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Universidade Estadual de Maringá

07 a 09 de Maio de 2012

A IMAGEM DA MULHER NA BAIXA IDADE MÉDIA

OLIVEIRA, Osmar Nascimento de (UEM)


OLIVEIRA, Terezinha (UEM)

Introdução

Neste estudo, pretendemos investigar a forma como a mulher é representada na


obra Os contos de Cantuária, do inglês Geoffrey Chaucer (1343-1400), a fim de
compreender sua participação na sociedade feudal da Baixa Idade Média no século
XIV, bem como seus hábitos e costumes.
Ao dialogar com este autor, acreditamos ser necessário elaborar uma análise
histórica do período apresentando suas principais características e as transformações que
ocorriam à época e que influenciaram o modo de ser das pessoas, e em especial, o
universo feminino.
Para a realização dessa proposta, nosso estudo fundamenta-se, além da obra em
questão, em outros autores contemporâneos e anteriores a Chaucer, que influenciaram
seu pensamento; nos fundamentos da Escolástica (forma de pensamento característico
da Idade Média orientado pela união entre a fé e a razão); na História da Educação e,
particularmente na concepção de educação que não se limita à escola, compreendendo o
aprendizado não apenas de conhecimentos sistematizados, mas de hábitos, costumes e
virtudes capazes de fornecer à sociedade homens educados, civilizados e em condições
de conviver em harmonia entre si.
Ainda que este autor seja pouco conhecido no âmbito da História da Educação e,
de certa maneira, esquecido nos trabalhos acadêmicos e científicos nesta área, sua obra
máxima, intitulada Os contos de Cantuária – um clássico da literatura – transcende o
tempo e o lugar de origem e possui inestimável valor histórico. Apresenta ao leitor uma
variedade de personagens medievais, cujas características, mesmo representando uma
crítica do autor aos hábitos e costumes medievais em transformação, podem contribuir

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para a compreensão do passado, da sociedade medievo-feudal e, em particular, do


imaginário feminino desse período.
Apresentando um breve resumo sobre a dinâmica do livro, verifica-se nessa obra
que Chaucer coloca a si próprio como personagem junto com mais vinte e oito
peregrinos que partem de Londres com destino à cidade de Cantuária para visitar o
túmulo de São Tomás Beckett. Com o objetivo de passar melhor o tempo, um dos
personagens, o Albergueiro, sugere que cada um dos peregrinos conte uma história e,
aquele que contar a melhor, na volta de Cantuária terá direito a um jantar financiado por
todos os viajantes.
Em cada um dos contos que compõem a obra, o autor nos brinda com uma
grande variedade de gêneros literários medievais, tais como a novela de cavalaria, a
fábula, a historiografia, etc. Segundo Vizioli (1988) essa diversidade atende a todos os
gostos, dos leitores mais eruditos aos mais simples e leigos.
Segundo Vizioli (1988),

O primeiro e mais óbvio mérito do livro é o de expor a nossos olhos


um vasto e animado panorama da vida medieval, a começar pelo
Prólogo, com sua incomparável galeria de tipos representativos das
diferentes camadas da sociedade. Alguns críticos, para os quais a
grandeza de um escritor parece ser diretamente proporcional a seu
grau de engajamento político, gostam de frisar, a esse respeito, que, de
fato, toda a sociedade medieval está presente em Chaucer – menos as
classes mais altas e as mais humildes. O que querem sugerir com isso
é que, como bom burguês, o autor, por um lado, temia ofender a
aristocracia, e, por outro, não tinha simpatia pelos pobres (VIZIOLI,
1988, p. XIV, grifo do autor).

Para atender a temática proposta para a elaboração deste estudo, qual seja, o
universo feminino nesta obra de Chaucer, serão explorados os contos nos quais a
participação feminina é mais marcante. Dentre eles, destacamos O conto da mulher de
Bath e O conto do Estudante. O gênero feminino é representado também em outras
histórias, como em O conto do Moleiro, O conto do Feitor, O conto do Magistrado, O
conto do Homem do Mar, entre outros. As características e arquétipos femininos
trabalhados nos contos são as mais diversas: existem as mulheres adúlteras, outras
pacientes e honradas, as imaculadas, as malvadas e perversas, etc. É justamente essa

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diversidade de personalidades que pretendemos estudar a fim de apresentar uma análise


de mulher distinta daquela na qual ela sempre é retratada como um ser passivo, ora
confinada em conventos, nas moradias ou em bordéis.
Em O conto do Estudante, por exemplo, o autor apresenta as desventuras da
pobre Griselda, que precisou enfrentar os mais perversos testes de seu marido, o
Marquês, que pretendia pôr à prova, de forma doentia, a submissão da esposa aos seus
caprichos. O que chama a atenção nesse conto é a atitude sempre serena e submissa de
Griselda que, mesmo em face da suposta morte de seus filhos, por ordem de seu esposo,
permanece ao seu lado, sem ao menos chorar ou contrariá-lo. Por outro lado, em O
conto da mulher de Bath, a oradora, em seu prólogo, afirma ter se casado por cinco
vezes e sempre dominara seus maridos no casamento. Acredita que, no casamento, a
mulher deve dominar o homem, valendo-se do sexo, arte que conhecia muito bem.
Além desses dois extremos de dominação e submissão feminina, Chaucer
também versa sobre a vida de mulheres santas, assim como de mulheres honradas que
preferem submeter-se aos caprichos sexuais de outro homem, que não o seu marido, do
que não honrar sua palavra. Há também diversos contos divertidíssimos que narram
histórias cujas temáticas giram em torno de traições e adultérios.
À luz da história social, acreditamos ser possível verificar que fatores
contribuíram para a construção das características das mulheres medievais na obra
literária de Chaucer. Em nosso estudo, destacaremos aqueles relacionados com a
educação, que transformaram hábitos e costumes, de acordo com a necessidade da
época, marcada pela transição do feudalismo para o capitalismo, do teocentrismo para o
antropocentrismo, enfim, da Idade Média para a Modernidade.
Segundo Tragtenbert (2001), de todas as formas de arte, a literatura é a mais
próxima da vida, é acessível e pode formular novas formas de ação ética e padrões
morais. É capaz de captar o sentido interno das mudanças que ocorrem no mundo. Para
isso, conta com a intuição artística, que faz com que as mudanças sejam pressentidas
antes pelos seus possuidores, passando depois aos campos essenciais do conhecimento.
Por meio da análise dessa diversidade de modelos femininos, pretendemos
conhecer e compreender a participação e a importância da mulher na sociedade inglesa

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nos tempos de Chaucer, assim como propor reflexões a respeito da possibilidade de se


trabalhar a história da educação utilizando obras clássicas da literatura mundial.
Para investigar a representação da mulher medieval nesta obra acreditamos
serem necessárias análises pormenorizadas, dentre as quais destacamos: verificar a
constituição do imaginário feminino da sociedade medievo-feudal por meio do estudo
da obra em questão; conhecer hábitos e costumes medievais a fim de entender as
relações humanas daquele período; compreender como os fatos e acontecimentos do
passado influenciaram o comportamento dessa sociedade, assim como o contexto social
e histórico no qual surgiu a obra.
A elaboração deste estudo justifica-se por diversos motivos, dentre os quais
destacamos inicialmente a possibilidade de conhecermos melhor o contexto histórico e
social da Baixa Idade Média com o intuito de verificar a forma de constituição da
sociedade desse período, seus hábitos e seus costumes, uma vez que se trata de um
período de transformação social, no qual a educação fica muito evidente, pois as
mudanças são muito visíveis.
Outra questão importante é proporcionar o estudo da história e da história da
educação mediante a análise de obras clássicas da literatura mundial para que possamos
elucidar questões importantes sobre o passado e sobre a humanidade. Além de propiciar
importantes reflexões acerca da participação humana na sociedade medieval,
particularmente a participação feminina, que sempre foi muito importante ao longo da
história.
Esta investigação visa ainda contribuir para uma melhor formação pessoal e
profissional, consolidando conhecimentos relativos a gênero, história e educação, a fim
de preparar profissionais da área de educação com apurado senso crítico a respeito das
transformações sociais que ocorreram no passado e que desejamos para o futuro da
nossa sociedade.
Em relação à metodologia de estudo, a obra será analisada à luz da história
social. Segundo Bloch (2001), Michelet e Fustel de Coulanges nos ensinaram a
reconhecer que o objeto da história é, por natureza, o homem, ou melhor, os homens; no
entanto, para Bloch (2001, p. 55), a história pode ser melhor definida como “a ciência
dos homens no tempo”.

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Assim, podemos conceituar a história como uma ciência humana que estuda o
desenvolvimento do homem no tempo, a qual analisa os processos históricos, os
personagens e os fatos para propiciar a compreensão de um determinado período
histórico, cultura ou civilização.
A história social, que fundamentará esta pesquisa é uma teoria originada com o
movimento dos Annales. Em conformidade com Castro (1997):

A referência ao movimento dos Annales se faz necessária por ter-se


tornado o marco, real ou simbólico, de constituição de uma nova
história, em oposição às abordagens ditas rankianas, predominantes
entre os historiadores profissionais até a primeira metade do século.
Ainda hoje, a expressão ‘história social’ é frequentemente utilizada
como forma de marcar o espaço desta outra postura historiográfica
frente à historiografia tradicional. A revista e o movimento fundados
por Bloch e Febvre, na França, em 1929, tornaram-se a manifestação
mais efetiva e duradoura contra uma historiografia factualista,
centrada nas ideias e decisões de grandes homens, em batalhas e em
estratégias diplomáticas. Contra ela propunham uma história-
problema, viabilizada pela abertura da disciplina às temáticas e
métodos das demais ciências humanas, num constante processo de
alargamento de objetos e aperfeiçoamento metodológico. A
interdisciplinaridade serviria, desde então, como base para a
formulação de novos problemas, métodos e abordagens da pesquisa
histórica, que estaria inscrita na vaguidão oportunada da palavra
‘social’, enfatizada por Febvre, em Combates por La historia
(CASTRO, 1997, p. 45-46).

Castro (1997) salienta que, a partir do movimento dos Annales, surge uma nova
concepção de história diferente da tradicional (centrada em nomes, locais e datas). Essa
ciência dos homens no tempo nos permite compreender como as relações sociais em
cada época influenciavam a vida das pessoas, como os hábitos e comportamentos eram
moldados de acordo com o interesse ou a necessidade de cada tempo histórico.
Com relação aos procedimentos mais específicos deste estudo, ressaltamos que
cada área da ciência emprega métodos e técnicas específicas para a realização de
pesquisas. Para o desenvolvimento de um projeto de pesquisa, de maneira geral,
Marconi e Lakatos (1990, p. 16) indicam seis etapas:

1. Seleção do tópico ou problema para a investigação;

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2. Definição e diferenciação do problema;


3. Levantamento de hipóteses de trabalho;
4. Coleta, sistematização e classificação dos dados;
5. Análise e interpretação dos dados; e
6. Relatório do resultado da pesquisa.

A elaboração desta pesquisa, cujo objetivo principal é investigar a forma como a


mulher é representada na obra Os contos de Cantuária, do inglês Geoffrey Chaucer,
segue as seis etapas definidas acima. A primeira delas é a seleção do problema. A
escolha dessa temática surgiu pelo interesse no estudo da história da educação mediante
obras de literatura ambientadas no período medieval, que acreditamos ser capaz de
fornecer material muito rico para uma série de estudos e investigações elucidatórias a
respeito da sociedade medievo-feudal e de importantes aspectos relacionados com a
história da educação. Outro objetivo, não menos relevante, é a divulgação da obra de
um autor que, curiosamente, é pouco estudado em cursos de graduação e pós-graduação
na academia, apesar de sua relevância para a compreensão da sociedade medieval.
No tocante à definição e diferenciação do problema, ao investigarmos o universo
feminino na obra indicada, pretendemos desmitificar a concepção que se tem sobre a
mulher da Baixa Idade Média, relacionando as características das personagens com
outras obras literárias e estudos históricos do período, procurando identificar os fatores
que influenciaram o modo de ser daquela sociedade, bem como as transformações
ocorridas no período.
Para a investigação de nossa fonte primária, a obra de Chaucer e dessa nova
perspectiva acerca da sociedade medieval, partimos do levantamento de algumas
hipóteses de trabalho expressas nas seguintes questões: É possível conhecer a
concepção de mulher na Baixa Idade Média por meio da análise da obra Os Contos de
Cantuária de Geoffrey Chaucer? A literatura pode fornecer informações que
possibilitem a compreensão da sociedade medievo-feudal, em especial, do universo
feminino? Existem semelhanças entre as personagens da obra de Chaucer e os
indivíduos relatados em obras clássicas de história medieval?

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Os procedimentos para a coleta, sistematização e classificação dos dados serão


baseados na modalidade de pesquisa bibliográfica desenvolvida a partir da leitura e
fichamento da obra de Chaucer e de historiadores medievalistas renomados, como Le
Goff e Huizinga.
Para a análise e interpretação dos dados coletados, faremos uma reflexão sobre
as leituras realizadas fundamentados na revisão da literatura que servirá de suporte para
a investigação da concepção de mulher do período em questão, para, finalmente,
elaborarmos o relatório do resultado da pesquisa.
Para concluir, gostaríamos de chamar a atenção ao recorte temporal feito para a
análise da obra de Chaucer e ao atual estado da arte com relação a esta temática, foco de
nossa pesquisa.
A educação na história é extensa, tanto em termos de tempo como de espaço, por
isso é necessário um recorte temporal em que trataremos apenas do que se refere ao
estudo da Baixa Idade Média, tendo em vista que é nesse período da história que se
encontra a obra objeto deste estudo e que também se constitui em uma época importante
de transformações sociais e educacionais.
O estudo referente às mulheres na Idade Média não é um tema inédito na
literatura brasileira. Macedo (1990) apresenta uma análise da mulher medieval e revela
um olhar diferente sobre a Idade Média, que procura esclarecer aspectos relacionados à
imagem, frequentemente projetada do período, no qual a mulher é representada como
calada e passiva.
São raras, no entanto, as pesquisas sobre a obra Os Contos de Cantuária. Os
estudos sobre o autor e a obra, em geral, estão relacionados à área de letras, em especial
ao estudo da língua inglesa que Chaucer ajudou a consolidar. O atual estado da arte ou
estado do conhecimento sobre as investigações da obra de Chaucer é muito pouco
expressivo. Em pesquisa realizada em setembro de 2011 no banco de dados da Capes
(http://capesdw.capes.gov.br), encontramos apenas três dissertações de mestrado sobre
este autor, dentre as quais duas estão ligadas à área de letras, envolvendo a tradução e a
análise do discurso feminino, e outra relacionada com a formação e a educação no
século XIV.

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Para a elaboração desta pesquisa, nossa análise será fundamentada em


historiadores, dentre os quais destacamos: Oliveira (2005), Macedo (1990; 2003),
Huizinga (2010) e Le Goff (2005), entre outros.

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