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A ENUNCIAÇÃO NA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NA


III Mostra de LÍNGUA
Pesquisa da Pós-
Graduação
PUCRS

Cristina Rörig, Leci Borges Barbisan (orientador)

Programa de Pós-Graduação em Letras, Faculdade de Letras, PUCRS

Resumo

Duhem disait que les faits d’aujourd’hui sont construits avec les théories d’hier. (cf.
Ducrot, 1987)

Neste trabalho, apresentamos o conceito de enunciação na Teoria da Argumentação na


Língua (ANL), desenvolvida por Oswald Ducrot. Objetivamos aprofundar a compreensão
dessa teoria e de como Ducrot chegou ao estudo polifônico da enunciação, verificando,
também a noção de polifonia. Para tanto, realizamos uma leitura reflexiva de textos do autor a
fim de verificar a enunciação ao longo da ANL1.
A hipótese base de Ducrot consiste em que a argumentação é o fator essencial para a
apreensão do sentido do enunciado, sendo que esse sentido está inscrito na língua. Para ele, a
linguagem coloca a subjetividade do eu na interpretação, ou seja, o locutor expressa seu ponto
de vista no discurso, por isso não é mais possível aceitar o caráter objetivo da linguagem.
Dessa forma, a argumentação é uma subjetividade inevitável e das relações subjetivas e
intersubjetivas depreende-se uma concepção enunciativa de linguagem, uma vez que se
considera o eu-locutor/tu-alocutário no discurso.
No início do pensamento da ANL, Ducrot considera que a concepção enunciativa do
sentido permite pensar na hipótese que o dito denuncia o dizer, ou seja, pode-se perceber que
dois enunciados estão ligados semanticamente um ao outro pela imagem que a enunciação dá
dela mesma. Ducrot (1980) afirma que há um princípio geral que ultrapassa o quadro

1
A ANL tem seu surgimento marcado pela publicação do livro L’argumentation dans la langue, de Jean Claude
Anscombre e Oswald Ducrot em 1983. A ANL conta com três fases no seu desenvolvimento: a primeira fase:
forma standard (1983); a segunda fase: a Teoria dos Topoi e a Teoria Polifônica da Enunciação (1990); a fase
atual: a Teoria dos Blocos Semânticos (TBS) (a partir da tese de Marion Carel de 1992).

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lingüístico e que comanda o discurso diferenciando-o do raciocínio lógico: o pensamento do


outro é constitutivo do meu e não é possível separá-los radicalmente. A noção de polifonia
estabelece a significação da frase e descreve o sentido dos enunciados. Ao fazer ouvir a voz
de diversos enunciadores endereçando-se a diversos destinatários e ao identificar esses papéis
ilocucionários com personagens que podem ser os da enunciação, constrói-se dentro do
discurso o locutor e o alocutário. Segundo Ducrot (1980), a possibilidade, inscrita na língua,
de fazer exprimir-se diversas vozes, pode levar a uma constituição da imagem de si e da
pessoa com quem falamos, o que psico e sociolinguistas têm por vezes mencionado. A
identificação, ao menos parcial, dos enunciadores e destinatários decorre da compreensão do
sentido do enunciado. A lingüística auxilia nessa compreensão uma vez que fornece às
palavras, e daí às frases, significações que obrigam a reconstituir os debates que se encontram
dentro do discurso.
Num segundo momento, ao desenvolver a teoria polifônica da enunciação2 em 1990,
Ducrot procura mostrar que o autor de um enunciado não se expressa diretamente, mas põe
em cena, num mesmo enunciado, certo número de vozes, de pontos de vista. O sentido do
enunciado, assim, resulta do confronto entre esses diferentes pontos de vista (DUCROT,
1990). Nessa nova perspectiva, um mesmo enunciado apresenta vários sujeitos com estatutos
lingüísticos diferentes: de sujeito empírico, autor real, representado por λ; de locutor, autor
inscrito no enunciado, L; de enunciador, origem do ponto de vista do enunciado, E. O locutor,
como responsável por um enunciado, dá existência, por meio desse, aos enunciadores; a partir
deles, o locutor organiza os pontos de vista e as suas atitudes em relação aos enunciadores. O
locutor pode assimilar-se a um dos enunciadores, representando-se por meio desse. Quanto às
atitudes relativamente aos pontos de vista, o locutor pode identificar-se com um enunciador,
quando toma uma atitude impositiva; pode simplesmente concordar com um enunciador; ou
opor-se a ele. Os locutores agem sobre os alocutários pelos discursos que lhes endereçam e
assumem essa função comunicativa quando tomam partidos frente a diferentes representações
que formam os discursos dos enunciadores. Dessa maneira, a relação entre o locutor e o
enunciador configura o sentido do enunciado.

2
A teoria da polifonia de Ducrot é inspirada fundamentalmente pelos estudos enunciativos de Charles Bally.
Ducrot (1989) declara que a sal teoria polifônica postula que o sentido dos enunciados consiste em uma sorte de
diálogos, em que diferentes vozes– os enunciadores – são confrontadas. A teoria de Bally permitiu a Ducrot a
construção desses fatos, a percepção, a observação, bem diferentes da lógica, para a qual a interpretação dos
fatos é mais artificial e intuitiva. Para saber mais da influência de Bally sobre Ducrot, ver BARBISAN, 2002.

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A polifonia, segundo Ducrot e Carel (2008), pela TBS, momento atual da Teoria,
somente se manifesta em enunciações, porque a frase, abstrata e semanticamente com o valor
da significação, não pode comportar locutor, nem, portanto, enunciador. A frase indica
possibilidades de sentido que podem ser construídas no enunciado, que é de natureza
polifônica, pois conterá a matéria-prima utilizada para estabelecer os pontos de vista desses
enunciadores constitutivos do sentido do enunciado (cf. DUCROT; CAREL; 2008). Na
significação da frase é que serão introduzidos aspectos e encadeamentos, classificados
segundo essas distinções. A TBS preocupa-se em desenvolver os conceitos fundadores da
ANL, principalmente de que a argumentação está inscrita na língua. Os conceitos de que se
serve a polifonia, enunciador, locutor e atitude, não podem ter nenhuma realidade na língua,
mas no uso da língua, na sua transformação em discurso, uma vez que o discurso contém os
encadeamentos argumentativos que a língua une nas suas significações (cf. DUCROT;
CAREL, 2008).
A leitura aprofundada da obra de Ducrot seria tema de uma tese, certamente. Este
trabalho tem o caráter de ser apenas um apanhado mais geral de conceitos de enunciação da
obra de Ducrot. Sabemos, também, que o estudo do tópico em questão não é totalmente
inédito, há outros trabalhos sobre a enunciação (BARBISAN, 2006; BARBISAN,
TEIXEIRA, 2002). Porém, apesar dessas restrições, acreditamos que podemos, a partir de
apontamentos e reflexões sobre a enunciação em Ducrot, contribuir para o entendimento desse
conceito de base da teoria.

Referências

BARBISAN, L. B. O conceito de enunciação em Benveniste e Ducrot. In GIACOMELLI, K.;


PIRES, V.L. (Orgs). Émile Benveniste: interfaces enunciação & discurso. Letras n 33,
jul./dez. 2006, PPGL Editores, UFSM.
BARBISAN, L.B.; TEIXEIRA, M. T. Polifonia: origem e evolução do conceito em Oswald
Ducrot. Organon, UFRGS, Instituto de Letras: Porto Alegre, RS, v.16, n 32 e 33, 2002. p.
161-182.
DUCROT, Oswald. Analyse de texts et linguistique de l’énonciation. In DUCROT, O. Les
mots du discours (en collaboration). Paris : Les Éditions de Minuit, 1980. p. 7-56.
DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.
DUCROT, Oswald. Polifonia y argumentación. Conferencias del seminário teoria de la
argumentacion y analisis del discurso. 1 ed. Cali: Universidad del Valle, 1990.
DUCROT, Oswald; CAREL, Marion. Descrição argumentativa e descrição polifônica : o caso
da negação. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 43, n.1, p. 7-18, jan./mar. 2008.

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