Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Opinião [...] admitida sem ser discutida ou examinada, internalizada pelos indivíduos sem se darem
conta disso, e influenciando seu modo de agir e de considerar as coisas. (MARCONDES, Danilo.
JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia, Rio de Janeiro, 2006, Zahar.)
da ignorância, é o caminho daqueles que não gostam de pensar sobre as coisas,
aceitando de imediato tudo o que se diz. Um filósofo muito importante disse: “O
homem é um animal racional” com isso querendo dizer que o homem é o único animal
que pensa. Mas o que acontece quando decidimos não mais pensar sobre as coisas?
Quando aceitamos tudo o que dizem para nós como sendo verdade? A resposta é que,
fazendo isso, estamos deixando de ser seres racionais, seres que pensam, e estamos nos
tornando muito próximos dos animais, seres que não pensam. A filosofia nos convida a
fazer uma escolha, decidir entre a superfície e a profundidade do pensamento. Acreditar
nas águas escuras, que representam a ignorância e as opiniões vazias, ou buscar saber a
verdade que está por detrás destas águas.
A filosofia possui uma história, e o seu surgimento se situa na Grécia e pode ser
localizado em torno dos séculos VI e V a. c. Mas, a busca do homem para compreender
a realidade não começa com a filosofia, muito antes disso o homem já buscava entender
tudo o que acontecia ao seu redor, os fenômenos da natureza, a seca, as enchentes, os
raios e trovões, bem como as experiências terríveis pelas quais passava e observava os
seus semelhantes passarem, tais como a doença e a morte. Estes acontecimentos eram
terrivelmente misteriosos, e diante deles o homem se sentia inseguro e impotente. Para
explicar, como e porque, todos esses fenômenos ocorrem, o homem utilizou
primeiramente, antes de qualquer outro tipo de conhecimento, as explicações dos mitos.
Então, para todos os eventos misteriosos, que o homem não conseguia explicar, uma
narrativa mítica era contada.
Mas o que é o mito? De inicio podemos dizer que um mito é uma narrativa, mas,
esta simples definição é insuficiente para explicar o que é um mito, devido à
complexidade do assunto. Dessa forma vejamos alguns tipos e características de mitos.
Podemos identificar quatro sentidos que vamos desenvolver nesse texto, são eles: 1º)
Narrativa falsa. O mito entendido como sinônimo de mentira e ilusão; 2º) Narrativa de
um acontecimento grandioso, extraordinário. No sentido de algo que está acima do que
pode ser considerado comum, por se tratar de um acontecimento que não ocorre sempre;
3º) Narrativa de um acontecimento sagrado. Este sentido está fortemente ligado a
religião, e diz respeito às ações dos deuses ou de Deus na vida do homem. Através
dessas narrativas o homem é capaz de entender algo sobre o divino, ou simplesmente
vivenciar o sagrado (experiência da presença de uma potência divina - sobrenatural 2);
4º) Narrativa de acontecimentos fabulosos e também sobrenaturais. Diz respeito às
diversas histórias de seres fantásticos, sobrenaturais e as suas ações fabulosas.
1º) Narrativa falsa: O primeiro sentido de mito de que falamos, mito como
mentira, o encontramos facilmente nos dias de hoje. Se perguntarmos a alguém o que é
um mito, a pessoa provavelmente nos dirá que mito é o mesmo que mentira.
Encontramos esse sentido sendo utilizado por especialistas para dizer que uma coisa é
falsa. Assim, quando um nutricionista, por exemplo, quer dizer que é mentira que um
alimento engorda ele diz que aquilo é um mito. Ou quando não se acredita em discos
voadores diz-se “Isso não existe, é mito!”. Mas, o significado da palavra mito não é
esse. Mythos, de onde se origina o termo mito, é uma palavra grega que significa
“narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo [...]”3. Devemos notar
que nem tudo o que é lendário é falso. É verdade que muitas coisas lendárias podem ser
falsas, mas, também há uma série de coisas lendárias, míticas, que não são falsas. 2º)
Narrativa de um acontecimento grandioso, extraordinário: Quando ouvimos alguém
dizer que uma pessoa fez algo realmente grandioso, quando o nome dessa pessoa se
torna sinônimo de grandeza, por sua força, por sua beleza, pelas suas vitórias,
habilidades etc., o mito está ali naquela história. Porque aquela história é lendária, e
porque não fala de uma pessoa qualquer, mas de alguém que foi, ou é, realmente
lendário. Dessa forma, mito não é uma palavra de significado único e simples, como o
de mentira. Pois, quando alguém diz algo do tipo “Airton Senna foi um mito” essa
pessoa não está querendo dizer que o piloto de formula um é falso, ela está dizendo que
ele foi realmente grandioso, extraordinário, mítico. A mesma coisa acontece quando
2
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia. (cap. XVIII A experiência do sagrado, São Paulo, 2008,
Editora Ática.
3
MARCONDES, Danilo. JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia, Rio de Janeiro, 2006, Zahar.
uma pessoa admirada com o talento de alguém diz “você é um verdadeiro mito!” Trata-
se do reconhecimento da grandeza de algo, e não a acusação de aquilo ser mentira.
Antes de analisarmos o 3º e 4º sentidos, tomemos mais uma definição do que é
um mito: “Em suma, os mitos descrevem as diversas e, algumas vezes dramáticas,
irrupções do sagrado (ou do sobrenatural) no mundo.4” Os mitos podem descrever as
aparições do sagrado e do sobrenatural. Vejamos o primeiro caso. 3º) Histórias sobre
eventos, contendo elementos sobrenaturais, mas que essencialmente dizem respeito a
manifestações de alguma força ou forças sagradas no mundo (de deuses, de deus, ou de
algo totalmente misterioso do qual não se consegue nomear). Como exemplos podemos
citar os diversos milagres que ouvimos falar, castigos de Deus ou dos deuses etc 5. 4º)
Trata de histórias sobre seres sobrenaturais que habitam as florestas, tais como fadas e
lobisomens durante a Idade Média, ou, centauros e heróis de força gigantesca na Grécia
antiga, ou ainda (para não ficarmos de fora) mitos urbanos como the blood Mary, versão
estadunidense de nossa loira do banheiro. Todas essas histórias exprimem o que
podemos chamar de consciência mítica, isto é, a forma como o homem pensa e
experimenta os mitos.
Os mitos podem ser entendidos como representações coletivas de fatos que
sempre se repetem na vida do homem, tais como nascimento e morte, luta contra as
forças da natureza, derrota e vitória etc. Isso significa que, por traz de cada uma dessas
míticas histórias contadas, esconde-se a necessidade psicológica em vivenciar esses
elementos tão importantes do dia a dia. Vivencia-se um mito, ao escutá-lo sendo
contado, de forma semelhante ao que vivencia um leitor de um romance, ou alguém
assistindo a um filme. Nesses casos, por um efeito psicológico de participação, o leitor
ou o telespectador, parece participar da narrativa, quando o herói enfrenta o vilão ou o
monstro, por exemplo.
Assim, durante muito tempo a mitologia foi para os gregos a única forma de
explicação de tudo o que ocorria na realidade. Uma colheita ruim, por exemplo, poderia
ser explicada como sendo a conseqüência de um ritual que não se fez da forma correta,
e isso poderia ter desagradado aos deuses. Apolo, o deus arqueiro, poderia lançar flechas
4
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva, 1994.
5
Em Linguagem e mito o filósofo Ernst Cassirer analisa as experiências do homem “primitivo” desse tipo
especifico.
que atingiam os homens deixando-os doentes ou matando-os. Nas florestas e bosques
acreditava-se que podia haver perigosos centauros ou belas ninfas. Estas explicações
não podiam ser questionadas porque eram muito antigas, tradicionais. Deveriam ser
acreditadas sempre, sem que se pudesse pensar a respeito da sua veracidade, pois elas
possuíam autoridade e eram passadas de geração para geração. Assim como acontece
entre nós, de uma história ou explicação ser contada por alguém mais velho de nossa
família, tal como um pai, mãe, avô ou avó, e com isso adquirir respeito, autoridade que
a própria pessoa que contou a história possui.
Essa autoridade dos mitos começará a ser questionada pelos filósofos, pois,
conforme vimos, a filosofia exige de nós que reavaliemos as nossas crenças. E muitas
vezes o conhecimento tradicional, isto é, o conhecimento que vem da tradição, é
passado de uma geração para outra sem que se admita de forma alguma a sua critica. 6
Nesse caso, a tradição se torna conservadorismo, ou seja, atitude que se opõe a toda
mudança e que, portanto, deseja apenas a conservação das coisas tal como já estão. Essa
atitude é ruim porque não permite que os homens possam escolher livremente no que
acreditar, ou como explicar as coisas que acontecem. Mas, a tradição também pode ser
positiva, no sentido de que é ela que garante o aprendizado da história e da cultura do
nosso povo. A questão pode ser resumida em termos de como a tradição é passada de
uma geração para outra. Se é permitido àquele que aprende, discordar do que esta sendo
ensinado e pensar de forma diferente; ou se ele deve necessariamente, e sem pensar a
respeito, acreditar no que está sendo ensinado. A tradição pode ser bem vinda, se a
consideramos correta, mas, só podemos saber disso se pensarmos bem antes de aceita-
la.
Um fator importante para a mudança de mentalidade grega, em relação à
autoridade dos mitos, foi o caso dos gregos terem sido uma civilização que realizou
muitos contatos com outros povos, pelo fato de serem grandes comerciantes e
navegadores. Foi através desses contatos que eles perceberam que todos os outros povos
possuíam mitos, mas, curiosamente, esses mitos eram diferentes de povo para povo.
Nesse caso se puseram a questionar: As explicações e histórias que narram os mitos são
a melhor forma de explicar o que acontece no mundo? Não haveria outra forma? Esses
mitos, contados por diferentes povos, servem apenas para o povo que os conta? Não
6
A palavra tradição vem do latim traditio e significa a transmissão de uma cultura, crença ou técnica de
uma geração para outra. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, Martins Fontes, São Paulo,
2007. p. 977)
poderia existir um tipo de saber que, ao contrário dos mitos, possa valer para todos os
povos?
Foi então que surgiu a filosofia, como uma tentativa de estabelecer um
conhecimento sobre as coisas do mundo que fosse, de um lado, mais rigoroso que o
mito, isto é, que fosse mais coerente com o mundo em que vivemos, pois as histórias
que falavam de seres sobrenaturais e divinos não podiam ser verificadas. Não se
encontrava por ai esses seres e acontecimentos maravilhosos 7. E de outro, que fosse
fruto apenas da inteligência do homem, sem interferência da tradição, que diz ao
homem como ele deve ser e como ele deve pensar, isto é, a tradição poderia ser pensada
livremente.
Em relação ao que os mitos contam, pensaram os gregos, que, se tais coisas são
reais, então, elas devem ser investigadas, questionadas e pensadas livremente o máximo
possível, para que se possa comprovar a sua realidade e o que de fato elas são.
“Todo aquele que se dedica a filosofia quer viver para a verdade. Vá para onde for,
aconteça o que lhe acontecer [...] está sempre interrogando. É possível certa confiança,
7
Em Acreditaram os gregos em seus mitos? o historiador francês Paul Veyne defenderá que é com o
surgimento dos métodos de historiografia, na Grécia antiga, que se começa a rejeitar as explicações dos
mitos.
mas não a certeza [...]. A filosofia se expõe a abismos diante dos quais não deve fechar
os olhos, assim como não pode esperar que desapareçam por encanto.” 8
8
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1993, p. 138.
9
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia. São Paulo, 2008, Editora Ática.
10
Ibid. São Paulo, Editora Ática, p. 70.
11
Frase do filósofo francês Blaise Pascal.
em que os sentimentos nos comandaram, voltamos à razão e reconhecemos ter tomado a
decisão errada.
A palavra critica, em grego kritiké, significa capacidade para julgar, discernir e
decidir corretamente.12 Geralmente ninguém gosta da palavra critica, mas a verdade é
que todos somos mais ou menos críticos durante o nosso dia a dia. Basta tomarmos o
significado de critica para percebermos isso. Se crítica é ter o poder de julgar, para que
através desse julgamento possamos decidir corretamente entre uma coisa e outra, é
dessa forma que sabemos se algo é verdadeiro ou falso. É somente utilizando a nossa
capacidade critica que podemos decidir corretamente entre uma coisa e outra. Na
verdade a maioria das pessoas não gosta da palavra critica porque a relacionam com
pessoas chatas que vivem o tempo todo criticando tudo ao seu redor. Não se trata disso,
pois, podemos entender a palavra crítica num sentido 1º positivo, no qual criticar é
importante para ter conhecimento sobre as coisas; e 2º negativo, crítica como forma de
denegrir, rebaixar e desrespeitar os outros para sentir-se superior a eles.
No primeiro sentido temos a critica como uma necessidade de julgar, avaliar,
todas as coisas que se passam ao nosso redor, como as crenças e o comportamento das
pessoas, para que através disso possamos saber o que é correto e o que não é. Também
precisamos ter consciência de que do mesmo modo que direcionamos o nosso olhar
critico para os outros, para o que acontece ao nosso redor, julgando o que as pessoas
fazem e no que acreditam, temos também que direcionar esse mesmo olhar critico para
nós mesmos, avaliando as nossas ações, e nossas crenças. Em outras palavras, o ideal é
que não sejamos críticos pela metade, julgando tudo e a todos menos a nós mesmos.
Fazer isso pode nos conduzir a uma postura bastante perigosa, que é a de ver defeitos
em tudo menos em nós.
O segundo sentido é este, o de utilizar a capacidade critica para denegrir, e
desrespeitar as opiniões ou as ações das outras pessoas. Esse é um sentido ruim da
palavra critica, e pessoas assim não são realmente críticas, porque se recusam a
criticarem a si mesmas. É perigoso, porque aquele que não tem capacidade de criticar a
si mesmo, provavelmente pensa que não possui defeitos, e que nunca está errado.
Agindo assim, se coloca acima de todas as outras pessoas e passa a criticá-las
imaginando-se superior a elas. Torna-se fanático pelo que acredita e passa a
menosprezar o que os outros crêem.
12
Ibid. Iniciação à filosofia, São Paulo, Editora Ática, p. 19.
“Há, então, na pesquisa filosófica uma humildade autentica que se opõe ao orgulhoso
dogmatismo13 do fanático: o fanático está certo de possuir a verdade. Assim sendo, ele
não tem mais necessidade de pesquisar e sucumbe a tentação de impor sua verdade a
outrem. A humildade filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence mais a
mim que a ti, mas que ela está diante de nós.” 14
13
Dogmatismo vem da palavra dogma que significa uma opinião que é transmitida de modo impositivo
sem que se possa contestar. MARCONDES, Danilo. JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia,
Rio de Janeiro, 2006, Zahar, p. 78.
14
HUISMAN, Denis; VERGEZ, A. A ação. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1996. v. 1, p. 24.
15
Ibid. Dicionário básico de filosofia, Rio de Janeiro, 2006, Zahar, p. 106.
gosta de telenovelas, e as emissoras de TV produzem variados tipos de história. Muitas
dessas histórias assistidas foram escritas por seus autores com o objetivo de trazer um
ensinamento para a população que as assiste. Pode-se abordar a questão das drogas
através de um personagem viciado, mostrando todos os problemas que trazem o uso
dessas substancias. De pré-conceito, de corrupção ou de inúmeros outros temas, através
das histórias que os personagens vivem. Essas histórias podem ser vistas como
alegorias, como narrativas que trazem um significado oculto; mesmo que o tema seja as
drogas, por exemplo, não se diz diretamente ao público que drogas são perigosas, mas,
através das situações que aparecem na história, o público compreende indiretamente o
que esta sendo dito. Entendimento do tipo diga não as drogas, ou, não tenha pré-
conceitos, respeite quem é diferente de você. Dizemos que o significado dessas histórias
é alegórico.
Outro exemplo, que pode nos ajudar a compreender o que é uma alegoria é o do
desfile alegórico durante o carnaval brasileiro. Assistimos as escolas de samba exibir as
imagens e ornamentações que explicam o seu enredo. Os temas das escolas podem ser
os mais variados possíveis, desde a homenagem a alguém importante, até o futebol, a
arte ou um estado brasileiro. Se o tema é o nordeste, por exemplo, haverá ornamentos
nos carros alegóricos, nas fantasias dos passistas etc. Que trazem imagens relacionadas
à história do povo nordestino. Todas essas imagens desfiladas são chamadas alegóricas.
Porque através de cada uma dessas imagens que vai passando, uma história vai sendo
contada. O nordeste é, assim, representado para o público, através das poucas frases que
o interprete da escola repete e das inúmeras imagens, bonecos e fantasias que desfilam.
Pois bem, agora que já temos uma mínima idéia do que é uma alegoria, vamos à
história contada pelo filósofo Platão, ela nos parece importante para nos ajudar a
entender o que é isso que chamamos filosofia.
16
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000. p. 47.
Bibliografia