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1. Introdução
Desta forma, introduzimos o tema tratando das normas tributárias a serem consideradas
na avaliação do erro na identificação do sujeito passivo e, daí, partimos ao estudo da
extinção da sociedade na incorporação para finalmente pousar no debate atual que se
trava em torno da nulidade por incorreta identificação da incorporada como sujeito
passivo no lançamento.
No que interessa mais de perto a este exame, é evidente que a identificação do sujeito
passivo enquanto requisito do lançamento deve estar em consonância com as regras que
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regulam a sujeição passiva tributária. Segundo a norma prevista no art. 121 do CTN, o
sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária, dizendo-se contribuinte aquele com relação pessoal e direta com
a situação que constitui o fato gerador, e responsável aquele cuja obrigação decorra de
disposição expressa de lei, ainda que não se adeque à condição de contribuinte.
Esta regra geral de sujeição passiva deve ser aplicada com atenção aos demais
comandos legais que regulamentam o tema, como as regras de sucessão (arts. 132 e
133, CTN) e responsabilidade de terceiros (arts. 134 e 135, CTN), de acordo com a
hipótese fática em questão. Percebe-se, assim, que a indicação do sujeito passivo
revela-se como um dos elementos materiais do lançamento, e não apenas um aspecto
processual ou formal do processo administrativo tributário.
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A incorporação e a nulidade por erro na identificação do
sujeito passivo no direito tributário
Dentro deste panorama, a própria Receita Federal do Brasil, em suas notas sobre o art.
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59, § 3.º, do Dec. 70.235/1992, comenta a nulidade por “ilegitimidade passiva”
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assentada no art. 142 do CTN, contudo parece-nos que sem a devida densidade
científica necessária para que se tenha uma diretriz adequada na composição da
jurisprudência.
Ressaltamos, por fim, que esta posição felizmente está em harmonia com o recente
Parecer 278/2014, editado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em conjunto
com a Coordenação-Geral de Assuntos Tributários, no qual se reconheceu a possibilidade
do erro de direito advindo da incorreta identificação do sujeito passivo representar “um
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vício material, que é insanável, ocasionando a anulação do lançamento”.
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A incorporação e a nulidade por erro na identificação do
sujeito passivo no direito tributário
Art. 1.116 do Código Civil – “Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas
por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la,
na forma estabelecida para os respectivos tipos.”
Art. 227 da Lei 6.404/1976 – “A incorporação é a operação pela qual uma ou mais
sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e
obrigações.”
Mesmo um exame primário dos referidos dispositivos permite, desde logo, a constatação
de dois dos principais efeitos da incorporação segundo o nosso regramento: (a) a
extinção de uma sociedade previamente existente (incorporada), para que seu
patrimônio possa ser absorvido por outra e (b) a sucessão universal dos direitos e
obrigações que compõem o patrimônio da sociedade extinta por uma outra sociedade
(incorporadora). A rigor, este é o núcleo essencial que compõe o conceito de absorção
da sociedade proposto pelas normas jurídicas de direito privado aqui brevemente
examinadas.
Dessa forma, por envolver terceiros e por não ser do interesse negocial das partes, não
há como se extinguir o conjunto de posições ativas e passivas que compõe o patrimônio
da sociedade incorporada, da mesma forma que, por não se tratar de fusão, não se
imiscuem as personalidades jurídicas das sociedades incorporada e incorporadora.
Destarte, para que o negócio jurídico da incorporação possa adentrar no campo da
eficácia, é preciso que a sociedade incorporada – e não seu patrimônio – extinga-se e a
sociedade incorporadora suceda-a em todo seu conjunto patrimonial. Assim, “ocorre,
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portanto, o fenômeno da sucessão universal” do patrimônio da sociedade incorporada.
Nesta temática, faz-se indispensável citar Bulgarelli, que, com a profundidade que lhe é
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peculiar, afirma:
Em relação à extinção da sociedade, parecem todos, pois de acordo que deve ocorrer.
Extingue-se, porém, para uns, a sociedade plenamente; para outros, como Ferri, só a
personalidade jurídica, pois o vinculo social continua na incorporante, como fenômeno
que é da concentração empresarial.”
Sob este prisma, vale lembrar que o conceito e os efeitos da incorporação, na forma
como se recordou suscintamente, não se limitam à jurisdição brasileira e alcançam
também os estudos jurídicos de direito societário no plano internacional, pelo que
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trazemos à baila exemplificativamente a exposição de J. H. Farrar’s sobre o assunto:
“In most of the continental European member states of the EEC a merger is effected by
either:
(1) an absorption of one company by another and the transfer of all the assets of the
absorbed company to the other. The later issues shares to the shareholders of the
absorbed company which is then dissolved (this ressembles an ‘A’ reorganization in US
laws and a reconstruction in English law); or
(2) the formation of a new company which absorbs two other companies as in (1), with
the later companies being dissolved rather than becoming members of a group as they
would in an English amalgamation. This resembles a consolidation in US laws.”
Ressalte-se ainda que tal extinção é bastante característica, uma vez que não são
aplicáveis os processos de dissolução e liquidação, assumindo a sociedade incorporadora
somente direitos e deveres existentes quando da incorporação, e sendo os direitos e
deveres posteriormente alegados eivados de incoerência já no plano da existência. Sobre
isso:
Sobre a criação desses vínculos jurídicos e sucessão de posições jurídicas por parte da
sociedade incorporadora, nada mais justo que mencionar um dos maiores juristas
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brasileiros, Pontes de Miranda:
A partir das sucintas análises aqui expostas acerca da nulidade do lançamento por erro
na identificação do sujeito passivo e, em sequência, sobre a operação de incorporação
de sociedade, podemos estabelecer por certo que: (a) um dos efeitos da incorporação de
uma sociedade é a extinção da pessoa jurídica incorporada; (b) o lançamento deve
identificar corretamente o sujeito passivo e o erro de direito nesta identificação
representa um vicio essencial do ato que implica em nulidade material por ofensa ao art.
142 do CTN.
Dentro deste raciocínio, nos parece inexorável a conclusão de que na hipótese do sujeito
passivo indicado no lançamento ser a sociedade incorporada, em momento anterior à
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A incorporação e a nulidade por erro na identificação do
sujeito passivo no direito tributário
A consequência inarredável deste erro de direito pode ser apenas a nulidade material
derivada da inadequação das normas jurídicas aplicadas pela autoridade administrativa
na constituição do ato. Não se trata de singela desfiguração formal, mas de verdadeira
afronta ao Direito. Se a sociedade incorporada existia não por ocasião da lavratura do
ato, também não é possível cogitar de sucessão pela incorporadora, e ainda que fosse a
incorporada o contribuinte direto (sujeito passivo legítimo) por ocasião da ocorrência do
fato gerador, a sucessão da responsabilidade obriga à Administração Tributária a
formular a exigência em face da sociedade incorporadora, o que implica na absoluta
invalidade da indicação da sociedade incorporada como sujeito passivo do lançamento.
Frise-se, ainda, que nesta decisão a Turma não se fundou apenas na interpretação da
legislação federal e das normas previstas em atos infralegais, mas buscou amparo
também na pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que ratifica a extinção
da personalidade jurídica da incorporada pela incorporação, afirmando a sucessão dos
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direitos e obrigações pela incorporadora no plano das relações jurídicas materiais, e
entende ser o sujeito passivo a pessoa jurídica que continua total ou parcialmente a
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existir juridicamente na hipótese de sucessão empresarial. A nosso ver, andou bem o
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sujeito passivo no direito tributário
Conselho neste julgamento e o referido acórdão deve ser enaltecido pela comunidade
jurídica, além de utilizado como paradigma para a edição de uma súmula sobre a
matéria.
Nesse embate, certamente é o primeiro entendimento que deve sair vitorioso, porquanto
o esforço interpretativo empreendido na controvérsia leva em conta a enorme
complexidade do sistema de normas envolvido, observando com cautela as
peculiaridades do regime societário e da natureza dos institutos jurídicos tributários que
se aglutinam ao redor da questão de fundo suscitada.
Bem por isso, cabe neste momento aberta crítica à Proposta de Súmula 19, contida na
Nota PGFN/Cocat 888/2013, que pretendia fixar o seguinte enunciado: “O erro na
identificação do sujeito passivo caracteriza vício formal”. Com efeito, o incongruente
reducionismo empregado na sugestão, após examinarmos detidamente a rica e farta
doutrina escrita sobre as distinções entre “erro de fato” e “erro de direito”, bem como a
sua aplicação às nulidades no processo administrativo tributário e no lançamento,
mostra-nos a pusilanimidade descabida da proposta. Até por isso, o exemplar Parecer
PGFN/CAT 278/2014, citado acima, indicou inclusive a retirada da proposta ou o seu
aperfeiçoamento.
De todo modo, o ponto é relevante para demonstrar as inegáveis divergências que vem
surgindo em torno do tema, assim como a insurgência do assunto no cenário jurídico
atual. O problema deve ser enfrentado e pacificado em breve no âmbito administrativo,
de sorte que devemos acompanhar de perto o desenvolvimento da discussão para evitar
a concretização de um posicionamento profundamente equivocado pela jurisprudência.
Cremos que este breve ensaio seja suficiente para evidenciar os principais aspectos da
discussão que reveste o problema do erro na identificação do sujeito passivo no
lançamento em casos que envolvam a incorporação da empresa autuada, que
atualmente ocupa sólido espaço nos debates travados no âmbito do Carf e da PGFN. As
reflexões brevemente despendidas neste estudo nos revelam que:
2 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21 ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 426.
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o
respectivo fato gerador;
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A incorporação e a nulidade por erro na identificação do
sujeito passivo no direito tributário
5 Art. 59, § 3.º “Notas (…) Nulidade de atos e termos: Além dos casos de nulidade
elencados nos incisos do art. 59 do Dec. 70.235/1972, há outros que decorrem, entre
outros diplomas, do Código Tributário Nacional: (…) b) nulidade por ilegitimidade passiva
(art. 142 do CTN): o erro na identificação do sujeito passivo torna nulo o lançamento (‘o
equívoco quanto à indicação do sujeito passivo acarreta a extinção do processo em
qualquer instância em que venha a ser arguida’ – Acórdão 1.º CC – 101-71.342/80)”.
9 DITTRICH, Pedro Marcelo. Incorporação, Fusão e cisão no direito brasileiro. In: ULHOA
COELHO, Fabio; RIBEIRO, Maria de Fátima. Questões de direito societário em Portugal e
no Brasil. Coimbra: Almedina, 2012. p. 562.
12 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. vol.
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A incorporação e a nulidade por erro na identificação do
sujeito passivo no direito tributário
II – pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras
sociedades.”
14 FARRAR. John H. Company Law. Third Edition. London: Buttersworths & CO, 1991.
Trad. livre: “Na maioria dos Estados continentais membros da Comunidade Econômica
Europeia (CEE), uma incorporação (merger) é uma das seguintes formas: (1) uma
absorção de um companhia por outra e a transferência de todo o patrimônio da
companhia absorvida para a outra. Esta última emite ações para os sócios da companhia
absorvida, que é então dissolvida (isto parece uma reorganização ‘A’ no Direito
Estadunidense ou uma reconstrução no Direito Inglês); ou (2) a formação de uma nova
companhia que absorve duas outras companhias como em (1), sendo as últimas
companhias dissolvidas ao invés de se tornarem membros de um grupo, como seriam
em uma ‘fusão’ (amalgamation) inglesa.”
16 A respeito, v. LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (coords.). Direito
das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. vol. II, p. 1901.
19 “Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação
ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do
ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou
incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas
jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada
por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou
sob firma individual”.
20 “Art. 207. Respondem pelo imposto devido pelas pessoas jurídicas transformadas,
extintas ou cindidas (Lei 5.172, de 1966, art. 132, e Dec.-lei 1.598, de 1977, art. 5.º):
(…)
21 “Art. 235. A pessoa jurídica que tiver parte ou todo o seu patrimônio absorvido em
virtude de incorporação, fusão ou cisão deverá levantar balanço específico na data desse
evento.
§ 1 º Considera-se data do evento a data da deliberação que aprovar a incorporação,
fusão ou cisão.”
24 STJ, 3.ª T., REsp 1022038, DJE 22.10.2009, rel. Min. Nancy Andrighi; STJ, 1.ª T.,
REsp 645.455, DJ 09.05.05, rel. Min. José Delgado; STJ, 4.ª T., REsp 394379. DJ
19.12.2003, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
25 STJ, 1.ª Seção, REsp 923012, DJE 24.06.2010, rel. Min. Luiz Fux.
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