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As 10 melhores crônicas de Ivan Sant’Anna

Considerado um dos maiores traders do Brasil, Ivan Sant’Anna nasceu


em 1940 no Rio de Janeiro (RJ). Torcedor do Fluminense, ele definiu
ainda na adolescência que seria piloto de avião. Mas para isso precisaria
de dinheiro para pagar o curso.

Foi assim que Ivan entrou para o mundo dos investimentos, formou-
se em mercado de capitais pela Universidade de Nova York e fez parte
do grupo de pessoas que criou a Bolsa brasileira.

O carioca ainda foi um dos pioneiros na negociação de títulos da


dívida pública, ganhou fortunas com operações de commodities, foi
dono de uma corretora, sócio de um banco e trabalhou como corretor
nas Bolsas do Rio de Janeiro, Nova York e Chicago.

Mas você deve estar se perguntando: “e a história de ser piloto de


avião?”

Ivan juntou dinheiro e foi atrás do que queria. Tirou sua licença para
pilotar e tornou-se especialista em aviação.

Histórias é o que não faltam para esse torcedor tricolor. E, por isso,
selecionamos algumas de suas crônicas publicadas pela Inversa
Publicações para você aprender com quem já viu e fez de tudo no
mercado financeiro.

Boa leitura.

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1. Compre na alta, venda na baixa
2. Lição para sempre
3. O jogo dos sete erros
4. O touro é forte; o urso, rápido
5. Amarguras de um velho trader
6. Nem madrepérola nem feijão mulatinho
7. Não existem ursos no Brasil
8. Stops e objetivos
9. O mercado é forte
10. Pode ser o trade da sua vida

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Crônica 1

Compre na alta, venda na


baixa

A partir de abril de 1995, quando deixei de lado o ofício de trader


para me dedicar à literatura, parei também de seguir o dia a dia dos
mercados. Mas não abandonei de todo o hábito de acompanhar as
cotações.

No início de cada mês, eu entrava no site da Bloomberg e via o preço


de tudo: Ibovespa, libra esterlina, barriga de porco (pork belly), café,
cacau, prata, índices Nikkei e S&P 500, etc. Sempre que um desses
ativos fazia o high dos últimos 12 meses, eu o comprava. Em minha
imaginação, mas comprava. E toda vez que surgia um novo low anual,
eu vendia. Também de mentirinha, mas vendia. E me dava super bem.
Pena que não era à vera.

Acho das mais improdutivas a filosofia de comprar alguma ação, ou


commodity, só porque está num preço histórico muito baixo ou vender
porque fez a máxima de todos os tempos. E daí, cara-pálida?

Quando, em 13 de março de 1986, a Microsoft fez seu primeiro IPO, o


preço de lançamento foi de 21 dólares por ação. Esses representavam
a maior cotação até aquele dia, ou seja, um high histórico.

Apesar dessa nova máxima, um felizardo que por ventura aplicou,


digamos, mil dólares nesse lançamento, caso tenha se sentado sobre

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Crônica 1 Compre na alta, venda na baixa

o papel, tem hoje, graças às bonificações (splits) e a valorização da


ação, mais de meio milhão de dólares. Se aplicou 100 mil, tem 50
milhões. Caso já fosse um ricaço e tenha alocado um milhão, tornou-
se um bilionário. Bilionário em dólares, bem entendido, o que significa
3,15 vezes mais do que bilionário em reais.

Moral da história: um novo high pode ser um excepcional alerta de


compra.

O mesmo pode se dizer de um ativo que tenha feito um novo low. É


possível que seja o alarme de uma derrocada que vai culminar com a
falência da empresa. Talvez exprima o momento ideal de se vender a
descoberto ou de se comprar puts. Quem acompanhou a derrocada
do grupo EBX, por exemplo, sabe muito bem disso.

Ainda sobre novas mínimas, quando, em meados dos anos 1960, eu


estudava na Universidade de Nova York e estagiava em firmas de Wall
Street, uma das grandes estrelas do mercado americano de ações era
a Polaroid.

“A foto sai na hora. Não há necessidade de revelação”, dizia um trader


bullishno papel. “A Kodak vai quebrar. Esta, sim, é o grande short.”

Só que as fotografias da Polaroid não tinham boa definição, se


amarelavam com o tempo e a empresa nunca vingou de verdade. Saiu
de moda. Ainda existe, mas jamais monopolizou o mercado como
chegou a se supor naqueles tempos de glória. Nesse processo de
decadência, o papel foi fazendo nova mínimas e cada uma delas era
uma excelente oportunidade de short ou de compra de puts.

O curioso é que o mesmo viria acontecer com a Kodak, só que por um


motivo diferente: o advento das fotos digitais. Fotografias hoje, todo
mundo sabe, são tiradas diariamente aos bilhões, quase sempre por
celulares, que existem em maior número do que gente e com os quais
ninguém sonhava no apogeu da Polaroid e da Kodak.

Durante meus primeiros anos de mercado eu tinha a mania de ser um

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Crônica 1 Compre na alta, venda na baixa

bottom picker (garimpeiro de fundos) ou bargain hunter (caçador de


barganhas), ou seja, tentava descobrir o fundo do poço de um ativo.
Perda de tempo. Tentava também achar o teto de algum movimento.
Cansei de “shortear” o S&P 500 só porque fizera novas máximas, para
ser “stopado” horas, ou até mesmo minutos, depois.

“Você está querendo entrar na frente de um trem em alta velocidade e


pará-lo com as mãos”, censurava o Maneco (Manoel Joaquim Sampaio),
analista da Merrill Lynch com quem eu conversava todo dia. “Vai
quebrar a cara toda vez que fizer isso. Esquece, Ivan.”

O mesmo dizia o Maneco quando eu queria comprar, por exemplo,


açúcar só porque estava a dois centavos a libra-peso em Nova York.

“Porra, Maneco, dois centavos! Os produtores vão parar de plantar cana e


beterraba”, eu ponderava. E quebrava a cara, pois o mercado de açúcar
estava em contango (futuros longos mais caros do que os curtos) e
toda vez que rolava minha posição comprada pagava o pedágio da
diferença.

Bottom pickers ou bargain hunters nunca levam porradas mortais. Eles


simplesmente sangram aos pouquinhos. Já beques de locomotivas
não raro são esmigalhados por elas.

Felizmente não insisti muito tempo no erro de querer comprar só


porque estava nominalmente barato ou de vender porque estava
numericamente caro. Passei a encarar um novo high como sinal de
força e um novo lowcomo demonstração inequívoca de fraqueza.

Entre os anos 1970 e 1975, eu jogava autobol no Rio de Janeiro.


Para quem não sabe, autobol era futebol praticado com automóveis.
Cinco contra cinco. A bola, evidentemente enorme, era fabricada pela
Drible com couro de búfalo. O esporte fazia sucesso, costumava ter
bom público e chegou a ser transmitido pela TV Globo no programa
Esporte Espetacular.

Para profunda tristeza dos praticantes e dos espectadores, o governo

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Crônica 1 Compre na alta, venda na baixa

proibiu todas as competições automobilísticas em 1975, na época


do racionamento de combustíveis provocada pela primeira crise do
petróleo. Sendo inequivocamente uma competição automobilística, o
autobol foi no bolo. Da noite para o dia, acabou.

Inconformado, em janeiro de 1978, fui com um amigo conversar em


Nova York com Ahmet Ertegun, CEO mundial da Warner. Levamos
fotos, recortes de jornais e revistas, inclusive da Time e da Playboy
americanas. Queríamos, com o apoio e com a grana da Warner, lançar
o autobol nos Estados Unidos.

O chefão ouviu nossos argumentos e examinou as fotos. “Pequeno


esse estádio, não?”, ele estava vendo imagens do campo do Fluminense,
nas Laranjeiras, Zona Sul do Rio, onde um Fla-Flu de autobol reunira
uma “multidão” de umas cinco mil pessoas (a capacidade era de oito
mil). “E não está cheio. Olha só esses claros na arquibancada.”

Evidente que brochamos na hora. Ertegun ficou com pena. “Façam o


seguinte: no dia em que esse jogo de vocês encher o Maracanã, voltem
aqui. Nós não contratamos um cantor promissor. Contratamos o Frank
Sinatra e os Rolling Stones.”

O cara só comprava nos highs.

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Crônica 2

Lição para sempre

Me lembro perfeitamente do tema de minha primeira aula quando, aos


25 anos de idade, comecei a frequentar a NYU (New York University)
no primeiro dia útil de janeiro de 1966. E vejam que já se passaram
mais de cinco décadas deste então. Vieram dois casamentos, três
filhos, três netos, dois cânceres, duas quedas de avião, três décadas
de acertos e desacertos nos mais diversos mercados, além de 17 livros
publicados e duas séries de TV roteirizadas por mim.

Aquele jovem entusiasmado e esperançoso que morava no Brooklyn e


estudava em Downtown Manhattan tornou-se um velho de quase 80
anos. Mas o que me foi ensinado naquela aula, a respeito de “preço”,
permanece imutável. Está marcado a ferro e fogo no córtex de meu
cérebro.

Disse o professor da NYU que tudo, mas tudo mesmo, inclusive dejetos
animais e até humanos, tem preço. E que esse preço, desde que
resultante das forças de mercado, e não de imposições de governos
totalitários e intervencionistas, é sempre justo. E mesmo nessas
ditaduras e tiranias há um preço real que flui pelos subterrâneos do
mercado negro.

Nunca me esqueci da lição daquela manhã nova-iorquina.

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Crônica 2 Lição para sempre

Muito se fala sobre o preço dos mais diferentes ativos. É comum


alguém que não consegue vender um automóvel seminovo dizer:

“Imagina, meu Porsche zerinho, nunca deu defeito, não tem um arranhão,
o motor está tinindo, pouco saiu da garagem. Mas ninguém quer pagar
o preço de mercado. Por isso ainda não vendi.” O proprietário do carro
esportivo não percebe que, se não consegue vender, seu preço
definitivamente não é “o preço”.

Uma das obras teatrais mais importantes produzidas no século XX


foi O Preço, do mítico autor norte-americano Arthur Miller (detentor,
entre outros prêmios, do Pulitzer de 1949). Nessa peça, montada
no Brasil nos anos de 1960 e de 1980 −− em ambas as ocasiões
com interpretações antológicas do falecido ator Paulo Gracindo −−, o
personagem vivido por Gracindo, um velho judeu de nome Solomon,
comprador de móveis usados, discute, com os vendedores, dois irmãos,
Victor e Walter, o preço dos diversos itens de um mobiliário que eles
receberam de herança de seus pais recém-falecidos. O diálogo da
peça é um saboroso tratado sobre as verdades contidas em um preço.

Como não sei quando esta crônica será publicada, evidentemente


também não sei qual será a cotação do petróleo no dia em que você,
caro leitor, estará lendo este texto. Aliás, se eu soubesse as cotações
futuras, estaria bilionário. O que sei, isso com a mais absoluta das
certezas, é que no momento em que teclo esta frase, o barril de óleo
cru, tipo WTI (Western Texas Intermediary) para entrega no mês futuro
mais próximo, está cotado a 57,36 dólares na Nymex, em Nova York.
Portanto 57,36 dólares é quanto ele vale para esse vencimento. Nem
um centavo a mais, nem um centavo a menos.

Se pararmos um instante para pensar, 57,36 é um número mágico.


Neste momento, é claro. Mágico porque embute toda a carga de
otimismo e de pessimismo dos produtores e consumidores de petróleo
espalhados pelo mundo. Mágico porque embute as estimativas dos
políticos que discutem a situação, sempre explosiva, do Oriente Médio.
Mágico porque embute os planos dos estrategistas militares. Mágico
porque embute o medo e a ambição dos especuladores. Mágico

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Crônica 2 Lição para sempre

porque embute a prudência dos hedgers. Mágico porque embute os


segredos dos insiders. Mágico porque se trata de uma obra-prima
de lógica matemática, resultado de um consenso notável, pois 57,36
(neste instante, repito) é a mais exata das médias ponderadas, cada
trader influindo com nada mais nada menos do que o peso de seu
lote. Ou de seu blefe ou simplesmente de sua intuição.

A 57,36 dólares há compradores e vendedores. Ninguém vende por


menos, ninguém compra por mais. Cinquenta e sete e trinta e seis
é, portanto, um número mágico, maravilha de simplicidade. Nenhum
supercomputador poderia tê-lo concebido mais exato.

Caso o judeu Salomon, de Arthur Miller, tivesse existido, ainda vivesse,


e negociasse petróleo na Nymex, não estaria discutindo o preço. O
aceitaria como verdade plena, irrefutável, indelével. Um dogma. Como
se tivesse sido extraído de um dos cinco livros do Torá.

Outro dia, enquanto atravessava insone uma de minhas intermináveis


madrugadas, tive a oportunidade de assistir, num canal internacional
de tevê por assinatura, a um debate de jornalistas econômicos, cada
um deles dando seu prognóstico sobre qual seria o preço do barril de
petróleo logo após a eclosão de um novo conflito no Oriente Médio,
conflito esse que davam como fato consumado. Todos, sem exceção,
previam uma grande alta, como se o mercado futuro não embutisse
em seus preços cada uma das possibilidades.

Curiosamente, nenhum dos debatedores se valeu das cotações do


mercado futuro da Nymex para fundamentar seu vaticínio.

“Acho que o petróleo vai estar a 57,36 dólares”, poderia ter dito um
deles, confirmando a verdade nelsonrodrigueana de que só os profetas
enxergam o óbvio.

Nós, traders, passamos a vida toda avaliando preços. Isso é a essência


da profissão. Se achamos que estão baratos, compramos, tornamo-
nos touros. Se acreditamos que estão caros, vendemos, passamos a
ser ursos. Aliás, a eficiência nesse processo de avaliação é o fator que

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Crônica 2 Lição para sempre

separa os traders bem-sucedidos dos que fracassam. Ressalte-se que,


como ponto de partida para essas estimativas, é muito importante
termos sempre em mente que o preço certo é aquele estampado no
monitor do terminal de cotações.

Eu escrevi acima que o preço justo do barril de petróleo, para entrega


no mês futuro mais próximo, é de 57,36 dólares. Pois não é mais.
Enquanto redigia esta crônica, o mercado caiu para 56,20. Portanto
57,36 não significam absolutamente nada. E, provavelmente, 56,20
também não significarão nada para você, prezado leitor, no momento
em que estiver lendo este texto.

Que tal conferir? Dê uma espiada em seu terminal. Veja por quanto
touros e ursos negociam o barril. Este número que você está vendo
aí, e nenhum outro, é o preço perfeito.

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Crônica 3

O jogo dos sete erros

1. “Cut your losses, let your profits run” – Numa tradução livre, isso
significa: “zere seus prejuízos, deixe seus lucros crescerem”.

Recentemente, um leitor me escreveu informando que comprara


ações de seis empresas. Em três estava ganhando. Nas outras três,
tendo prejuízo.

Ele me disse que pretendia vender as lucrativas e ficar com as demais,


até que subissem e zerassem as perdas.

Isso é uma das maiores bobagens que um trader pode fazer. Fique
com as ações boas (tanto é assim que se valorizaram), livre-se das
perdedoras, através de stops curtos. Não deixe o marlim levar a isca,
o anzol, a linha, a carretilha e até você.

2. “Bulls make money, bears make money, pigs get killed”. “Touros ganham
dinheiro, ursos ganham dinheiro, porcos são mortos”.

Esse ditado de Wall Street quer dizer que aqueles que apostam na
alta ganham dinheiro; na baixa, também. Mas aqueles que compram,
vendem em dobro quando os preços começam a cair, compram
em dobro quando voltam a subir, estão sempre correndo atrás do
mercado. Se deixam influenciar pelo último movimento.

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Crônica 3 o jogo dos sete erros

A solução é simples: está convicto de que vai subir, compre sempre com
um stop prefixado. Se acha que vai despencar, venda a descoberto,
também com stop.

Não tente tourear o mercado. O miúra vai acabar com você.

3. Seu preço de custo não tem a menor importância.

É muito comum um trader se jactar para outro. “Estou ganhando uma


grana roxa em Petrobras. Comprei a 18 e já está a 25.”

“Porra, sete paus de lucro. Vende, vende agora.”

“Não venda”, digo eu. Se o mercado está a 25, seu preço de custo é
25. Só venda se achar que nesse nível há pouco espaço para subir. E
se perceber que a ação ficou cara demais, dê uma de espada. Venda
em dobro. Fique short ou compre puts.

Por mais que a lógica determine que preço de custo não tem a menor
importância, boa parte dos traders sempre o leva em conta. Ou faz
até pior:

Compra determinado ativo, por exemplo, a 31, o mercado cai para 24


e o cara não zera a posição.

“Eu sou mão firme. Não vou dar uma de otário. Só vou liquidar quando
voltar lá no meu custo, nem que tenha de morrer sentado nos papéis.”

O curioso é que morre mesmo.

Em 1974, a libra-peso de açúcar chegou a ser cotada a 65 centavos,


numa época em que o mercado achou que a mercadoria ia faltar. Pois
bem, se consideramos a inflação americana, os 65 centavos de 1974
equivaleriam hoje a US$ 3,33. Fora os custos de carregamento e de
oportunidade.

Jamais, caro amigo leitor, jamais leve em consideração seu preço

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Crônica 3 o jogo dos sete erros

de compra ao manter ou se desfazer de uma posição, seja lá de que


ativo for.

4. “Lucro nunca deu prejuízo a ninguém”. O cara que costumava dizer


isso (já morreu há alguns anos) achava que sempre que um ativo subia
(em relação ao preço de compra) deveria ser vendido imediatamente.

“Subiu, vende!”

Fico imaginando se ele tivesse comprado Microsoft em março de


1986 no primeiro IPO da empresa. Teria pago 21 dólares por ação. E
certamente teria vendido os papéis por algo como 30 dólares.

“Lucro nunca deu prejuízo a ninguém”, dá para fechar os olhos e vê-lo


dizendo isso, sentado na trading desk em frente a mim.

Após dar nove bonificações (splits), a Microsoft está hoje cotada a


US$ 108,50.

5. Bargain hunters (caçadores de barganhas), também chamados de


bottom pickers. São aqueles que procuram encontrar o fundo do
mercado.

As ações da empresa OGX, do empresário Eike Batista, já chegaram a


valer R$ 23,39 reais. Agora são negociadas a pouco mais de R$ 2,00.

Esse tipo de negócio é perda de tempo. Se o papel caiu tanto, é


porque há uma razão. No caso de OGX, as reservas de petróleo e gás,
que deveriam estar na área prospectada pela empresa, simplesmente
não existiam, ou as quantidades eram insignificantes, em escala pouco
comercial.

Pode ser que, por alguma razão, elas até subam para R$ 2,50. Mas
não é para isso que as pessoas devem estar no mercado.

A ideia é comprar ações com boas perspectivas de crescimento e


surfá-las por anos a fio.

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Crônica 3 o jogo dos sete erros

6. Não faça apostas fifty-fifty. Quando as pesquisas de boca de


urna indicarem um empate técnico entre os candidatos liberal e
esquerdista. Se ganhar o primeiro, a Bolsa dispara. Na hipótese da
vitória do segundo, despenca.

Fique de fora, aguarde a manifestação das urnas e invista de acordo


com elas.

Se quiser jogar meio a meio, vá a Las Vegas e aposte no vermelho. Ou


no preto. Ou no par. Ou no ímpar.

7. Não se sinta obrigado a “treidar” todo dia. Ganhou muito dinheiro?


Pra que abrir a guarda? Pra que devolver?

Em 1988, ganhei uma fortuna no mercado de soja. Na verdade, infinito


por cento. Sim, porque nem depositei margem. A operação foi tão
boa que o ajuste positivo do primeiro dia foi maior do que eu teria de
deixar de garantia.

Pois bem, nas semanas que se seguiram à liquidação do trade e à


realização do lucro, saí comprando e vendendo tudo que via pela
frente. Resultado: devolvi uns 10% do dinheiro que havia ganho.

Deu a porrada do século? Pare um pouco. Faça um cruzeiro de navio


ou um safári fotográfico na savana africana. Leve a cara-metade, ou o
cara-metade, para conhecer os fiordes da Noruega.

Não opere com a sensação de imbatível. Isso vai torná-lo vulnerável


às armadilhas do mercado.

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Crônica 4

O touro é forte; o urso, rápido

A maioria dos traders brasileiros só sabe ganhar dinheiro nos mercados


quando eles estão em alta. Parece que o pessoal fica meio perdido
se as cotações caem. Na Bolsa de valores nota-se isso de modo mais
preponderante. Quando sobe, a turma fica feliz e se dá bem. Nas
quedas, os operadores e investidores se desnorteiam.

No mercado americano, ser urso é uma atitude mais comum. Muita


gente aposta na baixa. Mas isso já foi considerado uma atitude
impatriótica. Eu falo a respeito desse sentimento em meu livro “1929”,
cujos direitos de publicação agora pertencem à Inversa.

Para mim, sempre foi indiferente operar nas altas ou nas quedas,
desde que eu estivesse posicionado do lado certo.

Uma coisa que observei durante minhas quase quatro décadas de


trader profissional é que os bull markets costumam ser mais demorados.
Já os crashes, que são os ataques mais mortais dos ursos, podem
acontecer em questão de horas, ou até mesmo de minutos.

A maneira mais fácil, e menos arriscada, de se trabalhar short é fazê-


lo por um breve período de tempo, de preferência dentro de um
mesmo pregão. Nos últimos dias de negociação do Ibovespa futuro
na BM&F, por exemplo, quase sempre quem vendeu na abertura teve

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Crônica 4 O touro é forte; o urso, rápido

oportunidade de ganhar pelo menos mil pontos ao longo da sessão.

Minhas primeiras posições vendidas foram feitas ainda na década


de 1950, quando eu trabalhava como operador de câmbio. Se havia
uma demanda muito grande por dólares, sem um fundamento real
para isso, eu os vendia sem tê-los, para repor no dia seguinte. Quase
sempre dava certo.

Quando fui estudar mercado de capitais na New York University, em


meados dos anos 1960, aprendi muito sobre vendas a descoberto.
Foi nessa época que descobri que a prática era usual por lá.

De volta ao Brasil, agora operando como floor trader na Bolsa de


Valores do Rio de Janeiro, ganhei muito dinheiro vendido. Comprava
à vista e vendia à termo. Tratava-se de um negócio infalível no bull
market de ações que durou de 1969 a 1971.

A estratégia era mais do que simples:

Com uma inflação mensal de aproximadamente 1,5%, as taxas de


juros giravam em torno de 2%. Portanto, na pior das hipóteses, os
financiadores dos termos ganhavam 0,5% ao mês. Só que os contratos
podiam ser liquidados antecipadamente pelos compradores.

Nesses casos, como o valor de venda permanecia fixo, e o prazo caía,


o vendedor não raro recebia taxas de 8% a 10% (ao mês, não se
esqueçam).

Houve até alguns episódios em que o cara comprava a termo, digamos,


Brahma ou Vale do Rio Doce, e liquidava a operação dois ou três dias
depois, pagando aquele preço futuro acordado. Para o vendedor, isso
significava uma renda de mais de 100% ao ano.

Rachei de ganhar dinheiro dessa maneira. Como expliquei acima, sem


correr risco algum, pois jamais ficava descoberto.

Pena que a época em que se amarrava cachorro com linguiça não

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Crônica 4 O touro é forte; o urso, rápido

durou muito tempo.

Mesmo antes de haver puts ou negociação de índices futuros de Bolsa


no Rio ou São Paulo, surgiram novas maneiras de se “shortear”.

Uma delas era vender ações e não entregar. Apostando numa queda
forte, o vendedor pagava uma multa diária pelo atraso na liquidação.
Se o ritmo do tombo do papel era maior do que o percentual da
multa, embolsava a diferença.

O prazo máximo permitido pela Bolsa para atraso de uma liquidação


era de 7 dias. Por isso essas vendas a descoberto eram chamadas
de Seu Sete da Lira, referência a um personagem de Umbanda muito
citado no programa do Chacrinha na TV Tupi.

Outra maneira de se ficar short era alugando ações de alguém que as


possuísse como patrimônio. Os papéis eram vendidos no pregão na
expectativa de um tombo rápido.

Revertido o trade, o dono os recebia de volta.

Com a evolução do mercado de ações no Brasil, vender a descoberto


tornou-se uma prática regulamentada (até então era uma coisa meio
pirata). Surgiram os índices futuros e os puts, além da possibilidade de
se vender calls.

Apesar desses avanços, sinto que os investidores, mesmo os


profissionais, se sentem muito mais à vontade apostando na alta do
que na baixa.

Tentando mudar um pouco esse comportamento, esclareço, tal como


diz o título desta newsletter: “O touro é forte; o urso, rápido!”

No episódio da divulgação da conversa entre o presidente Michel


Temer e o empresário Joesley Batista no palácio do Jaburu, aquela do
“Tem de manter isso aí, viu”, a Bolsa paulista caiu 8,8%. Naquele dia foi
sepultada a possibilidade de aprovação no Congresso da Reforma da

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Crônica 4 O touro é forte; o urso, rápido

Previdência.

Talvez o short mais famoso de todos os tempos tenha sido o de George


Soros em 16 de setembro de 1992, quando o bilionário (a partir desse
dia, bem entendido) húngaro, naturalizado americano, vendeu a libra
esterlina a descoberto faturando um bilhão de dólares em questão de
horas.

O que não se sabe é se Soros tinha conhecimento de que a libra iria


cair ou se ela caiu porque ele vendeu.

Para que o caro leitor se conscientize de que mercado em alta ou


mercado em baixa não faz a menor diferença quando se trata de
ganhar dinheiro, cito alguns highs históricos das diversas Bolsas.
Desconsidero a inflação em dólares no período, o que não foi pouca
coisa e que torna esses highs mais significativos.

A máxima da soja ocorreu em 13 de agosto de 2012, quando o bushel


foi cotado a US$ 16,71 na CBoT em Chicago. Agora está a US$ 9,10.

A libra-peso de açúcar atingiu US$ 0,5497 em 4 de setembro de 1974


na CSCE em Nova York. Na última sexta-feira, fechou a US$ 0.1287

Também na CSCE, o café foi negociado a US$ 3,3450 por libra-peso


em 11 de abril de 1977. De lá para cá, caiu para US$ 1.0410.

Este ano, a máxima do Dow Jones foi de 26.951.81, a maior de todos


os tempos. Desde então o índice perdeu 9,69%, que é mais ou menos
o que os ursos que venderam o S&P500 (não existem negócios do
Dow Jones) nas máximas.

Trata-se de uma perda de tempo esperar que os mercados subam


para se ganhar dinheiro. Há sempre uma oportunidade dando sopa
nas bolsas. Seja com força, como os touros. Seja numa patada rápida,
como os ursos.

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Crônica 5

Amarguras de um velho
trader

Para mim, a parte mais difícil de uma crônica é a escolha do tema.


Na semana passada, quando escrevi a newsletter Golpe ou Revolução,
assim que me decidi pelo assunto os dedos fluíram facilmente pelo
teclado.

Ontem, ao examinar uma tabela publicada pelo IBGE sobre o


crescimento anual médio do Brasil nas últimas seis décadas, não tive
dúvidas. É por aí que eu vou desta vez.

Antes de mais nada, os números:

Não há como não se entristecer ao examinar essas estatísticas. Nesse


período, países como a China saíram praticamente da miséria para
crescimentos anuais que ultrapassaram dois dígitos.

Coreia do Sul e Cingapura, só para dar dois exemplos marcantes,

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Crônica 5 Amarguras de um velho trader

tornaram-se nações ricas. A Coreia tem um PIB per capita de US$


39.400,00, contra US$ 15.000,00 do Brasil. E como cresce mais do
que a gente, a diferença aumenta a cada ano.

Em 1961, quando essa tabela tem início, eu já trabalhava no mercado


financeiro havia três anos. Então pude acompanhar de perto toda
essa pífia evolução. Mas gostaria de comentá-la década por década.

1961 a 1970 (crescimento médio anual de 6,22%) – Nesse período, nós


tivemos logo os 206 dias de governo Jânio Quadros, que se dedicou a
sanear as finanças públicas mas acreditou que se renunciasse voltaria
nos braços do povo, tal como acontecera com Fidel Castro, em Cuba,
e Gamal Abdel Nasser, no Egito.

Jânio quebrou a cara. O Congresso simplesmente aceitou a renúncia.


Assumiu o vice, João Goulart. Seus poderes foram esvaziados pela
instituição do parlamentarismo e restabelecidos pelo plebiscito em
06.01.1963.

Jango foi deposto pelos militares em 1º de abril do ano seguinte.


Seguiram-se os governos Castelo Branco, Costa e Silva e Médici.

Para a Bolsa, o período João Goulart foi ótimo por causa da reavaliação
dos ativos das empresas, que ensejou polpudas bonificações.

Castelo adotou um regime de austeridade. Para reduzir a inflação,


elevou as taxas de juros. O mercado de ações não fez outra coisa a
não ser cair.

A recuperação se deu no mandato Costa e Silva e início do período


Médici, quando começou o grande bull market das Bolsas do Rio e São
Paulo.

1971 a 1980 − (crescimento médio anual de 8,67%) – Na primeira


metade da década, houve o “milagre brasileiro”, que nunca mais se
repetiu. À queda da Bolsa, em meados de 1971, seguiu-se a festa do
open market. Quem era do mercado financeiro, e tinha um mínimo de

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Crônica 5 Amarguras de um velho trader

capacidade, ficou rico.

Os generais Emilio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo foram os


presidentes. Numa omissão imperdoável, Geisel simplesmente tentou
ignorar o choque do petróleo, iniciado pela guerra do Yom Kippur
(outubro de 1973). Inflou a divida externa, exatamente numa época
de juros internacionais altíssimos, chegando a 21,5% a.a. nos EUA.

Com o perdão pelo trocadilho, o Brasil pagaria caro por isso.

1981 a 1990 − (crescimento médio anual de 1,67%) – Década perdida,


década de Figueiredo, Sarney e Collor, década de hiperinflação, dos
choques heterodoxos, das tablitas, dos cortes de zeros na moeda, das
reformas monetárias. Enfim, uma mixórdia total.

No mercado financeiro, a gente operava por adivinhação e inside


information. Quem não as tinha, se ferrava.

O grande acontecimento foi o confisco do dinheiro no primeiro dia do


governo Collor.

1991 a 2000 − (crescimento médio anual de 2,63%) – Grandes


decisões governamentais, nos governos Itamar Franco e FHC. Através
do PROER, foi saneado o sistema bancário. Criou-se o Plano Real.

O período se encerrou com a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ganhar dinheiro fácil no mercado tornou-se impossível. Tinha chegado


ao fim a época das barbadas, das dicas...

2001 a 2010 − (crescimento médio anual de 3,71%) – FHC arrumou


a cama para Lula, que soube aproveitar. Seu ministro da Fazenda,
Antonio Palocci, não só manteve a meta de superávit primário como
também a aumentou.

Houve grande distribuição de renda. O PIB voltou a crescer, embora


muito abaixo da época do milagre.

22
Crônica 5 Amarguras de um velho trader

Pobre pôde voar de avião e comprar automóvel. Os governantes se


aproveitaram da popularidade para enriquecimento ilícito.

Houve dois métodos distintos de cooptação do Congresso. Na época


de Jose Dirceu na Casa Civil, o Parlamento era comprado em dinheiro
vivo por intermédio do mensalão. Pagou, votou!

Veio o escândalo, mas o prestígio pessoal de Lula sobreviveu. Os


esquerdistas de araque fizeram parcerias com os fisiologistas do
Congresso (pleonasmo?). Todos se juntaram a grandes grupos
empresariais.

Rachou-se de ganhar dinheiro.

Do lado do funcionalismo, nos Três Poderes o corporativismo venceu.

Viva! Brasil! Pobre viaja de avião. Esquerda caviar e Centrão só andam


de jatinho, dividindo o espaço da aeronave com sacos e mais sacos
de dinheiro vivo. Grupos brasileiros multinacionais criam diretorias
de propina. Sim, porque se a coisa não for organizada, perde-se a
noção de a quantas as contas andam. Achacador acaba recebendo
duas vezes.

Cingapura e Coreia do Sul viraram países de outra categoria. Tornou-


se impossível alcançá-los.

2011 a 2018 − (crescimento médio anual de 0,59%) – É o Brasil de


hoje. Treze milhões de desempregados, outros tantos vivendo de
biscates. Classe B virou C. C virou D.

Os que furtaram o país ilegalmente estão indo para a cadeia. Já os


que o fizeram dentro da lei, se beneficiando de absurdos adquiridos,
não raro sem ter trabalhado um dia sequer na vida, estão protegidos
pela Constituição.

“Nesses ninguém pode mexer”, diz o governo.

23
Crônica 5 Amarguras de um velho trader

“Nesses ninguém pode mexer”, diz a oposição.

“Nesses ninguém pode mexer”, diz o Supremo.

A Reforma da Previdência deve passar no Congresso. Mas, caro amigo


leitor, contenha seu entusiasmo. Não pense que ela será o grande
remédio do qual o Brasil precisa para voltar a crescer. É apenas um
torniquete para estancar a hemorragia.

Continuo acreditando que a Bolsa vai continuar subindo, como subiu


na época do Jango, aquele que queria transformar o Brasil numa
república sindical.

Trata-se de uma questão de comparação de oportunidades, ações


versus taxas de juros, favorecendo a primeira.

Quanto a este trader velho e surrado, que testemunhou todos esses


episódios e aprendeu a ganhar e a perder nos mercados, gostaria
mesmo é de ver o Brasil subir. Mas, quase chegando aos 79, perdi as
esperanças.

Esse Eldorado, essa Coreia do Sul dos trópicos – onde em se plantando


tudo dá − seria mais do que viável não fosse o egoísmo dos novos
senhores feudais.

Que o nono círculo de Alighieri os tenha.

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24
Crônica 6

Nem madrepérola nem feijão


mulatinho

Vamos supor que você seja um jogador de pôquer. Não um mago do


baralho (cuidado, revisor), que sabe de cor e salteado as possibilidades
matemáticas de cada uma das combinações do jogo. Muito menos
alguém que estuda a fundo as quase imperceptíveis reações dos
adversários para descobrir, por um pequeno tique nervoso, como
morder os lábios ou estalar o polegar, se um dos “inimigos” da mesa
está blefando.

Não. Você não é tão bom assim.

Mas também não é um otário que, de modo açodado, vai em todas


as mãos, mesmo que com um mísero par de oitos ou três cartas do
mesmo naipe, caso este em que a possibilidade de fazer um flush é de
apenas seis por cento.

Você é um jogador mediano. Se reúne para um pôquer de amigos,


apenas para se divertir, uma vez por semana. Quando a noite é muito
ruim, perde quinhentos reais. Se as cartas estão favoráveis, ganha
isso. Quinhentos pra lá, quinhentos pra cá.

Ao longo de um ano, sai no empate. Mas tem plena consciência de


que, se relaxar, pisar na bola, vai perder sistematicamente. Por isso
presta atenção às pedidas dos demais jogadores, só vai na rodada

25
Crônica 6 Nem madrepérola nem feijão mulatinho

quando sua mão é boa. Sabe carregar nas fichas quando está de posse
de um bom jogo. Ah, já ia me esquecendo, de vez em quando passa
um blefezinho, que ninguém é de ferro.

Pensando melhor, acho que você não é um jogador mediano. É bom.


Tem mais: só não é melhor porque, com toda razão, entende que o
pôquer não é uma coisa importante em sua vida. Trata-se apenas de um
hobby, que poderia ser bilhar, pingue-pongue, torneios de videogame,
culinária mediterrânea ou a participação em um coral amador (sua voz
é afinada e seu ouvido, quase absoluto).

Imaginemos agora que, nas férias, você vá, com a mulher e as crianças,
para um hotel fazenda. À noite, outros hóspedes o convidam para
uma roda de pôquer. Você se faz de rogado, reluta um pouco, diz que
está com sono, que tem de acordar cedo para andar a cavalo. Mas
a verdade é que estava louco para “chorar” uma trinca de valetes e
manusear uma pilha de fichas, cada valor uma cor, ouvindo-lhes o
tilintar ao toque dos dedos.

Já sentado à mesa, tem duas decepções: as fichas são tampinhas de


cerveja e feijões, o cacife é de vinte reais e o pingo, de 50 centavos
(um grão de feijão mulatinho). Você só não se levanta e vai embora
porque não quer fazer uma desfeita aos pais dos amiguinhos de seus
filhos.

É lógico que, na situação acima, você vai jogar mal. Não prestará a
menor atenção nas pedidas dos outros, na sua vez pedirá até quatro
cartas, quase sempre pagará para ver o jogo do adversário, mesmo
quando as evidências estejam todas a favor dele.

Você vai perder, com certeza, dois ou três cacifes, nada que venha a
desfalcar sua carteira, muito menos arruinar as férias.

Pensemos agora numa situação totalmente distinta. Você deu “aquela”


porrada no mercado futuro de DI, deixou as crianças com a sogra e
foi com a cara-metade passar uma temporada num resort de altíssimo
luxo na ilha de Saint Barthélemy, no Caribe.

26
Crônica 6 Nem madrepérola nem feijão mulatinho

Lá, um grupo de traders brasileiros (muito aqui entre nós, de uma


turma superior à sua, gestores de centenas de milhões, que são arroz
de festa em Saint Barth) o chama para um “joguinho” de pôquer.
“Coisa boba”, diz um deles, “só pra distrair”.

‘Loucura minha, jogar com esses pezzonovanti’, você pensa. Pensa,


mas aceita o convite.

“Claro, só pra distrair.”, não foi sua razão que respondeu. Foi seu ego
desafiado.

Minutos mais tarde, você está sentado numa mesa forrada de feltro,
tendo a frente uma pilha de fichas de madrepérola no valor de dez mil
dólares, cacife inicial do tal “joguinho”, do qual só está participando
para não dar aos parceiros a impressão de que é frouxo, mão fraca,
chinfrim, raia miúda, segunda divisão.

Como de burro você não tem nada, passa a jogar fugindo da maioria
das mãos, tibieza da qual logo a mesa toda se dá contra. E, sem a
menor comiseração, os graúdos passam a blefar em cima de você,
mão após mão.

Tal como seria de se supor, em Saint Barth você perde também, como
acontecera no prosaico hotel fazenda. Só que, desta vez, o cacife
e meio que entregou aos espadas foi de quinze mil dólares. Tudo
porque entrou na turma errada.

As situações acima estão sempre acontecendo na vida de um trader.


Operar lote muito pequeno, e irrelevante para a carteira, o que
abrirá a guarda do profissional, terá como consequência uma erosão
desnecessária nos ativos sob sua administração. Ou entrar pesado
demais em uma posição, o que o obrigará a ter um stop exageradamente
curto ou, pior, que lhe tirará a capacidade de discernimento para
avaliar, a cada passo, o movimento do mercado.

A deficiência número 1 (entrar muito leve) costuma acontecer logo


após um sucesso. Felizmente, trata-se de um pecado venial. Sem

27
Crônica 6 Nem madrepérola nem feijão mulatinho

querer arriscar o ganho, o trader, só pra não ficar de fora, faz uma
posição pequena, sem muito, ou nenhum, planejamento, quando era
melhor ter ido para Saint Barth (ficando longe dos joguinhos perigosos,
é claro) ou para o hotel fazenda e sentar-se ao inocente e burguês
poquerzinho convescote. O tal das vinte pratas e do feijão mulatinho.

Já a número 2 (entrar muito pesado) pode ser mortal. Não raro surge
após uma perda séria, que tira do trader o equilíbro de raciocínio.
Movido por um misto de ganância e pânico, ele pensa: “Vou pro
baralhão, pro tudo ou nada, vou buscar o que perdi, pois a história
não fala dos covardes”, e outras bobagens.

Prezado leitor, a história fala sim. E fala mal. Um trader ferido torna-se
presa fácil e fica na iminência de comprar passagem para a tragédia.

A profissão de operador de mercado é cheia de armadilhas. Algumas,


simples espinhos, picadas de marimbondo, que doem, mas passam.
Outras, terríveis minas terrestres, que, quando não matam, aleijam para
sempre. Você, amigo trader, tenha isso em mente todas as manhãs. E
não se vexe em ficar de fora, apenas assistindo, sempre que não tiver
certeza de que a posição é boa, o lote é justo e a tendência, bem
definida.

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28
Crônica 7

Não existem ursos no Brasil

Nos três últimos dias úteis da semana passada, quando a Bolsa reverteu
sua tendência e despencou ladeira abaixo, pouca gente ganhou
dinheiro. E, por ganhar, não estou me referindo apenas a vender no
topo, na faixa de 100.000 pontos do Ibovespa, e aplicar os recursos
em renda fixa enquanto o preço da maioria das ações se esfarinhava.

São pouquíssimos os investidores brasileiros, tanto amadores como


profissionais, que sabem trabalhar vendidos a descoberto. Aos demais,
está na hora de lembrar que o lucro da queda é tão legítimo quanto
o da alta. Com uma vantagem. É mais rápido. Em três pregões, como
foi o caso agora, você enche as burras.

Decepção dos outros pode ser festa para você, caro amigo assinante
da Inversa.

No momento em que a proposta de ajuste previdenciário dos militares


chegou ao Congresso, na tarde de quarta-feira, dia 20 de março,
houve uma mudança de sentimento entre os parlamentares. A PEC
da Reforma da Previdência passou a correr risco de ser esvaziada
pelas comissões e plenários da Câmara e do Senado, quando não
totalmente rejeitada.

O capitão Jair Bolsonaro continua sendo o que sempre foi em seus

29
Crônica 7 Não existem ursos no Brasil

sete mandatos de deputado: despachante dos militares, policiais,


bombeiros e agentes penitenciários.

Pois bem, à ridícula proposta de colaboração das Forças Armadas e à


redução do déficit do Tesouro, somaram-se dois episódios, não menos
impactantes para a derrocada da Bolsa: prisão de Wellington Moreira
Franco, sogro do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia,
até então um dos maiores defensores da reforma; minicrash na Bolsa
de Valores de Nova York, este ocorrido na sexta-feira.

Em termos de mercado, quem ganhou com isso? Aqueles que


“shortearam” o Ibovespa ao redor de 100 mil pontos, muralha testada,
e não suplantada para valer, diversas vezes nas últimas semanas.

Quem vendeu o índice a, digamos, 99.000 pontos, está ganhando R$


26.325,00 por contrato cheio.

Além da pouca disposição dos brasileiros em trabalharem vendidos a


descoberto, alguns mercados desencorajam esse procedimento por
falta de liquidez. Sobram os contratos de Ibovespa, dólar e DI.

Outra maneira de se ganhar na baixa é comprando puts dos dois


primeiros. Só que não há parceiros para casar as operações.

Nesta minha coluna, andei indicando, no ano passado, a compra de


puts e calls do Ibovespa e do dólar futuros, mas recebi reclamações
de diversos leitores informando que não conseguiram efetuar as
operações.

Mercado sem liquidez, é melhor esquecer.

Só que o índice de ações pode ser facilmente vendido, assim como o


contrato de dólar. Com um detalhe: vender dólares futuro é a mesma
coisa do que comprar real. Portanto não é necessariamente um short.

Nos Estados Unidos, é muito comum se trabalhar vendido. Alguns


episódios são marcantes. Um deles é narrado no filme A Grande Aposta

30
Crônica 7 Não existem ursos no Brasil

(The Big Short) uma história real na qual Michael Burry (interpretado
por Christian Bale) inventou uma maneira de “shortear” hipotecas.

Já no grande crash de 1929, os grandes vencedores foram Joseph


Kennedy (pai do presidente John Kennedy) e o lendário trader Jesse
Livermore, para alguns considerado o maior de todos os tempos.
Ganharam fortunas shorteando o mercado nos dias que precederam
o pânico da Black Tuesday.

Eu, Ivan Sant’Anna, também dei bons beliscos vendido. Em janeiro de


1991, por exemplo, nos dias que antecederam o ataque da coalizão
liderada pelos Estados Unidos na Primeira Guerra do Golfo (Operação
Tempestade no Deserto), vendi a descoberto alguns contratos de
petróleo na Nymex, em Nova York.

Não me lembro exatamente o preço, mas foi por volta de US$ 30,00.
Com a derrota fragorosa e fulminante dos exércitos de Saddam
Hussein, deu para ganhar dez dólares por barril. Isso num espaço de
dois ou três dias.

Conheço um trader de São Paulo que praticamente só trabalha


vendido. Já falei sobre ele em uma de minhas crônicas. Sua estratégia
é vender calls e puts. Resumindo: vende o tempo (time value). Ganha
quase sempre, mas de vez em quando leva uma fubecada quando um
ativo dispara, surpreendendo-o short.

Uma ocasião fantástica para se vender dólar futuro foi quando, em


1º de setembro de 1994, o então ministro da Fazenda do governo
Itamar Franco, embaixador Rubens Ricupero, falou mais do que devia
num estúdio de televisão.

Nessa oportunidade, conversando com o jornalista da Globo Carlos


Monforte, por sinal seu cunhado, Ricupero disse textualmente:

“Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a
gente esconde.”

31
Crônica 7 Não existem ursos no Brasil

Como antenas parabólicas reproduziram a conversa por todo o país, o


ministro não teve outra alternativa a não ser pedir demissão. Só que
Itamar Franco agiu rápido, convidando o então governador do Ceará,
Ciro Gomes (sim, este mesmo Ciro Gomes) para a Fazenda.

Na manhã seguinte o dólar subiu muito com o incidente (o real era


uma moeda frágil; tinha exatos dois meses de existência).

Esse short eu peguei em cheio. Estava jantando na Casa da Suíça,


restaurante da Glória, Rio de Janeiro, quando soube da mancada do
embaixador-ministro.

Vendi o que podia e o que não podia de contratos de dólares.

Não deu nem para sofrer. O mercado ficou lá em cima por menos de
meia hora e depois caiu.

Repetindo o que disse, nós, brasileiros, precisamos aprender a trabalhar


vendidos. Nas lágrimas dos outros também dá para se ganhar dinheiro.

Estão faltando ursos no Brasil. Isso deixa o mercado capenga.

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32
Crônica 8

Stops e objetivos

Por mais incrível que possa parecer, só conheci o conceito de stop em


1983, quando já tinha um quarto de século de mercado e comecei a
operar única e exclusivamente nas bolsas internacionais de futuros e
opções.

Até então, eu “stopava” minhas operações, sem usar esse nome, nas
seguintes circunstâncias:

−− O capital acabava −− De tanto teimar com um long ou um short,


que seguia em direção contrária ao objetivo, ficava sem caixa.

“Liquida essa porra”, dizia para meu corretor, após ter comprado Banco
do Brasil (que aqui entra apenas como exemplo) a 10 cruzeiros e ver
o papel cair para 9,50, 9,00, 8,50, 8,00, 7,50...

Desnecessário dizer que tão logo eu vendia (ou recomprava, no caso


de vendas a descoberto) o mercado começava a se recuperar. Foi
quando aprendi o que significava RSI (Relative Strenght Index – Índice
de Força Relativa), fórmula que indicava quando as cotações estão
overbought (supercompradas) ou oversold (supervendidas).

Um papel, ou commodity, ou futuro em baixa para de cair quando


surge o último vendedor. Nesse caso, na ausência de ursos, aparecem

33
Crônica 8 Stops e objetivos

os primeiros touros. O RSI mede isso direitinho.

−− Meus nervos entravam em colapso (segunda hipótese) −− Isso


acontece com qualquer um que teima em remar contra a maré. Tipo:

“Ah, a três centavos é impossível o açúcar cair mais”. E não é que caía.
Até, é claro, eu liquidar minha posição.

Pois, tal como escrevi acima, de 1983 para cá deixei de me considerar


o dono da verdade. Até hoje, passados mais 36 anos, sempre que
compro ou “shorteio” parto da premissa de que posso estar enganado.
Por isso ponho um stop.

“A Reforma da Previdência vai passar. Vou comprar Ibovespa a 93.500


com stop a 92.900.” É assim que me forço a agir.

Há outras maneiras de fazer stops. Uma de minhas preferidas é o stop


cirúrgico. Mantendo o foco no Ibovespa, digamos que você veja, nos
gráficos, um suporte importante, cotação na qual o mercado já bateu
lá três vezes e subiu. 91.800, só para citar um número.

Nesse caso, usando o stop cirúrgico, você dá a seguinte ordem ao seu


corretor:

“Compre Ibovespa a 91.900 com stop a 91.790.” Nesse caso, você vai
perder 110 pontos. Talvez um pouco mais por causa do slippage.
Trata-se da diferença entre o preço de sua ordem e aquele no qual
ela será executada. A gente sempre leva uma enrabadinha.

Um stop pode também ser MOC (market on close). Ou seja, só será


concretizado se o mercado fechar abaixo (acima, no caso de vendas a
descoberto) do seu preço de compra (ou de venda).

Esse tipo de ordem não é muito usado no Brasil, mas é arroz de festa
no mercado internacional.

“Buy two hundred S&P at two thousand and six hundred even with a stop

34
Crônica 8 Stops e objetivos

MOC at two thousand and five hundred” (Compre duzentos contratos


de S&P a 2.600 redondos com um stop MOC a 2.500.)

O perigo da ordem acima é você ser “stopado” muito abaixo do seu


preço de compra, realizando um prejuízo grande. Mas de todo modo
irá dormir zerado.

Em minha opinião, objetivos são muito mais difíceis de serem definidos


do que stops. Simplesmente porque o lucro é um alucinógeno, que
tem como efeito principal o medo de deixá-lo escapar.

No trade mais lucrativo de minha vida, realizado em 1988 no mercado


futuro de soja da CBoT em Chicago (eu já falei dele diversas vezes em
minhas crônicas), fixei três objetivos aleatórios.

Não me lembro exatamente dos preços, mas comprei um lote jumbo


de soja Novembro. Digamos que foi a 7 dólares o bushel. Pois bem,
mandei vender um terço a oito dólares, um terço a nove e o terceiro
terço a 10. O mercado ainda foi a 11 e depois desabou.

O objetivo pode também ser fixado em função de um acontecimento


e não de um preço.

Digamos que você comprou Ibovespa futuro a 88.000, com stop a


86.900, no primeiro dia útil após a posse de Bolsonaro.

“Parabéns! Tá ganhando uma baba.”

Mas, e agora? Quando e a que preço vender? Lembre-se que o Ibovespa


é um contrato que pode ser rolado para o vencimento seguinte, o que
significa que você pode ficar comprado eternamente.

Minha primeira sugestão é elevar o stop para 89.900. Acontecendo


isso, você vai lucrar 1.900 pontos, coisa que, tenho certeza, lhe deixará
frustrado.

“Ah, eu podia ter vendido a 91.000, a 92.000, a 93.000, a 93.500...”

35
Crônica 8 Stops e objetivos

Você vai chorar feito uma criança que deixou o picolé cair no chão.
Mas o mercado é assim.

Pois bem, com o lucro garantido, seu dilema agora é saber quando vai
pular fora. Tenho certeza de que no seu inventário não vai estar lá:
“100 Ibovespa futuro.”

Nesse caso, vou dar uma sugestão que me ocorreu agora.

Quando o governo Bolsonaro enviar para o Congresso a mensagem


de Reforma da Previdência, venda a metade. Após a votação, o saldo.
Com um tremendo lucro se a reforma for aprovada.

Provavelmente ganhando uma merreca se rejeitada, consideradas as


duas vendas.

Uma coisa é certa: se você comprou lá na bacia das almas, dinheiro


não vai perder.

Esses objetivos que citei se referem a mercados futuros, alavancados.


Compra de ações à vista é um negócio diferente. Você pode adquiri-las
visando dividendos ou simplesmente para ser sócio de uma companhia
lucrativa. Neste último caso, o stop deve acontecer não somente
em função de preços, mas de percepção de que ela está perdendo
mercado ou o setor em que atua, entrando em obsolescência.

São milhares as variáveis operacionais. Stops e objetivos são só duas


delas.

Nas próximas newsletters “Os mercadores da noite” vou falar de outras.

Quero compartilhar meus conhecimentos de modo que o caro amigo


leitor ganhe mais do que ganhei nos trades em que tive êxito e perca
menos do que naqueles em que me ferrei.

Ler no Espaço do Assinante

36
Crônica 9

O mercado é forte

Caro leitor,

Durante os anos nos quais operei apenas nos mercados internacionais


(Chicago, Nova York e Londres) eu assinava uma newsletter escrita
por Ted Arnold, um analista inglês. Entre as muitas coisas que aprendi
com ele, uma delas era o conceito de que “um mercado que reage bem
a notícias ruins é um mercado forte”.

O inverso também procede: “mercado que reage mal a notícias boas é


um mercado fraco”. Essas máximas sempre funcionam. Vejamos alguns
exemplos:

Em 2002, último ano do segundo mandato do governo FHC, a Bolsa


caiu, o dólar subiu e as taxas de juros abriram com a perspectiva de
um governo Lula.

Eis que, pouco antes do primeiro turno das eleições, os mercados


reverteram, justamente quando a vitória petista se tornou praticamente
certa. Bolsa pra cima, dólar e juros para baixo.

Era, ainda segundo o axioma Ted Arnold, o momento ideal para compra
de ações. E quem comprou se deu muito bem, rachou de ganhar
dinheiro. Pois, entre a vitória de Lula sobre Serra no segundo turno e

37
Crônica 9 O mercado é forte

a posse de Lula em 1º de janeiro de 2003, o Ibovespa não fez outra


coisa senão subir.

Hoje em dia, analisando-se os acontecimentos daquela época,


podemos ver que o então escolhido ministro da Fazenda, Antonio
Palocci, em conversas ao pé do ouvido, garantiu aos banqueiros e
líderes empresariais que as políticas fiscal e monetária da gestão FHC
seriam mantidas. Mais do que isso, afirmou que a meta de superávit
primário seria elevada.

E foi isso que fez o mercado de ações subir (e o dólar cair) nos
prolegômenos da administração de um partido que, desde a sua
fundação, defendia as moratórias interna e externa, a estatização dos
bancos, a reforma agrária e outros programas de cunho socialista.

Portanto, Ted Arnold estava mais do que certo. Os “comunistas” vão


vencer. O mercado está gostando disso. Compre o mercado.

Nessa época eu já tinha deixado de ser trader para me tornar escritor.


Mas antes tive ocasião de lucrar com a Teoria Arnold (vamos chamá-la
assim).

No fim de semana 25 e 26 de junho de 1994 houve uma geada de


proporções apocalípticas que devastou os pés de café do Sul de
Minas. Pois bem, na segunda-feira 27 o mercado de Nova York abriu
com um breakaway gap (a mínima daquele dia ficou muito acima da
máxima de sexta-feira).

A alta dessa segunda foi de 25%, com pouquíssima liquidez (poucos


touros tiveram coragem de comprar naqueles níveis; raros ursos
ousaram vender, apesar da alta colossal). Mas eu fui “muito macho” e
comprei, tanto para mim como para meus clientes.

Foi a porrada que eu esperava para fazer uma reserva que me


permitisse largar o mercado para me dedicar em tempo integral a
escrever Os mercadores da noite, que se tornara minha ideia fixa.

38
Crônica 9 O mercado é forte

Por incrível que possa parecer, à geada seguiu-se uma seca que
destruiu cafezais de outras regiões do Brasil. O mercado, já alto, foi
para a estratosfera. Certo?

Errado!

A cotação da libra-peso da traiçoeira rubiácea andou de lado por alguns


dias, vacilando no topo, e deu início a um processo de queda, apesar
dos analistas afirmarem que com a geada e a seca o café poderia
subir ainda mais. Só que não entrei nessa. Com o Arnold na cabeça,
liquidei as posições. E só não fiquei short porque naquele momento
meu único objetivo na vida era Julius Clarence, personagem principal
de Os mercadores da noite, que me aguardava enciumado para termos
um colóquio a dois.

Com a grana do café viajei para Davenport (no estado de Iowa),


Chicago, Nova York, Londres, Bruxelas, Lausanne, locais onde, em
duas viagens, desenvolvi toda a trama do livro.

Quatro anos antes do episódio do café, em 1990, o mercado de


petróleo se encontrava debilitado. Havia superprodução, os estoques
nos países consumidores eram muito altos e os membros da Opep
tentavam controlar os preços através de um sistema de cotas, com
produções fixas para cada um.

Só que três produtores importantes, Iraque, Kuwait e Emirados


Árabes Unidos, trapaceavam o sistema e vendiam petróleo cru por
baixo do pano. Com isso, o preço do barril, tipo WTI (Western Texas
Intermediary), que deveria ser mantido em 21 dólares, caíra para 17
dólares na NYMEX (New York Mercantile Exchange).

Eis que, sem a menor explicação, o preço subiu para 20 dólares. Eu


não hesitei. Vesti a pele do urso e “shorteei” um lote grande. Ignorei a
Teoria Arnold e me ferrei.

Na madrugada (fuso horário de Bagdá) de quinta-feira 2 de agosto de


1990, tropas iraquianas invadiram o Kuwait. O mercado de petróleo

39
Crônica 9 O mercado é forte

de Nova York (onde era fim de tarde) acabara de fechar. E eu, short.

Fui zerar minhas posições a 27 dólares, sofrendo um dos maiores


revezes de meus 37 anos de profissão. Tudo isso porque cismei que
o mercado estava errado quando subiu de 17 para 20 dólares em
meio a uma crise de superprodução e de estoques elevados. E teria
quebrado se tivesse insistido no erro porque o preço do barril subiu
para 46 dólares em meados de outubro enquanto o Ocidente se
organizava para tirar as tropas de Saddam Hussein do Kuwait.

Em minha opinião, qualquer trader que se preze (e preze o próprio


bolso) deve esquecer os fundamentos se o mercado está indo
radicalmente contra eles. Isso é sinal de que há um fundamento
oculto. Ou, pelo menos, oculto para você. Mas não para os insiders. É
claro que Saddam sabia da invasão do Kuwait e as ordens de compra
que levaram o preço do barril de 17 para 20 dólares devem ter partido
de pessoas ligadas a ele, senão do próprio ditador iraquiano, como eu
insinuo em Os mercadores da noite.

O mercado, seja ele de ações, de commodities ou de instrumentos


financeiros, é cheio de regrinhas como essa que expus acima. Que
devem ser conhecidas, respeitadas, mas não obedecidas às cegas,
como se fosse um manual de instruções.

O mercado é mais arte do que ciência. É terreno fértil para os


ousados, mas não para os irresponsáveis. É para machos e “machas”
com os pés fincados no chão e a cabeça no lugar.

Ler no Espaço do Assinante

40
Crônica 10

Pode ser o trade da sua vida

Certa ocasião, nos anos 1990, fui convidado pelos diretores de uma
cooperativa de produtores agrícolas do município de Rio Verde,
em Goiás, para fazer uma palestra sobre o mercado futuro de soja,
negociado na Chicago Board of Trade, Bolsa onde eu atuava como
broker e trader. Eles queriam saber como fazer hedge de suas safras.

Acertada minha paga e recebida a passagem, viajei para lá. Fui recebido
no aeroporto de Goiânia por um japonês (ou nissei), dirigente da
cooperativa, que me levou em seu carro pelos 232 quilômetros que
separam as duas cidades.

Já quase chegando ao destino, e em um dos inúmeros trechos onde


o asfalto da BR060 corta campos agrícolas a perder de vista, me
deslumbrei com o verde da lavoura (era quase época de colheita) e
disse para o meu companheiro de viagem:

“Caramba, como estão bonitos os pés de soja.”

Era milho! E a diferença entre uma fileira de pés de milho, com quase
dois metros de altura, e uma plantação de soja, que parece um
amontoado de ervas daninhas, é mais ou menos como a diferença
entre um rebanho de bois e um de ovelhas.

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Crônica 10 Pode ser o trade da sua vida

“É milho”, corrigiu o japonês, sem disfarçar sua decepção.

Suponho que, antes da palestra, ele tenha dito aos demais


cooperativados que o “professor” não sabia distinguir um milharal
de uma cultura de soja. Por isso minha fala não provocou muito
entusiasmo nem rendeu aplausos prolongados no final. Mas foi boa,
pois ensinei as técnicas de hedge. Falei tudo que sabia a respeito de
preço de soja e de como garantir o lucro da safra seguinte.

Preço! É disso que traders e analistas precisam entender.

Não há necessidade de estudar geologia para analisar ações da Vale


nem visitar canaviais para comprar ou vender açúcar no mercado
futuro de Nova York. Basta (e, falando assim, parece simples, mas não
é) saber avaliar se o preço está alto, baixo ou justo. E é esse quesito
(análise de preços) que propicia as grandes tacadas e os tombos
desmoralizantes.

Antes de mais nada, os investidores, operadores de mercado e gestores


de fundos são eternos insatisfeitos. Se compram, por exemplo,
determinado ativo a 13 e o mercado sobe para 14, 15, 16, 17 e eles
liquidam a posição, ficam arrasados se a cotação continua subindo:
18, 19, 20, 21, 22 e assim por diante.

“Eu sou uma anta, mão fraca”, o cara comenta. “Não podia ter saído a
17”, choraminga o profeta do passado.

Mas digamos que nosso trader, num rasgo genial, comprou sua
posição na mínima, a 13, e vendeu na máxima, a 22. Ele sai dando
cambalhotas? Nada disso.

“Comprei um lote muito pequeno”, o operador se tortura. “A posição


poderia ter sido no mínimo três vezes maior.”

Vamos agora imaginar que o cara seja uma fera e tenha aplicado todas
as suas reservas naquele ativo abençoado. Fica feliz?

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Crônica 10 Pode ser o trade da sua vida

Negativo.

“Eu devia ter ‘shorteado’ a 22 e surfado a queda”, corrói-se nosso herói.

Outro erro colossal, que atinge a maior parte dos traders, é dar
importância ao preço no qual entrou no mercado. Não percebe que
aquele número só tem relevância para ele, é apenas seu ponto de
partida, não tem influência nas análises dos demais profissionais.

Eu já vi trader comprar petróleo futuro em Nova York a 40 dólares e


ver a cotação cair dia a dia: 39; 38,50; 38; 37,50 e por aí até próximo
dos 32. E o cara, firme, proclamando um dos ditados mais burros do
mercado:

“Prejuízo nunca deu lucro a ninguém!”

Mas eis que o petróleo virou, por causa de uma crise do Oriente
Médio, e tomou rumo norte, só que agora com grande velocidade:
33, 34, 35... e – bingo! – 40.

Sem refletir sobre o motivo da alta, e sem analisar se 40 agora era


barato, o trader zerou sua posição e foi tomar um pileque. O mercado,
por outro lado, como o leitor já deve estar adivinhando, continuou
disparando: 41, 42, 45, 50, 60. Um inverno especialmente severo no
hemisfério norte tinha pegado os estoques estratégicos americanos
em nível muito baixo e provocado um squeeze no mercado.

Confessa, Ivan. Confessa, Ivan Sant’Anna. Solta a franga. Abre o jogo.


Esse trader foi você. E não foi a única vez em que isso aconteceu.

Claro que, ao longo dos quase 40 anos nos quais operei nos mercados,
aprendi a dominar a ganância e o medo e deixei de dar importância
ao “meu” preço. Só que isso exigiu muita disciplina. Porque é preciso
ser muito macho, ou “macha”, e não menos perspicaz, para aplicar 20
mil dólares, ver esses 20 mil dólares se transformarem em um milhão
e não vender. Não vender porque aquele ativo de 20 mil dólares tem
um potencial gigantesco.

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Crônica 10 Pode ser o trade da sua vida

Pode ser o trade de sua vida. Isso aconteceu com diversas ações de
empresas de tecnologia lançadas por IPOs (Oferta Pública Inicial, em
inglês) e depois negociadas na Nasdaq. Empresas de fundo de quintal
que valiam uma merreca e estão hoje entre as maiores do mundo. E
aí rebato com outro anexim:

“Lucro nunca deu prejuízo a ninguém.”

Boa parte dos traders é corajosa no prejuízo e covarde no lucro, quando


só se é bem-sucedido se agir exatamente no sentido contrário. Errou,
cai fora. Acertou, surfe na onda do lucro até que avalie friamente que
o ativo que você vendeu, ou “shorteou”, chegou onde devia chegar.

No fim de semana que se seguiu às eleições legislativas de 1986,


na qual o presidente José Sarney conseguiu, por causa do sucesso
artificial do Plano Cruzado, eleger 80% do Congresso, eu descobri, ao
encontrar as prateleiras dos supermercados vazias e os restaurantes
com enormes filas na porta, que o congelamento de preços não iria
se sustentar.

O Plano havia fracassado e pouca gente percebera isso.

Na segunda-feira comprei todos os contratos de ouro “futurão” na


Bolsa de Mercadorias de São Paulo, que estavam, por cegueira dos
traders, no limite de baixa. Comprei com tanta convicção que saí em
seguida para almoçar (naquela época não havia celulares).

Quando cheguei de volta à trading desk, os “futurões” estavam em


limite de alta. Surfei nessa onda até depois do Carnaval. Isso porque
descobri, antes de quase todo mundo, que os preços estavam em
desacordo com os fundamentos.

Pena que, na época, eu achei que poderia ter comprado lotes bem
maiores.

Ler no Espaço do Assinante

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As crônicas deste e-book são divulgadas semanalmente pela Inversa
Publicações na newsletter “Os Mercadores da Noite”, do Ivan Sant’Anna.
Para saber mais, veja aqui.

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