A MASCARA
Texto de Grada Kilomba
Retrata divina, pinturas de Dalton Paula
Neste ensaio, Grada Kilomba desloca o ponto de vista colonial ao mostr
a branquitude pode ser diferente da percepcao que o sujeito branco tem
H uma mascara da qual eu ouvi falar muitas vezes durante minha
Anastacia foi forcada a usar. Os varios relatos e descricées minuc
que aqueles nao eram meramente fatos do passado, mas memérias vive
serem contadas. Hoje quero reconté-las. Quero falar sobre a mascara dt
Tal mascara foi uma peca muito concreta, um instrumento real, que se
mais de trezentos anos. Ela era composta por um pedago de metal coloc
instalado entre a lingua e a mandibula e fixado por detras da cabeca po!
outra em torno do nariz e da testa. Oficialmente, a mascara era usada p
africanos/as escravizados/as comessem cana-de-acticar ou cacau enqu
principal fungio era incutir um senso de mudez e de medo, visto que a
tortura. Nesse sentido, a mascara representa o colonialismo como um t
conquista e dominagio e seus regimes brutais de silenciamento dos/as '
O que acontece quando falamos? E sobre o que podemos falar?
Aboca
Aboca é um érgao muito especial. Ela simboliza a fala e a enunciacao. »
6rgio da opressao por exceléncia, representando 0 que os/as brancos/a
Nesse cendrio especifico, a boca também é uma metéfora para a posse.
algo que pertence ao senhor branco: os frutos, a cana-de-acticar e os g
devora-los, desapropriando assim o mestre de seus bens. Embora a pla’
“moralmente” ao/a colonizado/a, o colonizador interpreta esse fato pe:
Jendo-o como roubo. “Estamos levando o que é Deles/as” torna-se “El:
Estamos lidando aqui com um processo de recusa, ja que o mestre nega
colonizado/a. £ justamente esse momento — no qual 0 sujeito afirma al,
em si proprio — que caracteriza o mecanismo de defesa do ego.
No racismo, a recusa é usada para manter e legitimar estruturas violent
tomar o que é Nosso, por isso tém de ser exclufdos/as”. A informacao oque é Deles/as” — é negada e projetada sobre o/a “Outro/a”. “Eles/elas
Negro torna-se ent’io aquilo a que o sujeito branco nao quer ser relacio
transforma em inimigo intrusivo, o branco torna-se a vitima compassi’
oprimido, o tirano.
Isso é baseado em processos nos quais partes cindidas da psique so pr
“Qutro”, sempre como antagonista do “eu”. Essa cisdo evoca o fato de
dividido dentro de si préprio, pois desenvolve duas atitudes em relacao
ego — a parte “boa”, acolhedora e benevolente ~ é vista e vivenciada cc
“ma”, intolerante e malévola ~ é projetada sobre 0 “Outro” e retratada
0 “Outro” torna-se, entdo, a representagao mental daquilo que o sujeit
Nesse caso, 0 ladro ou a ladra violento/a, o/a bandido/a indolente e mi
intensidade causa extrema ansiedade, culpa e vergonha, sao projetados
escapar desses mesmos aspectos. Em termos psicanaliticos, isso permit
si mesmo/a permanecam intactos ~ a branquitude como a parte “boa”
parte “ma” sao projetadas para o exterior e vistas como objetos extern
No mundo conceitual branco, o sujeito Negro é identificado como 0 obj:
sociedade branca tem reprimido e transformado em tabu, isto é, a agre:
acabamos por coincidir com a ameaca, 0 perigo, o violento, o excitante
permitindo que a branquitude olhe para si como moralmente ideal, dec
em pleno controle e livre da inquietude que sua histéria causa
AferidaDentro dessa infeliz dinamica, o sujeito Negro torna-se nao apenas o “
“self” da pessoa branca é medido — mas também a prépria “alteridade
do “self” do sujeito branco. Em outras palavras, nés nos tornamos a re]
sujeito branco nao quer se parecer. Toni Morrison usa a expressio “des
como uma identidade dependente, que sé existe por meio da exploraca
construfda por brancos/as, definindo a si mesmos/as como racialmente
Negritude serve como forma priméria de alteridade, pela qual a branqu
per se; ele/ela torna-se “Outro” através de um processo de absoluta ne
“O que é frequentemente chamado de alma Negra é uma construc&o do
Essa sentenga nos relembra que nao é com o sujeito Negro que estamos
sobre o que a Negritude deveria ser. Fantasias que nao nos representarr
fantasias so os aspectos negados do “self” branco reprojetados sobre 1
objetivos de nds mesmos/as. Elas nao sao, no entanto, de nosso interes:
Fanon, “Eu espero por mim”. Ele espera pelo/a Negro/a selvagem, pelo
Negros/as, pelas Negras prostitutas, putas e cortesas, pelos/as Negros/:
Ele espera por aquilo que ele nao é
Poderfamos dizer que no mundo conceitual branco é como se o inconse
programado para a alienacdo, a decepgaio e o trauma psiquico, uma vez
somos confrontados/as nao sao nada realistas, e tampouco gratificante
identificar-se com heréis brancos ¢ rejeitar inimigos que aparecem con
a olhar para nés mesmos/as como se estivéssemos no lugar deles/as. Q
Essa deveria ser nossa preocupacdo. Nao deveriamos nos preocupar con
sim, com 0 fato de o sujeito Negro ser sempre forcado a desenvolver un
presenga alienante do branco. Sempre colocado como “Outro”, nunca ¢
“Q que mais isso poderia ser para mim”, pergunta Fanon, “sendo uma
que respinga meu corpo inteiro com sangue negro?” Fanon utiliza a lin
pessoas Negras o faz quando fala sobre experiéncias cotidianas de racis
a perda caracteristicos de um colapso traumatico, pois no racismo 0 in¢
violentamente separado de qualquer identidade que ele/ela possa realm
trauma classico, uma vez que priva 0 individuo de sua conexo com um
pensada como branca. “Eu sentia laminas de facas me abrindo de dentr
observa Fanon. De fato, nao ha motivo nenhum para rir enquanto algué
fantasias violentas que vé, mas que ndo reconhece como sendo as suas.
Esse é o trauma do sujeito Negro; ele/ela jaz exatamente nesse estado ¢
sujeito branco. Um circulo infernal. “Quando pessoas gostam de mim, ¢