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SEDUFSM JORN AL D A

Publicação mensal da Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES - Abril e Maio de 2019 ISSN 2177-9988
BRUNA HOMRICH

A luta
é na 15 de maio: 10 mil pessoas foram às ruas em Santa Maria

No dia 15 de maio, a luta em defesa da educação, sob


ataque do governo Bolsonaro, levou mais de 2 milhões
de pessoas às ruas em cerca de 200 cidades do país.
Em 14 de junho, dia da Greve Geral, deverão ser
muitas mais a gritar contra a reforma que condenará
trabalhadoras e trabalhadores a nunca mais se
aposentar. Sedufsm, pág. 3

Ainda nesta edição:


SEDUFSM ganha liminar e mantém arrecadação. Jurídico, pág. 2
Mães docentes em luta pela humanização da Universidade. Especial, págs. 4 e 5
ACO M PAN H E A SED U FSM N A IN TERN ET

w w w . se d u fsm . o rg . b r tw itte r. co m / se d u fsm fa cebook.com / sedufsm insta gra m .com / sedufsm


02 ABRI L E MAI O DE 2019 Publicação da Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES

PAI NEL

Assembleias em Sedufsm tem plantões


mensais nos campi
Frederico e Palmeira A partir de junho, o sindicato promoverá plantão jurídico mensal nos campi da
UFSM em Frederico Westphalen e Palmeira das Missões. O objetivo é oportunizar
No dia 6 de junho, a Sedufsm promove assembleias nos campi da UFSM em que os/ as docentes sindicalizados nessas unidades tenham mais facilidade de
Frederico Westphalen e Palmeira das Missões para discutir a mobilização da acesso tanto à assessoria jurídica quanto à própria diretoria da Sedufsm. Para
categoria na Greve Geral do dia 14 de junho. Confira, abaixo, os horários e locais: quem ainda não é sindicalizado/ a, essa também é uma oportunidade de tirar
dúvidas presencialmente sobre a importância de fortalecer o sindicato e os
Frederico Westphalen Palmeira das Missões benefícios reservados aos/ às filiados/ as. As visitas sempre terão a presença de
um/ a diretor/ a da seção sindical e de um assessor jurídico do escritório Wagner
Local: Centro de Convivência Local: Sala 206 (prédio 1)
Advogados Associados. Para facilitar a organização, os/ as professores/ as podem
Horário: 9h Horário: 13h30
agendar previamente as consultas através do email sedufsm@terra.com.br e dos
telefones (55) 3222-5765 e (55) 999358017 (WhatsApp).
Confira, abaixo, a agenda completa das visitas. Qualquer alteração nas datas

64º Conad bate à porta será publicada em nosso site e redes sociais.

Com o tema “Em defesa da educação pública, dos direitos sociais e das FREDERI CO WESTPHALEN PALMEI RA DAS MI SSÕES
liberdades democráticas”, o 64º Conselho do ANDES-SN (Conad) ocorre 11 de julho 11 de julho
de 11 a 14 de julho, em Brasília (DF). O evento tem o objetivo de atualizar Local: Centro de Convivência. Local: sala 206 (prédio 1).
o plano de luta geral do Sindicato Nacional e os planos dos setores, Horário: 9h às 11h30. Horário: 13h30 às 16h.
ambos aprovados durante o Congresso, que ocorre no início de todo o 8 de agosto 8 de agosto
ano. Outra atribuição do Conad é discutir e deliberar sobre as finanças do Local: Centro de Convivência. Local: sala 206 (prédio 1).
ANDES-SN. Nos próximos dias, a Sedufsm realizará assembleia para Horário: 9h às 11h30. Horário: 13h30 às 16h.
definir quais professores/ as representarão a seção sindical no evento.

Prazos: quem desejar enviar contribuições


para compor o Anexo ao Caderno de Textos do
64º Conad pode fazê-lo até 23 de junho através
E em Camobi? Uma vez por semana o sindicato deslo-
ca sua assessoria jurídica para o campus
da UFSM em Camobi, a fim de também
do e-mail: secretaria@andes.org.br. facilitar o acesso dos/ as docentes que
CAMPUS UFSM/ CAMOBI têm dificuldades de vir até o centro. Os
Quintas-feiras plantões jurídicos ocorrem todas as

Cultura na Sedufsm
Local: anexo B (sala de vidro) quintas-feiras, das 14h às 16h, no anexo
do Prédio 17. B (sala de vidro) do prédio 17. Contudo,
Horário: 14h às 16h. desde às 8h da manhã (com intervalo
“A greve dos caminhonei-
RAFAEL BALBUENO A partir das 8h da manhã uma entre 11h30 e 13h) uma funcionária do
ros e da Educação na cons- funcionária do sindicato estará sindicato está na sala a fim de dar infor-
trução da Greve Geral” foi o na sala para informações ou mações ou resolver pendências trazidas
tema do debate organizado resoluções de pendências dos/ as pelos/ as filiados/ as.
pela Sedufsm na Câmara de filiados/ as.
Vereadores de Santa Maria
em 13 de maio. Participa-
ram do evento a ex-dirigen-
te do CPERS e membro da Na sede também tem?
CSP-Conlutas, Rejane de Tem sim. Para os/ as professores/ as que
Oliveira (à esquerda na preferem atendimento no centro de Santa SEDE DA SEDUFSM
foto), e o dirigente do Sindi- Maria, a Sedufsm disponibiliza plantão Terças-feiras
cato dos Transportadores jurídico todas as terças-feiras, das 9h às Local: André Marques, 665.
Autônomos (SI NDI TAC-I juí), Carlos Alberto Dahmer (à direita na foto). A 12h, na sede (André Marques, 665). Horário: 9h às 12h.
mediação foi do presidente da Sedufsm, Júlio Quevedo (meio da foto).

JURÍ DI CO

Sedufsm ganha liminar e mantém desconto em folha


O juiz da 3ª Vara Federal de Santa Maria, Rafael Tadeu Rocha da Silva, deferiu o importa onerar e dificultar o recolhimento das contribuições, não
pedido da Sedufsm suspendendo os efeitos da MP 873/ 2019 publicada pelo havendo justificativa razoável para a restrição imposta na
Governo Federal, que determinava o fim dos descontos em folha da contribuição referida MP, pois sendo facultativa, reclama prévia e expressa autorização do
sindical. A decisão judicial vem se alinhar com diversas outras liminares deferidas servidor, que assim atua em sua esfera de livre associação e contribuição sindical.” E
em favor de entidades sindicais no país inteiro, demonstrando a fragilidade da continua: “Vale pontuar que em respeito ao citado direito de livre associação não
Medida Provisória. cabe ao poder público definir a modalidade de pagamento da contribuição sindical,
Em sua decisão, o Juiz Rafael Rocha da Silva argumenta que “a forma de sob pena de limitar o alcance do preceito constitucional e a própria atuação sindical”.
arrecadação determinada na MP nº 873/ 2019 pode reduzir e até mesmo inviabilizar A ação judicial foi elaborada pela assessoria jurídica da Sedufsm (Escritório
a capacidade de atuação sindical na defesa da categoria profissional, porquanto Wagner Advogados Associados).

EXPEDI ENTE
A diretoria da SEDUFSM é composta por: Presidente: Júlio Ricardo Quevedo dos Santos; Vice-Presidente: João Carlos Gilli Martins; Secretária-Geral: Maristela da Silva Souza ; Primeira
Secretária: Leila Regina Wolff ; Tesoureiro-Geral: Gihad Mohamad; Primeiro Tesoureiro: Carlos Alberto da Fonseca Pires; Primeira Suplente: Valeska Fortes de Oliveira ; Segunda
Suplente: Adriana Graciela Desire Zecca ; Terceira Suplente: Roselene Moreira Gomes Pommer .
Jornalista responsável: Bruna Homrich Vasconcellos (MTb nº 17487) Equipe jornalismo: Fritz R. Nunes, I van Lautert e Rafael Balbueno Estagiário de jornalismo: Lucas Reinehr
Equipe de Relações Públicas: Fernanda Brusius e Vilma Ochoa Demais funcionários: Dirleia Balensiefer , Vinícius Heinz e Rossana Siega
Diagramação e projeto gráfico: J. Adams Propaganda I lustração: Rafael Balbueno I mpressão: Gráfica Pale , Vera Cruz (RS). Tiragem: 1.600 exemplares.
Obs: As opiniões contidas neste jornal são da inteira responsabilidade de quem as assina. Sugestões, críticas e opiniões podem ser enviadas via fone (55) 3222-5765 ou pelo email
sedufsm@terra.com.br
I nformações também podem ser buscadas no site do sindicato: w w w .sedufsm.org.br A SEDUFSM funciona na André Marques, 665, cep 97010-041, em Santa Maria (RS).
Publicação da Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES ABRI L E MAI O DE 2019 03

SEDUFSM

14 DE JUNHO:
Gre ve Ge ra l no Bra sil IVAN LAUTERT
No dia 14 de junho, trabalhadores/ as numa condição de dependência em
do país inteiro devem paralisar as ativi- relação aos países imperialistas.
dades a fim de protestar contra as refor-
mas maldosas do governo Bolsonaro. (Entretítulo)
BrasilBrasilcolônia
colônia
Com foco central no combate ao projeto
de Reforma da Previdência, a Greve Com o sucateamento da Educação e o
Geral também trará o repúdio aos cortes empobrecimento do povo brasileiro, o
no orçamento da educação pública e aos Brasil ocuparia um papel bem específico
diversos outros ataques desferidos aos na nova divisão mundial do trabalho: o de
direitos trabalhistas e sociais da classe exportar alimentos, minérios, pedras e
trabalhadora e população pobre do país. metais preciosos.
O último 15 de maio, que reuniu cerca de “Todos estes ataques têm um objetivo
10 mil pessoas nas ruas de Santa Maria e bem claro: reconduzir o Brasil à condição

15
milhões Brasil a fora, serviu como termô- de colônia. Se pensarmos que as univer-
metro para medir a capacidade de luta sidades públicas brasileiras são respon- Na manhã do dia 15, segmentos fizeram
da juventude e classe trabalhadora sáveis por mais de 90% de ciência, 'trancaço' no arco da UFSM para dialogar
brasileiras. tecnologia e humanidades produzidas no com a população sobre a importância da
país, a privatização dessas universidades universidade
Não
( Ent ret ít ulo) é Não
reforma,
é reform a, é levaria ao fim dessa produção. Com isso,
destruiçãoé destruição ficaríamos dependentes em ciência e Greve Nacional
tecnologia dos países ricos, e tal depen-
em Defesa da
Para o vice-presidente da Sedufsm,
João Carlos Gilli Martins, o projeto
apresentado pelo governo não visa re-
dência está na base da nossa recondução
à condição de colônia”, aponta Gilli. DE MAI O Educação Pública

formar a Previdência Social, mas destruir Mobilização


(Entretítulo) Mobilização

30
Foto divulgação

todo o sistema de Seguridade Social


brasileiro. “Essa destruição irá penalizar Nem tudo está perdido. Conforme
principalmente os mais pobres e os/ as lembra o vice-presidente da Sedufsm, no
trabalhadores/ as negros/ as, que são os dia 15 de maio cerca de dois milhões de
principais afetados pelo desemprego e pessoas saíram às ruas em defesa da
pelos vínculos informais de trabalho”, educação pública. “Agora temos o 14 de
explica o dirigente. junho, que é a possibilidade de fazermos

DE MAI O
A Previdência, diz Gilli, pertence ao uma grande Greve Geral para impedir
tripé da Seguridade Social [ Saúde, que passe a Reforma da Previdência”, diz
Previdência e Assistência Social] e, ao Gilli. Ainda antes do dia 14, nova
contrário do que dizem governo e grande mobilização em defesa da Educação está
Mobilização Nacional pela Educação,
mídia, não é deficitária. O que vem ocor- marcada para o dia 30 de maio, em todo o
rendo é uma queda de arrecadação país. convocada inicialmente pelos estudantes
devido a dois motivos centrais: “aumen- Em Santa Maria, os três segmentos da e abraçada pelos sindicatos
to do desemprego e retirada de dinheiro UFSM (estudantes, docentes e técnico-
da Previdência para pagamento dos administrativos em educação) têm se

14
Foto divulgação

juros e amortizações da dívida pública. reunido semanalmente no campus da


Nesse contexto, se alguém tem que universidade a fim de debater estratégias
pagar por essa crise, não somos nós, da de mobilização e diálogo com a comu-
classe trabalhadora, mas os donos dos nidade acadêmica. Outro ponto de arti-
bancos, que continuam lucrando com culação é a Frente Única de Trabalha-
toda essa crise”, salienta o docente. doras e Trabalhadores de Santa Maria
Se aliada aos cortes bilionários na (FUTT), que reúne sindicatos e movi-

DE JUNHO
Educação, a Reforma da Previdência mentos sociais de fora da universidade e
ilustra, na avaliação de Gilli, um projeto debate, também semanalmente, na sede
que tem por objetivo minimizar os da Sedufsm, os encaminhamentos da
efeitos da crise estrutural e crônica do luta. Greve Geral da classe trabalhadora contra a
sistema capitalista. Para tal, é preciso, Quem quiser participar das reuniões,
Reforma da Previdência e os ataques de Bolsonaro
por um lado, privatizar, e por outro, im- fique de olho no site e redes sociais da
pedir o desenvolvimento nacional de Sedufsm que lá divulgamos os dias e
ciência e tecnologia, colocando o Brasil horários.
04 ABRI L E MAI O DE 2019 Publicação da Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES Publicação da Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES ABRI L E MAI O DE 2019 05

REPORTAGEM ESPECI AL

Maternidade e docência na era produtivista IVAN LAUTERT


Ser mãe e docente de uma universidade parece ser Milena, quando entrou em licença-maternidade regra, pós-graduação (Mestrado e Doutorado), as universidade. Trata-se de humanizar as relações e rea-
um ato de coragem. Dos altos níveis de produtividade devido ao nascimento da Nina, hoje com dois anos, mulheres que se tornam docentes geralmente ingres- valiar a tônica produtivista responsável, em grande
exigidos pelos órgãos de fomento, passando pelos perdeu duas bolsas de iniciação científica. Destinadas a sam na carreira em torno dos 30 anos, exatamente a parte, pelo adoecimento psíquico de professores e dos
editais de concessão de bolsas, até as reuniões de estudantes caracterizadas pela docente como “maravi- idade em que começam a pensar em ter filhos. próprios estudantes.
departamento, toda a estrutura institucional da lhosas e empenhadas”, as bolsas foram interrompidas, “Ora, se quando tu chega no auge da tua carreira e “As agências de fomento não são geridas do além, e
Educação Superior é bastante hostil às mulheres profes- embora as meninas tenham decidido dar sequência à produtividade, precisa colocar o pé no freio, quanto sim por colegas docentes e pesquisadores/ as. O que
soras que decidem serem mães. É o que comentam pesquisa, visto que, sendo a Comunicação uma Ciência tempo demora para essa engrenagem voltar depois? E mais me incomoda é que se cria uma métrica e, quando
Marta Tocchetto, do departamento de Química da Social e Humana, os processos de investigação científica aquela mulher que não foi mãe ou aquele colega homem alguém alcança aquela métrica, é mais e mais. Mas
UFSM, e Milena Freire, da Comunicação Social. tendem a envolver pessoas e subjetividades. continuaram rodando a estrada, não é? Tu terá que reto- essa régua somos nós quem criamos. E isso é insano.
Atualmente com 62 e 39 anos, respectivamente, ambas Milena escreveu ao Comitê de I niciação Científica da mar depois. Tu não chega lá. Ou pode até chegar lá Eu tive de reconhecer que, para dar conta daquilo que
experimentaram a maternidade enquanto docentes, UFSM questionando sobre a interrupção no pagamento junto com eles, mas com um sacrifício pessoal muito considero importante na maternidade, provavelmente
ainda que com certo distanciamento temporal. das bolsas, ao que foi respondida que este era o grande”, diz Milena, lembrando que a grande maioria terei de diminuir minha expectativa profissional.
Marta prestou concurso para lecionar na UFSM em procedimento normal: professoras que engravidam, se dos presidentes de associações de pesquisa são “Se o ambiente acadêmico reconhecesse minha ma-
1983; Milena, em 2009. Quando ingressou, a primeira já estão contempladas por algum edital de bolsas, homens, bem como a maioria dos que conseguem ternidade e possibilitasse a divisão paritária das tarefas
tinha dois de seus quatro filhos; a segunda, apenas o perdem os benefícios. Embora, no caso de Milena e de alcançar as bolsas de maior produtividade e reconheci- maternas e paternas, seria tudo mais tranquilo. En-
Tomás, nascido oito anos antes da Nina, sua caçula. várias outras docentes, os benefícios servissem para mento. quanto isso não acontece, eu faço escolhas por perce-
Pouco tempo depois de ingressar na carreira, Marta teve remunerar o trabalho das estudantes. Em seguida, ela “Não é por capacitação, não é por intelecto mais ber que essa régua atual não vai dar para mim. Eu faço
seus outros dois filhos e, na sequência, aos 35, perdeu escreveu um requerimento abrindo mão das bolsas e desenvolvido, e também não é só a maternidade. É toda o meu melhor, até porque sou apaixonada pelo meu
seu marido; Milena, natural de Natal (RN), mudou-se tecendo uma série de críticas a tal política institucional, uma dinâmica de relações de trabalho, mas tenho que reconhe-
sozinha para Santa Maria quando Tomás tinha apenas propondo, inclusive, mudanças para os próximos gênero presente na nossa cultura cer meu limite”, diz Milena.
oito meses de idade, pois seu companheiro não pode editais. Hoje, contudo, os processos seguem absoluta- acadêmica que nos faz colocar os “A cultura acadêmica Quem começou a colocar limites
acompanhá-la logo no primeiro momento. Tanto Marta mente similares aos de antes. homens como pilares de constru- na jovem docente foi seu próprio
quanto Milena tiveram de levar seus filhos, ainda bebês, A perda das bolsas de pesquisa devido à licença- ção do conhecimento, reconhecen- coloca os homens filho Tomás. Então com três anos,
para a sala de aula. E tanto uma como outra, mesmo
que em momentos históricos distintos, tiveram de lidar
maternidade é apenas um dos aspectos de uma
realidade que invisibiliza o processo de maternidade,
do-os primeiro para só depois reco-
nhecer as mulheres”, acrescenta a
como pilares certo dia ele tomou a iniciativa de
fechar a tela do computador da
com o peso e as pressões reservadas às docentes mães relegando às professoras e pesquisadoras que decidem docente. de construção mãe e dizer “não pode só trabaiar,
de crianças na primeira infância – até aproximadamente serem mães os piores lugares no “pódio” da carreira. Hoje, quando uma professora mãe”. “I sso tem que tocar teu
seis anos de idade. Sendo uma profissão para a qual é cobrada, via de que tem filho bebê, ou seja, que do conhecimento” coração, porque mostra que tem
Marta Tocchetto: “meu envelhecer foi produtivo”

LUCAS REINEHR
saiu há pouco da licença-materni- algo muito errado. Estar com o turas”. para o meio dia ou entre quatro e cinco e meia da tarde,
dade, vai concorrer a uma bolsa, tem contabilizada sua filho e estar fazendo outra coisa ao mesmo tempo, não horário em que os/ as responsáveis pelas crianças têm
produção dos dois últimos anos. Milena destaca que é estar com o filho. E se eu não optar por estar com eles
Mudanças sensíveis
(Entretítulo) Mudanças sensíveis de sair do campus de Camobi para chegar a tempo de
recentemente a Universidade Federal Fluminense (UFF) (especialmente a Nina, de dois anos) e viver as Marta se emociona ao contar. Há algum tempo, pegá-las na creche (para aqueles/ as que residem no
adotou uma medida no sentido de reduzir esse abismo descobertas junto com eles, essa fase não vai voltar”, quando era coordenadora do curso de Química, acom- centro).
de produtividade entre mulheres mães e homens ou diz Milena. panhou de perto uma estudante grávida. A menina, de “Se tu disser que tem de sair porque precisa pegar tua
mulheres não mães. A medida foi o alargamento, às Para Marta, a lógica de avaliação produtivista família muito humilde e não residente em Santa Maria, filha, as pessoas não te olham de maneira agradável. A
docentes mães, do período de produtividade a ser ava- também carrega uma questão de gênero. “A forma teve sua gravidez rejeitada pelo companheiro, que não maternidade tem uma função social muito significativa,
liado, passando de dois para quatro anos. O motivo é a como é medido teu trabalho, tua produção, exige de ti queria assumir a criança. Foi então que, aos prantos, afinal, a gente gera vida. É claro que você não vai chegar
natural queda de produtividade observada nos currí- uma dedicação inteira. A publicação de artigos, as ligou para Marta avisando que largaria o curso. nas reuniões e colocar seus lamentos, mas existem im-
culos das professoras pesquisadoras até no mínimo dois orientações. Aí tu sobrecarrega teus orientandos. Tu “Eu disse que ela não ia largar. Que chance ela teria na peditivos que vêm da vida pessoal. E nós somos pes-
anos após o nascimento, visto que neste período a cria um círculo de pressão, em que as próprias mu- vida se largasse a faculdade?”, relembra a docente, para soas, acho que temos que começar a humanizar esse
criança necessita quase que inteiramente dos cuidados lheres que não botam a cabeça para fora e veem esse quem a situação das estudantes mães é ainda mais lugar”, reflete Milena, ressaltando que, por ser servidora
maternos. Ao promover mudanças nos editais, alargan- sistema, reproduzem isso. E outra, perguntam: 'como complicada que das mães docentes, visto que muitas pública, ainda tem uma possibilidade maior de flexibi-
do o período temporal a ser considerado em termos de uma mulher com quatro filhos vai produzir?' Ora, esses não têm condições financeiras, apoio do companheiro lizar os horários. “Mas e quem trabalha no setor privado,
produção científica, as instituições de ensino poderiam filhos vão crescer, é apenas uma fase!”, diz a docente. ou da família, nem amparo institucional. das 8h às 18h? Como faz pra apanhar o/ a/ filho/ a ou
oportunizar às mulheres mães de crianças bebês um Quando seu marido faleceu, Marta era uma jovem “Algumas professoras (somente as mulheres), mais a quando ele/ a fica doente?”, questiona.
pouco mais de equidade na concorrência. professora com 35 anos e quatro filhos. Optou por adiar funcionária da coordenação do curso, ajudaram durante Um dos caminhos encontrados por Milena é começar
o ingresso na pós-graduação, pois queria ver mais de toda a gravidez. Fizemos enxoval, levamos ela para o a, realmente, colocar as questões na mesa. Quebrar o
Produt
(Entretítulo) ivismo
Produtivismo acelerado
acelerado perto o crescimento de seus pequenos. Ao retomar os hospital. Quando a criança nasceu, ela a levava para a silêncio. Tornar natural. Então, quando alguém propõe
estudos, tinha entre 40 e 42 anos. “Eu me sentia um faculdade e nos revezávamos para cuidar. Ela se formou, uma reunião para muito cedo, por exemplo, ela diz que,
Mudanças em editais e na própria legislação que pouco constrangida, porque me achava velha. Todo hoje o filho já está moço. Eu não sei se todos precisam para sair mais cedo, a trabalhadora que a ajuda em casa
concede licença paternidade de apenas 5 dias, por mundo dizia que o auge da carreira era entre os 25 e os fazer isso que eu fiz. Mas fiquei imaginando uma filha também terá de sair mais cedo de casa. E para esta tra-
exemplo, são questões que, para Milena, podem ser 35 anos. E não é verdade. Tanto que fiquei muito minha. Como tu não vai dar apoio? Todo mundo fecha os balhadora sair mais cedo, alguém precisa cuidar da sua
conquistadas a médio prazo. Mas existe, na avaliação da surpresa com meu envelhecer produtivo”, comenta. olhos, vira as costas”, comenta Marta. própria filha, também pequena. “É uma corrente: quan-
professora, um problema de fundo mais difícil de Em sua avaliação, a universidade tem uma estrutura Para Milena, o ambiente universitário ainda é muito do uma mãe se ausenta, é outra mulher que toma conta.
resolver e que demanda alterações mais sensíveis por “que desconsidera as pessoas. É uma engrenagem fria masculinista e relega a maternidade a uma questão indi- Mas essa mulher também tem filho, e alguém toma con-
parte das pessoas que constroem, cotidianamente, a que te engessa e te impõe comportamentos e pos- vidual. Exemplos trazidos por ela são reuniões marcadas ta, e esse alguém geralmente é uma mulher”, conclui.
Milena Freire, Tomás (10 anos) e Nina (2 anos)

Você sabia que O Parent in Science é um movimento que Mulheres no O projeto de Reforma da Previdência, menina dos olhos do governo Bolsonaro e terror dos trabalhadores/ as brasileiros, coloca as mulheres como alvo central das maldades.
reúne cientistas e pesquisadores com o Um dos maiores ataques refere-se ao aumento da idade necessária para requerer a aposentadoria: de 55 para 62 anos (mulheres da cidade); de 55 para 60 anos (mulheres do
já existe gente objetivo de discutir questões relativas à centro da campo).
discutindo isso? maternidade e paternidade no ambiente Reforma Com isso, o governo desconsidera que, dada a divisão sexual do trabalho, as mulheres, além de trabalharem fora, ainda são as principais responsáveis pelo cuidado com o lar e
acadêmico e científico brasileiro. Em setembro os filhos. Segundo dados divulgados pelo I nstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (I BGE), as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais a afazeres domésticos e
de 2018, eles realizaram uma palestra na cuidados com parentes, ao passo que homens dedicam apenas 10,9 horas nesse tipo de tarefa.
UFSM, que lotou o auditório do I NPE, mostrando que há espaço e pessoas Além do aumento da idade, o governo também quer obrigar os/ as trabalhadores/ as a trabalharem 40 anos se quiserem receber aposentadoria integral (100% da média salarial, porém limitado ao teto do
interessadas em discutir a temática na universidade. Quem quiser saber mais Regime Geral de Previdência Social). Outros ataques previstos na reforma, como os direcionados à Pensão por Morte e ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), também penalizam frontalmente as
sobre o projeto, acesse o site www.parentinscience.com. trabalhadoras.
06 ABRI L E MAI O DE 2019 Publicação da Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES

COM A PALAVRA

GI LVAN DOCKHORN

De volta
Não fizemos como Argentina, Uruguai que defende um caldo comum de
ou Espanha. Nós t ivemos uma cultura da classe media conservadora.
ditadura que foi abrandada ao longo I sso não foi novidade. O assustador
do tempo, houve um silêncio obse- desse processo é que ele aconteceu

ao medievo
quioso, fruto dessa conciliação. A justamente no momento em que uma
impunidade, o não julgamento dos parte da academia e dos setores
culpados por crimes de lesa-humani- organizados da sociedade julgavam que
dade, o não reconhecimento da face teríamos avançado em relação aos
mais explicitamente terrorista do grandes perigos que a democracia
Estado nesse processo também fize- sofria.
ram com que o silêncio se abatesse Esse setor conservador e autoritário da
sobre esse período. Há também a sociedade, que renunciou à disputa pela
questão das gerações. Passados 55 memória da ditadura, deixando que as
anos do golpe de 64, as gerações já narrativas ligadas à esquerda predomi-
criadas dentro do regime democrático nassem, volta à tona 50 anos depois.
relativizam muito os ganhos e a liber- Alguns chamam de pós-moderno o
dade. momento em que vivemos. O que eu
Mas esse processo também é acom- percebo é uma situação de pré-moder-
panhado pelas crises dos projetos nidade, quase medieval, com o reforço
coletivos de mudança, pelos equívo- de crenças vinculadas ao poder religio-
cos dos governos de esquerda, por um so, desconfiguração dos princípios libe-
novo processo de revisão das conquis- rais democráticos, crítica da razão,
tas sociais, pelo empoderamento de afronta a princípios modernos.
segmentos (movimento negro, femi-
nista, LGBTQ+ , povos originários) que
assustou uma classe media extrema-
mente conservadora no Brasil.
IVAN LAUTERT

Soma-se a isso tudo uma cultura


política de apelo à intervenção estatal
violenta para garantir
os benefícios e privilé- Gilvan - Este projeto
gios da classe média. “A sociedade político, que beira à pré-
Essa imaturidade de- modernidade, percebe
mocrát ica do Brasil ainda vai que os problemas da
chegou ao limite num so ci e d a d e b r a si l e i r a
determinado momen-
chorar muito estão vinculados a uma
to, e esse momento fez pelas opções racionalidade construída
com que a face mais academ icam en t e e
conservadora, retróga- que tomou” situada, ideologicamen-
da e autoritária da so- te, no campo de esquer-
ciedade aparecesse. da. I sso não tem qual-
quer base concreta. A ciência não é do
bem ou mal, da esquerda ou direita, não
tem a tarefa de trazer membros para o
Gilvan Dockhorn, docente do departamento de Turismo da UFSM, Gilvan - Nos momentos de crise e partido ou sindicato. A ciência é um
estuda, desde os anos 1990, ditaduras e regimes autoritários. Até instabilidade política, as figuras com campo de conhecimento construído e
então, para ele, este era apenas um objeto de pesquisa localizado num discurso mais radicalizado tomam necessário para o desenvolvimento de
período de tempo determinado. Agora, contudo, ele vê com força e as soluções mais fáceis, ras- qualquer sociedade.
perplexidade um retorno a pensamentos conservadores que pareciam teiras e violentas acabam se tornando Pensar contrariamente a isso é propor
não mais oferecer perigo à jovem democracia brasileira. Em meio à as mais viáveis. É a ideia de que é mais que o país retroceda em seus vários
instabilidade, a solução mais rasteira e arcaica tomou fôlego, trazendo fácil termos uma solução de força do campos [ saúde, educação, ciências
consigo a complascência com um passado recente de dor e sofrimento. que uma solução negociada e discu- humanas, enfim, no campo de pesquisa
Abaixo, um pouco do bate-papo, que será reproduzido na íntegra, em tida coletivamente. É mais tranquilo que estávamos desenvolvendo ainda
formato audiovisual, nas redes sociais da Sedufsm. restringir liberdades e impor alguns que com uma ínfima infraestrutura] .
princípios do que debater e procurar O impacto dos cortes orçamentários, a
ra. I sso tudo faz parte de um processo soluções coletivas. É mais fácil procu- curto prazo, é no cotidiano das
mais amplo, que remete à forma como rar culpados na sociedade, crimina- universidades; a médio prazo será o
a ditadura se encerra e inicia o proces- lizá-los e violentá-los do que discutir retrocesso no campo de pesquisa, na
so de redemocratização. A nossa tran- as questões de fundo. construção do conhecimento, na forma
sição da ditadura para a democracia é I sso não é inédito. Na Alemanha, a como dialogamos com a sociedade. E a
peculiar porque não foi uma ruptura grande crise pós Primeira Guerra longo prazo, uma defasagem do Brasil
propriamente, e sim uma conciliação. Mundial levou à ascensão do Partido em relação a outros países, uma perda
Nesse processo de conciliação nós Nacional Socialista. No Brasil dos anos de autonomia e soberania.
temos momentos-chave. Um deles é a 60 [ pré-golpe] , isso também aconte- Não achei que estaria vivo para ver isso.
Lei da Anistia, que sintetiza muito bem ceu. Tu demonstra que há um caos As soluções que escolhemos foram as
uma forma de justiça de transição, político, ingovernabilidade, corrupção mais arcaicas possíveis. Não acho que o
Gilvan - O negacionismo do golpe, da sendo pautada pelo esquecimento. em todos os setores, instituições em governo seja o causador, acho que ele é
ditadura e da tortura, a relativização de Até os anos 80 não se falava nesse risco, configura na sociedade inimigos o resultado desse processo. A socieda-
procedimentos de Estado extremamen- passado ditatorial. Nos anos 90 é que e passa, a partir daí, a criar alterna- de ainda vai chorar muito pelas opções
te violentos, a idealização do passado se começa uma discussão, inclusive tivas de força, soluções mágicas que tomou há pouco tempo. As seque-
recente como algo muito bom, o apelo a na academia, sobre isso. vindas de alguém que parece estar las serão graves para todos nós.
figuras vinculadas à repressão e ditadu- Lidamos muito mal com esse passado. acima da política, do bem e do mal, e
Publicação da Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES ABRI L E MAI O DE 2019 07

EDUCAÇÃO

Cortes integram projeto


dependente e privatista de Educação
Além de bloquear recursos das universidades, governo quer revisar salários e estabilidade
Fotos: BRUNA HOMRICH
O Brasil possui três grandes nichos maio, Weintraub admitiu que salários e
de riqueza que fazem os países impe- estabilidade dos servidores públicos
rialistas brilhar os olhos: seus recursos poderiam “ser revistos”. Segundo ele, o
naturais, seu sistema de Previdência e “gasto com pessoal” no ensino superior
de Educação públicas. A avaliação é da “engessou toda a estratégia de educa-
diretora da Sedufsm, Maristela Souza, ção no Brasil”. Ainda durante a audiên-
para quem essas três esferas vêm cia, o ministro defendeu a cobrança de
sendo sistematicamente entregues ao mensalidades em cursos de pós-gra-
capital internacional como forma de duação.
ajudá-lo na superação de sua crise. A mobilização que levou cerca de 10
Com o governo Bolsonaro, diz a diri- mil pessoas às ruas de Santa Maria no
gente, tal postura entreguista avançou dia 15 de maio teve como gatilho o
a passos largos, assumindo contornos anúncio do contingenciamento de re-
neocoloniais e atuando para bloquear cursos para as universidades brasilei-
possibilidades de emancipação e ras.
autonomia nacionais. Dada a imensa demonstração de
Dentro desse contexto, que visa repúdio das ruas no dia 15, o governo
io em Santa Maria
educação no dia 15 de Ma privatizar áreas essenciais à soberania de Jair Bolsonaro anunciou, no dia 22
Manifestação em defesa da
brasileira, como a extração de petróleo de maio, que liberaria R$ 1.587 bilhão
e a própria Previdência, os cortes no para o Ministério da Educação, e tal
orçamento da Educação, principal- verba sairia da reserva de contingência
mente das universidades e institutos (margem de precaução para o cumpri-
federais, são apenas parte de um mento da meta fiscal). Contudo, até o
projeto histórico de desmonte de direi- fechamento desta edição, a UFSM não
tos e conquistas sociais. “A produção havia recebido nada dessa verba.
do conhecimento nos torna mais inde-
pendentes, e, para um país com proje- Projetos
(Entretítulo) em em
Projetos disputa
disputa
to de colônia, isso precisa ser evitado.
Foi construído um senso comum em Maristela atua ativamente na cons-
torno das universidades para que trução do Encontro Nacional de Educa-
pudéssemos chegar nesse cenário de ção, organização que reúne, em todo o
cortes e retirar as condições objetivas país, entidades, coletivos e movimen-
de desenvolvimento das universida- tos sociais interessados em elaborar
des. Esse senso comum grita que um projeto classista e democrático
'agora a universidade está ganhando para a Educação brasileira. Os pilares
Diversos cursos da UFSM aquilo que merece: seu desmonte, deste projeto são a defesa do acesso e
levaram cartazes para a pra
Saldanha Marinho a fim de ça porque ela não serve para nada mesmo permanência, de um conhecimento
mostrar suas pesquisas e
projetos e apenas gasta o dinheiro do Brasil'”, produzido conforme as necessidades
reflete Maristela. da classe trabalhadora e que tenha por
Ao todo, o país comporta 63 univer- objetivo sua emancipação social.
sidades federais e 38 institutos federais Essa concepção de Educação con-
de ensino, que tiveram uma redução de trasta frontalmente com a defendida
24,84% na verba destinada ao seu pelo governo. “Hoje o Brasil está nas
custeio – serviços como energia elétri- mãos dele próprio, pois nossa única
ca, internet, vigilância, limpeza e insu- saída é a organização coletiva e
mos para laboratório – e de 3,43% em classist a dos/ as t rabalhadores/ as.
seu orçamento geral – que inclui des- Precisamos mostrar para esse governo
pesas diversas, como os recursos para que a produção brasileira é dos traba-
obras. lhadores e que não vamos deixar pas-
Em uma manobra discursiva perver- sar a Reforma da Previdência e os
sa, o ministro da Educação, Abraham outros ataques propostos. Vamos
Weintraub, disse que o recurso poderia conseguir, em conj unt o com os
ser liberado caso a Reforma da Previ- segmentos da universidade e com a
dência fosse aprovada. Mais que isso, juventude, virar o jogo”, projeta
em audiência na Comissão Especial de Maristela.
pessoas na cidade Educação da Câmara no dia 22 de
Ato reuniu cerca de 10 mil
08 ABRI L E MAI O DE 2019 Publicação da Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES

PERFI L CULTURA

BRUNA HOMRICH
A usurpação do direito humano de viver com autonomia, a ausência do
controle do próprio corpo, a dominação política de um Estado
teocrático, baseado em rígido código fundamentalista religioso
combinado com uma organização social baseada no “Patriarcado”,
formam a essência do romance distópico de O Conto da Aia (título
original The Handmaid's Tale). O livro da escritora canadense Margaret
Atwood, lançado em 1985, foi adaptado para filme, ópera e mais
recentemente para série de TV, com duas temporadas disponíveis por
assinatura (Netflix).
Por que é atual abordar os temas que atravessam esta obra depois de
trinta anos? Qual é a possível relação entre a ficção e a realidade? O que
se pode dizer de inédito sobre o seriado, depois da repercussão na
mídia?
Estas perguntas guiam nossa reflexão sobre “O Conto da Aia” e, sem
querer encerrá-las ou respondê-las de forma absoluta, dividimos
impressões a respeito da relação orgânica entre política, religião e
gênero que unem o enredo da obra. A atualidade do seriado está
diretamente representada na realidade do contexto político, na
opressão das mulheres, na intolerância à diversidade de orientação
sexual e identidade de gênero, no fundamentalismo religioso e no
extremismo das ideologias conservadoras, que contaminam os Estados-
nações mundo afora.
O Conto da Aia retrata, em certo grau mais, em certo grau menos,
conjunturas e estruturas de dominação, opressão e exploração em
países diversos: Brunei, Paquistão, Arábia Saudita, EUA, Brasil, Rússia,
muitos outros. De modo oficial e dentro do marco legal, como em
Brunei, ou na negligência e a arrepio da lei, como no Brasil. A violência
contra o pensamento e a vida diversa é a matéria-prima do produto
político, cultural, social e econômico que emerge destas conjunturas e
Liane de Souza Weber é docente na consiste em encontros de mulheres estruturas. Assim, há identificação entre realidade e ficção, há também
UFSM desde 1998, porém apenas que praticam dança circular como for- representação social do extremismo político, ideológico, sexista e
recentemente decidiu se filiar ao ma de se conectar com sua ancestra- religioso. O mais assustador na obra é justamente a sua proximidade
sindicato. O motivo? A curva ascen- lidade; a segunda, num grupo de com o que tememos, e/ ou reproduzimos: a violência política do Estado
dente de ódio e medo que, se foram voluntariado; e a terceira, no sindicato. não-laico, penetrando o tecido social para além do poder político no
alçados ao patamar máximo durante Retornar às bases, para Liana, é, âmbito público, invadindo vidas e determinando necessidades humanas
as últimas eleições presidenciais brasi- também, pensar em estratégias de básicas. Um conjunto de extrema violência para manter “a ordem
leiras, não tiveram no pleito seu ponto comunicação que, a partir da cultura, dominante”, onde as relações sociais de sexo são relações sociais de
de início, nem encerraram nele sua consigam inst igar as pessoas à dominação e violência de gênero. Ou seja, não estamos mais a falar de
atuação. Pelo contrário, vêm permean- reflexão e à superação de seus medos. 1985.
do cada vez mais aspectos da vida em Afinal, para ela, o medo encerra a
sociedade. Para a docente do departa- janela de comunicação. Um dos exem-
mento de Engenharia Rural, a escalada plos de mobilização cultural citados
destes sentimentos não demanda pela docente foi o último carnaval, em
grandes e tediosas explicações, mas que as festas e enredos das escolas de
uma causa aparentemente simples: o samba abordaram temas políticos de
afastamento das organizações políti- forma leve e criativa. “Tem pessoas
cas e coletivas em relação às bases. que estão numa fase diferente de ama-
“Sempre acreditei no coletivo e na durecimento político. Por isso as
representatividade. Sou daquelas que manifestações culturais são importan-
vota e acompanha o trabalho que os tes”, opina.
candidatos fazem durante o mandato. Hoje, Liana vê-se em uma fase de
Acredito que nossa responsabilidade reflexão sobre sua prática docente.
na escolha de representantes, seja Atualmente lecionando a disciplina de
dentro do Executivo, Legislativo ou Geoprocessamento, que consiste na
mesmo em entidades de representa- utilização de softwares e aplicativos
ção de classe, não é só ir lá votar”, diz alimentados com dados sobre a super-
Liane. fície terrestre, ela se questiona sobre
Nascida em 1968, ano de edição do os formatos verticalizados de ensino e
Ato I nstitucional (AI ) nº 5, ela nunca aprendizagem, responsáveis por im-
pensou que, meia década depois, veria por ao professor a imagem do 'grande
emergir discursos e práticas aparen- sábio' e aos alunos a posição de
temente soterrados pela volta do recebedores passivos do conhecimen-
regime democrático. Angustiada com to acumulado. “É um desafio impor-
este cenário, a docente passou a en- tante porque me faz sair da zona de
saiar seu próprio retorno às bases a conforto”, conclui a docente.
partir de três iniciativas: a primeira

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