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Cosmologia e Gomancia
Cosmologia e Gomancia
cultura Yorubá-Nágô
K laas A. A. W . W oortm ann
I — I ntrodução
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concepções sobre o indivíduo ou sobre a relação e n tre os hom ens e
os deuses. Neste ensaio focalizarem os p rim o rd ialm en te os m itos de
origem ; n o e n ta n to , desde um enfoque e stru tu ra l, as d iferen tes sé
ries m itológicas podem ser a p reen d id as como tran sfo rm açõ es com
relação a u m a m a triz básica, evidenciando u m a e s tru tu ra fu n d a
m e n ta l comum.
É b a s ta n te evidente que fa la r “dos Y orübá” é tã o difícil qu an to
fa la r “dos b rasileiros”, esquecendo a im ensa diversidade que existe
e n tre o cam p esin ato nordestino, o cam p esin ato teu to -b rasileiro ou
a classe m édia m etro p o litan a, ou e n tre os d iferen tes grupos religio
sos, dos quais fazem p a rte os Nagô. “Os Y orübá” são, de c e rta fo r
m a, um a a b stra ç ã o ; o que existe de fa to são o reino e o povo de
Ifé, de Oyó, de Ilesh a, de K etu , etc., todos eles p rodutos p a rtic u lares
de com binações sócio-cu ltu rais ao longo de suas h istórias. P o r outro
lado, os Y orübá estão longe de serem sociedades “fria s”, no sentido
lévi-strau ssian o do term o. Pelo co n trário , possuem um a n ítid a cons
ciência histó rica, o que n ã o im pede, todavia, que a h istó ria se ja m i
tificad a, no que, adem ais, n ão se diferen ciam eles de outros povos
tam b ém complexos. As variações e n co n trad as, de cidade a cidade, de
reino a reino, ou do original Y orübá ao derivado Nagô brasileiro, são
em la rg a m ed id a o resu ltad o do jogo e n tre h istó ria e m ito, onde
os m itos são m udados p o r necessidades histó ricas, assum indo fre
q ü entem en te um significado político, e onde os eventos históricos
são absorvidos pelo m ito. De fato, como a p o n ta L évi-S trauss, a h is
tó ria n ão é m enos m itológica que o próprio m ito (L évi-Strauss, 1962).
R esu lta claro que um estudo d a “religião Y orübá-N agô”, se de
todo possível, seria u m a em presa gigantesca, m uito além dos lim i
tados propósitos deste ensaio. S eria tam b ém dispersiva. A concen
tra ç ã o ejn um aspecto específico é m etodologicam ente recom endá
vel. P o r o u tro lado, ela é possível porque, p o r sob a variabilidade
im posta p ela h istó ria, podem os iso lar certos com ponentes e s tru tu
ra is básicos im utáveis, com uns ao universo ideológico de todos os
segm entos Y orübá-N agô.
Mito e ritu a l — a p rá tic a d iv in ató ria co n stitui um procedim en
to ritu a l — constituem , em nosso p o n to de vista, expressões de um a
m esm a linguagem , sendo o ritu a l o m ito vivido. M ito e ritu a l não
ap enas exprim em a m esm a m ensagem m as tam b ém se legitim am re
ciprocam ente e, em assim fazendo, consolidam a m ensagem . M ito e
ritu a l são tran sfo rm açõ es recíprocas e p o r isso é possível p assar-se
de um a o u tro no processo an alítico sem que se saia d a m esm a lin
guagem . A relação e n tre m ito e rito assum e im p o rtân c ia no contex
to deste estudo pelo fato de que o processo divinatório, a in d a que
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g eralm en te conduzido p riv ad am en te, é u m a “cadeia sin ta g m á tic a ”
que “to rn a a p ô r em vigor” o m ito. M anipulando cs símbolos e os
conceitos dos m itos de Criação, u tilizando seus “m item as” to rn ad o s
atos, a ad iv in h ação é u m a m ise-en -scèn e d a C riação e u m a r e a f ir
m ação dos p rincípios d a ordem cosmológica.
D iferen tes níveis de m en sag en s são com unicados pelo m ito ou
pelo ritu a l. De acordo com as proposições de L évi-S trauss (1967),
L each (1965). G u ia rt (1972) podem os d istin g u ir n a m itologia Y orübá-
-Nagô dois níveis de significados: um significado visível e um signi
ficado p rofundo (a e s tru tu ra m esm a), co rrespondentes, por assim
dizer, ao enredo e à e s tru tu ra lógica su b jacen te. O prim eiro de ta is
níveis, que c h am aríam o s de histórico-sociológico, a p re ssn ta am pla
gam a de variações, en q u a n to o segundo é re la tiv am en te in v arian te.
P o r isso, unia m esm a e s tru tu ra pode ser u sa d a p a r a com unicar di
fere n te s m ensagens p o líticas ou sociológicas, do que é exem plo a
substituição de perso n ag en s nos m itos de Criação, de acordo com
projeto s de dom inação política com petitivos. M as as transform ações
e x te rn a s n ão a lte ra m a m ensagem p ro fu n d a, pois a e s tru tu ra lógica
é m a n tid a . Q uando se p assa de um rein o Y orübá a outro m u d a o
p ersonagem c e n tra l d a C riação; quando passam os d a série de m itos
O batalá-O d ü d u w à dos Y crübá-N àgô p a ra a série M aw u-Lisa dos F o n -
-M ina, registram os um co n ju n to de inversões que, no e n ta n to , não
a lte ra m a fó rm u la e s tru tu ra l; e n tre os próprios Y orübá h á versões
onde a relação e n tre os dois C riadores é a de m a rid o -m u lh e r e n
q u an to em o u tra s é a de irm ão senior e irm ão junior. Ao nível so
ciológico, as d u as versões e n fatizam d iferen tes relações sociais (re
lações e n tre os sexos; p rincípio d a sen io rid ade). Ao nível lógico,
porém exprim e-se a m esm a relação de oposição. M udam os perso
nagens, in v ertem -se os sinais, m as n ã o se a lte ra a m a triz de signi
ficados form ais.
A existência de d iferen tes níveis de significado, assim como a
variab ilid ad e e x te rn a , se ja do m ito seja do rito, freq ü en tem en te re
fletin d o a d esco n tin u id ad e h istó ric a tra z à to n a o problem a de o que
o m ito e o rito são. São um modelo de idéias, de conceitos lógicos,
de ab strações, a in d a que estas ú ltim a s se ja m expressas a tra v és de
sím bolos “concretos”, ao estilo “bricoleur” do “pen sam en to selvagem ”
(cf. L évi-S trauss, 1962). P o r isso m esm o n ã o existe coisa ta l como
“o m ito ” en q u an to algo que é dado, e m uito m enos um a versão ver-;
d a d e ira do m ito. Ao nível em pírico existem as verbalizações feitas
p e r esse ou aquele co n tad o r de m itos, que ao contá-los sem pre os r e
faz. O antropólogo n ã o coleta “o m ito ” m as a p e n as u m a versão, ou
várias versões; ele n ã o observa "o r itu a l”, m as u m a v a ria n te. Se t i
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verm os em m e n te que os m itos operam em vários níveis de m e n sa
gem (e de consciência) e se ad m itirm o s tam b ém que ta n to as socie
dades Y orübá q u an to os grupos Nagô são com postos de “unidades
in stáveis”, podem os a d m itir tam bém , seguindo a Leach. (1965) que
o m ito e o r itu a l podem expressar, em suas versões, form as a lte r
n a tiv a s de organização social, bem com o legitim ações conflituais no
in te rio r de um m odelo organizató rio dom inante; D iferentes ideolo
gias sócio-políticas podem e s ta r re p re se n ta d a s n a s v á rias versões do
m ito ou do rito , ou n a s variações de um te m a m itológico, e não h á
razão p a ra se c rer que o n a rra d o r seja neu tro . De fato, n a r r a r um
m ito pode m uito bem ser um a to político e n ão devemos nos se n tir
su rpreen d id o s quando en co n tram o s versões a p a re n te m en te c o n tra
d itórias. P o r um lado, incoerências n ão significam que ex istam ver
sões c o rre ta s ou e rra d a s ; p o r outro, a coerência ou a incoerência
se referem a um d eterm in ad o nível de significação. Q ualquer versão
é “c o rre ta ” com relação à e s tru tu ra p ro fu n d a d a série m itológica.
Em d iferen tes m om entos históricos, m u d an ças sociais podem ser ex
pressas em m itos “novos”, isto é, em re a rra n jo s dos elem entos sim
bólicos. T ais reelaborações podem n e g a r a versão an te rio r, ou a
m ensagem n e la c o n tid a a u m certo nível de significação e, n ão
o b stan te, re te r a e s tru tu ra . A e s tru tu ra n e ste caso n ão a p en a s re
siste à h istó ria como tam b ém provê u m a m a triz conceituai p a ra
â apreen são de seu flu x o 2.
U m a ta l co n tin u id ad e p ren d e-se ao fa to de que as e stru tu ra s
sim bólicas con stitu em processos de aprendizagem que tra n sm ite m os
axiom as básicos de u m a c u ltu ra , os elem entos c en tra is de seu sis
tem a de com unicações. D iferen tes versões que podem p a re ce r con
tra d itó ria s ao observador ex tern o à c u ltu ra, n ão são assim conside
ra d a s pelos p a rtic ip a n te s d a c u ltu ra . E n tre os Y orübá-N agô existem
v árias versões do m ito d a C riação; a in d a que as “estó rias” sejam
diferentes, a e s tru tu ra lógico-sim bólica p erm anece a m esm a, e en
q u an to ela assim p erm an ecer as d iferen tes “estó rias” n ã o serão vis
ta s como co n tra d itó ria s. Lowie re fe re -se a v á ria s visões Crow re la
tivas à constelação d a U rsa M aior; a in d a que elas sejam diferentes,
“n e n h u m a in co n g ru ên cia é se n tid a n a re p re se n ta ção d a U rsa M aior,
co n ta n to que o núm ero sete ap a re ç a, de u m a m a n e ira ou o u tra ”
(Lowie, 1972, p. 34). O m esm o pode ser d ito com relação aos m itos de
C riação Y orübà-N àgô e com relação aos seus m itos refere n tes a Ifá,
no que se refere aos n úm eros q u a tro e dezesseis.
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T am bém os vários p ersonagens m itológicos surgem em d iferentes
m itos de fo rm a a p a re n te m e n te c o n tra d itó ria : se O dúduw à é por
vezes re p re se n ta d a como p re ta , o u tra s vezes ela é b ra n ca , a depen
d er do contexto “m ito-lógico” em que surge. Ifá é às vezes um
hom em e o u tra s vezes um òrisa; às vezes é branco e o u tra s vezes
é verm elho. Èsü é p o r «vezes rep resen tad o como um ser de u m a só
p ern a, o u tra s vezes como ten d o o corpo envolto em ch am as; às
vezes como um ser m alévolo (ou pelo m enos d ado a b rincadeiras
de m a u gosto) e o u tra s como o trazed o r de b em -estar. Não h á nisso
q ualquer contradição, m as ap en as a rep resen tação das várias qua
lidades de seres-conceitos polissêmicos.
“O m ito ” n ão tem , en tão , existência em p írica; ele pode ser p ro
duzido a p en as por ab stração , pelo desvendam ento d a e s tru tu ra pro
fu n d a. Mas, em assim fazendo, devem os te r em m en te que além
de e s tru tu ra existe tam b ém sem ân tica. Mitos, a in d a que sejam es
tru tu ra s lógicas, n ã o são co nstruídos com Ps e Qs, m as com sím
bolos “concretos”. Se é possível tra n s fo rm a r m itos em e stru tu ra s
lógicas form ais, perm an ece o fa to de que sím bolos têm significados
específicos d en tro de u m a cu ltu ra, significados o u tro s que a expres
são de relações form ais de oposição, função ou equivalência. Mitos
são sistem as culturais-específicos, como o re ssa lta M a ran d a (1972)
e em d iferen tes c u ltu ra s o m esm o símbolo produz associações dife
rentes. Símbolos p erten cem a “co n ju n to s p arad ig m ático s” (conjunto
de símbolos que p a rtic ip a m das m esm as funções sim bólicas), o que
p erm ite tra d u z ir recip ro cam en te versões m itológicas no in te rio r de
um a m esm a c u ltu ra e p erm ite a convertibilidade tra n s c u ltu ra l dos
símbolos, como por exem plo e n tre a c u ltu ra Y orübá-N àgô e a cul
tu r a Fon. Não o b stan te, a c arg a sem â n tic a dos símbolos coloca um
problem a e u m a lim itação a um estudo como o nosso — pois tem os
de tra b a lh a r sobre dados coletados p o r o u tro s 8, que nem sem pre
p e rg u n ta ra m as questões fu n d a m e n ta is p a r a o problem a aqui a n a
lisado. Ao a n alisarm o s a m itologia e o r itu a l divinatório Y orübà-
-F o n defro n tam o -n o s c o n sta n te m e n te com lesm as, escravos, cornetei
ros, alim entos sacrificiais que n em sem pre logram os explicar de modo
p len am en te satisfató rio . A fa lta de inform ações re lativ as à sem ân tic a
de elem entos ou de a to s simbólicos responde p o r algum as das la
cu n as que o leito r sem dúvida n o ta rá neste trab alh o .
a Assim como com textos onde nem sempre permanece clara a fronteira
entre o pensamesto do observado e aquele do observador, como é o caso
do ensaio de Dos Santos (1976), de resto o melhor estudo da ideologia
Nàgô.
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A p aren tem en te, ta n to os m itos d a C riação q u an to os m itos e
rito s p e rtin e n te s à p rá tic a d iv in ató ria p erten cem a u m m esm o p a
radig m a. A inda que o processo div in ató rio se realize quase sem pre
em âm b ito privado (m uito em bora h a ja tam b ém adivinhações p ú
blicas), tr a ta - s e de um a ativ id ad e que to m a lu g a r c o n tin u am en te:
aqui ou ali h á sem pre alguém co nsultando o Ifá , sem pre que um a
decisão deve ser to m ad a. C asam ento e nascim ento d em an d am a con
su lta o racu lar. O hom em adquire seu “d estin o ” a tra v é s de ce rta s
p rá tic a s ritu a is dirig id as a Ifá . Sendo um rito , o processo divinatório
é u m c o n sta n te põ r-em -v ig o r d a ordem cosmológica, de u m a visão
de m u n d o sem pre recriad a. A e s tru tu ra m a te m á tic a u m a ordem
de p robabilidades — e sim bólica d a geom ancia de Ifá tra z e m con
sigo um cotidiano p ô r-em -ação dos axiom as c e n tra is d a c u ltu ra Yo-
rübá-N agô. O sistem a de I f á co n stitu i, p o r assim dizer, u m m ap a
de su a cosmologia, um m a p a que p erm ite ao indivíduo m over-se d en
tro d e sta ú ltim a. P erten cen d o a um m esm o parad ig m a, a Criação
e a ad iv in h ação são “re d u n d a n te s” e é e s ta re d u n d â n c ia que perm ite
ao a n a lis ta p a ssa r de u m a p a ra o u tra, realizando, de fo rm a cons
ciente, o m esm o m ovim ento que realiza, n u m plano inconsciente, a
m en te do ag en te cu ltu ral. Ambos os co n ju n to s de idéias, Criação e
adivin h ação , dizem respeito ao estabelecim ento de um a ordem u n i
versal, p o stu lad a pelo C riador e d esvendada pelo adivinho (bab a-
láw o).
Não nos será possível, aqui, d e ta lh a r as conexões histó ricas e n
tre a cosm ologia e a geom ancia Y orübá. É b a s ta n te claro que o
sistem a divinatório, en q u an to e s tru tu ra de p erm utações m a te m á ti
cas, n ão é u m a invenção Y orübá. Tam pouco o é sua m ecânica, id ê n
tic a àqu ela e n c o n tra d a e n tre os povos árab es, n a G récia A ntiga, n a
E uropa C e n tra l e em o u tra s p a rte s d a Afríca. M as a e s tru tu ra sim
bólica d a ad iv in h ação de I f á é um p ro d u to original Y orübá. Assim,
e pelo fa to de a e s tru tu ra m a te m á tic a -te r sido “p ro je ta d a ” sobre o
corpo m ístico de m odo a fo rm a r um modelo ideológico, é-nos pos
sível a n a lis a r as conexões e s tru tu ra is e n tre um m odelo m ítico e a
geom ancia, e. b u scar a p re e n d e r o sen tid o d esta últim a.
In iciarem o s nossa an álise pelo começo do m undo.
II — A CriaçSo do M undo
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e disse-lhe para descer e criar o mundo. Todavia, quando ele
se aproximou do portão do paraíso, ele viu que nignma« di
vindades estavam tendo um a festa, e parou para saudá-las.
Elas lhe ofereceram vinho (de palmeira) e ele bebeu demais e
adormeceu, embebedado. Oduduwa, seu irmão mais jovem, havia
ouvido as instruções de Olorum e, quando viu Orishala dor
mindo, tomou dos materiais e foi até a beira do paraíso, acom
panhado de Camaleão. Aí, abaixou a corrente e desceu por
ela. Oduduwa depositou a porção de terra na água e colocou
sobre ela o galo. O galo começou a ciscar a terra, espalhando-a
em todas as direções, até os confins do mundo. Após Camaleão
ter testado a firmeza da terra, Oduduwa pisou nela em Índio,
onde fez seu lar, onde hoje está localizado seu santuário em
Ife. Quando Orishala acordou e viu que o trabalho havia sido
completado, lançou um tabu sobre o vinho da palmeira de óleo,
o qual é até hoje observado por seus adoradores. Ele desceu à
terra e a reclamou como sua, pois havia sido ele que fora
enviado por Olorum para criá-la e governá-la, e porque ele
era o irmão mais velho de Oduduwa. Oduduwa insistiu que ele
é que era o dono da terra porque fora ele quem a criou. Os
dois irmãos começaram a lutar e as outras divindades que os
seguiram para a terra dividiram-se, apoiando a um ou a outro.
Quando Olorum soube da luta, chamou Orishala e Oduduwa à
sua presença no céu, e cada um contou sua versão do que
acontecera. Olorum disse que a luta devia terminar. A Oduduwa,
Criador da Terra, deu o direito de propriedade da terra, e dé
governá-la, e ele se tornou o primeiro rei de Ife. A Orishala deu
um título especial e o poder de moldar os corpos humanos, e
ele se tornou o Criador da Humanidade. Então Olorum m an
dou-os de volta à terra com Oranfe, o deus do trovão de Ife,
e Eleshije, o Deus da Medicina de Ife, como seus companhei
ros. Quando Oduduwa ficou velho, tornou-se cego. Enviou cada
um de seus 16 filhos ao oceano, cada um de uma vez, para
obter água salgada, que havia sido prescrita como remédio.
Todos retornaram sem que tivessem tido sucesso, trazendo ape
nas água doce, até que olokun, o mais jovem, finalmente fosse
bem sucedido... Olokun foi para Uesha onde se tornou rei
dos Ijesha, e os outros filhos fundaram reinos próprios (Bas-
com, 1969, p. 9-11).
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de Olorum Eleda, o Criador. Quando Eleda se levantou, ele
notou que Ifá não tinha cabeça. Um dia, Eleda, lutando com
Ifá, o derrubou, e sua cabeça saiu, depois sua testa saiu, de
pois seu nariz, depois boca e olhos. Orishala fez isso (Dennet,
1910).
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panharia após realizar suas obrigações rituais. Já no òna-òrun,
caminho, Obàtálà passou diante de Èsú. Este, o grande con
trolador e transportador de sacrifícios que domina os caminhos,
perguntou-lhe se já tinha feito as oferendas propiciatórias. Sem
se deter, Obàtálà respondeu-lhe que não tinha feito nada e
seguiu seu caminho sem dar mais importância à questão. E
foi assim que Èsú sentenciou que nada do que ele se propunha
empreender seria realizado. Com efeito, enquanto Obàtálà se
guia seu caminho começou a ter sede. Passou perto de um rio,
mas não parou. Passou por uma aldeia onde lhe ofereceram
leite, mas ele não aceitou. Continuou andando. Sua sede au
mentava e era insuportável. De repente viu adiante de si uma
palmeira Igi-òpe e, sem se poder conter, plantou no tronco da
árvore seu cajado ritual, o òpá-sóró, e bebeu a seiva (vinho
de palmeira). Bebeu insaciavelmente até que suas forças o
abandonaram, até perder os sentidos e ficou estendido no meio
do caminho. Nesse meio tempo, Odüa, que foi consultar Ifá,
fazia suas oferendas a Èsú. Seguindo os. conselhos dos babalàwo
ela trouxera cinco galinhas, das que têm cinco dedos em cada
pata, cinco pombos, um camaleão, dois mil elos de cadeia e
todos os outros elementos que acompanham ó sacrifício. Èsú
apanhou estes últimos e uma pena da cabeça de cada ave e
devolveu a Odüa a cadeia, as aves e o camaleão vivos. Odúa
consultou outra vez .os babalàwo que lhe indicaram ser neces
sário, agora, efetuar um ebo, isto é, um sacrifício, aos pés de
Olórun, de duzentos igbin, os caracóis que contém “ sangue
branco”, a “água que apazigua”, omi-èrò. Quando Odüa levou
o cesto com igbin, Olórun aborreceu-se vendo que Odüa ainda
não tinha partido com os outros. Odüa .não perdeu sua calma
e explicou que estava obedécendo ordens de Ifá. Foi assim que
Olórun decidiu aceitar a oferenda e ao abrir seu Apére-odü —
espécie de grande almofada onde geralmente Ele está sentado
■— para colocar a água dos igbin, viu, com surpresa, que não
üavia colocado no, àpò-Iwà — bolsa da existência — entregue
a Obàtálà, um pequeno saco contendo a terra. Ele entregou a,
te rra nas mãos de Odüa para que ela, por sua vez, a reme
tesse, a Obàtálà. Odüa partiu para alcançar Obàtálà. Ela o en
controu inanimado ao pé da palmeira, contornado por todos
os òrisà que não sabiam o que fazer. Depois de ten tar em .vão
acordá-lo, ela apanhou o àpò-lwà que estava no chão e voltou
p ara entregá-lo a Olórun. Este decidiu, então, encarregar Odüa
da criação da terra. Na volta de Odúa, Obàtálà ainda dormia;
ela reuniu todos os òrisà e explicou-lhes que fora delegada por
Olórun e> eles dirigiram-se todos juntos para o ò ru n Àkãsòpor
onde deviám passar para assim alcançar o lugar determinado
por Olórun para a criação da terra. Èsú, ògún, òsôsi e Ija.
conheciam o caminho que leva às águas onde iam caçar e
pescar, ògún ofereceu-se para m ostrar o caminho e conver
teu-se no Asiwajú e no O lú là n à — aquele que está na, van
guarda e aquele que desbrava os caminhos. Chegando diante
do òpó-drun-oún-Aiyc, o pilar que une o órun. ao mundo, eles
colocaram a cadeia ao longo da nual Odüa deslizou até o lugar
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indicado por cima das águas. Ela lançou a terra e enviou Eyelé,
a pomba, para esparramá-la. Eyelé trabalhou muito tempo.
Para apresentar a tarefa, Odüa enviou as cinco galinhas de
cinco dedos em cada pata. Estas removeram e espalharam a
terra imediatamente em todas as direções, à direita, à esquer
da e ao centro, a perder de vista. Elas continuaram durante
algum tempo. Odüa quis saber se a terra estava firme. Enviou
o camaleão que, com muita precaução, colocou primeiro uma
pata, tateando, apoiando-se sobre esta pata, colocou a outra
e assim sucessivamente até que sentiu a terra firme sob suas
patas. Quando o camaleão pisou por todos os lados, Odüa
tentou por sua vez. Odüa foi a primeira entidade a pisar
na terra, marcando-a com sua primeira pegada. Essa mar
ca é chamada ese' ntaiyé Odúduwà. Atrás de Odüa vieram
todos os outros òrisà colocando-se sob sua autoridade. Co
meçaram a instalar-se. Todos os dias, Orúnmilà — patrão
do oráculo Ifá — consultava Ifá para Odüa. Nesse meio
tempo Obàtálà acordou e vendo-se só sem o àpó-iwà retornou
a Olórun, lamentando-se de ter sido despojado do àpò. Olçrun
tentou apaziguá-lo e em compensação transmitiu-lhe o saber
profundo e o poder que lhe permitia criar todos os tipos de
seres que iriam povoar a terra. Foi assim que Obàtálà apren
deu e foi delegado para executar tarefas importantes. Então,
ele se preparou para chegar à terra. Reuniu os òrisã que es
peravam por ele, Olúfón, Eteko, Olúorogbo, Olúwofin, <J»giyàn
e o resto dos òrisa-funfun. No dia em que estavam para che
gar, Qrúnmllà, que estava consultando Ifá para Odüa, anun
ciou-lhe o acontecimento. Qbàtálà ele mesmo, e seu séquito
vinham dos espaços do órun. Orúnmilà fez com que Odüa sou
besse que se ela quisesse que à terra fosse firmemente estabe
lecida e que a existência se desenvolvesse e crescesse como ela
havia projetado, ela deveria receber Obàtálà com reverência e
todos deveriam considerá-lo como pai. No dia de sua chegada
òrisànlá foi- recebido e saudado com grande respeito. Odùa e
Obàtálà ficaram sentados face a face, até o momento em que
Óbàtálà decidiu que iria instalar-se com sua gente e ocupa
riam um lugar chamado tdítàa. Construíram uma casa e ro
dearam -na de vigias (Dos Santos, 1976, p. 61-64).
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m u n d o foi criad o p o r O ran m iy an , filho de O düduw à e de O lokun
(a deu sa do O ceano) (cf. B iobaku, 1956). A lgum as dessas versões
exprim em d iferen tes ideologias p o líticas e p ro jeto s de dom inação. A
versão que a trib u i a C riação a O ra n m y ia n é m u ito c la ra m e n te um a
versão Oyó, leg itim an d o a dom inação desse rein o sobre os dem ais
povos Y orübá, p a rtic u la rm e n te quando o m esm o m ito a firm a que:
a) O ran m y ian foi o p rim eiro a d escer à te rra , estabelecendo um a
ordem de sen ioridade; b) “Seus irm ão s p re fe riram m o ra r n a te r r a
seca, o que lhes foi perm itido sob condição de p a g arem u m tributo,
a n u a l”, isto é, todos os dem ais reinos, concebidos como ten d o sido
fu n d ad o s pelos òrisà, irm ãos ju n io res de O ran m y ian , devem trib u to
a Oyó, “p o r direito divino”. De fato , en co n tram os, e n tre a s v árias
versões a n a lisa d a s (d as quais ap resen tam o s, aqui, ap e n as algum as
poucas) considerável d iscordância q u an to à ordem de descida dos
òrisà, disco rd ân cia essa ligada ao m encionado princípio org an izató -
rio d a senioridade: a ordem de descida legitim a, p o r assim dizer,
u m a p eckin g order e n tre os reinos. M itos co n tad os em Ifé descrevem
O ran m y ia n como um guerreiro -e p ro te to r do povo daquela cidade
(racion alizan d o a su bordinação p o lítico -m ilitar de Ifé a Oyó) ; m i
to s contados em Oyó, porém , fazem de O ra n m y ia n um rei de Oyó
que governava sobre Ifé. N estes m esm os m itos, Ifé co n tin u a sendo
o “berço d a h u m a n id a d e ”, m as a heg em o n ia de Oyó é expressa pela
afirm a tiv a de que todos os reis recebem seus cetros dos sacerdotes
de O ran m y ian em Ifé.
O pró p rio O düduw à, que em m u ita s versões é m asculino, como
C riador d a T erra, pode tam b ém te r resu ltad o d a legitim ação ideo
lógica de u m a d om inação política, conform e o in d ica Idow u (1963).
A inda que, de um m odo geral, Ç risàn lá seja reconhecido como o
G ra n d e Deus, v á ria s versões a trib u e m a O düduw à senioridade sobre
todos os dem ais òrisà. Segundo Idow u, O düduw à foi u m guerreiro
que im pôs su a dom inação sobre Ifé ; d e ific a d o ,' foi g rad u alm en te
unido a Q risànlá n a constru ção m itológica. O conflito e n tre am bos,
se ja O düa m asculino ou fem inino, e x p ressaria u m conflito político-
-ideológico. O m esm o conflito, e a divisão dos ò risà e n tre u m a legião
“b ra n c a ” e d a “d ire ita ”, e o u tra “p r e ta ” e “d a esq u erd a”, foi ta m
bém re g istra d o p o r B ascom (1969). Aqui o m ito pode m u ito bem
e s ta r exprim indo u m a lin h a m e n to dos v ário s reinos (descendentes
dos vários òrisà) em d u a s facções.
As v ariações n a s versões m itológicas to rn a m -se im p o rta n te s
quando se co nsidera que d ireito s de g o v ern an ça b aseiam -se em p re
tensões de descen d ên cia d ire ta do C riad o r o u dos òrisà originais. A
21
versão p re d o m in a n te parece ser aquela que postula a existência de
16 divindades o riginais (o que, como verem os ad ian te , relaciona-se
e stre ita m e n te com o sistem a d iv in ató rio de Ifá ) m as existe consi
derável disco rd ân cia sobre quais re is são, efetivam ente, seus descen
dentes. P o r o u tro lado, “o n a rra d o r reclam a m aior senioridade p a ra
sua p ró p ria divindade . . . sendo que algum as versões referem -se a
o u tra s divindades que n ão O düa como o criad or d a T e rra ” (Bascom,
1969, p. 11).
O que foi observado p o r L each q u an to ao faccionalism o K ac h in
surge tam bém , m u ito cla ra m e n te, e n tre os Y orübá. D e fato, como
afirm a Leach, m ito s exprim em u m a ordem ideal, m as existem di
fe re n te s idéias sobre como deveria ser ta l ordem ideal. No e n tan to ,
se existem variações “e x te rn a s” do m ito, p erm anece u m a unifo rm i
d ad e “i n te r n a ”, isto é, ex iste um fa to r ló g ico -estru tu ral u n ificador:
a p ró p ria e s tru tu ra do m ito. É a p e rm an ên cia dessa e s tru tu ra p ro
fu n d a que faz com que os m itos sejam re d u n d a n tes, ou que h a ja
re d u n d â n c ia e n tre m ito e ritu a l. V oltarem os a esse ponto m ais ta rd e ,
em conexão com o tem a c e n tra l deste ensaio. Observemos, por agora,
com Leach, que:
22
tê -lo feito em to d a a su a inteireza, selecionando ap en as as passagens
que lh e p a re c ia m rele v a n te s; o próprio n a rra d o r pode te r om itido
certos símbolos, seja p ro p o sitad am en te, em função de sua pró p ria
posição ideológica, se ja porque são óbvios p a ra o p a rtic ip a n te da
c u ltu ra em questão; as relações expressas por um com ponente sim
bólico podem se r p e rfe ita m en te su b en ten d id as p o r um a audiência
“e n c u ltu ra d a ”, n a p resen ça de outro com ponente ideo-logicam ente
associado, n u m sistem a sim bólico global que o pera n a m en te do p o r
ta d o r d a c u ltu ra . Assim, p o r exemplo, “dezesseis” não é m encionado
em ce rta s versões, m a s “q u a tro ” o é, assim como ‘‘noz de p alm eira”.
O ra, “todo m undo sab e” que “dezesseis” e “q u a tro ” são in tim a m en te
associados (relação n u m érica fu n d a m e n ta l no sistem a de Ifá ), e “n in
guém ig n o ra ” que as nozes sa g ra d a s são em núm ero de dezesseis,
que é tam b ém o n ú m ero dos ò risà originais. “Todos” sabem ta m
bém que a p alm eira possui q u a tro folhas que se desdobram em
dezesseis. É como se certo s símbolos estivessem “ocultos p o r elipse”
n a g ra m á tic a m itológica. B ranco aparece a p en as em duas versões,
m a s n in g u ém ig n o ra que O b àtálà é o S en h o r do P an o B ranco e o
p rin c ip a l dos òrisà fu n fu n . A cabaça é pouco m encionada, no e n
ta n to n e n h u m Y orübá ignora que o m undo é re p resen ta d o por um a
cabaça — Igbá Odú. Sím bolos são, adem ais, intercam biáveis: um a
palm eira com 4 ram os é • equivalente a 4 palm eiras. A co rren te é
m encio n ad a trê s vezes, m as ela reco rre em vários outros m itos que
n ã o os da Criação e em v árias representações cosmológicas. É o caso,
p o r exemplo, do m ito d a m o rte e deificação de Sangó. O m ito re la ta
que Sangó. perseguido por seus m inistros, com os quais e n tr a rá em
conflito, m orre e desce p a ra a s profundezas d a te rra . O m ito refe
re -se a um local onde a te rra se abriu, u m a co rren te foi la n ç a
da, e p o r ela desceu Sangó. Este m ito consiste, m uito claram ente,
n u m a inversão, ou m elhor, n u m equivalente in vertido do m ito d a
Criação. De fato, ele a p re se n ta a m esm a e s tru tu ra com um a inversão
de sinais. E nq u an to os m itos de C riação re la ta m a origem dos h o
m ens a p a r tir dos deuses, este re la ta a origem de um a divindade a
p a r tir de um h u m a n o ; o inverso, p o rta n to , d a Criação. Nos m itos
de Criação, o hom em é criado após estabelecida a ordem ; n o de
Sangó, cria -se o deus depois de d eflag rad a a desordem (conflito e n
t r e rei e m in istro s; n u m a versão brasileira, e n tre Sangó e a polícia).
E n q u an to a C riação postula u m a relação e n tre Céu e superfície da
T erra , o m ito de Sangó coloca um a oposição e n tre esta ú ltim a e as
profun d ezas da T e rra (dom ínio dos m ortos, em algum as im agens
cosm ológicas). N ascim ento e m orte são m om entos opostos, ain d a que
equivalentes, n u m m esm o ciclo. Em am bos os m itos, a co rrente es
23
tabelece a ligação e n tre dom ínios opostos. Percebe-se, claram ente
que os dois m itos são “re d u n d a n te s” e que um é o equivalente in
vertid o do outro.
VERSÕES MITOLÓGICAS
ELEMENTOS SIMBÓLICOS A B C D E F G H
1
Céu ( ò r u n ) + + + + + + +
T erra (à i y é ) + + + + + + +
-L
A gua + + + + + + +
-L _L J .
T erra F irme + + + -b +
1
A pò I wà (S aco da E xistência ) +
Lesmas — — + — — + — +
Caramujo, Caracol + — — — + + — +
j_
Corrente + — — + — — +
O .
G alo, G alinha , de 5 D edos + + — + + - r"
P orção de T erra + + — + + + + ~ r
—
P almeira ----- ----- — + — +
A rvores em N úmero de 4 — — — — T~ — + +•
Cabaça ~ r
V inh o de P almeira ~Y +
Camaleão + — — — + — + ■+
—
“Quatro” +
“D ezesseis ” + -- +
„
_ _
N ozes de P almeira ----- + + — — +
4 -
B ranco +
+ == P resen ça
— = A usência
24
pela sep aração dos opostos, pelo “p ô r no lu g a r adequado” de cad a
categoria, elim in an d o -se am bigüidades. M as, p o r outro lado, oposi-
ções devem ser m ediadas, pois o cosmos é u m a unidade de c o n trá
rios. E e s ta m ediação, ta l como em ta n to s outros sistem as m ito-ló-
gicos, é fe ita p o r seres am bíguos. Sendo o U niverso ao m esm o tem po
sep aração e unificação, a m ediação tra z consigo o anôm alo, pois
im plica em c ru z a r as fro n te ira s de dom ínios cognitivo-sim bólicos
opostos (cf. a noção de trespassing em D ouglas, 1970), em p erten c er
sim u lta n e a m e n te a dom ínios opostos:
25
V árias o u tra s versões existem , algum as atrib u in d o a separação
e n tre o Céu e T e rra à ação de m ulheres, o u tra s a trib u in d o -a a ȧü,
o u tra s a in d a a crian ças, como n aq u ela colhida por Dos S an to s (1976),
n a qual ò ris à n lá , irrita d o com a desobediência e com a a titu d e in
su ltu o sa de um m enino ao qual h av ia sido. proibido d eix ar o Àiyé
(T erra) e p e n e tra r no Ò run (Céu), a tira seu cajado em blem ático
c o n tra o Àiyé, a fa sta n d o -o p a ra sem pre do ò ru n . Com ta l separação,
com p leta-se a ordem cosm ológica e resolve-se um problem a lógico,
o d a relação e n tre os hom ens e os deuses. De fato, não é difícil
perceber a sem elh an ça e n tre os m itos Y oríibã-N ágô e o próprio m ito
ju d aico -cristão , onde Adão e Eva são expulsos do Paraíso.
Vimos que o m ito d a C riação p o stu la u m a ordem pela se p ara
ção dos co n trário s, ò ris à n lá e O dúduw à opõem -se como o Céu se
opõe à T e rra , o prim eiro, “b ra n c o ” e da d ire ita , o segundo (ou a
segunda, pois fre q ü e n te m en te se re p re s e n ta como sendo m u lh er)
d a esq u erd a e associado à cor p re ta . N a re p resen tação do m undo,
n a c ab aça u niversal, ò ris à n lá corresponde à p a rte de cim a, ao Céu,
e O d ù d u w à 'à de baixo, a T erra. Devemos, todavia, fazer u m a obser
vação com relação às categ o rias Céu e T erra. A lgum as das versões
dos m ito s de C riação a p re se n ta d as são tradu ções, europeizadas se ja
pelo a u to r que as registrou, seja pelo próprio in fo rm an te . Deve-se
n o ta r que Céu n ã o é o P araíso d a m itologia ocidental, e que Céu e
T e rra n ã o se confundem com os dom ínios em píricos que as p a la v ra s
exprim em . T ra ta -se , n ã o do céu atm osférico m as do ò ru n : não da.
te r r a geográfica, m a s do Àiyé. T ra ta -se , enfim , de cosmologia, e não
de cosm ografia.
Segundo a cosm ologia Y orúbá-N agô, toda, a existência se p ro
cessa em dois p lanos sim u ltân eo s: o do Àiyé — o m undo físico e
o do ò r u n — o m u n d o m etafísico, que é como que replicado a ciclos
curto s n o prim eiro.
26
céu -a tm o sfe ra é um terceiro elem ento, do p onto de v ista lógico,
' pro d u to de s m a oposição b in ária, e como ta l tr a z im plícita a noção
de m ovim ento, de dinâm ica. P or su a vez, o àiyé não se confunde
com Ilç, te rra . E sta ú ltim a n ão com preende a to talid a d e do àiyé,
que tam b ém inclui o sánm ò; por outro lado, o ò ru n o “doble a b stra
to de todo o àiyé” envolve todo o àiyé. O òrun, conform e en sin am
os babaláw o (sacerdotes de Ifá ), é com posto de nove espaços, ou
com partim entos, que são, n a realidade, dois co n ju n to s de qu atro es
paços cada, um dos c o n ju n to s acim a d a te r r a e outro abaixo, m ais
u m espaço in term ed iário , que coincide com o espaço te rra . Todo o
ò ru n está ligado ao àiyé por um p ilar, o òpó òrun oun àiyé. Este
p ila r é re p resen tad o tam b ém p o r um a árvore ou p o r um a corrente
(cf. Dos S antos, 1976, cap. IV).
Em nossa, in te rp re ta ç ã o , o espaço in term ed iário , que coincide
com o esp a ç o -te rra , não se confunde com o àiyé, como um todo, m as
com p a rte s específicas deste. Conform e in d ica M orton W illiam s (1964,
p. 243) a superfície d a te r r a divide-se em dois m undos opostos, o
m undo dom esticado, ordenado, civilizado, isto é, o m undo d a cu ltu ra
o àiyé em seu sentido estrito — e a flo resta, o cam po d istan te ,
não cultivado, dom ínio das feras e de seres so b ren atu rais. E sta m es
m a oposição, note-se, é fu n d a m e n ta l n a e s tru tu ra sim bólica do “te r
re iro ” nàgô b ahiano. O com p artim en to do ò ru n que coincide com o
esp aç o -te rra , co m p artim en to pelo q ual se faz a ligação (e que por
isso m esm o é um co n ju n to ím p ar, conform e análise a ser feita
a d ia n te ), coincide com o espaço flo resta e com o espaço sagrado-
-ritu a l, isto é, com os v ários tem plos n a Á frica e com o “te rre iro ”
no Brasil. Tal in te rp re ta ç ã o é s u ste n ta d a p ela relação e n tre o p ilar
cósmico, o òpó ò ru n o un àiyé, equivalente à co rren te pela qual des
ceram os ò risà criadores, e o poste c e n tra l da casa-d e-cu lto , loca
lizado p recisam en te no cen tro do espaço sag rado, e que “liga” o
m und o dos hom ens ao m undo dos deuses. Em algum as v aria n tes
m itológicas b rasileiras, a árvore, que equivale e stru tu ra lm e n te ao
p ila r e ao poste ce n tra l, e que é p la n ta d a em m uitos “terreiro s”, é
concebida como te n d o u m a raiz im ensa que a trav essa o .m undo por
sob o oceano, a té a Á frica. E sta ú ltim a se tra n sfo rm a , em algum as
concepções afro -b rasileiras, no equivalente do òrun, e é p o r ela que
os òrisà vêm ao “povo de sa n to ” brasileiro. Pois n ã o é a Á frica o
lu gar de origem dos a n tep assad o s (que co n tam com fo rte culto n a
B ah ia ), o lu g a r de onde a cu ltu ra veio p a ra o B rasil, assim como
o òrun é o lu g a r de onde ela veio p a ra o m undo (África) ?
Todavia, é a in d a necessário re ssa lta r que se a te rr a __ ilè __
em certos contextos sim boliza o àiyé, em outros sim boliza o òrun,
27
p a rtic u la rm e n te o dom ínio do ò ru n que corresponde aos m ortos, c h a
m ados ta n to pelo term o genérico a rà òrun, re fere n te a todos os h a
b ita n te s do òrun, como pelo term o m ais específico a rà ilè. T al
concepção é p e rfe ita m en te coeren te com o m ito, a n te s referido, da
m o rte e divinização de Sangó.
No e n ta n to , "c o n c re ta m e n te ”, a oposição ò ru n /àiy é , é de fa to
re p re s e n ta d a p o r um a oposição c é u /te rra , no sentido de a c im a /
abaixo: os òrisà desceram pela co rren te; a m ão-de-pilão b a te u no
céu a c im a ; o poste c e n tra l do “te rre iro ” é ve rtica l; ò ris à n lá é asso
ciado ao céu e à p a rte superior d a cabaça u niversal, en q u an to O dú-
duw à é associado à te r r a e à p a rte inferio r d a m esm a cabaça; em
alg u n s m itos que relacio n am o ò ru n ao àiyé, a chuva que fertiliza
o àiyé é, d e sc rita como caindo do céu (cí. Dos S antos, 1976, p. 65);
ò sà lá (u m a d as qualidades de ò risà n lá ) e stá associado ao ar, e n
q u an to que O düduw à e stá associado à te rra (cf. Dos S antos, 1976,
p. 59).
Tem os en tão o estabelecim ento de u m a p rim eira oposição cós
m ica, onde:
ò r ís à n l á : q r u n : C é u : A c im a : B ra n c o : D ir e it a : M a sc u l in o
Ó d ú d u w à : à i y é : T erra : A b a ix o : P r e t o : E squerda : F e m in in o
28
um a su b stâ n c ia que contém a essencialidade do ser, seja anim al,
vegetal ou m in eral. Conform e m o stra Dos S an to s (1976, cap. III), os
trê s sangues são p o rtad o res de um princípio básico expresso pelo
te rm o àse. O àse é o “poder que p erm ite que a existência seja, isto
é, que a existência a d v e n h a ” (cf. Dos Santos, 1976, p. 36j. T ra ta -se
de um conceito e x tre m a m e n te complexo, ao qual teremoa de retor
n a r em outros p o n to s de nossa an álise. Por ora basta observar que
tal àse
29
guos aos deuses, n ão podem co n fu n d ir-se com estes. T al separação
tem a ver, n a tu ra lm e n te , com o sentido m esm o do ritu a l religioso,
e d a p ró p ria religião. É som ente atrav és do sagrado, do ritu al, que
deve se p rocessar a com unicação e n tre os h u m an o s c os deuses. O
a fa sta m e n to do òrun, en tão , “põe” a religião. Mas, se ta l separação
respo n d e a u m a im posição ideo-lógica, ela c ria tam b ém um p a ra
doxo:
30
sária a m ediação e n tre o dom ínio das ág u as e da te rra . Ê cntfio
que surgem alguns elem entos sim bólicos explicativos.
A te rra , como se viu nos m itos, é co n tid a em um a concha cio
caram ujo. T al con ch a sim boliza, n a c u ltu ra Y orúbá-N àgó. o p r in
cípio do crescim ento, d a expansão: lem brem os que a Criação se deu
precisam en te em Ué Ifè, a “casa que se e x p a n d e ”. Tal concha, ad e
m ais, é “p re ta ”, em oposição à lesm a-sêm en '‘b ra n c a ’’, pois a te rra -
-n a tu re z a se opõe ao h o m em -cu ltu ra. Mas, no processo intervêm dois
seres: o galo (ou g a lin h a ) de cinco dedos, e o cam aleão, am bos a m
bíguos e anôm alos, m ediadores que são, segundo a análise de Leaeh
(1967; m encionada a trá s (cí. p. 25). De fato, tr a ta - s e de um galo.
ave que n ão voa e que, adem ais, possui cinco dedos, caracterizan d o -
-se, pois, pela im p arid ad e, o que, em cu ltu ra Y orüba-N àgô, signi
fica am bigüidade e m ovim ento, este ú ltim o oposto à noção de ordem -
-im obilidade. E tem os tam b ém o cam aleão, um réptil, categoria zooló
gica p a rtic u la rm e n te am bígua, pois os ré p te is se a rra s ta m (cf. D ou
glas, 1970), e m ais do que isso, um rép til que m uda de cor. Temos
aqui dois significados: o cam aleão ex p erim en ta a te rra réce m -cria-
d a; sob este ângulo ele é “u sad o ” pelo m y th m a k e r por ser um a n i
m a l conhecido p o r seu m odo cuidadoso de c a m in h a r. O cam aleão é
um m ed iad o r; sob este o u tro ângulo ele é “u sad o” por ser am bíguo
— m u d an d o de cor, ele é ao m esm o tem po “P e n ã o -P ” 4. Temos
então, n o processo d a Criação, ta n to os “deuses e n c arn a d o s” quanto
os seres anôm alos; tem o s as oposições e a s m ediações. Em resum o,
a C riação consiste no estabelecim ento de u m a ordem lógica, de u m a
separação de contrários, de u m a im posição da cu ltu ra o rd enadora
p o r sobre um a "re a lid a d e ” caótica. O pondo-se o òru n ao àiyé; a
á g u a à te rra ; a n a tu re z a à c u ltu ra ; desfazendo-se a “m istu ra ”, pos
tu la -se a c u ltu ra e n q u a n to um a construção ideo-lógica. Os m itos de
Criação, p o r o utro lado, construídos p o r sobre um sistem a de oposi
ções b in árias, re su lta m n u m a e s tru tu ra de q u a tro elem entos opostos:
céu, te rra , água, te rra -firm e . “Q u a tro ”, como vimos, que se desdobra
em "dezesseis”, é tam b ém um com ponente do m ito. De um lado te
m os u m a ‘ e s tru tu ra q u á d ru p la ” ; de outro, tem os u m a progressão
2 — 4 — 16 e fin a lm e n te , u m a postulação d a ordem. T ais com po
n e n te s são c e n tra is à conexão e n tre a cosm ologia e a adivinhação,
que co nstituem , a nosso ver, tran sfo rm açõ es de u m a m a triz única.
32
com parativo, se quiserm os a b s tra ir “o m ito ”, isto é, a e s tru tu ra
p ro fu n d a de significados de u m a série ou m esm o de um co n ju n to de
séries m ito ló g icas5.
5 Quer nos parecer que a análise de Dos Santos (1976) relativa à cosmo
logia e concepção da morte Nàgô, de resto muito rica, peca exatamente
por ter a autora baseado sua análise numa única versão da Criação onde
a oposição òrinçàlá/ Odúduwà surge sob a forma de homem/mulher,
quando em outras versões surge de forma distinta. O que importa não
e a relação homem/mulher, em si, mas a relação lógica que ela exprime.
Dessa imprecisão metodológica resulta, juntamente com uma interpre*
tação nitidamente psicanalítica, uma certa falta de consistência em sua
analise.
33
T erra
i I
T erra F ir m e á gua
34
Candom blé e de U m b an d a). De fato , “ò risà lá , ò risà n lá , ò sà lá ou
O bàtálà, sim boliza um elem ento fu n d a m e n ta l do começo dos com e
ços . . . u m dos elem entos que d eram origem a n ovas fo rm as de exis
tê n c ia . . . no àiyé e no ò ru n ” (cf. Dos S antos, 1976, p. 75), m as
ò sà lá c o n stitu i u m a rep resen tação d a fusão de ò risà n lá e de O dü
duw à (cf. Dos Santos, 1976, p. 89). S eja n u m caso ou n outro, ig b á
O dü significa um a un ião de contrários, um a com plem entariedade de
opostos. E, p o r u n ir os opostos, significa tam b ém o todo. As duas
m etades, o ò run e o àiyé, devem se m a n te r u n id as porque íg b á Odü
contém todos os sin ais de If á que, como verem os ad ian te, re p rese n
ta m a ordem universal. Conform e verem os tam bém , o rom pim ento
dessa unid ad e d ialética, pela separação das duas m etades, ou pela
a b e rtu ra do íg b á Odü, tra z consigo o caos.
A com plem en taried ad e e n tre os opostos, e e n tre o dom ínio dos
hu m an o s e o dos deuses, expressa-se de d ife re n te s form as, in d ic a n
do que um não pode e x istir sem o outro (como adem ais não tem
existência isolada n e n h u m term o de um a oposição lógica). É assim
que vários m itos se referem à chuva, que cai do céu (òrun) sobre
a te rra (aiyé). Conform e m o stra Dos S antos (1976, p. 65), a chuva,
“sangue b ra n c o '1 conduz àse, que, em co n tato com a te rra , condu
to ra de àse “sangue v erm elho”, to rn a possível a renovação e a so
brevivência do universo. Ou ain d a a te r r a — Ig b á -n lá (grande c a
baça) ou Iy á-m i (m in h a m ãe), qualidades de O düduw à — deve ser'
c o n sta n te m e n te um edecida p a ra poder p ro c ria r (idem, p. 112). Nes
sa série de m itos, ò ris à n lá é sim bolizado pelo òpásóró, com o qual
ele, lem brem os, “fu ro u ” a p alm eira p a ra beber sua seiva., O òpásóró
é substituído em alg u n s ritu a is pelo òsún, que “deve ficar sem pre em
pé. Diz-se dele . . . Ó òsün! ò s ü n fique erguido, n ã o se d eite ” (cf.
Dos Santos, 1976, p. 78 1. De um lado, o òpásóró pode e sta r associa
do ao p ila r que liga o ò run ao àiyé; m as, sendo o òrun “hom em "
e o àiyé "m u lh e r”, em várias representações sim bólicas, o mesmo p i
la r que liga ò ru n a àiyé tam bém “liga" o hom em à m ulher, po
dendo c o n stitu ir um simbolo fálico conjugado à rep resen ta ção d e
O düduw à como um a cabaça, ig b á -n lá , que contém , "sangue verm e
lh o ”, oposto e com p lem en tar ao “sangue b ra n c o ” d e ò risà n lá , a s
iesm as-sêm en. Devemos n o ta r que se O düduw à, quando em oposição
à ò risà n lá , é sim bolizado pelo preto (a m etad e in fe rio r d a cabaça
é p re ta , en q u an to ò ris à n lá é tam bém O bàtálà, S enhor do Pano B ra n
co), por o utro lado, quando no contexto de Ig b á-n lá, no papel de
criadora, é b ranca. Neste caso, a oposição se expressa pelo c o n tra s
te “san g u e b ra n c o ”/" s a n g u e v erm elho” e a com plem entariedade pelo
‘‘ap azig u am en to ” do v en tre de O dúa após e sta te r comido igbin
35
(lesm as). P o r o u tro lado, sendo O düduw à "d a esq u erd a” — p o rta n
to, a rig o r um ebora, ao invés de um òrisà, ela é associada a ‘‘n o
ções de conflito e violência . . . ao que é seco e q u en te” ; ao c o n trá -
trá rio , ò ris à n lá é associado à calm a e à tran q ü ilid ad e, ao frescor e à
um idade:
36
O bservam os aquilo que cham am os de u m a concepção "q u á d ru
p la ” do m undo. E sta m esm a exprim e-se tam b ém naquilo que pode
ríam os c h a m a r de um p a d rã o de replicação, d a casa (u nidade cós
m ica m enor) ao m undo (unid ad e cósm ica m a io r). A casa é id e al
m en te concebida como co n stitu íd a de q u a tro p aredes; a n alo g a m en
te, a cidade é tam bém , idealm en te, c ircu n d ad a p o r q u atro paredes,
cad a u m a com um p o rtã o do qual p a rte m q u a tro cam inhos. O reino
é igualm ente concebido como sendo circundado por qu atro paredes
e o m undo, íin a lm e n te , é re p resen tad o p o r u m quadrado, ou r e tâ n
gulo, cujos q u a tro can to s correspondem aos p ontos card eais — as
forças q u e con tro lam o m undo — co rrespondentes, cad a um , a um
òrisà e a um Odü do sistem a de Ifá . Tem os en tão um m odelo que
se ex p ande d a unid ad e m en o r à m aio r ou, recip ro cam en te, onde
ca d a unidade m enor, “c o n tid a ”, replica a u n id ade m aior, a to ta li
dade co n tin en te. Devemos n o ta r que Ilé Ifè, o local onde teve lu
g a r a Criação, é a “casa q u e se ex pande”, ou a “casa am p la ”, con
form e vimos no m ito reg istrad o por P a rrin d e r (1967). Tem os en tão
u m a série de hom ologias, desde o compound. (linhagem — co n ju n to
de fam ílias), à cidade (con ju n to de lin h a g e n s 7), ao reino (co n ju n
to de cidades) e fin alm en te ao m undo (co n ju n to de rein o s). A es
tru tu r a "q u á d ru p la ” se m ultip lica q u atro vezes, chegando a um u n i
verso de dezesseis: dezesseis é, como verem os a d ia n te, o “co njunto
u n iv e rsa l”, a ordem to ta l, re p re se n ta d a pelos 16 òrisà e pelos 16
sinais (Odü) de Ifá.
37
e ordenou-lhes que fossem viver em certas aldeias. Alafin foi
esquecido, por isso lhe foi dada toda a terra. Em todos os
assuntos relativos à terra, o Alafin toma o lugar do Oni. Os
filhos eram: Alafin, chefe dos Oyó; Olowu, de quem descendem
os Egba; Ajuwale, de quem descendem os Jebu; e Alaketu, do
qual são descendentes os Kétu. Esses quatro irmãos levaram
consigo, cada um, três outros irmãos, e cada um destes fundou
outros reinos. Os quatro irmãos, filhos de Ifá, eram o reino
Yoruba completo, que era cercado por quatro muros: I gtjn
Merin N i I lé I vi (uma casa é composta de quatro cantos, não
sendo, de outra forma, completa). Os Oyó, Ijebu, Egba e Kétu
são os quatro muros do reino (cf. Dennet, 1910).
Esse m undo quad rad o é controlado por q uatro forças sob ren a
tu ra is, que presidem sobre as àre a s correspondentes aos q u atro pon
tos cardeais. Segundo F robenius (1913, p. 264) essas qu atro forças
sáo Sàngó, que preside sobre o oeste; Èsú, que preside sobre o leste;
Q b àtálà sobre o sul e Ogun sobre o n o rte. D en n e t a p o n ta u m a ver
são diversa, onde tem os O bàtálà, “a p o n tan d o p a ra o N orte” ; Odü-
duw à “a p o n ta n d o p a ra o S u l” ; Sàngó (Ja k u ta ) p a ra o Leste, e Ifá
p a ra o Oeste. Não o b stan te as variações, elas exprim em oposições
em contextos diversos, e p erm anece sem pre o co n ju n to de dois p a
res de oposições binárias, ta l como nos m itos de Criação.
38
A co m paração e n tre o m odelo cosmológico Y orübá e a e s tru
tu r a do “te rre iro ” Nàgô d a B a h ia nos oferece o u tro s elem entos cíf
análise, visto que aquele modelo é tam b ém replicado no espaço sim
bólico do “te rre iro ”.
De um lado, o “te rre iro ” como urn todo co n stitu i u m modelo
m icrocósm ico da Á frica; de outro, reproduz a im agem do m undo.
M ais do que um sim ples lu g a r de culto, o "te rre iro ” co n stitu i um a
com unidade, um a sociedade, o egbé. De fa to , boa p a rte dos in te
g ra n te s do g ru p o -d e-cu lto h a b ita nos lim ites do “te rre iro ” ou em
suas proxim idades. R eciprocam ente, m u ita s v izin h an ças tê m o “te r
re iro ” como o c en tro focal de su a v ida co m u n itária. Em alguns c a
sos m esm o, g ru p o -d e-cu lto e g ru p o -d e-v izin h an ça são co-extensivos.
M esmo os que m o ram m ais longe fre q ü e n ta m o “te rre iro ” com r e
gu larid ad e e ai p assam dias seguidos d u ra n te as gran d es cerim ô
n ia s an u ais. É com ju ste z a que B astid e (1958) e Dos S antos (1976)
co m p aram o “te rre iro ” ao com pound Y o rü b á 9.
N este te rre iro opõem -se um espaço “u rb a n o ” e um espaço “flo
re s ta ”, ta l como no m odelo cosmológico Y o rü b á descrito por M or-
ton-W illiam s (1964): o Ué Àiyé divide-se em dois pólos opostos, o
m u n d o d a cu ltu ra e o m undo n ão h u m an izad o ; o m undo dos h u
m an o s e o m undo dos so bre-hum anos. O àiyé p ro p ria m e n te dito
significa o m undo h ab itad o , o m u n d o civilizado, ordenado, o rg a n i
zado e m estados, o lu g a r onde vivem as pessoas em meio a seus
cam pos cultivados; “inclui a idéia ou o p a d rã o de um a vida ap ro
p ria d a m e n te vivida”, em oposição à flo resta d ista n te , não cultivada.
T r a ta - s e de um a oposição que exprim e a dicotom ia c u ltu r a /n a tu re
z a ; m a s tr a ta - s e tam b ém de u m a oposição e n tre o m undo dos h o -
m é n s e o m undo so b re n a tu ra l — e n tre os A rá Àiyé e os A rá ò ru n .
O espaço “u rb a n o ” com preende os v ário s Ilé ò ris à (tem plo de
u m ò risà ); o Ilé Àse (p a rte d e stin a d a à reclusão das noviças, à
to z in h a ritu a l e a u m a sala p a r a d eterm in ad o s r itu a is ) ; o “b a r r a
cão”, onde se realizam as g ran d es cerim ônias públicas, e habitações
p a r a os m em bros do egbé. No espaço lim in al e n tre o “u rb an o ” e a
“flo re sta ” situ a -se a casa dos m ortos — Ilé-Ib o -A k u — “local de onde
n in g u é m pode se a p ro x im a r . . . sep arad o do re sto do ‘te rre iro ’ por
u m a cerca de arb u sto s ritu a is ” (Dos Santos, 1976, p. 34).
39
O ‘‘m a to ’" é um espaço cercado de perigos, no qual não se a v en
tu ra m os h a b ita n te s do espaço “u rb a n o ”, com exceção dos sacerdo
tes de ò sa n y in , de ò g ü n e de òsòsi, que ali realizam ritos específi
cos, pois o "m a to ” é tam b ém um espaço sagrado. O espaço “u rb a
n o”, ao contrário , é o m undo dom esticado.
40
àiy é-ò ru n , a org an ização social do g ru p o -d e-cu lto e seus rito s re
plica a lin h ag em e o c l ã .10
O utro aspecto a in d a deve ser ressaltad o . In d a g a B astide se “a
construção do tem plo lem b ra á' criação do m u n d o ?” e responde ele
que, à p rim eira v ista não, pois a c a sa-d e-cu lto é q u ad ra d a e não,
re d o n d a :
. . . o homem se adaptou a seu novo meio geográfico e
cultural; ele tomou emprestado aos brancos os procedimentos
de seus artífices e o plano de suas habitações (cf. Bastide,
1958, p. 66-67).
41
CÉ U
42
a se r” Sángó, ou o u tra divindade, tir a os sap ato s e seus pés re
to m am o c o n ta to com a te r r a viva que te m “q ualquer coisa de d i - w
vino”. O que a te r r a te m de “divino” é su a dim ensão cósmica. Ade
m ais, d an çan d o em re d o r do poste ce n tra l, a s Iyaw o p assam pelos
q u a tro ca n to s do m undo, n u m a u nificação r itu a l do cosmos. O r i
tu a l é, assim , um “p ô r a viver” do m odelo cosmológico.
Como são concebidos os q u atro p ontos cardeais? E videntem en
te, tr a ta - s e de direções geográficas opostas, m as p a ra os Y orübá-N àgõ
são m ais que isso. Vimos que ta is pontos são associados a divinda
des em posições de oposição, divindades essas que correspondem aos
q u atro prim eiro s sin ais do sistem a de Ifá, isto é, a p ares de- sinais
em oposição. P a ra os propósitos deste ensaio este é um p o nto fu n
d a m e n ta l: a concepção do m undo se ex pressa atrav é s d a lin g u a
gem de Ifá.
O p onto de referên cia p a ra a d eterm in ação das direções b á
sicas é p a ra os Y orübá, assim como p a ra m u itos outros povos, o
m ovim ento do Sol, ao co n trário do que ocorre em nossa c u ltu ra
onde, após a adoção d a bússola, o p o n to c ard eal básico passou a
ser o Norte. Segundo observou D en n et, o Leste é cham ado Ila õ rü n ,
o local onde “aquele que se le v a n ta ap arece” ; o Oeste é “onde o Sol
se põe” ; o N orte é “à d ire ita do L este” e o Sul é "o qu arto c an to ”.
Conform e Dos Santos, os q u atro pontos do universo são: lyo õ rü n ,
o n a sc e n te ; Iwò õ rü n , o poente; ò tú n Àiyé, a d ireita do m uiido e
ò si Àiyé, a esquerda do m undo. Os p o n to s fu n d a m e n ta is são, en tão
L este e Oeste.
Existe u m a hom ologia e n tre tem po e espaço n a c u ltu ra Y orü-
bá-N àgô. À concepção “q u á d ru p la ” do m undo, isto é, do espaço, cor
respond e u m a concepção an álo g a do tem po. Conform e é conhe
cido, os Y orübá tê m u m a sem an a de q u atro dias, e q u atro de ta is
sem a n a s co n stitu em um mês. Tem os en tão que 4 x 4 = 16, de fo r
m a con sisten te com a e s tru tu ra n u m érica do sistem a de Ifá e do
m odelo cosmológico. A lguns autores, equivocadam ente, supuseram que
os Y orübá tin h a m u m a sem an a de cinco d ias; n a realidade tra ta -s e
n ã o de um co n ju n to de cinco, m a s de um c o n ju n to de q u atro “m ais
u m ”. E ste "m ais u m ”, que co n stitu i de c e rta fo rm a um n ão -dia, um
d ia lim in al que liga um co n ju n to de q uatro a outro, equivale es
tru tu ra lm e n te ao espaço “m ais u m ” do Õ rün, ao ponto c e n tra l do
“te rre iro ” — um “q u in to ” ponto — que liga os dois planos d a exis
tên c ia , e a outros elem entos do modelo cosmológico e do sistem a
d e Ifá.
C onform e revelou F robenius (1913), os dias da sem ana corres
pondem aos p ontos cardeais. A ordem da sem ana, estabelecida pelo
43
babaláw o (sacerdote de If á ) , como m o stra B astide, é e n tã o um ci
clo que corresponde ao m ovim ento d as Iyaw o em to rn o do poste
cen tral, u n ifican d o os q u a tro p ontos cardeais. Tem po e espaço são
conceitos relacionados, e o m ovim ento d as Iyaw o é u m a relação
e n tre am bos, expressos a tra v é s d a linguagem de If á — pois ta n to
os q u a tro p ontos card eais q u an to os q u atro dias d a sem an a são ex
pressos pelos q u a tro p rim eiros sin ais de Ifá. O gráfico que se segue
m o stra a relação e n tre espaço, tem p o e o sistem a de Ifá . H á que
acresc en ta r, a in d a , que, segundo algum as versões d a Criação, o m u n
do de q u a tro can to s foi criado em q u a tro dias (cf Idowu, 1966, p. 112).
2? Dia
N
4® 01A
44
tã o ura modelo inclusivo global que pode ser rep resen ta d o como
se segue.
Dia
L
\ /
\ /
\ /
3 2 A
/ \
/ \
/
.S
4? Dia
45
A = O n a scen te (Leste)
B = O p oen te (O este)
c --- A direita do m undo
D — A esquerda do m undo
A = A fron te — n ascen te
C = O lado direito
D = O lado esquerdo
46
J á vimos a n te s que é no cen tro do espaço sagrado da casa dc
culto do “te rre iro ", n o p o n to em que se cruzam a s lin h as que unem
os ca n to s do m u n d o (os cam in h o s básicos), n o ponto onde se liga
sim bolicam ente o àiyé ao ò ru n , que é “p la n ta d o ” o àse do “te r
reiro ”. O ra, conform e observou Dos S a n to s (1976, p. 46), a Iyàlàse
(a “m ãe do àse; tam b ém Iyálò risà, p o p u larm en te c h a m a d a “m ãe-d e-
-s a n to ”) tra n s fe re e “p la n ta ” o àsç n a iyáw o (noviça) no decorrer
de um rito de p assag em cujo p o n to c u lm in a n te se d á quando a
p rim e ira coloca n u m a p eq u en a incisão fe ita e x a ta m e n te n o centro
da cabeça d a segunda, u m a p eq u en a m assa cônica con sag rad a, com
p o sta de d e te rm in a d a s su b stân cias específicas p a ra cad a noviça,
assim como a re p re se n ta çã o m a te ria l do àse do “te rre iro ” se compõe
de sub stân cias específicas dele, e que tra n s m ite m o “poder de r e a
lização”, a tra v é s de u m a com binação de su b stân cias que contêm
rep resen taçõ es m a te ria is e sim bólicas dos “san g ues” branco, verm e
lho e p reto , do àiyé e do ò ru n (cf. Dos S an to s, 1976, p. 43). Pode
ríam os in te r p r e ta r ta l r itu a l n ã o a p en as como um a iniciação ao
grupo de culto, à h ie ra rq u ia sa cerd o tal dos “te rre iro s” de candom
blé, m as como u m a in teg ração à ordem cósm ica-m ística; à e s tru
tu r a do “te rre iro ” e àqu ela do m u n d o p o r ele rep resen tad o . Essa
“cabeça cósm ica”, que te m su a c o n tra p a rtid a n o ò ru n e sua re p re
sen tação n o sistem a de Ifá , é objeto de um r itu a l periódico, o Bori
(“d a r de com er à cab eça” ) e stru tu ra lm e n te análogo- ao sacrifício r i
tu a l aos òrisà, o Ebo (“d a r de com er ao ò risà” ). A inda, sem pre que
o Nàgô faz u m a o fe re n d a sacrificial, ele a a p re se n ta aos qu atro
can to s do m undo — n ascen te, poente, lado d ireito e lado esquerdo
— pois os q u a tro p o n to s do espaço re p re se n ta m o cosmos.
47
Os sin ais de I f á correspondentes aos can to s do m undo, ou às
"raízes do m u n d o ”, são como dissem os, os q u a tro prim eiros do con
ju n to de 16 sin ais p rincipais. Os dois prim eiros, correspondentes aos
pontos fu n d a m e n ta is — Leste e O este — são os m ais sim étricos de
todos, como podem os v er ao decom pô-los em q u atro seções:
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48
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49
F in alizan d o este tópico, a p resen tam o s a rep resen tação g rá fi
ca d a im agem do cosmos, ta l como concebida pelos Y orübá-N àgô e
pelos Fon.
A V id a - Gbe
(M aupoil *■ Fon)
Céu
50
I V — A Adiv in hação
51
saber o que se pode fazer a respeito. A través d a adivinhação, o
hom em descobre su a relação p a r a com a ordem cosm ológica e p a ra
com os deuses que a controlam , e tam b ém os m eios p a ra poder
influen ciá-lo s, a fim de g a n h a r seu apoio e aquiescência n a p erse
cução de seus objetivos. T ra ta -s e , sob certo ponto de vista, de con
to rn a r u m a ordem “co n c re ta ” sem contudo p e rtu rb á -la ao nível do
modelo.
A fim de o rie n ta r suas decisões e descobrir seu destino, o Y orü-
bá-N àgô consulta o babaláw o, assim como o F on consulta o bokono.
E xistem m u ita s fo rm as de adivinhação, m as o oráculo de Ifá é, sem
dúvida, o m ais prestigiado. Tão prestigiado, n a verdade, que os reis
Y orübá e daom eanos m a n tin h a m seus próprios adivinhos p a ra asses
so rá-lo s e aconselhá-los em assu n to s de Estado. Tam bém os “te r
reiros” Nàgô b ah ian o s possuíam seus babaláw o, ain d a que hoje outro
modelo de adivinhação, derivado, o sistem a do çrindílogun, m an i
pulado p ela p ró p ria ty álò risà, seja m ais comum. A geom ancia de
I f á foi im p o rta d a pelos Y orübá, provavelm ente a tra v és de povos
islam izados. Do pon to de v ista m atem ático, como um sistem a de
perm utações probabilisticas, os dezesseis sin ais p rincipais obtidos
pelo babaláw o são idênticos aos en contrados nos sistem as geom ân-
ticos do an tig o O riente Próxim o e da E uropa Medieval. Mas, como
ap o n ta M orton-W illiam s,
52
vavelm ente o m ais p restigiado, consiste no jogo de dezesseis nozes
de palm eira: o babaláw o seg u ra as nozes em u m a m ão e com a o u tra
p ro c u ra re tir a r ta n ta s q u an to possível com um m ovim ento único.
Se so b rar um a, ele d esen h a duas lin h a s n a b a n d e ja d iv in ató ria —
ç p ç n Ifá — u m a tá b u a de m a d e ira re p re se n ta n d o a concepção do
universo, com a p a rte c e n tra l co b erta de areia; se sobrarem duas,
ele desen h a u m a lin h a . P a ra o b ter o sin al com pleto, ou Odú, a
operação deve ser re p e tid a oito vezes. O segundo procedim ento, m ais
com um , consiste no uso do Okpelé, ou “c o rre n te d iv in ató ria ” — um a
c o rre n te ou corda n a qual estão p resas oito m eias-conchas, a in
te rv a le s regulares. O babaláw o segura a c o rre n te pelo m eio com
su a m ão d ire ita (todos os objetos relativos ao culto de If á devem
s e r m an u sead o s com a m ão d ire ita — o elem ento m asculino — e
ap e n a s p o r hom ens) de fo rm a ta l que q u a tro m eias-co n ch as de
vam p en d er em cad a m etad e da co rren te, e a a tira de ta l modo
que ela caia em fo rm a de U. O bservando quais m eias-conchas caí
ra m com a p a rte côncava e quais c a íra m com a p a rte convexa p a ra
cim a, o babaláw o desen h a, co rresp o n d en tem en te, um ou dois traços
n o òpón Ifá . O bviam ente, ca d a jo g a d a do O kpelé perm ite u m sin al
com pleto. Assim, p o r exemplo, se ele c a ir com to d as a s conchas com
a concavidade p a ra cim a, o sin a l será O gbe-M eji; se pelo co n trário ,
to d as são convexas, o O dü se rá O yeku-M eji. U m a m eia-concha, ou
noz ou pedaço de cab aça, côncava no O kpelé corresponde à re te n
ção de d u a s nozes n a m ão esquerda pelo p rim eiro processo, e vice-
-versa.
D (» II II
o o " 11
I I II
d o II II
" T
O g b e - M e ji O y e k u -M e ji
53
eidos um após o o u tro e sendo os m ais "velhos” tidos como m ais
io rte s que os m ais jovens ir\
É claro que existem 255 p erm utações possíveis: d ad as d u as pos
sibilidades p a ra cad a m eia-co n ch a e oito d estas no Okpelé, te ría
m os 2n, ou 2S = 256. É igualm ente claro que existem 16 possibili
d ad es de resultados sim étricos (Odü M e ji) : 2n/2 n/-. Os dois sub
c o n ju n to s — sim étrico e assim étrico — são b a sta n te distin to s n a
ideologia Y orüba-N àgo, sendo os últim os considerados como p erm u
taçõ es e n tre os prim eiros: n ( n - l ) . Os dezesseis sinais p rin cip ais (si
m étricos) são os m ais relevantes, considerados em m uitos contex
to s m itológicos como correspondendo aos 16 ò risà originais. São c h a
m ados “m ã e s”, en q u an to os assim étricos são cham ados "filhos” (Omo
O d ü ): p o r exemplo, o lado direito do Okpelé pode a p re se n ta r a m e
ta d e do signo Ire te M eji, e o lado esquerdo, a m etade do Iro su n -
-M eji; n e ste caso, como n o dos dem ais signos assim étricos, é a p a r
te senior que prevalece, isto é Irosun.
A consistência n u m érica do sistem a de If á é b a sta n te notável:
usam -se 16 nozes; são feitas oito jog ad as com du as possibilidades
p a r a c a d a ; existem 16 sinais p rin cip ais e a c re d ita-se que por de
tr á s de cad a u m existam dezesseis divindades-qualidade. Temos e n
tã o 16 x 16 = 256, que coincide com o to ta l de perm utações pos
síveis. A tá b u a de sin ais é ela m esm à consistente, como se poderá
ver som ando todos os traço s em d iagonal: se procederm os d a ex
trem id a d e su p erio r esquerda - p a ra a in ferio r d ireita, ou vice-versa,
o resu ltad o será sem pre o m esm o: 46 traços. O núm ero to ta l de
sin ais "m ães”, 16, é tam b ém o quad rad o de 4, núm ero básico do
m odelo cosmológico e de Ifá : c a d a sin al é u m a duplicação de q u a
tro ; qu atro são os "can to s do m u n d o ” e q u atro são os dias d a se
m an a , que se desdobram n u m m ês de 16 dias. Q uatro são os ò risà
cu ltuad o s ca d a dia, p erfazendo 16 p o r sem ana. Os qu atro q u a d ra n
te s do com passo dividem -se, cad a um em o u tro s quatro, p erfazen
do um to ta l de 16 pontos cardeais, cada um correspondente a um
sin al de If á e a um òrisà.
Em outro s casos do m esm o sistem a (cf. M aupoil, 1943) a ta b ela é
com posta n ã o de dezesseis co n ju n to s de oito traços, m as de um igual
n ú m ero de co n ju n to s de q u atro traços. Porque d esenham os Y orübá
I
I
I
II
I I
I I
I I
II II
55
O m esm o p a d rã o explica tam b ém porque os signos são conce?
bidos n ã o como sin ais sim ples, m as como p ares, como gêmeos, é
g e ra lm e n te como p a re s m ach o -fêm ea. O bserve-se, de passagem , que a
c u ltu ra Y orübá-N àgô n a B a h ia reserv a u m culto especial aos gê
m eos, Ib e ji (associados a Cosme e D am ião). Assim, O gbe-M eji e
Q yeku-m eji fo rm am o p rim eiro casal, do q u al o m em bro senior é
m ascu lin o e o ju n io r fem inino. Lem brem os, o u tra vez, que os ò risà
nascido s d e Y é m á n já tam b ém n a sc e ra m aos pares.
A o rd en ação d as p erm u taçõ es obedece, pois, a dois princípios
ideológicos: a sen io rid ad e e o p rin cíp io de que “to d as a s coisas são
a g ru p a d a s em p a re s” 1C. O p rim eiro h ie ra rq u iz a os sin a is n u m a o r
dem de im p o rtâ n c ia que, conform e alguns babaláw o, corresponde à
ordem p ela qual os ò risà d esceram do Céu, ou, conform e outros, à
ordem de cheg ad a de cad a O dü a Ilé Ifè. O segundo principio a g ru
p a os dezesseis O dü, ou m elhor, À gbà O dü, em oito casais, dos quais
o prim eiro, de acordo com m uitos babaláw o Y orübá ou m uitos bo-
kono F on, corresponde ao casal criad o r: ò riç à n lá/O d ú d u w à , p a ra os
prim eiros e M aw u/Lisa, p a ra os últim os. Como observa M cClelland,
existem m u ita s v a ria n te s d a geom ancla de Ifá , m as
18 Lembremos que, como muito bem mostra Dos Santos (1976). todos os
seres existem em duplo, pois para cada pessoa, animal, árvore, etc. no
&iyé, existe um ‘‘doble" no çrun.
! '
56 ■
i
ficou adido a Agbaniregun e atuava como correio entre a Terra
e Ifá no Céu. Ele possui uma invocação própria, ainda que esta
não seja formalmente reconhecida e não seja nunca cantada
em voz alta (cf. McClelland, 1966, p. 424).
57
dias. Ele se uns à seu anfitrião em serviços e festas por um
curto tem po... Então o Odu anfitrião retribui a visita, seguin
do-se o mesmo procedimento. Assim, Ejiogbe visita Oyeku e
a invocação é feita em seus nomes combinados — Ogbe’Yeku.
A visita de retribuição é recitada sob o nome de Oyeku Ogbe.
Quando este par de visitas for concluído. Ogbe visitará ao ter
ceiro Odu da lista, Iwori, e outro par de visitas e de recitações
resultará, sob os nomes de Ogbe Iwori e Iwori Ogbe e assim
por diante (cf. McClelland, 1966, p. 425).
II I I II
II I Ogbe’ I I I Oyeku
II I Yeku I II Ogbe
II I I II
58
Ifá. foi um ser humano que fazia remédios e os vendia.
Enquanto fazia isso, chegou a Xfè e estabelece?.! seu quartel-
-general. Um dia todo o povo de Xfç se juntou para lutar contra
ele. Então ele íicou vexado e entrou na terra, e quando lhe
pediram que saísse ele se recusou, a menos que concordassem
em cultuá-lo. No dia em que entrou na terra ele cortou quatro
folhas de palmeira para marcar o lugar e elas imediatamente
se tornaram , cada uma, uma palmeira. Cada uma tinha quatro
ramos, ou dezesseis no total. Ele lhes disse para colher dezes
seis nozes que deveriam ser cultuadas e que lhe perguntassem
tudo que desejassem. Daí em diante todos os que obtivessem
tais nozes se tornavam babaláwo e essas nozes lhes ensinam
quais folhas devem ser colhidas para curar quaisquer doenças
(Dennet, 1910)
59
nozes, amarradas num a trouxa em suas costas, como uma cri
ança; c que o babalàwo antes de consultar o deus sempre diz
“Orungan ajuba oh. Orisha-bi ajuba oh” (Orungan, eu o tenho
em grata memória; òrlsà-bi eu a tenho em grata memória)
(Ellis, 1894, p. 58-59).
Algum tempo depois de se ter estabelecido em Ado, Ifá
cansou-se de viver no mundo e, assim, foi habitar no firm a
mento com Qtiàtálà. Após sua partida, a humanidade, privada
de sua assistência, era incapaz de interpretar apropriadamente
os desejos dos deuses, a maioria dos quais tornou-se, em con
seqüência, irritada. Olokun era a mais aborrecida e, num acesso
de ira, destruiu quase todos os habitantes do mundo numa
grande enchente, somente alguns poucos sendo salvos por Qbà-
tálà que os puxou para o Céu através de uma longa corrente
de ferro. Após essa ebulição de raiva, Olokun retirou-se nova
mente para seus domínios, mas o mundo nada mais era que
lama, não servindo mais para nele se viver, até que Ifá desceu
do Céu e em conexão com odüduwà novamente o tom ou h a
bitável (Dennet, 1910).
60
Tom em os as trê s versões acim a reproduzidas. A p rim eira delas
é c la ra m e n te igual ao m ito de Sangó, já referid o an tes, igu alm en te
um a inversão e stru tu ra l da C riação; podem os o rd en a r ta n to o m ito
de Ifá como o de Sangó d a form a como se segue:
61
É b a s ta n te evidente, então, que os m itos de C riação e os de Ifá
iã o red u n d a n tes e n tre si. E o são porque, ao nível d a e s tru tu ra p ro
fu n d a, ou d a m ensagem inconsciente, am bas as séries são o m esm o
m ito — “o m ito ”, ta l como postulam os n a in trodução ao presente
ensaio.
Que Ifá é urri re -c ria d o r d a ordem re su lta claro, tam bém , no
prim eiro m ito, do p la n tio de q u a tro palm eiras, cada um a com q u a
tro ram os (4 x 4 — 18); no segundo m ito, da obtenção de dezesseis
nozes; no terceiro m ito da evidente associação de Ifá com O b àtálà
e Odüduw à.
M as Ifá é a com unicação e n tre os hum an o s e os deuses, e seus
m itos estabelecem u m a com plem en taried ad e ou in terd ep e n d ê n cia e n
tre am bos ou, num plano m ais a b stra to , e n tre o ç ru n e o àiyé. T a n
to a com unicação como a in terd ep en d ên cia são expressas pela con
cepção Y orúbá de sacrifício — a lim e n ta r, d a r de com er aos òrisà. Os
hom ens n ã o podem viver num m undo ord en ad o sem os òrisà, m as
estes tam pouco podem ex istir sem os hom ens. A relação e n tre a m
bos é, n ão de sujeição to ta l dos h u m an o s aos deuses, m as de reci
procidade e n tre opostos, oposição essa d efin id a prev iam en te (em
sentido lógico) pelos m itos de Criação. O papel de Ifá no sistem a
sacrificial é fu n d a m e n ta l, pois é ele quem prescreve os sacrifícios.
Mas, se o sistem a de I f á co n stitu i um a p o nte e n tre os hom ens
c os deuses, en tã o Ifá é m ediação, e isto coloca um problem a, pois
m ediação im plica am bigüidade. O próprio m ito citad o a trá s, co nhe
cido como o do “J a rd im de õ r u n g a n ” cla ra m e n te in tro d u z elem entos
de am bigüidade pelo uso simbólico de m a c a c o s19 que, ao a tira re m
os cocos d a p alm e ira p a ra o chão, estão c la ra m en te m ediando e n tre
o acim a (fora do alcance, no m ito) e o a b a ix o 20. A dem ais, os m a
cacos são verm elhos, cor m ed iad o ra e n tre o b ran co e o preto, que
são po r su a vez a s cores que sim bolizam a oposição e n tre o Céu
(õ risà n lá ) e a T e rra (O düduw à), e n tre M aw u e Lisa n a equivalência
Fon. V erm elha é tam b ém a cor d a polpa dos fru to s d a p alm eira,
que deve ser rem ovida (pelos m acacos) a fim de to rn a r os cocos
adequados à ad iv in h ação — u m a vez rem ovida a polpa verm elha,
re sta o caroço, p re to p o r fo ra e bran co p o r d entro, a oposição de
cores d a C riação e d a im agem do m undo. O próprio F a é, em certos
62
m itos e em alg u n s O dü, descrito como verm elho e n q u an to em outros
surge como branco ou como pretoi Um dos O dü de G be-M eji (o p ri
m e iro sin a l do co n ju n to de Ifá ) c o n ta que:
I I
M etade
G be-M eji
I I
II II
M etade
Y eku-M eji
II II
63
p arad o x o é resolvido pelo sistem a m itológico-sim bólico pela in tro d u
ção de Èsü (Legba) e pela tra n sfe rê n c ia p a ra este dos elem entos de
am bigüidade. Èsü, com o será visto a d ia n te , é o co n tra-conceito de
If á .
E n tre os Fon, F a é concebido como sendo a personificação da
“fórm u la de M aw u”, isto é, d a fó rm u la da Criação e, por conse
guinte, d a ordem cosmológica. T a l ordem consiste n a id éia de “cad a
coisa em seu lu g a r ap ro p riad o ”, n a elim inação de sobreposições e
de am bigüidades, no estabelecim ento de lim ites de domínios.
P a r a os Fon, ain d a, F a é " a escrita de M awu”, em sua re p re
se n ta ç ã o an d ró g in a do casal C riador, sim bolicam ente expresso pela
ca b aça (equivalente a ò sà lá , com o síntese a n d ró g in a do p a r ò r is à n lá -
-O düduw à). A cab aça fech ad a une o casal em um símbolo único e
“a M aw u-Lisa su b stitu i, então, um p rincípio esotérico . . . sob o nom e
de O du” (cf. M aupoil, 1943, p. 91). O ra, a cabaça é Igbá-O dü, e o
co n ju n to de Odü é ju sta m e n te a escrita de Ifá (ou F a ), que é a
"e sc rita de M aw u”. J á vim os que existem claras equivalências sim
bólicas e n tre o sistem a de Ifá e a Criação. Vimos, tam bém que a
e s tru tu r a dos m itos de I f á é equivalente, desde um ponto de v ista
tran sfo rm a c io n al, à dos m ito s de Criação. Com eçam os a ver, agora,
que n a p ró p ria co nsciência dos F o n “F a é M awu e M awu é F á .
P a ra os Fon, Odu é Mawu, o “g ran d e D eus” 21. Odu é tam bém
G baadu, isto é, como verem os logo a d ia n te , o principio da adivi
nhação .
P a ra os Fon, t a l como p a r a os Y orübá, F a (Ifá) é o deus da
adiv in h ação que revela o d estin o d a pessoa ou o fu tu ro , este últim o
concebido como “u m a casa com dezesseis p o rta s”. Mas F a é m ais
que um oráculo. Um dos textos recitativ o s do sin al Loso-Cé tra ta
d a p a lm e ira De (a p alm eira que surge nos m itos de Criação Y orübá)
p la n ta d a por Mawu q u ando este criou o m undo. O m esm o texto
afirm a que Fa e De são idênticos, pois am bos são a vida m esm a.
J á vimos an te s que a p alm eira e stá freq ü en tem en te associada a
Ifá em diversos tex to s mitológicos, e vim os tam bém como ela se
64
associa aos n úm eros q u a tro e dezesseis, p o r su a vez c e n trais ao sis
te m a de Ifá , o m esm o tex to e s tru tu ra -s e a tra v é s de um jogo de
oposições b in á ria s básicas, e n tre cidade e flo resta; cru e cozido, isto
é, e n tre n a tu re z a e cu ltu ra, e revela que De, a palm eira d a Criação
e d a adivinhação, ensina aos hom en s a cozinhar, isto é, tra z -lh e s
a cu ltu ra. O m ito é b a s ta n te consisten te com a. afirm a ção de u m
bokono que dizia ser F a, n ão um vodum (òrisà) como os outros, ma»
que “ele é d a classe dos organizadores do m u n d o ” (cf. M aupoil, 1943,
p. 10). Colocamos, h á pouco um paradoxo: se Ifá é a ordem como
poderia se r um in term ed iário ? M aupoil nos sugere que
65
n as U niversidades de G o n d e -S h a p u r e de B agdad (cí. C aslànt, 1935,
p. 169). E n tre os Nàgô d a B ah ia, B astide m o stra quão in tim a m e n te
ligadas são as funções do b ab alo ssain (sacerdote de O ssain) e do
babalàw o (S acerdote de Ifà ) (cf. B astide, 1958). Poderíam os, m esmo,
especular sobre u m a possível associação en tre , de um lado, a saúde
e a ordem e, de outro, a doença e a desordem . Não é a doença re
sultado da ira dos òrisà; resu ltad o d a punição por um a relação im
p ró p ria e n tre o hom em e a divindade? Não é necessário, p a ra a cura,
re aliza r sacrifícios de fo rm a a r e s ta u ra r a ordèm do relacionam ento
e n tre o h u m a n o e o divino e e n tre o indivíduo e a ordem global?
M as, se em certos contextos, as cores de If á são o am arelo e o
verde, em outros contextos sua cor é o branco, pois, como m ostra
M aupoil, e n tre os F o n os bokono “usam h o je em dia o pan o branco
dos sacerd o tes de M aw u-L isa” (cf. M aupoil, 1943, p. 118). B ran ca é
tam b ém a areia, ou a s vezes u m a espécie de fa rin h a usada n a
b a n d e ja d iv in a tó ria n a qual se tra ç a m os sin ais divinatórios; c a
baças esb ran q u içad as fazem p a r te d a p a ra fe rn á lia ritu a l do bokono
e do babalàw o. E n tre os nom es honoríficos e dizeres de F a, M aupoil
a n o ta a expressão: “K ago Nu M a Do Ni-Mi; Do Nu M a Agbidi”
(Não se deve p in ta r a boca d a c ab aça de F a com lam a; n ã o se deve
p in ta r o alto de um m uro com te r r a n eg ra) (cf. M aupoil, 1943, p.
25). C onform e já vimos, a p a rte sup erio r d a C abaça U niversal cor-
rçspond e a ò risà n lá , que é tam b ém o b à tá là . o S en h o r do P ano B ra n
co. C onform e a n o ta a in d a M aupoil, “F a a m a a claridade, e sua
c ab aça é co b erta com giz b ra n c o ” (idem ). O ra, se F a “a m a a cla ri
d ad e”, esta, a luz, sim boliza, como vimos a ò risà n lá , em oposição
ao cego (escuridão) Odüduw à.
H av eria co n trad ição e n tre u m a re p resen tação de Ifá am arelo-
-verde e o u tra b ra n c a ? Na verdade, não. O corre que o am arelo é
u m a “q u alid ad e” do verm elho, e n q u an to o verde é um a “qualid ad e”
do preto. Tem os, en tão , as trê s cores básicas: b ranco, p re to e ver
m elho. Como se pode in fe rir do rico m a te ria l a p resen tad o p o r Dos
S an to s (1976), ao longo de seu tra b a lh o , a com binação de duas des
sas cores “p roduz” a te rc e ira, em contextos específicos. Assim, a m a
relo -f- verde = verm elho + p re to = branco. A nalogam ente, como
vim os a trá s, a propósito do sin a l Loso-M eji, b ran co + p re to = ver
m elho.
J á nos referim o s à p a rtic ip a ç ão de I f á e de ò ris à n lá n u m con
ju n to com um de símbolos. Um d estes é dado pelas lesm as — igbin
— que, como já fói visto, sim bolizam o “sangue b ran co ” anim al, o
esperm a. L esm as são com ida ritu a l ta n to de ò risà n lá q u an to d e
G baadu.
66
Vários m itos coletados por M aupoil e n tre os F on re la ta m que
F a e ra u m hom em sem ossos, e n q u an to outros a crescen tam que não 1
tin h a braços n em pernas. No e n ta n to , “ele en x ergava tudo, de um
extrem o a o u tro do m u n d o ” e foi tra n sfo rm a d o por M aw u em p a l
m eira (cf. M aupoil, 1943, p. 38). P o r o u tro lado, o fa to de te r n a s
cido sem ossos deve-se a ser ele o p roduto d a u nião de duas m u
lheres, união essa sim bolicam ente equivalente a um incesto.
M encionam os a n te s o paradoxo de Ifá : ordem e m ovim ento, e
antecipam o s que o p aradoxo se resolve pela in tro d u ção de Èsü. Mas
o m ito acim a resum ido é, ele mesmo, um esforço lógico no sentido
de solucionar ta l paradoxo. De um lado, o significado de Ifá como
m ed iad o r pode e sta r expresso em seu n ascim en to anôm alo; n asci
m en to s anôm alos são soluções “m ito-lógicas” b a s ta n te com uns. Anô
m a la é ig u alm en te su a constituição física, sem ossos. Mas, esta m es
m a an o m alia é tam b ém u m a solução p a ra o paradoxo: If á resu lta
do casam ento de duas m ulheres, p o rta n to , de u m a não-com unica-
ção (lem brem os que se tr a t a de sociedades onde o casam ento se faz
p o r tro cas e n tre grupos u n ilin e a re s). Ademais, o m ito esclarece que
I f á não se m ovia, m uito em bora enxergasse tudo, e um a ta l im obi
lid a d e é, claram en te, o oposto de “a tra v e ssa r dom ínios” ; reconcilia-
-se, assim , If á com a noção de ordem .
H á todavia o u tro p onto a ser n otado no m esm o m ito: um h o
m em sem esqueleto, sem p e rn a s e braços, assem elha-se m uito a um a
lesm a. Não som ente são as lesm as — igbin — e stre ita m e n te asso
ciadas, e n q u a n to esp erm a “sangue b ran eo ’:, a ò risà n lá , m as tam b ém
co n stitu em ò alim en to r itu a l do m esm o ò ris à n lá e de G baadu, ao
q u al re to rn a re m o s logo a d ia n te . Adem ais, Ifá preside à fecundação
en q u a n to ò ris à n lá fo rm a a c ria n ç a no ú tero m aterno. Conform e m os
t r a Dos S an to s (1976), é a tra v é s desse “sangue b ranco” que ò r i
sà n lá tra n s m ite seu àse; p o r o u tro lado, a m esm a a u to ra re la ta
alg u n s m itos o nde O rúnm ilá (Ifá) p e rm u ta posições com ò ris à n lá ,
sem pre n u m a situ ação de oposição e n tre “sangue b ra n c o ” e “sangue
verm elh o ” (cf. Dos S antos, 1976, p. 112).
E n tre os títu lo s atrib u íd o s ao bokono (sacerdote de Fa, e n tre os
Fon) um dos m ais im p o rta n te s é o de “G be-W e-D o-To” — aquele
que tra n sm ite a m ensagem d a v id a 22. Conform e observou M aupoil,
67
Este título explica como certos adivinhos se sentem com
paráveis aos sacerdotes do deus maior. Daí a concluir dialeti-
camente que Fa é Mawu, e que Mawu é Pá, não resta mais que
uma nuance de linguagem: não se diz que o recado do rei é
o rei? (cf. Maupoil, 1943, p. 114).
68
aos olhos de Gbaadu e que o nome da palmeira onde ela per
manece é Fe. Quando Gbaadu recebeu a chave, Mawu lhe disse
que, como Legba é o “grande superintendente do mundo”,
Gbaadu deveria ser o intermediário entre os três reinos do
universo — Terra, céu e mar — do qual a própria Mawu é a
mãe. Ela disse ainda que quando os homens desejassem co
nhecer o futuro, ou saber que decisões tomar, deveriam tomár
as nozes de palmeira e jogar com elas “ao azar”, e isto abriria
os olhos do Gbaadu, que correspondem ao número de nozes que
restaram e à ordem em que calram. Como as nozes abririam um
olho que também corresponde a uma porta na casa do futuro,
um homem com o conhecimento apropriado tem apenas que
olhar para ver o destino daquele para o qual está adivinhando.
Algum tempo depois disso, Legba informou a Mawu que havia
uma grande guerra no Mar e uma grande guerra na Terra e
uma grande guerra no Céu e que, não fosse por Gbaadu, todos
esses três reinos seriam em breve destruídos, já que os homens
não sabem como se comportar, a água do mar não sabe seu
lugar, e a chuva não sabe cair. A razão para is s o ... era que
aqueles aos quais foram dados esses reinos não conheciam a
linguagem de sua mãe (cf. Herskovits, 1938, p. 203-204).
i
69
Se F a é a linguagem de Mawu, G b aad u é próprio conteúdo desta
linguagem , isto é, o princípio m esm o, m atem ático e m ístico, d a a d i
vinhação — o “m istério ” dos Odü. F a é o co n ju n to de O dü; G baadu,
o princípio governante de seu ap arecim en to e de sua com binação.
R ealm ente, como m o stra M aupoil, G baadu é de um a ordem m ais
a lta que Fa, pois ele (ou ela) com an d a F a:
70
C riação n a d a m ais é do que a ordenação do cosmos, e este últim o
é a ordem . Se nossa in te rp re ta ç ã o é co rreta, o princípio d a adivi
n h a çã o é o p rincípio d a C riação, e o m istério d a adivinhação é ó
m istério da C riação, d a ordem cosm olôgica25.
Fizem os referên cia, n o tópico relativo à im agem do Universo, à
relação e n tre indivíduo e cosmos! A pontam os p a ra um a relação de
hom ologia e n tre am bos e m ostram os que, como um a p a r te desse
cosmos, o indivíduo replica a e s tru tu ra sim bólica do todo. Vimos
tam b ém que do m ais p a rtic u la r p a ra o m ais g eral tem os um a su
cessão in d iv íd u o -casa-lin h ag em -cid ad e-rein o -m u n d o .
P a rtic u la r im p o rtâ n c ia é d ad a pela c u ltu ra Y orübá-N àgô, assim
como pela cu ltu ra Fon, à cabeça. Pois é p ela cabeça, pelo in te rio r
d a cabeça — O ri In u — que o indivíduo se to rn a u m a pessoa, isto
é, um ser in teg rad o n a ordem cosmolôgica. É no in te rio r da cabe
ça que e stá o destino do indivíduo, destino esse que lhe é revelado
atrav é s de um r itu a l específico — o “fazer o F a (Ifá) ” — que a tr i
bui a ca d a indivíduo u m a id en tid ad e pró p ria. E sta ú ltim a n a d a
m ais é do que a relação específica e n tre o indivíduo e a ordem
cosmolôgica, relação essa que o distingue de todos os dem ais.
A cabeça é a sede d a cu ltu ra, pois é n ela que residem as idéias.
É n ela tam b ém que se c en tra, no dizer de Dos S antos (1976, cap.
IX ) a “existência in d iv id u alizad a”, p a rticu larização d a “existência
Fe
Hu - Oe s t e - Cé u ! N o r t e - A g u a - A y o
7t
g enérica”, que in te rp re ta m o s como a ordem cosmológica. O indiví
duo é com posto de d u a s p a rte s: o corpo e a cabeça. E n q u an to o
p rim e iro é um suporte, análogo ao àpéré (“a ssen to ” do ò risà), a
cabeça contém a essência d a pessoa:
72
bola (1971, p. 8) indica: “Além do próprio Ajàlá, só òrúnmllá
(representação coletiva de todos os Odü) é a outra testemunha
do ato de livre escolha da cabeça”. Também Epega (1931, p.
15) aponta nesse sentido: “Diz-se que quando Olodumaré es
tava ocupado em criar o homem, òrúnmilá estava presente na
qualidade de testemunha do destino” (cf. Dos Santos, 1976, p.
209).
73
de modo que se um hom em sabe o n ú m ero de lin h a s que F a traç o u
p a ra ele, ele co nhecerá seu Sekpoli”. O utro m ito, ain d a, re la ta
26 o fato de que a quarta cabeça, ao contrário das demais, não tem cor,
parece relacionar-se com a concepção dos informantes de Dennet (1910',
de que o quarto canto do mundo, o Sul, não tem nome.
74
aos olhos profanos um conjunto heteróclito de pontos e traços,
em branco, preto, vermelho e cinza; observando-se mais de
tidamente, reconhece-se, habilmente dissimulada, a represen
tação figurativa do mundo. . . e sobre o contorno da cobertura
os dezesseis sinais-mães de Fa (cf. Maupoil, 1943, p. 99).
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J à nos referim os à hom ologia e n tre o tem po e o espaço — a
sem an a e o m undo — (feito em u m a sem an a) — e m encionam os
que os ò risà que presidem sobre os q u a tro p ontos card eais são os
m esm os que presidem sobre os d ias d a sem ana. M encionam os ta m
bém que o m ovim ento ritu a l d as filh a s-d e -sa n to no “te rre iro ” Nàgô.
d a B a h ia é um m ovim ento de unificação do cosmos. O m esm o m o
v im ento pode ser en co n trad o em certo s ritu a is a n u ais de Ifé. F ro -
benius refere-se a u m a colina s a g ra d a em cujo topo ex istia um a
e s tá tu a com q u a tro cabeças, ca d a u m a v o ltad a p a ra um dos pontos
cardeais. O fereciam -se sacrifícios a esse m o n u m en to q u atro vezes
p o r an o : enx ju n h o p a ra a cabeça “leste” ; em setem bro p a ra a ca
beça “n o rte ” ; em dezem bro p a ra a cabeça “oeste” e em m arço p a ra
a cabeça “su l”. No dizer de F robenius, “a ro ta processional é do Les
te p a ra o N orte, p a ra o O este, p a r a o Sul” (cf. Frobenius, 1913, p.
258). A correspondência com o m ovim ento d a s filh a s-d e -sa n to no
“te rre iro ”, assim como com o r itu a l do Bori, é evidente.
A com panhem os m ais um pouco as hom ologias cosm ológicas. Al
gum as versões do m ito de C riação (cf. Frobenius, 1913, p. 284) m u i
to c la ra m e n te id en tificam o O ni (rei de Ifé) a Ifá , e descrevem um
p lan o onde o Oni reside no c e n tro de Ifé te n d o à su a fre n te , cos
tas, d ire ita e esquerda os q u a tro ò risà co rrespondentes ao Leste,
N orte, O este e Sul, e em volta desses, os dem ais. R elacionando esse
.m ito a o u tro s já vistos, tem os Ifé como o centro do “Y o ru b alan d ”
cercad a pelos q u atro c a n to s”, ou "q u a tro m u ro s” do reino, e por u m a
p eriferia. Temos, en tão , I f á no cen tro do cosmos. A p ró p ria cidade
de Ifé e ra organ izad a, nos tem pos pré-coloniais, em conform idade
com o m esm o m odelo: um com p o u n d c e n tra l, resid ên cia e palácio
do Oni, cercado p o r q u atro o u tro s com pounds (correspondendo, p ro
vav elm en te, às lin h a g e n s “n o b res”), cercados estes q u a tro p o r ou
tro s d o z e 27. J á fizem os referên cia, an tes, à hom ologia sim bólica
e n tre o pró p rio p alácio do O ni e o modelo dos “co m p artim en to s”
do òrun. No m ito de C riação re la ta d o p o r F robenius, o O ni ocupa
o lu g a r (cen tral) to m ad o p o r O lorum logo após a Criação. Temos
e n tã o que a co lin a é o “berço d a h u m a n id a d e ” ; os dezesseis deuses
h a b ita v a m os p ontos ca rd e a is que e ra m tam b ém os “d istrito s” d a
cidade; o O ni h a b ita v a o c en tro d a cidade, e seu palácio e ra con
siderado o "um bigo do m u n d o ” (cf. F robenius, 1913, p. 287), p a lá
cio esse que e ra u m a replicação do òrun, o plano conceituai d a
76
existência. U m a rep resen tação g ráfica da e s tru tra sim bólica da Ifé
a n tig a re p lic a ria a re p resen tação do “te rre iro ” Nàgô. Segundo o m ito
tra n sc rito p o r Frobenius, já referido:
Vimos tam bém que cad a individuo possui suas 16 nozes, seu Ifá
pessoal, seu “d estin o ”, seu Kpoli. Essas nozes são g u ard a d as n u m a
caixa especial dividida em q u a tro com partim entos, “m ais um ” : o
com p artim en to c e n tra l p a ra as nozes (Ifá) e os quati '0 outros, ao
seu red o r, equivalentes aos q u atro can to s do m undo, e contendo subs
tâ n c ia s deles re p re se n ta tiv as: enxofre, carvão, giz e pó de m ad eira
verm elha. O Kpoli, o Ifá pessoal, ocupa p o rta n to o centro dessa cai
xa cósmica. Daí:
77
Kpoli: Àse :: . C om partim entos ■da Caixa : Cantos d a
Casa de Culto.
78
É Èsú, tra n s p o rta d o r da m ensagem , que faz a m ediação en tre
Ifá e os hom ens, e n tre Ifá e os deuses e, n u m plano m ais geral,
e n tre o ò ru n e o àiyé. É ele o tra n s p o rta d o r dos sacrifícios e, p o r
isso, essencial p a ra a m an u te n ç ã o d a reciprocidade e n tre os dois
p lanos d a existência. Ele é, por assim dizer, o “unidor dos c o n trá
rio s”. P o r isso, Èsú é o m undo em m ovim ento; o princípio d in âm i
co do cosmos.
Se I f á corresponde ao conceito de um cosmos organizado, Èsú
é o conceito de in teg ração de um universo com posto de contrários.
E ste é o sentido de Èsü em su a concepção m ais a b s tra ta — Êsü
Agba — ao nível do que Dos S an to s c h a m a ria de “existência ge
n e ra liz a d a ”. P or isso, os m itos relativos a Èsú sem pre o colocam
em m ovim ento, seja e n tre o àiyé e o òrun, seja percorrendo os de
zesseis p ontos do. m undo, unifican d o o universo, se ja in term ed ian d o
e n tre os òrisà. Se If á p o stu la > Èsü atu a,, põe em funcionam ento a
ordem universal. Como m ediador, é Èsü quem prom ove a circula
ção do àse e n tre os dois p lan o s da existência, sem a qual ta l exis
tê n cia d eix aria de ser. Essa circulação, en tre o plano dos sentidos
e o dos conceitos, e n tre o m undo vivido e o m undo pensado, n a d a
m a is é do que a realim en tação c o n stan te d a cu ltura, pois a exis
tê n c ia — Iw a — o rd e n a d a p o r Ifá, é a cu ltu ra.
M ediação é, porém , am bigüidade. O põe-se à ordem e, p o r isso,
fiçü, o tric k ste r é o co n tra-co n ceito , a c o n tra -p a rtid a lógica de Ifá ,
seu co n trá rio necessário. A am bigüidade de Èsü exprim e-se de v árias
Jo rm as, que aqui podem os a p e n a s b rev em en te sin te tiz a r: a) se ele
é o un ific a d o r de co n trário s, é tam b ém o p ro d u to de u m a oposição,
sim bolicam ente ex p ressa por su a cor v erm elha, p ro d u to do p reto e
do branco, como se pode d ep reen d er do rico m a te ria l oferecido p o r
D os S a n to s (1976, cap. V II); b) se I f á p o stu la d escontinuidades, Èsü
prom ove c o n tin u id ad e; c) ȧú reú n e, sim u lta n e a m en te , as q u alid a
des de tu d o o que é “d a d ire ita ” e de tu d o o que é “da esquerda” ;
ele é u m "c o n ju n to in te rse ç ã o ” ; d) seu c a rá te r de oposto com ple
m e n ta r d e I f á pode ser in ferid o d a com paração e n tre o m ito, já
referid o , o nde Ifá, sa lv a o m u n d o d a e n c h e n te restabelecendo a.
separação, com o u tro o n d e Èsü salv a o m u n d o d a seca. re sta b e le
cendo a com unicação (cí. D os S an to s, 1976, cap. V I I ) ; e) Èçú é r e
p re se n ta d o p e la im p a rid a d e —■o m en sag eiro é o “terceiro”, produto
d a união dos co n trário s, elem ento dialético do u niverso. S u a im p a
rid a d e rev ela-se p o r s e r sem p re o "m a is u m " que se segue a -um
c o n ju n to p a r e que exp rim e o m ovim ento. P o r isso, Ê sü é ta m b ém
òse-T üw á, o décim o-sétim o signo de I f á , que "v igia” os dezesseis e
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tra n s p o r ta sua m ensagem . C o rrelata e sim u ltan eam en te, ele é ta m
bém Èsú Òjise-Ebo, o tra n s p o rta d o r de oferendas, pois sem estas,
re sta u ra d o ra s do àsè, a ad iv in h ação seria in ú til (cf. Dos S antos,
1976, p. 161). Ig u alm en te, Èsù é a d écim a-sétim a noz, colocada pelo
ad ivin h o ao lado do ò p ó n Ifá quando joga as dezesseis nozes de Ifá.
E nfim , Èsù, no que nos in te re ssa aqui, é o próprio princípio
dinâm ico do cosmos, d o tad o do poder de ubiqüidade, em oposição
ao If á imóvel. É o com plem ento lógico da noção de ordem , num cos
m os o rdenado em oposições, m a s que p recisam ser m ediadas p a ra
que h a ja vida. P o r isso, se ele é o tric k ste r tem ido,' ele é tam b ém
p a r a o Nàgô, ò d à r à — aquele que tr a z o b em -estar. No p lan o in d i
vidual, Èsù B a ra é a com plem entação do I f á pessoal. Segundo a s
p a la v ra s de Ifá “se cad a coisa e c a d a ser n ão tivessem seu próprio
Êsü em seu corpo, não poderiam existir, n ão saberiam que estão
vivos” (cf. Dos S an to s, 1976, p. 181). Acim a de tudo, talvez, foi Èsú
quem criou Ori, a cabeça, e com ela trouxe a c u ltu ra p o stu lad a no
ò ru n ao hom em .
VI — C onclusão
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2 — C é u - T erra (ò isàn lá-O d ü d u w à; òrun-À iyé)
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como os F o n e os Nàgô do B rasil, a c re d ita m n a ad ivinhação de Ifá
porque o sistem a de If á “é” a c u ltu ra , e porque seus rito s são u m a
c o n sta n te m ise en scène d a C riação e do m odelo cosmológico. A
ad ivin h ação in co rp o ra os princípios básicos d a ideologia Y orúbá. As
sim, u m a vez desvendada a e s tru tu ra su b jacen te, a p e rg u n ta acim a
fo rm u lad a se to rn a um a questão ociosa: c re r n a ad ivinhação é sim
plesm ente c rer em su a p ró p ria c u ltu ra. A divinhação e cosmologia
são duas faces de u m a m esm a m oeda, dois m odos de um a m esm a
linguagem . C onfiar em Ifá é c o n fia r n a ordem .
O sistem a de Ifá, m ais que um sim ples oráculo, é um m od 2lo
que d á sentido à existência, in te g ra n d o o indivíduo à ordem cos-
m ológica, to rn a n d o -o pessoa com u m a id en tidade, definindo seus
ewo (interdições) e suas possibilidades de m ovim ento no espaço so
cial e cósmico, e in teg ran d o , n a consciência coletiva, os dois planos
d a existên cia: o do m undo sentido e o do m undo pensado. Frobenius,
m elho r que m uitos etnólogos m odernos, j á percebera que “nos d e
frontam o s, n ão com um grupo confuso de p a rticu la rid ad e s, m as com
um p lan o grandioso, u m a co n stru ção filosófica” que fu nciona como
um m a p a p a ra a organização social e p a ra o com portam ento in d i
vidual. P a ra o babalaw o, Ifá ou G b aad u é um m istério insondável,
n u n c a alcan çad o p len am en te pela razão. Se estam os certos em nossa
conclusão de que I fá “é” a c u ltu ra , n ão e staríam o s errad o s ao con
cluir que seu m istério é o m istério da p ró p ria m en te h u m a n a.
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