E BISPO, C.F., Railway Traffic Management: Meet and Pass Problem. Journal of System
and Management Sciences. Vol 1., n. 1, pp. 1-26, 2011.

AHUJA, R. K.; CUNHA, C. B.; SAHIN, Güvenç. Network models in railroad planning and scheduling.
TutORials in operations research, v. 1, p. 54-101, 2005.

BARRENA, Eva et al. Exact formulations and algorithm for the train timetabling problem with dynamic
demand. Computers & Operations Research, v. 44, p. 66-74, 2014.

BRINA, H. L. Estradas de Ferro 2. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1988.

CHANDRA, S., AGARWAL, M. M. Railway engineering. ed.New Delhi: Oxford University Press, 2007.
v. 1

CHENG, Y., Hybrid Simulation for Resolving Conflicts in Train Traffic Rescheduling. Computers in
Industry. 35, pp. 233-246, 1998.

FIORONI, M.M., Simulação em Ciclo Fechado de Malhas Ferroviárias e suas Aplicações no Brasil:
Avaliação de Alternativas para o Direcionamento de Composições. 216 p. Tese (Doutorado em Eng. Naval
e Oceânica), Poli-USP, São Paulo, 2008.

HARROD, S., SCHLECHTE, T. A direct comparison of physical block occupancy versus timed block
occupancy in train timetabling formulations. Transportation research part E: logistics and transportation
review, v. 54, p. 50-66, 2013.

HONGSHENG, S. U.; JING, C. A. I.; SHIMING, HUANG. Simulation System Engineering for Train
Operation Based on Cellular Automaton. Systems Engineering Procedia, v. 3, p. 13-21, 2012.

KHALED, A. A. et al. Train design and routing optimization for evaluating criticality of freight railroad
infrastructures. Transportation Research Part B: Methodological, v. 71, p. 71-84, 2015.

KRUEGER, H. et al. Simulation within the railroad environment. In: Proceedings of the 32nd conference
on Winter Simulation. Society for Computer Simulation International, 2000. p. 1191-1200.

MARINOV, M., VIEGAS, J. A Mesoscopic Simulation Modelling Methodology for Analyzing and
Evaluating Freight Train Operations in a Rail Network. Simulation Modelling Practice and Theory. 19, pp.
516-539, 2011.

MEDANIC, J. E DORFMAN, M.J., Efficient Scheduling of Traffic on a Railway Line. Journal of


Optimization Theory and Applications. Vol. 115, n. 3, pp. 587-602, 2002.

MOTRAGHI, A., MARINOV, M. Analysis of Urban Freight by Rail Using Event Based Simulation.
Simulation Modelling Practice and Theory. 25, pp. 73-89, 2012.

SAJEDINEJAD, A. et al., SIMRAIL: Simulation Based Optimization Software for Scheduling Railway
Network. Proceedings of the 2011 Winter Simulation Conference. pp. 3735-3746, 2011.

Você também pode gostar