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Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População – Nepo/Unicamp. Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação
em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH/Unicamp.
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Rocha, M.I.B. A discussão política sobre o aborto no Brasil
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Rocha, M.I.B. A discussão política sobre o aborto no Brasil
aos dois projetos de lei mais liberais, re- Na esfera do Executivo, no campo da
feridos na etapa anterior. saúde – agora reestruturado por meio do
No âmbito da sociedade civil, essa fase Sistema Único de Saúde –, é importante
foi fortemente marcada pela preparação da referir-se às decisões sobre a questão do
Constituinte e, sobretudo, pelo seu próprio aborto no âmbito das Conferências Na-
processo. Os dois principais atores políticos cionais de Saúde, do Conselho Nacional
e sociais envolvidos na discussão da ques- de Saúde e da Área Técnica de Saúde da
tão do aborto – o movimento feminista e a Mulher, do Ministério correspondente. Para
Igreja Católica – não somente se prepa- este texto, destaca-se a norma sobre pre-
raram, como também atuaram, direta ou venção e tratamento referentes à violência
indiretamente, em todas as etapas da sexual contra a mulher, dessa área técnica,
Constituinte sobre este e outros assuntos que aplica o artigo 128 do Código Penal –
de suas agendas políticas. As mulheres sobre o abortamento não punível pela lei –,
organizadas tiveram essa atuação articu- ampliando medidas originalmente ado-
lada pelo CNDM e com a participação do tadas por alguns governos municipais,
movimento autônomo, enquanto a Igreja estaduais ou universidades, já nos anos 80.
Católica preparou-se por meio da Confe- A iniciativa federal datada em dois mo-
rência Nacional dos Bispos do Brasil. mentos – o primeiro em 1998 e uma versão
Durante sua 24ª Assembléia Geral, também atualizada e ampliada em 2005 – teve
em 1986, essa entidade apresentou o repercussão na ampliação do número de
documento denominado “Por uma nova or- serviços de saúde que atendem o aborto
dem constitucional”. No item sobre promo- legal. Estudo de Talib e Citeli (2005)
ção e defesa da vida, registra-se que esta localizou 37 hospitais que realizam ou que
deve ser preservada desde o primeiro estão preparados para realizarem esse
instante da concepção, sendo inaceitável o atendimento, em 21 Estados e no Distrito
aborto provocado (ROCHA, 1993). Federal.
Já a partir de 1989, iniciou-se uma O tema também esteve presente na IV
nova fase na configuração do Estado e da Conferência Nacional de Direitos Humanos,
sociedade no Brasil. A Constituição de realizada em 1999, e no plano dela resul-
1988 abriu as portas para um conjunto de tante, em 2002, elaborado pela Secretaria
transformações a serem realizadas a partir de Estado dessa área. Ali se propõe, confor-
da atuação do Executivo, do Legislativo e me Ventura (2004, p.43), “o alargamento
do Judiciário, e a sociedade civil passou a dos permissivos para a prática do aborto
ter importantes instrumentos de controle legal, em conformidade com os compro-
social, ou seja, de controle da socieda- missos assumidos pelo Estado brasileiro, no
de sobre o Estado. A experiência da marco da plataforma de ação de Pequim”.
democracia acabou por trazer algumas Por fim, o tema esteve significativa-
significativas mudanças na feição das mente presente na I Conferência Nacional
discussões e decisões sobre os direitos de Políticas para Mulheres, organizada pela
das mulheres e, nesse quadro, sobre a Secretaria Especial respectiva e pelo CNDM,
questão do aborto – intensificando-se em 2004. O plano dela decorrente incluiu a
amplamente esse debate. Antes de pauta de “Revisar a legislação que trata da
elencar relevantes decisões e medidas interrupção voluntária da gravidez”. Essa
nesse campo, é interessante ressaltar que decisão implicava a criação de uma Comis-
parte da discussão que se desenvolveu são Tripartite, formada por representantes
nesse período, sobretudo a partir de 1993, do Executivo, do Legislativo e da sociedade
teve como importante referência a civil, para discutir, elaborar e encaminhar
participação do Brasil na Conferência uma proposta de revisão dessa legislação
Internacional de População e Desen- ao Congresso Nacional. E assim ocorreu:
volvimento, realizada no Cairo, em 1994, o anteprojeto, apresentado em fins de 2005,
e na Conferência Mundial sobre a Mulher, criava uma lei autorizando o aborto até 12
realizada em Pequim, em 1995. semanas de gestação e ampliando as
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atores políticos e sociais e na ampliação do sociedade civil, mas muitos dos diretos de
debate. Não houve modificações signifi- cidadania ainda não foram conquistados.
cativas na legislação, no entanto conseguiu- Se para melhor qualificar a democracia
se estabelecer normas técnicas e criar tivermos como referência a questão da
serviços que procuram garantir o acesso igualdade – como diria Norberto Bobbio
ao aborto previsto em lei e o atendimento (1987), a democracia substancial –, possi-
das mulheres em situação de abortamento, velmente encontraremos nas desigualda-
no âmbito do Poder Executivo. A tensão no des de gênero e de classes que há no país
Parlamento entre tendências opostas tem, uma das principais chaves das ainda
praticamente, paralisado decisões que restritas mudanças referentes à questão do
envolvam mudanças legais: não se avança aborto. Isto é, a democracia formal foi
na legislação, mas também não se retro- necessária para as mudanças parciais
cede. A via do Judiciário vem sendo trilhada, nesse tema, mas não foi suficiente para
desde os anos 90, e existe uma ação em transformações mais profundas, que
julgamento no STF sobre a interrupção da deverão estar associadas ao conteúdo
gestação nos casos de anencefalia do feto. dessa democracia, no que diz respeito aos
Na realidade, com a redemocratização avanços quanto à questão da igualdade nas
do Brasil, houve um fortalecimento da relações sociais no Brasil.
Referências bibliográficas
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